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Processo nº 346/2010
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 07 de Dezembro de 2011

ASSUNTO:
- Deficiência da notificação do acto
- Dever de fundamentação
- Interdição de entrada na RAEM
- Princípio da proporcionalidade

SUMÁRIO
- A deficiência da notificação por omitir os elementos previstos nas al. c) e d) do artº 70º do CPA não determina a invalidade do acto recorrido, mas apenas confere ao interessado o direito previsto no nº 2 do artº 27º do CPAC, isto é, pode requerer, no prazo de 10 dias, uma nova notificação com indicação dos elementos em falta ou a passagem de certidão ou fotocópia autenticada que os contenha, ficando assim suspenso, a partir da data da apresentação do requerimento e até à daquela notificação ou passagem, o prazo para interposição do recurso cuja contagem se tenha iniciado.
- Nos termos do artº 114º do CPA, os actos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções, devem ser fundamentados.
- O dever de fundamentação visa dar conhecimento ao administrado quais são as razões de facto e de direito que serviram base de decisão administrativa, ou seja, permitir o administrado conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade administrativa, para que possa optar aceitar o acto ou impugná-lo através dos meios legais.
- Assim, cumpre-se desde que exista “uma exposição das razões de facto e de direito que determinaram a prática do acto, independentemente da exactidão ou correcção dos fundamentos invocados.”
- Nos termos do nº 2 do artº 5º do CPC, “as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar”.
- O princípio da proporcionalidade projecta-se em três dimensões injuntivas: adequação, necessidade e equilíbrio. A adequação impõe que o meio utilizado seja idóneo à prossecução do objectivo da decisão. Entre todos os meios alternativos, deve ser escolhido aquele que implique uma lesão menos grave dos interesses sacrificados. O equilíbrio revela a justa medida entre os interesses presentes na ponderação e determina que, na relação desses interesses entre si, deve a composição ser proporcional à luz do interesse público em causa.
- Só se justifica a intervenção judicial quando existe erro grosseiro manifesto ou total desrazoabilidade do exercício do poder discricionário.
O Relator,
Ho Wai Neng


Processo nº 346/2010
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 07 de Dezembro de 2011
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Secretário para a Segurança (保安司司長)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
  A, melhor identificada nos autos, vem interpor o presente Recurso Contencioso contra o despacho do Secretário para a Segurança, de 16/03/2010, que determinou a Expulsão da ora Recorrente e a sua interdição de entrada na R.A.E.M. por um ano, concluíndo que:
a) O acto administrativo recorrido que constitui a sexta (6.ª) e última Notificação que a ora Recorrente recebeu nos Serviços de Migração da Polícia de Segurança Pública, em 9 de Abril de 2010, carece de fundamentação e dos motivos que implicaram a decisão do Exmo Senhor Secretário para a Segurança.
b) A ora Recorrente apenas sabe que lhe foi aplicada a medida de Expulsão da R.A.E.M. "por ter excedido o prazo de permanência na R.A.E.M. por 86 dias" e que fica interdita de reentrar no Território durante 1 (um) ano,
c) Bem como ficou ciente que poderá recorrer do presente acto administrativo de 16 de Março de 2010 por via contenciosa, o que faz com o presente recurso.
d) Todas as sucessivas notificações e decisões e actos administrativos de ordem de expulsão e interdição de entrada por 1 (um) ano da ora Recorrente, em 29 de Abril de 2009, em 13 de Junho de 2009, em 11 de Setembro de 2009, em 7 de Dezembro de 2009, em 16 de Março de 2010 e em 9 de Abril de 2010,
e) Estão carecidas de fundamentação e têm erros e lapsos que implicam a anulação da medida de expulsão e interdição de entrada por 1 (um) ano, desde logo, nos termos da alínea c) do número 1 e da alínea a) do número 2, ambos do artigo 21º do CPAC.
f) Todas as sucessivas notificações de expulsão, porque imperfeita e mal fundamentadas, já motivaram a extinção de duas (2) anteriores lides de recurso contencioso neste mesmo Douto Tribunal de Segunda Instância por motivos exclusivamente imputáveis à Autoridade Recorrida (os processos de recurso contencioso números 831/2009 e 34/2010),
g) Pelo que, até à decisão final da presente lide, solicita-se a Vossas Excelências a suspensão da medida decretada de expulsão e interdição de entrada na R.A.E.M. por um ano, até ao trânsito em Julgado destes autos.
h) Para além destes factos, salvo melhor Juízo, a notificação que remete para o Despacho do Senhor Secretário para a Segurança e de cujo conteúdo a Recorrente desconhece viola, designadamente, as alíneas c) e d) do número 1 e da alínea a) do número 2, todos do artigo 21 ° do Código do Processo Administrativo Contencioso,
i) Recorrendo-se de uma notificação cujo conteúdo, ressalve-se a Recorrente não tem qualquer conhecimento do mesmo.
j) O Despacho a que se refere a notificação e que se juntou como Documento nº 1, não se encontra exarado na referida informação anexa ao ofício, nem tão pouco é comunicado ou transcrito noutro local, razão pela qual não pode a Recorrente identificá-lo, com precisão, sem prejuízo de a isso estar obrigada, nesta sede de Recurso Contencioso.
k) A Recorrente tem, apenas, um Parecer do Senhor Assessor do Gabinete do Secretário para a Segurança com um sentido provável da decisão final de indeferimento do seu pedido de autorização de residência, datado de 11 de Junho de 2009 e que a mesma foi notificada nos Serviços de Migração da P.S.P. (foi junto como Documento n.º 2) em 13 de Junho de 2009,
l) Mas, nunca obteve nenhuma decisão (e fundamentada) quer do seu pedido de Autorização Excepcional de Residência, quer do seu pedido de Autorização Especial de Permanência, quer, finalmente, do pedido de suspensão do seu processo de expulsão apresentado em 4 de Maio de 2009 no Corpo da Polícia de Segurança Pública (P.S.P.).
m) A segunda questão que se coloca prende-se com o facto dessa notificação ter sido efectuada, no entender da ora Recorrente, de forma irregular.
n) O artigo 70° do CPA estabelece, de forma taxativa, quais os elementos que devem constar da notificação de um acto administrativo;
o) Ao não ter sido notificado do texto integral do Despacho de Sua Excelência o Secretário para a Segurança, é o acto administrativo ilegal, por violação do artigo 70° do CPA, na medida em que a Recorrente não foi de todo notificado dos fundamentos da decisão, e portanto não conhece nem detém na decisão que lhe foi aplicada todos os elementos a que faz alusão e exige o artigo 70º do CPA.
p) Por outro lado, o douto "Despacho" de 8 de Junho de 2009 exarado na "Proposta n° XXXX/2009/CI deste Serviço" mencionado no presente acto administrativo recorrido de 7 de Dezembro de 2009 entregue à Recorrente, não se encontra exarado na referida informação anexa ao oficio, nem tão pouco é comunicado ou transcrito noutro local, razão pela qual não pode a Recorrente identificá-lo, com precisão, sem prejuízo de a isso estar obrigado;
q) Não tendo sido notificado do referido acto, está em causa a garantia de defesa do particular em face da Administração, visto não conhecer a Recorrente o conteúdo integral do acto administrativo em causa, nem tão pouco pode ter exacta noção se os fundamentos ora notificados e constantes do Despacho do Senhor Secretário para a Segurança da Região Administrativa Especial de Macau foram objecto de concordância expressa e integral por parte do Senhor Chefe do Executivo.
r) Facto que toma o acto administrativo ilegal, por vício de forma e falta dos elementos essenciais do acto administrativo recorrido, devendo o mesmo ser anulado e revogado à luz do artigo 21° do CPAC, designadamente, as alíneas c) e d) do número 1 e a alínea a) do número 2 do preceito legal referido.
s) Actuando a Administração, neste domínio, no âmbito de poderes discricionários, tal não significa que possa violar a lei, como parece ter acontecido no caso particular ora em apreço;
t)  Idêntica conclusão se chega se enquadrannos o regime especial do artigo 27º da Lei 6/2004 de 2 de Agosto de 2004 com o artigo 11° da Lei n.° 4/2003, de 17 de Março que prevêem ambas, a possibilidade de conceder o Perdão por parte do Senhor Chefe do Executivo, em casos de situação excepcional como é o do presente caso, com as razões humanitárias que o caso reveste e que permitem a concessão de Autorização de Residência à Recorrente, também pelo Senhor Chefe do Executivo, por razões humanitárias ou em casos excepcionais, como é o caso.
u) Existem 2 (duas) filhas menores, de 13 (treze) anos de idade e de 1 (um) ano e 3 (três) meses de idade, a Recorrente vivem ambas com um cidadão português residente em Macau, que vive com a Recorrente desde 2003, a Recorrente trabalhou como Ajudante Familiar até Abril de 2009 para um Cidadão de nacionalidade indonésia que atestou documentalmente em 24 de Junho de 2009 que a Recorrente trabalhava legalmente,
v) A mesma Recorrente apresentou um pedido de renovação do seu Título de Trabalho de Residente Não Permanente em 21 de Abril de 2009 ao Gabinete dos Recursos Humanos da R.A.E.M., para exercer as mesmas funções,
w) Ficou confirmado que o Senhor B, 2° Requerente da Autorização de Residência que a Recorrente procura obter, é o Pai da C, filha de ambos nascida em Fevereiro do transacto ano de 2009,
x) Pelo que, a medida administrativa de expulsão é excessiva, bem como a medida complementar de interdição de entrada por um ano em Macau,
y) Cuja decisão se pretende aqui que Vossas Excelências revoguem.
z) É certo que os diplomas que fixam a Autorização de Residência e a Autorização de Pennanência visam deixar um amplo espaço de decisão à Administração, embora, em entender da Recorrente, apenas se possa falar de discricionariedade técnica ou imprópria.
aa) Nesta medida, afigura-se oportuno o presente Recurso, porquanto visa revogar o acto administrativo ora recorrido, com fundamento na sua falta de conveniência/oportunidade, nos termos do artigo 146º do CPA.
bb) A Recorrente nunca esteve em situação ilegal, na medida em que sempre manteve o seu "blue card" ou Autorização de Trabalho válido até ao dia em que tomou conhecimento da possível irregularidade, i.e., quando foi notificado do cancelamento, um dia antes de o mesmo caducar, quando se apresentou aos Serviços de Migração para o mesmo ser renovado, em 29 de Abril de 2009.
cc) A situação de clandestinidade não existe e a Recorrente vive, em comunhão de mesa e habitação, como se casados fossem, com o Senhor B em casa deste desde 2002 (há mais de oito anos), não se tratando de imigração ilegal ou de trabalho clandestino e ilegal em Macau.
dd) Por todos os factos descritos e em face dos documentos apresentados, requer-se, quer o Reagrupamento Familiar, quer a concessão de Autorização de Residência por razões humanitárias e requer-se a revogação da ordem de expulsão do Território de Macau.
ee) Assim, pedindo a Vossas Excelências para, na apreciação deste Recurso, atendam à situação material em que sempre se encontrou a Recorrente e, insistindo-se, nunca constituiu infracção às normas que disciplinam e fixam o critério de residência temporária da R.A.E.M..
ff) E que não atendam à situação do formalismo de um casamento filipino que não pode dissolver-se, quando há mais de 11 (onze) anos que o ainda marido da Recorrente vive nas Filipinas e não vê nem mantém qualquer contacto com a Recorrente desde 1999, um ano depois de casado e até hoje.
gg) Nestes termos e nos melhores de Direito, que Vossas Excelências melhor suprirão:
a Deverá ser proferido Acórdão no sentido de que a Recorrente seja notificado do conteúdo integral do Despacho de Sua Excelência o Secretário para a Segurança, por forma a que dele tenha total conhecimento;
b Deverá ser o acto administrativo recorrido anulado e revogado, visto ser o mesmo anulável por vício de forma, ao abrigo da alínea c) do número 1 do artigo 21º do CPAC, por não conter todos os elementos consagrados no art. 70.º do CPA;
c Ainda, o acto é ilegal por manifesta desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários da Administração da R.A.E.M., violando a alínea d) do numero 1 do artigo 21º do CPAC,
d Bem como, o acto administrativo recorrido não contém de todo os elementos essenciais que permitam ajuizar da correcta aplicação da lei e dos fundamentós absolutamente excepcionais da situação concreta da Recorrente, violando-se, também, ainda, a alínea a) do número 2 do artigo 21° do CPAC,
e Deverá ser proferido Acórdão anulando e revogando o Despacho recorrido e determinando a prática de um outro, que defira a concessão da autorização de residência ao abrigo da Lei n.º 4/2003 de 17 de Março de 2003, bem como o Reagrupamento Familiar que permite a concessão da mesma Autorização de Residência, à luz, designadamente, dos artigos 9º a 11º da referida Lei n.º 4/2003.
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Regularmente citada, a entidade recorrida contestou nos termos constantes a fls. 108 a 117 dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, pugnando pelo não provimento do recurso.
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Quer a recorrente, quer a entidade recorrida, ambas apresentaram as alegações facultativas, mantendo, no essencial, as posições já tomadas na petição inicial e na contestação, respectivamente.
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O Ministério Público é de parecer da improcedência do recurso, a saber:
“Vem A, de nacionalidade filipina, impugnar o despacho de 16/3/10 do secretário para a Segurança que determinou a sua expulsão da RAEM e sua interdição de entrada na RAEM por um ano, assacando-lhe vícios cuja expressão ousamos sintetizar como
- falta de devida notificação, fundamentação e de elementos essenciais do acto ;
- erro nos pressupostos subjacentes à decisão tomada e
- manifesta desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, com afronta da proporcionalidade.
Impõe-se, em nosso critério, uma nota preliminar relativa à alegação da recorrente atinente a diversos aspectos formais que convirá esclarecer, desde logo, quanto ao tipo de pedidos formulados:
- pretendendo a recorrente a eventual suspensão da execução do acto em crise, haveria que ter lançado mão do meio preventivo ou conservatório pertinente para o efeito, no caso a suspensão de eficácia consignada no art° 120° e sgs do CPAC, tomando-se evidente não ser o presente processo o meio idóneo para o efeito pretendido;
- por outra banda, nos precisos termos do art° 20°, CPAC, "Excepto disposição em contrário, o recurso contencioso é e mera legalidade e tem por finalidade a anulação dos actos recorridos ou a declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica". não se enquadrando, como é óbvio, em tal perspectiva e contexto as almejadas revogação do acto e determinação de produção de novo acto em que se defira a concessão de autorização de residência, havendo, pois, que rejeitar liminarmente tais pretensões.
Também a argumentada falta de resposta da Administração relativa a diversos pedidos efectuados pela recorrente, como a autorização excepcional de residência, autorização excepcional de permanência e suspensão do seu processo de expulsão, não faz aqui qualquer sentido ou detém qualquer pertinência : existindo efectivamente tais pedidos sem resposta, incumbiria à recorrente, quiçá com fundamento em formação de actos tácitos de indeferimento, daí retirar as ilacções devidas, acautelando os interesses respectivos, com os meios impugnatórios ou graciosos ao seu alcance. Certo é que tal tipo de alegação não tem, no domínio do presente processo, o condão de surtir qualquer efeito válido.
Já quanto às vicissitudes da notificação, sabendo-se, como se sabe, não bulir tal matéria com a validade do acto, mas tão só, quando muito, com a eficácia respectiva, não se entende muito bem o alegado pela recorrente ao pretender não ter sido notificada do texto integral do despacho em questão, quando, manifestamente, recebeu cópia autenticada da íntegra de tal despacho (fls 124 a 127) que, anuindo ao parecer que lhe foi submetido, incorporou o mesmo.
E se, alguma deficiência ou irregularidade se poderia detectar no conteúdo dessa notificação, atento o preceituado no art° 70° CPA, seria a falta das menções a que aludem as als. c) e d) de tal dispositivo, faltas a que não vemos que a recorrente se reporte, sendo certo que, de todo o modo, lhe assistiria sempre a possibilidade contemplada no n° 2 do artº 27°, CPAC, de que se não descortina ter sido feito uso.
Posto isto, do cotejo do parecer a que o acto anuiu colhem-se, com clareza, proficiência e congruência, motivos de facto e de direito em que se estribou a decisão, sendo também claramente presentes as razões da rectificação a que se procedeu, precisamente no domínio da fundamentação, ficando um cidadão médio em perfeitas condições de apreender tais motivos, o que não deixou de suceder com a recorrente,
No que tange aos pressupostos subjacentes ao decidido, entende a recorrente que " ... nunca esteve em situação ilegal, na medida em que sempre manteve o seu "blue card" ou Autorização de Trabalho, válido até ao dia em que tomou conhecimento da possível irregularidade, i.é, quando foi notificada do cancelamento, um dia antes de o mesmo caducar, quando e apresentou nos Serviços de Migração para o mesmo ser renovado, em 29 de Abril de 2009", acrescentando que "A situação de clandestinidade não existe e a Recorrente vive, em comunhão de mesa e habitação, como se casados fossem, com o Senhor B em casa deste desde 2002 (há mais e oito anos), não se tratando de imigração ilegal ou de trabalho clandestino e ilegal em Macau".
Compreendendo-se o esforço do argumentado, não se nos afigura, porém, que, no que se toma essencial, assista razão à recorrente.
Esta, permanecia em Macau na qualidade de trabalhadora não residente, ao serviço e um cidadão indonésio, por seu turno também trabalhador não residente.
A empresa de arquitectura que o empregava cancelou o seu TI/TNR em 2/2/09, tendo-se o mesmo ausentado, desde essa data, da Região, apenas reentrando e saindo da mesma no dia 22/2/09 e mais não voltando a reentrar, pelo menos até à data formal do termo do contrato com a recorrente (30/4/09).
Neste contexto, como acentua a entidade recorrida, mostra-se acertado o cancelamento do TI/TNR da recorrente, com reporte a essa data de 2/2/09, já que "Ao empregador, após a cessação da sua relação laboral com uma empresa de Macau e o cancelamento do seu TI/TNR, não mais era legítimo, nem tecnicamente possível, manter em vigor a sua autorização de contratação de uma trabalhadora e consequentemente o TI/TNR desta".
Donde, dada a caducidade da sua autorização de permanência, dever a recorrente apresentar-se naquela data nos Serviços e Migração.
Não o tendo feito, à data da sua apresentação voluntária haviam já decorrido 86 dias de permanência ilegal na Região, incorrendo, assim, na previsão do n° 2 do artº 2° da Lei 6/2004, que faz corresponder a permanência não autorizada à condição de imigrante ilegal, a que são aplicáveis as medidas de expulsão e interdição de entrada, nos termos conjugados dos art°s 8° e 12°, nº 1 do mesmo diploma legal.
Pese embora a tentativa da recorrente de demonstração, além do mais, de permanência e susbsistência da sua relação laboral, mesmo após o seu empregador ter saído da Região e o escrito apresentado pelo mesmo, cremos revelarem-se intocáveis os pressupostos aduzidos, até por que, a partir do momento do cancelamento do seu próprio TI/TNR, já não "estava na mã" do empregador a manutenção e relação contratual válida que permitisse a permanência legal da recorrente na Região.
Claro está que, pese embora a ocorrência dos factos apontados, à Administração não estava vedado legalmente a possibilidade de não proferir o despacho em questão, ou proferir qualquer outro, quiçá mais "brando ", fundada, designadamente, em circunstâncias excepcionais de índole humanitária, matéria que, como é óbvio, nos não passa despercebida e a que não somos incólumes, tendo em conta, nomeadamente, quer o circunstancialismo familiar apurado, quer o facto de a recorrente se ter voluntàriamente apresentado nos Serviços de Migração logo que findo o prazo de validade do seu "blue card" : deparamo-nos, porém, perante matéria em que os normativos aplicáveis deixam ao órgão decisor ampla liberdade de apreciação àcerca da conveniência e da oportunidade das decisões encontrando-nos, assim, face a acto produzido no exercício de poderes discricionários, sendo que, por norma, nesta área, a intervenção do julgador ficará reservada apenas para casos de erro grosseiro ou injustiça manifesta.
Não se nos afigurando, "malgré tout", ser o caso, entendemos não merecer provimento o presente recurso”.
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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O Tribunal é o competente.
As partes possuem a personalidade e a capacidade judiciárias.
Mostram-se legítimas e regularmente patrocinadas.
Não há questões prévias, nulidades ou outras excepções que obstam ao conhecimento do mérito da causa.

II – Factos
Com base nos elementos existentes nos autos e no respectivo P.A., é assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa:
- Por despacho nº XXXXX/IMO/GRH/2008 do Gabinete para os Recursos Humanos, de 15/07/2008, a recorrente foi autorizada para trabalhar, como empregada doméstica, a um indivíduo de nome D, que por sua vez, também era um trabalhador não residente duma empresa de arquitectura denominada E LIMITED (fls. 358 do P.A.).
- Em 22/08/2008, foi emitido o Título de Identificação de Trabalhador Não Residente (TI/TNR) nº XXXXXX/2008 à recorrente, com prazo de validade até 30/04/2009.
- Em 02/02/2009, a referida empresa de arquitectura comunicou ao Serviço de Migração da PSP da cessação da relação laboral com o referido D, requerendo o concelamento do TI/TNR do mesmo (fls. 349 do P.A).
- No mesmo dia, o referido D abandonou da RAEM, só voltou no dia 22/02/2009, pelas 12H36 e saiu de novo no mesmo dia, pelas 17H25 (fls. 131 dos autos).
- Entre o período 23/02/2009 e 14/07/2009 não há qualquer registo de entrada e saída na RAEM do referido D.
- Em 29/04/2009, a recorrente dirigiu-se ao Serviço de Migração da PSP para entregar o seu TI/TNR, onde foi informada de que o seu TI/TNR já se encontrava caducado pelo que a sua estadia na RAEM era ilegal/clandestina.
- Por despacho do Secretário para a Segurança de 08/06/2009, proferido na Proposta nº MIG.XXXX/2009/C.I., de 29/04/2009, foi determinada a expulsão da recorrente, bem como a interdição da entrada na RAEM por um período de um ano (fls. 161 do P.A.).
- Em 16/03/2010, o Secretário para a Segurança “reformulou” a sua supra ordem de expulsão e de interdição quanto aos pressupostos e fundamentação, conforme consta do documento de fls. 41 dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido.
- Em 16/02/2009, a recorrente deu parto a uma criança de nome C.

III – Fundamentos
Nota preliminar:
O acto recorrido dos presentes autos é a decisão da expulsão da recorrente e a sua interdição de entrada na RAEM, pelo que não é sede própria para discutir o pedido de fixação de residência da recorrente.
Da suspensão da eficácia da decisão de expulsão:
Fica desde já indeferida por razões seguintes:
1. não foi requerida por requerimento próprio, o que viola o nº 1 do artº 123º do CPAC;
2. não alegou factos que permitem o tribunal apreciar se estão verificados os requisitos legais da suspensão da eficácia – cfr. artº 121º, nº 1 do CPAC.
Da falta de notificação do acto recorrido:
Não se entende porque a recorrente alega não ter sido notificada do acto recorrido, visto que do documento por si junto a fls. 40 a 43, resulta de forma clara que a entidade recorrida, através do seu Gabinete, procedeu-se à notificação da recorrente, anexando cópia do parecer no qual foi proferido o acto recorrido.
O que pode haver é a deficiência da notificação por omitir os elementos previstos nas al. c) e d) do artº 70º do CPA, cuja existência não determina a invalidade do acto recorrido, mas apenas confere ao interessado o direito previsto no nº 2 do artº 27º do CPAC, isto é, pode requerer, no prazo de 10 dias, uma nova notificação com indicação dos elementos em falta ou a passagem de certidão ou fotocópia autenticada que os contenha, ficando assim suspenso, a partir da data da apresentação do requerimento e até à daquela notificação ou passagem, o prazo para interposição do recurso cuja contagem se tenha iniciado.
Do acto recorrido:
A recorrente assaca ao acto recorrido os seguintes vícios:
    - vício de forma por falta de fundamentação;
    - violação da lei por erro nos pressupostos de facto;
    - falta de elementos essenciais do acto recorrido;
    - total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionário; e
    - violação do princípio da proporcionalidade.
Vamos ver se assiste razão à recorrente.
1. Da falta de fundamentação:
Nos termos do artº 114º do CPA, os actos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções, devem ser fundamentados.
E a fundamentação consiste na exposição explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse acto, que deve ser expressa, podendo no entanto consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto (artº 115º, nº 1 do CPA), que é o caso.
O dever de fundamentação visa dar conhecimento ao administrado quais são as razões de facto e de direito que serviram base de decisão administrativa, ou seja, permitir o administrado conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade administrativa, para que possa optar aceitar o acto ou impugná-lo através dos meios legais.
Contudo, não se deve confundir fundamentação com fundamentos, a primeira refere-se à forma do acto e a segunda refere-se ao seu conteúdo.
Assim, o dever de fundamentação cumpre-se desde que exista “uma exposição das razões de facto e de direito que determinaram a prática do acto, independentemente da exactidão ou correcção dos fundamentos invocados.”
No mesmo sentido, veja-se Código do Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, de Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho, anotação do artº 106º, pág. 619 a 621.
Voltando ao caso concreto, será que um destinatário de diligência normal não consegue compreender quais os pressupostos e motivos que estiveram na base da decisão ora recorrida?
Ora, face ao teor do acto recorrido e do parecer integrante, na nossa opinião, o mesmo não só é suficientemente claro no seu texto para dar a conhecer o discurso justificativo da decisão tomada como tem capacidade para esclarecer as razões determinantes do acto, é ainda congruente e suficiente. Dele resulta que foram determinadas a expulsão e a interdição da entrada da recorrente ao abrigo do disposto dos artºs 2º, nº 2, 8º e 12º, nº 2, todos da Lei nº 6/2004, tendo em conta a sua permanência ilegal na RAEM por um período de 86 dias.
Conclui-se assim pela improcedência do vício da forma, por falta de fundamentação.
2. Da falta de elementos essenciais:
Uma vez que a recorrente não concretizou em que medida o acto recorrido padece deste vício, limitando-se a imputar em termos genéricos, torna-se impossível apreciação do mesmo.
De qualquer forma, tendo em conta o teor do acto recorrido, verifica-se que do mesmo constam todos os elementos exigidos pelo nº 1 do artº 113º do CPAC, a saber:
a) a indicação da autoridade que o praticou;
b) a identificação adequada do destinatário ou destinatários;
c) a enunciação dos factos ou actos que lhe deram origem, quando relevantes;
d) a fundamentação, quando exigível;
e) o conteúdo ou o sentido da decisão e o respectivo objecto;
f) a data em que é praticado; e
g) a assinatura do autor do acto.
Nesta conformidade, não se compreende que elementos, ainda por cima “essenciais”, estão em falta.
3. Do erro nos pressupostos de facto:
Na óptica da recorrente, não há qualquer permanência ilegal da sua parte, porque está sempre convicta de que o seu prazo de permanência só terminava no dia 30/04/2009, uma vez que a sua entidade patronal lhe prometeu manter a relação laboral até àquela data.
Não lhe assiste razão.
Segundo os factos assentes, evidencia que a relação de trabalho entre a recorrente e o referido D já cessou e a requerente não pode ignorar esse facto.
Vejamos
A entidade patronal da recorrente, D, que também era um trabalhador não residente, abandonou da RAEM na data da cessação da sua relação laboral, isto é, no dia 02/02/2009.
Entre o período 02/02/2009 e 15/07/2009, o referido indivíduo apenas regressou para RAEM por um dia (dia 22/02/2009), onde permaneceu cerca de 5 horas, o que demonstra o mesmo ter deixado de residir na RAEM.
Pergunta-se então por onde e a quem é que a recorrente iria prestar os trabalhos domésticos? Como é que ela vai receber os salários mensais?
Não ignoramos que a recorrente juntou uma declaração prestada pelo referido D nos termos da qual se confirma ter lhe dito manter a relação laboral com a mesma até à data da validade do seu TI/TNR (fls. 58 e 59 dos autos).
Será que isto justifica a inocência da recorrente?
Entendemos que não.
Resulta da referida declaração que a razão da manutenção da relação laboral não é a necessidade efectiva do trabalho, mas sim a simpatia com a requerente, pois esta “estava no final da sua gravidez naquele momento e não podia viajar para o estrangeiro”.
Ou seja, a recorrente tinha perfeito conhecimento de que a entidade patronal iria abandonar da RAEM e não mais precisava do trabalho dela, só que queria continuar ficar na RAEM, uma vez que estava já grávida, pelo que acordaram manter formalmente a relação laboral.
Ora este acordo entre a recorrente e o seu empregador não vincula às autoridades da RAEM.
Por outro lado, não deixa de ser ilegal visto que a sua finalidade é tentar ajudar a recorrente continuar permanecer na RAEM em vez de sair conforme estipulado na Lei nº 6/2004.
Nos termos da al. 1) do nº 2 do artº 11º da Lei nº 6/2004, a recorrente tem de abandonar da RAEM no prazo de 8 dias a contar a partir da cessação laboral.
Admitimos, no entanto, que tendo em conta o estado avançado da gravidez da recorrente, é provável que não seja conveniente a sua deslocação para lugar origem entre o período de 02/02/2009 a 16/02/2009 (data do parto).
Contudo, se isto justificaria, como causa da exclusão da ilicitude ou da culpa a título do estado de necessidade, a sua permanência na RAEM naquele período ou até uns dias a mais após o parto para recuperação da saúde, já não justifica a sua permanência até 29/04/2009, um dia antes da caducidade do seu TI/TNR, 72 dias após o parto.
Não se verifica, portanto, o erro nos pressupostos de facto, o que poderá haver, eventualmente, é a imprecisão na contagem dos dias da permanência ilegal da recorrente, imprecisão essa que não afecta a validade do acto impugnado.
Improcede assim este argumento de recurso.
4. Da total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionário e violação do princípio da proporcionalidade:
Nos termos do nº 2 do artº 5º do CPC, “as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar”.
É este o chamado princípio da proporcionalidade.
A ideia central deste princípio projecta-se em três dimensões injuntivas: adequação, necessidade e equilíbrio. A adequação impõe que o meio utilizado seja idóneo à prossecução do objectivo da decisão. Entre todos os meios alternativos, deve ser escolhido aquele que implique uma lesão menos grave dos interesses sacrificados. O equilíbrio revela a justa medida entre os interesses presentes na ponderação e determina que, na relação desses interesses entre si, deve a composição ser proporcional à luz do interesse público em causa.1
No caso em apreço, não há qualquer exercício do poder discricionário nas decisões da expulsão e da interdição de entrada, já que é a própria Lei que impõe estas decisões para as pessoas que se encontram na situação de permanência ilegal (artºs 11º, nº 1 e 12º, nº 1, ambos da Lei nº 6/2004).
O que já não acontece na fixação do prazo da interdição de entrada.
Neste último, a Administração goza do amplo poder discricionário e só está sujeito ao controlo judicial nos casos de erro grosseiro manifesto ou total desrazoabilidade do exercício.
Considerando que o prazo de interdição da entrada é de 1 ano, que já é relativamente curto, não nos afigura existir qualquer erro grosseiro manifesto ou total desrazoabilidade do exercício do poder discricionário que justifica a intervenção judicial.

Tudo ponderado, resta decidir.

IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao presente recurso contencioso, mantendo o acto recorrido.

Custas pela recorrente, com 8UC de taxa de justiça.
Notifique e registe.

RAEM, aos 07 de Dezembro de 2011.


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Ho Wai Neng
(Relator)

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José Cândido de Pinho
(Primeiro Juiz-Adjunto)

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Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)
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Vitor Manuel Carvalho Coelho
(Magistrado do M.oP.o) (Presente)


1 Cfr. David Duarte, Procedimentalização, Participação e Fundamentação: Para Uma Concretização do Princípio da Imparcialidade Administrativa Como Parâmetro Decisório, Almedina, Coimbra, 1996,, 319 a 325.
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