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Processo nº 76/2010 (Recurso Laboral)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 07 de Dezembro de 2011
Descritores:
- Salário
- Gorjetas
- Descanso semanal e feriados obrigatórios


SUMÁRIO:

I- A composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.

II- Ao abrigo do DL 24/89/M (art. 17º, n.1,4 e 6, al. a), tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”); mas se nele prestar serviço terá direito ao dobro da retribuição (salário x2).

III- Se o trabalhador prestar serviço em feriados obrigatórios remunerados na vigência do DL 24/89/M, além do valor do salário recebido efectivamente pela prestação, terá direito a uma indemnização equivalente a mais dois de salário (salário médio diário x3).












Proc. N. 76/2010


Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I- Relatório

A, com os demais sinais dos autos, representado pelo Ministério Público, moveu contra a STDM acção de processo comum de trabalho pedindo a condenação desta no pagamento de Mop$396.894,49,como compensação pelos descansos semanais, feriados obrigatórios e descansos anuais não gozados desde o início da relação laboral até ao seu termo.

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Tendo a ré STDM suscitado, na oportunidade, a excepção de prescrição na sua contestação, dela o Ex.mo juiz da 1ª instância conheceu no despacho saneador, julgando parcialmente prescritos os créditos peticionados anteriores a 5 de Março de 1989.
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Dessa decisão recorreu a autora, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1. A douta decisão aplicou ao caso o Código Civil de 1966 na parte referente ao prazo de prescrição, mas julgou prescritos os créditos laborais decorrentes entre 1 de Setembro de 1984 e 4 de Março de 1989.
2. De facto, a Autora começou a trabalhar para a Ré a partir de Dezembro de 1971, e essa relação laboral mantinha se até Dezembro de 1992.
3. A Autora reclama créditos laborais referentes ao período que decorreu entre o dia 1 de Setembro de 1984 (data da entrada em vigor do DL n.º 101/84/M, de 25 de Agosto) e Dezembro de 1992.
4. O artigo 318.º, alínea e), do Código Civil de 1966, regulando sobre as causas bilaterais da prescrição, determina, entre o mais que agora não releva, que a prescrição não começa nem corre “entre quem presta o trabalho doméstico e o respectivo patrão, enquanto o contrato durar”.
5. Face às relações de especial proximidade e confiança, o legislador prevê, no artigo 318.º do Código Civil de 1966, causas suspensivas na contagem do prazo de prescrição.
6. No nosso entender, a relação de trabalho, pela sua particularidade, é semelhante da relação de trabalho doméstico, pelo que merece tratamento idêntico.
7. O que se prova pela redacção do Código Civil vigente, no seu artigo 311.º, alínea c): “A prescrição não se completa entre quem presta o trabalho doméstico e o respectivo empregador, por todos os créditos, bem como entre as partes de quaisquer outros tipos de relações laborais, relativamente aos créditos destas emergentes, antes de 2 anos corridos sobre o termo do contrato de trabalho”.
8. Pela razão acima exposta, verifica-se uma lacuna da lei no Código Civil de 1966, cuja integração deve ser feita por analogia.
9. Por aplicação analógica do artigo 318.º, alínea e) do Código Civil de 1966, o prazo de prescrição dos créditos emergentes da relação laboral só corre a partir da cessação do contrato de trabalho.
10. Ou seja, os créditos laborais decorrentes entre 1 de Setembro de 1984 e 4 de Março de 1989 não estão prescritos.
11. A douta decisão ora recorrida violou, por omissão, a norma do artigo 318.º, alínea e) do Código Civil de 1966. E, em consequência, deve ser revogada e ser julgado procedente o presente recurso.
  Nestes termos, e pelas razões acima expostas, o recurso ora interposto merece, ao nosso ver, provimento e devendo o mesmo recurso julgado procedente.
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Prosseguiu normalmente o processo, vindo a ser proferida sentença que julgou parcialmente o pedido e condenou a ré a pagar à autora a quantia de Mop$ 3.140,40, crescida dos juros legais.
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É dessa sentença que ora recorre jurisdicionalmente o autor, mais uma vez, tendo apresentado as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
A - Ao abrigo do disposto no art. 25º do RJRT, as gorjetas são parte integrante do salário do recorrente, sob pena de, não o sendo, o salário não ser justo;
B - A Sentença recorrida viola o Princípio da Igualdade, pois os direitos dos trabalhadores nas mesma circunstâncias do recorrente têm vindo a ser acauteladas pelos Tribunais da RA.E.M., existindo sobre a questão Jurisprudência Assente e que considera serem as gorjetas parte integrante dos salário dos trabalhadores da recorrida.
C - Ao não considerar as gorjetas parte integrante do salário do recorrente, a Sentença proferida viola o constante do art. 25º do RJRT, o art. 23º, nº 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, o art. 7º do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, entre outros, com a consequente abertura de portas à violação do direito a uma existência decente e minimamente digna, sujeitando os trabalhadores a uma subsistência miserável, indigna, semelhante a uma possível” escravatura moderna”.
D - Tendo considerado provadas as alíneas b) e d) da factualidade em discussão, em que ficou expresso que o salário do recorrente inclui as gorjetas recebidas e distribuídas aos trabalhadores pela recorrida, não pode vir o MMº Juiz ad qua, a posteriori e em sede de Sentença, decidir que, afinal, tais montantes não integram o seu salário.
E - Inexiste qualquer identidade ou paralelismo entre a situação dos trabalhadores dos casinos em Portugal e os de Macau, porque aqueles recebem, desde logo, da entidade patronal um salário justo, i.e., que permite a sua normal subsistência, nunca inferior ao salário mínimo Nacional, sendo que caso as gorjetas não fizessem parte integrante do salário dos trabalhadores de Macau, seria o seu salário miserável e incapaz de prover à sua alimentação, quanto mais às restantes necessidades do ser humano.
F - Também, em Portugal, situação analisada na Douta Sentença proferida, as gorjetas não são recebidas e distribuídas ao belo prazer da entidade patronal, segundo regras e critérios desconhecidos dos trabalhadores, sendo a questão clara e transparentemente regulada por Lei.
G - A Lei 7/2008 veio, e bem, regular estas situações em que se integra o recorrente, prevendo claramente que o sistema de recebimento de “gorjetas” criado pela R. e a que A. esteve sujeita, não foge do que se vem alegando, sendo certo que as gorjetas são parte integrante do salário dos trabalhadores.
H - De acordo com o disposto no art. 17º, nºs 1, 3 e 6 do D.L. nº 24/89/M, a fórmula correcta de cálculo da indemnização do recorrente por trabalho efectivo prestado em dias de descanso semanal é 2 x valor da remuneração média diária x número de dias de descanso semanal vencidos e não gozados e não a constante da Douta Sentença proferida.
I - De acordo com o disposto nos arts. 200, nº 1 e 19º, nºs 2 e 3 do D.L. nº 24/89/M, a fórmula de cálculo da indemnização do recorrente por trabalho efectivo prestado em dias de feriado obrigatório é 3 x valor da remuneração média diária x os feriados obrigatórios vencidos e não gozados e não qualquer outra fórmula.
J - A Douta Sentença proferida padece da nulidade prevista no art. 571º, nº 1 alínea c) do Código de Processo Civil.
L - Atento o inderrogável Princípio do Favor Laboratoris, elaborado atentas as especificidades do Direito de Trabalho e a necessidade de proteger o trabalhador, encontrando-se a solução jurídica que lhe seja mais favorável, uma vez que é a parte débil em qualquer relação laboral, deve sempre encontra-se a solução que mais favorável seja à ora recorrente.
   Termos em que, nos melhores de Direito, sempre com o mui Douto suprimento de V.Exas, Venerando Juízes, deverá ser declarada nula a Sentença proferida quanto à não integração das gorjetas no salário do recorrente, devendo ainda computar-se correctamente as indemnizações devidas
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A STDM contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
1 - Com todo o respeito por entendimento diverso, as gratificações ou gorjetas recebidas dos clientes pelos empregados de casino não fazem parte do salário.
2 - A retribuição ou salário, em sentido jurídico (laboral), encerra quatro elementos essenciais e cumulativos:
i. É uma prestação regular e periódica;
ii. Em dinheiro ou em espécie;
iii. A que o trabalhador tem direito por título contratual e normativo e que corresponde a um dever jurídico da entidade patronal;
iv. Como contrapartida pelo seu trabalho.
3 - No caso dos autos, estando em causa gorjetas comprovadamente oferecidas por clientes de casino, dependendo o seu recebimento do animus donandi de terceiros, estranhos à relação jurídico-laboral, nunca poderia o(a) trabalhador(a) ter exigido à sua entidade empregadora o seu pagamento inexistindo aquela oferta por parte dos clientes.
4 - Se, por hipótese, em determinado mês, não existissem quaisquer gorjetas entregues pelos clientes da Recorrida a distribuir pelo(a) A., ora Recorrente, e restantes trabalhadores, nenhum dever jurídico impendia sobre a Recorrida no sentido de suprir aquela falta e nenhum direito de crédito podiam os seus trabalhadores exigir a este respeito.
5 - Com efeito, é sabido que em anos em que o montante das gorjetas era inferior ao do ano anterior (variação que se constata pela análise dos rendimentos do(a) A., ora Recorrente), nunca o(a) Recorrente reclamou da ora Recorrida o seu pagamento.
6 - O(a) Recorrente sabia que a parte do rendimento respeitante às gorjetas dependia exclusivamente das liberalidades dos clientes de casino, nada podendo exigir à ora Recorrida a esse título caso essa parte do seu rendimento fosse zero.
7 - Cremos que o facto da definição dos critérios de distribuição das gorjetas caber, em Macau, à entidade empregadora não altera a natureza não salarial daquelas prestações.
8 - Tampouco as gorjetas que o(a) A. recebeu enquanto trabalhou para a R. se transmutam em remuneração por efeito das alíneas 4) e 5) do artigo 2º da nova Lei das Relações de Trabalho (LRT), aprovada pela Lei n.º7/2008, de 18 de Agosto.
9 - Na verdade, mesmo que se entenda que à luz dessas disposições as gorjetas dadas por clientes de casino integram a remuneração dos trabalhadores, sempre se dirá que, como se sabe, a LRT não se aplica ao caso dos autos, nem a outras situações totalmente passadas anteriormente à sua entrada em vigor (cfr. o seu artigo 93º, n.º 1).
10 - Mais: o facto da alínea 5) do artigo 2º da nova LRT especificar que as “gorjetas cuja cobrança seja incontornável pelo empregador” integram se no conceito de “remuneração” demonstra apenas que, à luz do direito anterior, tais quantias não integravam os conceitos de retribuição - precisamente, porque as normas equivalentes que vigoravam enquanto durou a relação laboral não continham qualquer referência semelhante (vide artigos 27º, n.º 2, e 25º, n.º 2, do Regime Jurídico das Relações Laborais de 1984 e de 1989, respectivamente).
11- Dispõe o artigo 25º, n.º 1 do RJRT que “Pela prestação dos seus serviços ou actividade laboral, os trabalhadores têm direito a um salário justo.”,
12 - Salvo o devido respeito por opinião contrária, analisando a certidão de rendimentos do(a) Recorrente, não se pode dizer que ao(à) A. não foi proporcionado um rendimento justo, maxime porque os rendimentos globais auferidos eram claramente superiores à média do rendimento / remuneração auferida por cidadãos de Macau com formação académica e profissional equivalente às suas que não trabalhassem em casino, os quais eram mais que bastantes para prover a uma vida digna e decente do(a) Recorrente e sua família.
13 - Deste modo, na esteira do entendimento do mais Alto Tribunal da RAEM, do douto Tribunal Recorrido e, bem assim, da doutrina maioritária, é entendimento da R. que “As gratificações ou gorjetas recebidas pelos empregados de casino dos clientes não fazem parte do salário.”
14 - Admitindo a Recorrida, apenas por cautela e por hipótese, que de forma alguma se concede, a obrigação de indemnizar o(a) Recorrente tendo em conta o valor das gorjetas oferecidas pelos clientes de casino, devem ser as seguintes as fórmulas aplicáveis para aferir das compensações adicionais devidas:
i. Trabalho prestado em dias de descanso semanal:
a. Decreto-Lei n.º101/84/M: salário diário x0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga);
b. Decreto-Lei n.º24/89/M: salário diário x1 (e não x2, porque uma parcela já foi paga);
c. Decreto-Lei n.º32/90/M: salário diário x0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga).
ii. Trabalho prestado em dias de descanso anual:
a. Decreto-Lei n.º101/84/M: salário diário x0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga);
b. Decreto-Lei n.º24/89/M: salário diário x1 (e não x3, porque uma parcela já foi paga e a R. não impediu o(a) A. de gozar quaisquer dias de descanso);
c. Decreto-Lei n.º32/90/M: salário diário x1 (e não x3, porque uma parcela já foi paga e a R. não impediu o(a) A. de gozar quaisquer dias de descanso).
iii. Trabalho prestado em dias de feriado obrigatório:
a. Decreto-Lei n.º101/84/M: salário diário x0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga);
b. Decreto-Lei n.º24/89/M: salário diário x1 (e não x2, porque uma parcela já foi paga);
c. Decreto-Lei n.º32/90/M: salário diário x1 (e não x2 porque uma parcela já foi paga).
15 - Caso se entenda que as fórmulas supra expostas não são adequadas para o cálculo de uma indemnização eventualmente devida à Recorrente, remete-se para as fórmulas adoptadas nos já referidos acórdãos do TUI, proferidos no âmbito dos Processos n.º28/2007, 29/2007 e 58/2007, datados de 21 de Setembro de 2007, 22 de Novembro de 2007 e 27 de Fevereiro de 2008, respectivamente.
Nestes termos, e nos melhores de direito aplicáveis que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida. Caso assim não se entenda, o que não se concede e admite por mera cautela de patrocínio, devem os cálculos da indemnização dota) Recorrente ser efectuados em conformidade com as fórmulas supra referidas, fazendo V. Exas., mais uma vez, a devida e costumada JUSTIÇA!
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III- Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
O A. foi admitido como empregado de casino (庄荷) , recebendo de dez em dez dias da R., desde o início da relação contratual até à data da sua cessação, duas quantias, uma fixa, no valor de MOP$ 4,10 por dia, desde o seu início até 30 de Junho de 1989, e de HKD$ 10,00 por dia, desde 1 de Julho de 1989 até à data da cessação da relação contratual, e ainda outra parte variável, em função do dinheiro recebido dos clientes de casinos vulgarmente designado por gorjetas. (A)
As gorjetas eram distribuídas por todos os empregados de casinos da R., e não apenas aos que têm “contacto directo” com clientes nas salas de jogo. (B)
Os empregados que não trabalhavam directamente nas mesas ou os que não lidavam com clientes tinham também direito a receber quota-parte das gorjetas distribuídas. (C)
As gorjetas eram provenientes do dinheiro recebido dos clientes de casinos. (D)
Dependentes, pois, do espírito de generosidade desses mesmos clientes. (E)
Pelo que o rendimento dos trabalhadores da R. tinha uma componente quantitativamente incerta. (F)
O A. como empregado de casino, foi expressamente avisado pela R. que era proibido guardar com quaisquer gorjetas entregues pelos clientes de casinos. (G)
O A. prestou serviços em turnos, conforme os horários fixados pela R. (H)
O A. tinha direito a pedir dias de dispensa ao serviço, mas não eram remunerados, quer com rendimento diário fixo, quer com gorjetas correspondentes. (I)
As gorjetas oferecidas a cada um dos seus trabalhadores pelos seus clientes eram reunidas e contabilizadas diariamente pela seguinte, composição de indivíduos: um funcionário do Departamento de Inspecção de Jogos de Fortuna ou Azar, um membro do departamento de tesouraria da R., um “floor manager” (gerente do andar) e trabalhadores das mesas de jogo, e depois distribuídas, de dez em dez dias, por todos os trabalhadores dos casinos da R. (J)
A composição do rendimento a que se alude na alínea C) da matéria de facto assente foi acordada através de acordo verbal celebrado entre A. e R. (L)
O A. iniciou a relação contratual com a R. em Janeiro de 1971. (1º e 2º)
O A. cessou a relação contratual com a R. em Janeiro de 1993. (3º e 4º)
As gorjetas eram geridas pela R., segundo os critérios adoptados por esta. (7º)
Durante o período em que prestava serviço à R., o A. recebeu nos anos de 1984 a 1992 (doc. n.º1 junto com a p.i.), os seguintes rendimentos:
a) 1984 = 125.441,00;
b) 1985 = 140.138,00;
c) 1986 = 126.565,00;
d) 1987 = 131.492,00;
e) 1988 = 129.269,00;
f) 1989 = 149.590,00;
g) 1990 133.361,00;
h) 1991 =151.407,00;
i) 1992= 133.817,00. (10º)
Ficou acordado que o A. tinha direito a receber gorjetas conforme o método vigente adoptado pela R. (11º)
Aquando do início da relação contratual, o A. aceitou o rendimento fixo como o rendimento garantido pela sua entidade patronal ora R. dado que o A. tinha a perspectiva que as gorjetas também faziam parte do seu rendimento. (12º)
Tanto a R., como o A., tinham perfeita consciência que quer a parte fixa quer a parte variável faziam parte do seu rendimento. (13º)
O pagamento do rendimento variável foi regular e periodicamente cumprido pela R. e o A. sempre teve a expectativa do seu recebimento. (14º)
Os trabalhadores (incluindo o A.) recebiam quantitativo diferente das gorjetas fixado previamente pela R., consoante a respectiva categoria profissional e tempo de serviço. (15º)
Durante a vigência da relação contratual, nunca o A. foi dispensado pela R. de um dia de descanso por cada semana de serviço prestado. (16º)
Nem a R. pagou ao A. qualquer compensação pecuniária adicional pelo serviço prestado nesses dias. (17º)
Nem lhe concedeu outro dia de descanso. (18º)
Durante a vigência da relação contratual, nunca o A. foi dispensado pela R. de seis dias de descanso por cada ano de serviço prestado. (19º)
Nem a R. pagou ao A. qualquer compensação pecuniária adicional pelo serviço prestado nesses dias. (20º)
Durante a vigência da relação contratual, nunca o A. foi dispensado pela R. de dias de descanso correspondentes aos feriados obrigatórios, quer remunerados quer não remunerados. (21º)
Nem a R. pagou ao A. qualquer compensação pecuniária adicional pelo serviço prestado nesses dias. (22º)
Até ao momento, a R. ainda não procedeu ao pagamento das quantias em dívida ao A. referentes aos dias de descanso semanal, descanso anual e feriados obrigatórios não gozados. (23º)
ntes da entrada do A. ao serviço da R., aquele foi informado pela R. que as gorjetas entregues pelos clientes aos trabalhadores não eram para seu beneficio exclusivo, mas para todos os que naquela organização prestavam serviço. (24º e 25º)
Aquando da contratação do A. pela R., esta propunha o seguinte:
1. O rendimento seria pago à razão diária, mas apenas pelos dias em que fosse efectivamente prestado trabalho;
2. Caso pretendesse gozar dias de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios, tal não lhe era negado, simplesmente esses dias não seriam pagos. (24º)
O A. aceitou essas condições de trabalho. (27º)
O A. era livre de pedir o gozo de dias de descanso sempre que assim o entendesse, desde que tal gozo não pusesse em causa o funcionamento da empresa da R. e que fosse autorizado pela mesma. (28º)
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III- O Direito
1- Recurso do despacho saneador
Foi julgado neste despacho que o prazo de prescrição era o de vinte anos, ao abrigo do Código Civil de 1966 e que o seu decurso se teria interrompido com a notificação da ré para a tentativa de conciliação, o que aconteceu em 5/03/2009. Por tal motivo, considerou prescritos os créditos reclamados até ao dia 4/03/1989.
O autor recorre desse despacho por considerar que, por aplicação analógica do art. 318º, al. e), do CC de 1966, o prazo de prescrição só começa a correr a partir da cessação da relação de trabalho.
Vejamos.
A solução tomada no despacho saneador representa a decisão correcta, que abraça, aliás, a posição desta instância quando chamada a pronunciar-se sobre o tema. A respeito deste, portanto, e para não nos alongarmos em considerações escusadas, apenas algumas breves considerações.
Em primeiro lugar, importa dizer que a legislação laboral de Macau (DL n. 101/84/M, de 25/08 e, posteriormente, o DL no 24/89/M, de 3/ de Abril) nada estatuem, especificamente, sobre o regime de prescrição dos créditos emergentes das relações laborais. Assim, em matéria de prescrição, haverá que recorrer ao regime do Código Civil, importando apenas averiguar se o anterior de 1966, se o de 1999.
O art. 290º, n.1 do Cod. Civil actual (que entrou em vigor em 1 de Novembro de 1999) estabelece que o prazo fixado em lei nova, desde que mais curto do que o fixado em lei anterior, será aplicado aos prazos que já estiverem em curso. Contudo, ainda de acordo com a referida norma, o início desse prazo só se dá a partir da entrada em vigor da nova lei, “a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar”, caso em que essa será a lei aplicável.
Ora, o prazo ordinário de 15 anos fixado na lei nova (art. 302º, do C.C. vigente) contado desde 1/11/1999 terminaria em 1/11/2014. Quer dizer, só a partir dessa data se colocarão problemas de prescrição ao abrigo da lei nova; neste momento, não. Mas sob o império da aplicação da lei velha (20 anos), é já possível que alguns créditos tenham prescrito, bastando que até à data da verificação do facto interruptivo tenham já passado 20 anos (art. 309º, C.C. anterior). Só isto é suficiente para concluir pela aplicação ao caso do prazo estabelecido no CC de 1966.
Mas, obtida esta conclusão, outra questão já se coloca.
Deverá ter-se em conta o disposto no art. 318º, al. e), do C.C. de 1966, segundo o qual a prescrição não começa, nem corre “entre quem presta o trabalho doméstico e o respectivo patrão, enquanto o contrato durar” (negrito nosso), tal como o defende o recorrente?
Recordemos que a legislação laboral actual da RAEM nada diz sobre o assunto. E, por tal motivo, entende a recorrente que se deve aplicar a referida norma como forma de integração da lacuna. Isto é, o prazo só deve começar a correr após a cessação da sua relação laboral, tal como acontecia com as relações de trabalho doméstico. E em apoio dessa opinião, chama à colação o art. 318º, al. e), do C.C. de 1966.
Poderemos ver nela a possibilidade de aproveitamento do seu regime aos casos por ela não abrangidos? Não, em nossa opinião.
Trata-se de uma norma muito particular que o legislador quis aplicável somente ao trabalho doméstico, por o considerar distinto e com especificidades relativamente ao universo geral da contratação laboral. Havendo uma relação de grande proximidade, até mesmo de confiança pessoal entre empregador e trabalhador doméstico, com maior incidência quando o trabalhador é “interno”, qualquer incursão judicial para reclamar créditos deste contra aquele iria abalar definitivamente a relação. Porque foi isso o que o legislador anteviu, logo tratou de trazer para a norma um mecanismo de defesa dos interesses do trabalhador, protegendo-o desse risco. Mas não tendo o legislador avistado idêntico perigo nas demais relações laborais, nenhuma necessidade viu de consagrar a mesma solução para elas. Assim sendo, uma vez que nesta matéria o silêncio da lei sobre os demais casos de serviço não doméstico não representa nenhum vazio legal, não podemos falar de lacuna que mereça ser preenchida (este é o sentido unânime da jurisprudência produzida sobre o assunto, de que a título de exemplo citamos o Ac. do TSI de 19/03/2009, Proc. n. 690/2007).
Andou bem, pois, o saneador.
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E como proceder para apuramento concreto da prescrição?
Tendo em consideração duas disposições: a do art. 306º, n.1 e a do art. 323º, n.1, do C.C. de 1966. Ou seja, tendo-se em conta que o prazo começa a correr quando o direito puder ser exercido (1ª) e que o prazo se interrompe com a citação (2ª). Mas ainda é preciso considerar a norma do art. 27º, nº3, do CPT, segundo o qual os prazos de prescrição se interrompem pela notificação da ré para a tentativa de conciliação. Assim sendo, visto que o facto interruptivo da citação ocorreu em 05/03/2009, este será o marco a considerar. Prescritos estarão os créditos subsistentes para lá de vinte anos antes dessa data, ou seja os subsistentes até 04/03/1989, inclusive.
Pelo exposto, nenhuma censura o saneador merece.
*
2- Recurso da sentença
2.1- Da nulidade
O recorrente invocou a nulidade prevista no art. 571º, nº1, al. b), do CPC por a sentença ter manifestamente errado na aplicação do direito. Ainda segundo o recorrente, os fundamentos estariam em oposição com a decisão, o que constituiria a nulidade do art. 571º, nº1, al. c) do CPC.
Mas, com o devido respeito, nem uma, nem outra das nulidades invocadas se verificam.
Na verdade, o erro na aplicação do direito não é motivo de nulidade, mas, se verificado, de procedência do recurso com a consequente revogação da sentença recorrida.
Relativamente ao segundo fundamento de nulidade, estaria em causa a natureza das gorjetas, as quais teriam sido reconhecidas na sentença, mas não admitidas como elemento integrante do salário.
Ora, também este argumento não passa de uma tentativa de demonstrar que a sentença errou na aplicação do direito. Com efeito, o que se visa no recurso é demonstrar que as gorjetas fazem parte da massa salarial, ao contrario do que o asseverou a 1ª instância. Todavia, o facto de o juiz reconhecer que o trabalhador recebia gorjetas, não significa que elas devam integrar o salário. São pontos de vista que não têm que necessariamente coincidir e não se pode dizer que o reconhecimento do facto (recebimento de gorjetas) importe a consequência defendida pelo recorrente (integração do salário). É esse, aliás, o objecto do recurso: saber se elas fazem parte do vencimento ou não. Trata-se de matéria que constitui o núcleo do recurso, cujo êxito, se tal ocorrer, importará a procedência da impugnação, mas não a nulidade da sentença.
Improcede, pois, o recurso nesta parte.
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2.2- Do mérito da sentença
Discute-se em 1º lugar se as gorjetas devem ou não fazer parte do salário. A sentença recorrida considerou que não, e é dela que ora vem interposto o presente recurso.
Vejamos.
O recorrente começou a trabalhar para a recorrida como empregado do casino, recebendo como contrapartida diária uma quantia fixa, desde o início até á cessação da relação laboral. Para além disso, recebia uma quantia variável em função de gorjetas recebidas dos clientes do casino, que a recorrida reunia, contabilizava e posteriormente distribuía por todos os seus empregados. E tanto a parte fixa, como a variável, haviam sido acordadas verbalmente entre recorrente e recorrido.

Ora, tal como o TSI tem defendido, o contrato em causa é de trabalho, porque reúne todas as características próprias deste.

Socorramo-nos do aresto acima já citado:
“Em face do artigo 1079.º do Código Civil, artigos 25º e 27º do anterior RJRL - cfr. artigos 1º, 4), 9º, 2), 57º da actual LRT, Lei 7/2008, de 12 de Agosto, em princípio não aplicável aos contratos findos, face à redacção do disposto no art. 93º -, art. 23°, n.º 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 7º do Pacto sobre Direitos Económicos Sociais e Culturais e pela Convenção da OIT n.º 131, direitos que por essa via não deixam de ser tutelados pela própria Lei Básica no seu artigo 40º, decorre, face à factualidade apurada, que parece não restarem quaisquer dúvidas de que nos encontramos perante um verdadeiro e puro contrato de trabalho entre a autora e a ré, em que esta, mediante uma retribuição, sob autoridade, orientações e instruções daquela, começou a trabalhar na área de actividade ligada à exploração de jogos de fortuna ou azar”.
Concordamos com a posição e nada mais temos a acrescentar-lhe.
No que se refere ao valor do salário, pergunta-se: Será que ele apenas é constituído pela parte fixa ou também englobará a parte variável em resultado das gorjetas?
Também neste ponto estamos de acordo com a posição deste TSI, no sentido de que as gorjetas não foram sendo atribuídas a título de mera liberalidade. A liberalidade, em princípio, para assim ser entendida, não deveria ter sido atribuída com carácter de regularidade. E o que está demonstrado nos autos é, precisamente, o contrário.
Depois, não eram gorjetas que o trabalhador do casino guardava para si vindas directamente do cliente apostador. Se assim fosse, poderia dizer-se que o empregador a elas era totalmente alheio, que nenhuma interferência exercia nem na sua distribuição, nem no seu quantitativo e que, portanto, apenas pagava ao seu subordinado o valor remuneratório previamente determinado. Mas não. Eram somas de dinheiro que o trabalhador recebia, sim, mas que tinha que entregar à sua entidade patronal, de quem, posteriormente, apenas recebia uma parte. Locupletamento à custa alheia seria a situação se, tendo o jogador entregue pessoalmente o dinheiro ao trabalhador, a entidade patronal dela, sem mais, se apropriasse totalmente. Mais, haveria aí uma manifesta superioridade de parte a roçar a ilicitude se, contra a vontade do empregado, este fosse obrigado a abrir mão daquilo que o jogador voluntariamente lhe tinha dado. Nenhuma relação laboral assente numa base lícita toleraria tal atitude de ingerência na vida do trabalhador por parte do empregador se não tivesse havido entre ambos um acordo que permitisse a distribuição das gorjetas, que não haviam sido dadas a este, mas àquele. Só um modelo de distribuição pré-determinado confere licitude à acção do empregador. Mas, ao mesmo tempo que assim acontece, não podemos deixar de pensar que, afinal, a entidade empregadora tinha alguma margem de superioridade nessa relação, pois era ela quem geria o dinheiro e, posteriormente, o distribuía segundo um esquema para o qual nenhuma contribuição o trabalhador dera. Ou seja, há aqui assim uma atitude que é própria da supremacia do empregador e que revela bem que este não era um simples “guardador” ou mero “depositário” do dinheiro proveniente das gorjetas.
De resto, mal se compreenderia que qualquer trabalhador aceitasse trabalhar por tão poucas patacas diárias (a parte fixa), se não soubesse que, a elas, acresceria uma quantia bem mais razoável em resultado da distribuição da soma de todas as gorjetas recebidas por si e pelos restantes colegas do casino. Se o salário tem uma função social, que visa conferir dignidade de vida ao trabalhador e ao seu agregado familiar, e de que o empregador dos tempos modernos já não pode alhear-se, então parece que esta entrega permanente ao trabalhador de dinheiro recebido do jogador não pode deixar de ter um sentido remuneratório.
E neste quadro, todos – jogadores, trabalhadores e empregador - ficam bem. Os primeiros, porque satisfeitos, cumprem o seu desejo de generosidade e altruísmo (mas é questão que aqui não tem valor jurídico); os segundos, porque, ao cabo e ao resto, vêem devidamente compensado o resultado do seu trabalho; e o último, porque vê feliz e empenhado o seu empregado, a quem vai pagar com dinheiro que nem sequer sai do seu bolso.
E, já agora, não deixaria de ser contraditório e injusto, e por isso mal se perceberia, que a reclamada “unidade do sistema” consentisse que, para efeito de salário, a gorjeta assim distribuída ficasse de fora do conceito, enquanto para efeito tributário já passasse a ser considerada como “rendimento do trabalho variável” (cfr. art. 2º, Lei n. 2/78/M, de 25 de Fevereiro).
Tudo isso, para concluir que a composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
É para nós, portanto, questão ultrapassada a de que o salário integra uma parte fixa e outra variável. Problema é como calculá-lo: se ao dia, se ao mês e qual o seu valor.
Verdade que o trabalhador recebia uma quantia fixa diária. Verdade também que nos dias em que não trabalhava não recebia remuneração. Todavia, a ausência de remuneração nesses dias não advém de qualquer acordo prévio.
Aliás, a questão está consolidada neste TSI em termos tais que deles não somos capazes de divergir. Veja-se, por exemplo, o que foi dito no Ac. de 14/09, no Rec. N. 407/2006:
  “…a “quota-parte” de “gorjetas” a ser distribuída ao Autor, em montante definido unilateralmente pela Ré, integra precisamente o salário mensal do Autor, pois caso contrário e vistas as coisas à luz de um homem médio colocado na situação concreta do ora Autor, ninguém estaria disposto a trabalhar por conta da Ré em tantos anos seguidos nos seus casinos em horários de trabalho por esta fixados…ou seja, em horários de turnos necessariamente árduos para qualquer pessoa humana, se tivessem de ser cumpridos continuadamente em anos seguidos, sabendo entretanto, de antemão, que a prestação fixa do seu salário era de valor muito reduzido”.
E também o Ac. de 15/07/2010, Proc. n. 928/2010:
“…o qual o trabalhador estava obrigado a trabalhar por turnos de seguinte forma:
1º e 6º turnos: das 07h00 às 11h00, e das 03h00 às 07h00;
3º e 5º turnos: das 15h00 às 19h00, e das 23h00 às 003h00 do dia seguinte;
2º e 4º turnos: das 11h00 às 15h00, e das 19h00 às 23h00
Como se sabe, é por imposição legal e pelos termos do contrato de concessão para exploração dos jogos de fortuna e azar que os casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas. Ora, se é compreensível e justificável a fixação dos turnos, nos termos que vimos supra, pela entidade patronal para fazer face à necessidade de assegurar o funcionamento contínuo legalmente imposto dos seus casinos, já custa perceber como é quê é possível os seus trabalhadores afectados aos casinos, em vez de auferirem um salário mensal, que é única forma de pagamento conciliável com a organização dos turnos durante 24 horas para assegurar a continuidade do funcionamento dos casinos, auferirem antes um salário diário determinado em função do número de dias de trabalho em que quis trabalhar e efectivamente prestou serviço. Na verdade, basta dar uma vista de olhos aos turnos fixados e à forma como os turnos estão organizados e distribuídos durante as 24 horas, em especial o 5º turno que se inicia às 23h00 num dia e termina às 03h00 de madrugada no dia seguinte, já se apercebe da impossibilidade prática de determinar o período de trabalho diário para efeitos de cálculo do alegado salário diário”.
Assim sendo, tal como este TSI tem admitido em casos similares, é de considerar que o salário era mensal, para cujo apuramento médio diário entrará o valor conjunto da parte fixa e da variável, tal como feito nos autos.
Neste sentido, por recentes, vejam-se os acórdãos proferidos nos Processos nºs 780/2007, de 31/03/2011, 423/2008, de 23/06, por exemplo.
Significa isto que a sentença não pode manter-se e deverá ser revogada.
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Ultrapassada esta questão, resta extrair as devidas consequências indemnizatórias.
Impõe-se, no entanto, antecipar que no recurso só estão impugnadas as fórmulas de cálculo indemnizatório no que concerne ao trabalho prestado em dias de descanso semanal e nos feriados obrigatórios, sendo certo que também não foi impugnada a decisão recorrida no que respeita à não aplicação do DL nº 101/84/M.
E ter-se-á, por fim, em atenção, tal como decidido no despacho saneador, os efeitos da declarada prescrição, em consonância, aliás, com a sentença nesta parte.
Dito isto, avancemos para a atribuição da indemnização, cientes de que só será aplicável ao caso as regras que emergem do DL nº 24/89/M.
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a) Descanso semanal

Na vigência do DL n. 101/84/M
Nada se determinará face ao que ficou dito sobre o teor da sentença.

Na vigência do DL n. 24/89/M
A sentença entendeu que o factor multiplicador era o 1 na fórmula AxBx1 (em que A é o número de dias vencidos e não gozados e B o valor do salário diário), enquanto o autor entende que deve ser o factor 2.
E tem razão o recorrente.
Com efeito, vale aqui o disposto no art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a).
Assim:
N.1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
N.4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
N.6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Ora, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.6, al. a)).
Numa 1ª perspectiva, se o empregador pagou o devido (pagou o dia de descanso), falta pagar o prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Numa 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda:
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.1);
Portanto, a fórmula será sempre: AxBx2, e não x1, como concluiu a sentença recorrida.
Assim sendo, ao rendimento anual consignado na resposta ao quesito 10º, temos que os valores do salário médio diário são de MOP$ 415,53, 370,45, 420,48 e 371,71, para os anos de 1989, 1990, 1991 e 1992, respectivamente.

De modo que, a este título, e tomando por referência o quadro da sentença a fls. 22, a indemnização a atribuir ascende a MOP$ 153.336,30.

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b) Descanso anual

- Na vigência do DL n. 101/84/M
Considerou a sentença que a indemnização corresponde ao resultado da fórmula (AxBx1).

E sendo assim, considerando a fracção de dia mencionada no mapa de fls. 24 da sentença e os valores acima referidos com referência ao período que decorre entre 5/03/89 e 2/04/1989 (o último da vigência desse diploma), cada um dos anos, o valor indemnizatório é de é Mop$ 207,76.

- Na vigência do DL n. 24/89/M
Considerou a sentença que o factor multiplicativo era o 3.
Posto isto, e tendo em atenção os mesmos considerandos, o valor indemnizatório apurado ascende a Mop$ 26.538,97.

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c) Feriados obrigatórios

- Na vigência do DL n. 101/84/M
Afirmou a sentença em termos imperativos que não havia lugar a indemnização relativamente ao período comandado pelo diploma em epígrafe. Nada, por isso, pode este TSI retorquir a este respeito, por não ser objecto do recurso (art. 589º, nº4, do CPC).

- Na vigência do DL n. 24/89/M
No contexto deste diploma legal, a sentença em crise ajuizou que o factor multiplicador da fórmula era o 2 (AxBx2), enquanto o recorrente acha que deve ser o factor 3.
Vejamos.

Esta lei trouxe inovações: introduziu uma indemnização especial, chamemos-lhe assim, que a lei anterior não previa e alargou o leque dos dias feriados remunerados, pois aos previstos na lei anterior, somaram-se agora os três dias do Ano Novo Chinês (cfr. art. 19º, n.3). Portanto, o gozo desses dias é feito, não apenas sem perda de remuneração (já era assim na lei anterior), como ainda deve ser extraordinariamente compensado.
Se o trabalhador prestar serviço nesses dias, diz o diploma, além da remuneração normal, receberá ainda um acréscimo salarial não inferior ao dobro da retribuição normal (art. 20º, n. 1). O que quer dizer não inferior? Quer dizer que pode ser igual, mas não descer desse limite. E até pode ser superior, mas nesse caso só o empregador poderá fixar o valor, singularmente ou por acordo com o empregado. O que não pode é o tribunal, arbitrariamente subir acima dessa barreira.
Aqui chegados, de novo pensemos nas duas perspectivas acima avançadas: a de o trabalhador ter sido pago pelo valor do devido e a de ter sido remunerado pelo valor do serviço prestado. É bom que se equacionem estas duas acepções para se ver até que ponto a solução pode diferir.
1ª Perspectiva (pagamento do devido)
O empregador pagou ao trabalhador o valor remuneratório que, pela lei, sempre lhe seria devido (ou seja, pagou a “remuneração correspondente aos feriados…”: art. 19º, n.3, até porque não lhos podia descontar: art.26º, n.1).
Sendo assim, falta pagar ao trabalhador o seguinte: a remuneração do trabalho efectivamente prestado (um dia de salário), mais um acréscimo em dobro, nos termos do art. 20º, n. 1(mais dois dias). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
2ª Perspectiva (pagamento do prestado)
Nesta óptica, o empregador o que fez foi pagar ao trabalhador em singelo o valor do serviço prestado.
Todavia, falta pagar o acréscimo em dobro (2 x salário) e ainda o valor do devido (um dia). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
Como se vê, qualquer que seja o prisma por que se encare a situação, o resultado é o mesmo. A fórmula é, em ambas, salário diário x 3, e não 2, conforme decidiu a sentença.

Posto isto, o valor a atribuir é de Mop$ 23.422.50.
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Em vista do que se vem de dizer, o valor total ascende a Mop$ 203.505,53.

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IV- Decidindo

Face ao exposto, acordam em:
a) Negar provimento ao recurso do despacho saneador.
Custas pelo recorrente.
b) Conceder provimento ao recurso final e, em consequência, revogar a sentença nos sobreditos termos e condenar a STDM a pagar ao recorrente a quantia global de Mop$203.505,53, acrescida de juros legais calculados pela forma decidida pelo TUI no seu acórdão de 2/03/2011, no processo nº 69/2010.

Custas na proporção do decaimento:
- Pelo recorrente, apenas na 1ª instância; Pela STDM, em ambas as instâncias.

TSI, 07 / 12 / 2011

_________________________
José Cândido de Pinho
(Relator)

_________________________
Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto) (com declaração de voto)

_________________________
Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)















Processo nº 76/2010
Declaração de voto

Subscrevo o Acórdão antecedente à excepção da parte que diz respeito à existência dos direitos do trabalhador à compensação e aos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios, em tudo quanto difere do afirmado, concluído e decidido, nomeadamente, nos Acórdãos por mim relatados e tirados em 27MAIO2010, 03JUN2010 e 27MAIO2010, nos processos nºs 429/2009, 466/2009 e 410/2009, respectivamente.

RAEM, 07DEZ2011

O juiz adjunto


Lai Kin Hong