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Processo n.º 19/2005. Habeas Corpus.
Requerente: A
Assunto: Habeas Corpus. Revogação de suspensão de execução da pena. Efeito do recurso.
Data do Acórdão: 20 de Julho de 2005.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Sam Hou Fai e Chu Kin.
SUMÁRIO:
   I - Se o pedido da providência de habeas corpus se fundamenta em que, por força de efeito meramente devolutivo com que o recurso de decisão de revogação de suspensão de execução de pena de prisão foi recebido erradamente, o arguido aguarda preso a decisão do recurso, não é possível conceder tal providência uma vez que, no âmbito do recurso, o recorrente pode impugnar o efeito atribuído ao recurso e o tribunal ad quem tem obrigação de se pronunciar sobre esta questão.
   II – A providência de habeas corpus é subsidiária relativamente aos restantes meios processuais: destina-se a proteger a liberdade individual nos casos em que não haja qualquer outro meio legal de fazer cessar a ofensa ilegítima da liberdade.

O Relator
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

   ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
   
   I – Relatório
   A requereu a providência de habeas corpus, pedindo a sua restituição imediata à liberdade, alegando, em síntese, o seguinte:
   1. Na sessão de audição ocorrida no passado dia 15 de Julho de 2005 no âmbito dos autos supra identificados, foi o ora requerente notificado pessoalmente do despacho que revogou a suspensão da pena de prisão de que beneficiava, e, concomitantemente,
   2. Do despacho proferido verbalmente durante a mesma sessão de audição que indeferiu o pedido de fixação de medidas de coacção não privativas da liberdade durante o período de tramitação do recurso penal ordinário interposto do despacho judicial de 15 de Julho de 2005 - igualmente interposto por simples declaração na acta, pelo qual foi-lhe revogada a suspensão da pena de prisão ao abrigo do disposto no artigo 476.°, n.º 3, do Código de Processo Penal em vigor,
   3. E, assim, foram passados ao ora requerente mandados de condução ao Estabelecimento Prisional onde se encontra desde o passado dia 15 de Julho de 2005.
   4. O despacho em causa fundou-se na interpretação "a contrario" feita ao artigo 398.° do Código de Processo Penal em vigor, onde se encontram elencados os recursos com efeito suspensivo do processo (e da decisão), e daqueles outros que apenas suspendem a decisão recorrida.
   5. Com efeito, entendeu o Tribunal "a quo" que, não constando do elenco do artigo 398.° do CPPM o efeito suspensivo a atribuir a um recurso interposto do despacho que revogou a suspensão da pena ao abrigo do disposto no artigo 476.°, n.º 3, do CPPM, logo, esse mesmo recurso terá, apenas, um efeito meramente devolutivo.
   6. E, daí, a imediata execução do cumprimento da pena de prisão a que fôra condenado e cuja suspensão fora revogada.
   7. Incorrectamente, porém.
   O que se diz com óbvia ressalva do muito respeito devido.
   Efectivamente,
   8. Em nossa perspectiva, entendemos que o recurso interposto do despacho que revogou a suspensão da pena de prisão aplicada na sentença condenatória proferida em 14 de Maio de 2001 nos presentes autos, tem efeito suspensivo, na medida em que o despacho proferido ao abrigo do disposto no artigo 476.º, n.º 3, do CPPM, integra e faz parte integrante daquela mesma decisão final condenatória,
   9. E, assim sendo, esse mesmo recurso é perfeitamente subsumível à previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 398.º do Código de Processo Penal em vigor.
   10. Pois, o despacho que revogou a suspensão da pena não só se debruçou sobre uma pena acessória aplicada pela decisão final condenatória, mas também alterou-lhe substancialmente, em detrimento do ora recorrente.
   11. Assim sendo, o despacho que revogou a suspensão da pena de prisão integra-se na decisão final condenatória.
   12. Dito por outras palavras, entendemos que materialmente o despacho que revogou a suspensão da pena de prisão faz parte da decisão final condenatória proferida em 14 de Maio de 2001.
   13. E, como tal, um recurso interposto sobre o despacho que revoga uma suspensão da pena de prisão tem, igualmente, efeito suspensivo do processo, e da decisão.
   14. Agindo diversamente, o despacho em causa violou a lei, o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 398.º do Código de Processo Penal em vigor.
   
   O 2.º Juízo Criminal confirmou os factos aduzidos pelo requerente.
   Procedeu-se a audiência pública, nos termos do art. 207.º do Código de Processo Penal.
   
   II – Factos apurados
   Foram apurados os seguintes factos:
   a) O arguido A foi condenado por sentença de 14 de Maio de 2001, transitada em julgado, na pena de um ano de prisão, suspensa na sua execução durante três anos, pela prática de um crime previsto e punível pelo art. 13.º, n.º 1 da Lei n.º 8/96/M, de 12 de Julho e art. 219.º n.º 1 do Código Penal;
   b) O mesmo arguido A foi condenado por sentença de 1 de Novembro de 2002, transitada em julgado, na pena de sete meses de prisão, suspensa na sua execução durante dezoito meses, pela prática de um crime previsto e punível pelo art. 317.º do Código Penal;
   c) Por despacho de 15 de Julho de 2005, proferido na sessão de audição do arguido, para efeitos de eventual revogação da suspensão de pena, foi efectivamente revogada a suspensão da pena referida na alínea a) e determinado o cumprimento da mesma pena de um ano de prisão;
   d) Na mesma sessão, o arguido interpôs recurso verbalmente para a acta e requereu que aguardasse em liberdade provisória a decisão do recurso;
   e) A Exm.ª Juíza admitiu o recurso, mas determinou a imediata execução do cumprimento da pena a que o arguido fora condenado, com fundamento em que, de acordo com o art. 398.º do Código de Processo Penal, o recurso não tem efeito suspensivo nem do processo nem da decisão recorrida.
   
   III – O Direito
   O cerne da questão trazida a este Tribunal é este:
   A Exm.ª Juíza considera que o efeito do recurso do despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão e que determina o cumprimento desta pena é meramente devolutivo e que, portanto, o arguido não pode aguardar em liberdade a decisão do recurso.
   Ao contrário, o arguido entende que o recurso interposto do despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão aplicada na sentença condenatória, tem efeito suspensivo da decisão, pelo que se deve manter na situação de liberdade, até que haja decisão final no recurso interposto.
   Vejamos. Por um lado, o recorrente pode impugnar o efeito atribuído ao recurso nas alegações (motivação) do recurso que interpôs, nos termos do n.º 4 do art. 594.º do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente, de acordo com o art. 4.º do Código de Processo Penal.
   Por outro lado, dispõe o n.º 3 do art. 404.º do Código de Processo Penal que a decisão que admita o recurso, que determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida não vincula o tribunal a que o recurso se dirige.
   E, no Tribunal de Segunda Instância (TSI), o relator, em exame preliminar, verifica se deve manter-se o efeito que foi atribuído ao recurso [alínea b) do n.º 3 do art. 407.º do Código de Processo Penal].
   Quando haja que alterar o efeito atribuído ao recurso, o relator leva a questão à conferência para decisão.
   Daqui resulta que se o Tribunal de Última Instância pudesse apreciar a providência requerida poderia suscitar-se um conflito entre tribunais, para o qual a lei não dispõe de solução.
   Na verdade, para decidir da legalidade da prisão, este Tribunal, na presente providência de habeas corpus, teria de se pronunciar sobre o efeito a atribuir ao recurso, no que poderia vir a ser legitimamente contraditado pelo TSI no recurso, pois a este compete decidir sobre tal matéria.
   Da decisão do TSI não haveria possibilidade de recorrer [art. 390.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Penal], pelo que seria definitiva.
   Poderia haver assim duas decisões definitivas a decidir em sentidos opostos sobre a mesma situação processual, uma declarando o efeito suspensivo do recurso e outra afirmando o seu efeito meramente devolutivo, com consequência contraditórias sobre a situação processual do arguido, no que concerne à sua liberdade pessoal.
   Tal resultado não seria admissível. Não só pelo grave desprestígio para a Justiça, como pela dificuldade de execução prática das duas decisões contraditórias.
   Acresce que a providência de habeas corpus é subsidiária relativamente aos restantes meios processuais: destina-se a proteger a liberdade individual nos casos em que não haja qualquer outro meio legal de fazer cessar a ofensa ilegítima da liberdade.
   E, havendo um meio próprio – no recurso já interposto pelo arguido – para, eventualmente, se corrigir a questão do efeito a atribuir ao recurso, não se justifica a utilização para tal da providência de habeas corpus.
   
   IV – Decisão
   Face ao expendido, vai indeferida a providência de habeas corpus.
   Custas pelo requerente. Taxa de justiça de 2 UC.
   Macau, 20 de Julho de 2005.
   
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin



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