Processo nº 21/2010
(Recurso Contencioso)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 07 de Dezembro de 2011
Descritores:
-Legitimidade
-Recorribilidade
-Indeferimento tácito
SUMÁRIO:
I- Para a análise da legitimidade activa do recorrente contencioso, importa apenas a lesão que possa advir do acto para a sua esfera (legimidade-pressuposto), e não os argumentos que se prendem com o fundo ou o mérito da causa (legitimidade-condição).
II- Se alguém que não é interessado principal no procedimento a ele acede para formular um requerimento versado sobre um alegado acto administrativo intercalar não recorrível – pretendendo que a Administração reflicta sobre ele e, reponderando o caso, suspenda uma determinada obra em curso – o indeferimento tácito que se produza sobre este requerimento assume as mesmas características de irrecorribilidade contenciosa.
III- E mesmo que se parta do pressuposto de que tal requerimento tem um sentido impugnativo e que o acto sobre que versa a pretensão seja considerado recorrível, será extemporâneo se tiver sido ultrapassado o prazo de 30 dias fixado no art. 154º, nº1, do CPAC. Caso em que não se formaria indeferimento tácito, por inexistência do dever legal de decidir, e se imporia a rejeição do recurso por falta de objecto.
Recurso Contencioso nº 21/2010
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I- Relatório
A, residente na Estrada XXX, nº XXX, XXX, r/c “X”, na ilha da Taipa, em Macau, recorre contenciosamente do indeferimento tácito atribuído ao Ex.mo Secretário para os Transportes e Obras Públicas, na sequência de requerimento formulado no sentido da correcção de erros graves de cálculo imputados ao despacho deste de 22/02/2005, de autorizar a construção de um edifício com alegada violação da volumetria permitida para o local, sopé da Colina da Taipa, entre a Estrada de Lou Lim Ieoc e a estrada Governador Albano de Oliveira, na ilha da Taipa.
Na respectiva petição inicial, formulou as seguintes conclusões:
A) A recorrente requereu, em 06 de Outubro de 2008, ao abrigo do disposto no art. 135º do CP A, a rectificação de erro de cálculo grave constante em Despacho do Exmº Secretário para os Transportes e Obras Públicas, contido na Informação/Proposta nº 036/DPU/2005, em violação crassa e grosseira do disposto no art. 88º do Regulamento Geral da Construção Urbana, com a redacção que lhe foi introduzida pelo Decreto-Lei nº 42/80/M;
B) Até à presente data, o Exmº Secretário em nada agiu, mantendo-se inerte e silente, com o que se presume a existência de Acto Tácito de conteúdo negativo em relação às pretensões da recorrente, de acordo com as disposições dos arts. 102º, nºs 1, 2 e 3, alínea a) do CP A;
C) O acto Tácito formado, de conteúdo negativo, é recorrível, nos termos do disposto nos arts. 25º, nº 2, alínea c), nº 3 e 26º, nº 4 do CPAC sendo o recurso tempestivo;
D) A recorrente tem legitimidade, de acordo com os arts. 54º e 55º do CPA e esse Venerando Tribunal é competente - cfr. arts. 135º do CPA e art. 21º e alínea 7) do art. 36º da Lei nº 9/1999.
E) Os cálculos da cota altimétrica efectuados no acto expresso do Exmº Secretário para os Transportes e Obras Públicas, eivado de Violação de Lei, designadamente do art. 88º do Regulamento Geral da Construção Urbana, cuja correcção se requereu sem lograr qualquer resultado, o que redundou no Acto Tácito negativo de que se recorre, estão manifestamente errados, havendo claramente manifesto erro na formação da vontade o seu Autor;
F) Forçosamente, outra hipótese não resta do que a correcção dos referidos cálculos da cota altimétrica, ao abrigo do disposto no art. 135º do CPA e em conformidade com os Pareceres Técnicos imparciais aqui reproduzidos, em consonância com o previsto no art. 88º do Regulamento Geral da Construção Urbana, umas vez que os cálculos actuais e contidos no Acto expresso que originou o Acto Tácito, excedem em mais do que o dobro os cálculos devidos e permitidos por Lei, pois nunca poderão ser cálculos agregados, mas sim isolados para cada uma das vias públicas de confrontação;
G) Para além de violar todas as normas legais supra enunciadas, está, também, o Acto recorrido viciado de absoluta falta de fundamentação, por erro crasso nos seus pressupostos factuais e legais, pois tendo todos os elementos para uma correcta integração factual e jurídica, o Exmº Secretário de tudo fez “tábua rasa” e concedeu autorização e licenciamento ao projecto “XXX”, não tendo, como lhe é exigido e perante a constatação de ter errado crassamente, atenta a iniciativa da recorrente, corrigido o seu erro - cfr. arts. 135º do CPA e art. 88º do Regulamento Geral da Construção Urbana;
H) A zona em que se insere o projecto aprovado e licenciado erroneamente, a Colina da Taipa, é considerada pelo IACM como zona natural e histórica protegida, constituindo património de todos os cidadãos da R.A.E.M.;
I) Não foram efectuados, aprioristicamente à aprovação e licenciamento do projecto, os competentes e devidos estudos de Impacto Ambiental, sendo certo que a construção de que se trata põem em causa não só o ambiente, como a própria saúde pública e o património ecológico, cultural e histórico da R.A.E.M.;
J) Por todo o exposto nesta Conclusões, bem como nesta petição de recurso contencioso, somos em concluir com segurança que o Acto ora recorrido é nulo, quer por violação de todas as normas legais supra enunciadas, quer por violação do núcleo essencial dos Direitos Fundamentais da recorrente, e dos cidadãos de Macau, ao cumprimento da Lei e Princípio da Legalidade, ao Princípio da Igualdade, à protecção do património da recorrente e dos seus direitos adquiridos, ao seu direito de intervenção para cumprimento da Legalidade dos Titulares de Cargos Públicos, à Protecção do Ambiente e da Saúde Pública, à Protecção do Património Ecológico e Cultural da RAEM, à identidade cultural da recorrente e da RAEM e do Património Público, à Protecção Económica da RAEM e dos seus residentes permanentes, à Prossecução do Interesse Público e Cooperação entre Administração e os Particulares - cfr. art. 122º, nº 2 alíneas d) e f) e nº 3 do Código de Procedimento Administrativo, bem como arts. 8º, 18º, 24º, 25º, 31º, 36º, 41º, 101º, 103º, 119º e 125º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau e arts. 2º, 3º, 4º, 5º, 7º, 8º, 9º, 10º e 11º do Código de Procedimento Administrativo.
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O Ex.mo Secretário para os Transportes e Obras públicas, na sua contestação, excepcionou a irrecorribilidade do acto, deduzindo também impugnação, concluindo o seu articulado nos seguintes termos:
1.ª - O objecto do presente recurso contencioso é o despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 22 de Fevereiro de 2005, que aprovou os novos parâmetros urbanísticos do terreno situado no sopé compreendido entre a Estrada Governador Albano de Oliveira e a Estrada Lou Lim Ieok, na ilha da Taipa.
2.a - O despacho recorrido, pelo objecto de que se reveste, por si, não permite ao interessado desenvolver a operação urbanística pretendida.
3.ª - Para executar a obra de construção (obra de raiz), visada pelos parâmetros urbanísticos aprovados pelo despacho recorrido, o particular teve de promover o respectivo licenciamento, em cujo procedimento a Recorrente assume a posição de contra-interessada.
4.ª - Atento o regime jurídico do licenciamento de obras estabelecido no RGCU, o acto principal, definidor e constitutivo do licenciamento de obra é o despacho de aprovação final (cfr. n.º 2 do artigo 40.º), que incorpora os actos anteriores, que têm apenas uma função instrumental e preordenada à produção do mesmo.
5.ª - Apenas a decisão final que defere o licenciamento pode ter eficácia lesiva, imediata e efectiva, na esfera jurídica de terceiros portadores de uma pretensão contrária à do requerente do licenciamento.
6.ª - É, pois, esse acto final o contenciosamente recorrível para os contra-interessados.
7.ª - Neste sentido e não existindo no procedimento de licenciamento da obra de construção do “XXX”, cujos parâmetros urbanísticos foram aprovados pelo despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas identificado no artigo 1.º, um despacho de aprovação final, a decisão que aprovou o último projecto de obra, de 30 de Agosto de 2007, consubstancia o acto principal e eventualmente lesivo dos direitos ou interesses legalmente protegidos da Recorrente, sendo por conseguinte o acto susceptível de recurso contencioso.
8.ª - O despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, na medida em que só produziu efeitos jurídicos externos através daquele acto principal, não é um acto destacável para a Recorrente e, como tal, não é contenciosamente sindicável.
9.ª - Devendo, por isso, o presente recurso contencioso ser rejeitado por irrecorribilidade do despacho ora recorrido - alínea c) do n.º 2 do artigo 46.º do CPAC.
10.ª - Quanto aos alegados erros de cálculo da área de sombra, que constam da Informação/Proposta n.º 036/DPU/2005, de 4 de Fevereiro, os mesmos não se verificam.
11.ª - Visto que a área de sombra calculada cumpre as condicionantes urbanísticas definidas para o projecto em causa, conforme parecer do perito da DSSOPT constante da Informação n.º 573/DPU/2008, de 21 de Novembro.
12.ª - In casu, foi adoptado o método de substituição do cálculo de área de sombra para calcular a - Área Bruta Total de Construção - (ABTC), com base no plano de 76 graus.
13.ª - Nestes termos, houve por parte da DSSOPT, a preocupação de garantir que a volumetria do edifício não ultrapassasse a volumetria permitida pelo cálculo da área de sombra.
14.ª - Pelo que estamos em condições de concluir que o despacho ora impugnado não padece do vício de violação de lei que a Recorrente lhe pretende assacar no n.º 86 da PI, nem de qualquer erro notório.
15.ª - Embora a Recorrente afirme que a Colina da Taipa é um “Local Protegido de Paisagens Naturais”, compulsada a legislação em vigor, verifica-se que esta Colina não consta da lista de sítios classificados (cfr. Anexo IV ao Decreto-Lei n.º 83/92/M, de 31 de Dezembro).
16.ª - Acresce que nem o pretendido estudo de impacte ambiental pode ser efectuado, porquanto não estão regulamentadas por lei as condições em que tais estudos devem ser efectuados, bem como o seu conteúdo. Cfr. artigo 28.º da Lei n.º 2/91/M (Lei de Bases do Ambiente).
17.ª - Por outro lado, a Recorrente ao efectuar a compra da sua casa teve conhecimento e aceitou a hipótese de poder vir a ser efectuada construção entre a sua residência e o “ Macau Jockei Club”, na Estrada de Lou Lim leok e Estrada Governador Albano de Oliveira, no sopé da Colina da Taipa.
18.ª - Ora, uma construção quer de 14, quer de 16 andares sempre atingiria uma altura superior à da casa da Recorrente, tal como se Verifica por confronto entre PAO e peça desenhada do projecto de arquitectura que indica a fachada lateral do edifício em construção.
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Contestou, também, a contra-interessada “Empresa de Desenvolvimento Predial XXX, SA”, suscitando a necessidade de citação da contra-interessada “Banco Industrial e Comercial da China (Macau), SA”, além de excepcionar a irrecorribilidade do acto impugnado e a ilegitimidade activa da recorrente. Defendeu-se, ainda, por impugnação.
As conclusões da sua peça contestatória têm o seguinte teor:
1. Por estar registada hipoteca voluntária em favor do Banco Industrial e Comercial da China (Macau), S.A., com sede em Macau, na Avenida da Amizade, n.º 555, Macau Landmark, Torre do Banco ICBC, 18.º andar, constituída sobre o terreno onde se desenvolve a construção cuja legalidade se impugna e como contrepartida de abertura de crédito em concessão de facilidades de crédito gerais até ao valor de HKD 2 100 000 000,00, deve aquela sociedade ser considerada contra-interessada nestes autos.
2. O acto é o indeferimento tácito do requerimento apresentado pela ora recorrente em 6 de Outubro de 2008, em que requereu a correcção de alegados vícios de cálculo sancionados por despacho do Senhor Secretário para as Obras Públicas e Transportes, datado de 22 de Fevereiro de 2005, exarado na Informação/Proposta n.º 036/DPU/2005, datada de 4 de Fevereiro de 2005.
3. O único acto eventualmente lesivo de interesses legalmente protegidos da ora recorrente não poderá ser o despacho supra mencionado, mas sim o despacho do Director da DSSOPT, de 30 de Agosto de 2007, que aprovou o projecto.
4. Daqui advindo, por falta de legitimidade em impugnar procedimentalmente o despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas a ilegitimidade da recorrente nos presentes autos.
5. A falta de legitimidade conduz à rejeição liminar do recurso e ao não conhecimento do mérito da causa por absolvição da instância, tudo de acordo com a alínea e) do artigo 413.º e com o n.º 2 do artigo 412.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 1.º do CPAC.
6. Devem ser desentranhados os pareceres técnicos juntos aos autos com a P.I., por estarem formulados ao abrigo de legislação revogada, a saber, o Decreto-Lei n.º 42/80/M (altera o artigo 88.º do RGCU do Diploma Legislativo n.º 1.600), revogado tacitamente pelo Decreto-Lei n.º 24/95/M.
7. Esta revogação tácita cria um vazio legislativo em matéria de cálculo da área de sombras projectadas.
8. Ainda que assim se não entenda, os pareceres técnicos estabelecem premissas erradas e determinam a errónea quantificação da área de sombra projectada.
9. O parecer técnico do Arquitecto XXX é contraditório e parte da premissa da existência de duas vias de confrontação quando é evidente estarmos em face de três confrontações distintas.
10. O parecer técnico do Arquitecto XXX não tem em conta que o edifício faz gaveto com a Rotunda Tenente Pedro José da Silva Loureiro.
11. O parecer técnico do Arquitecto XXX não tem em conta que o edifício faz gaveto com a Rotunda Tenente Pedro José da Silva Loureiro.
12. Estes erros retiram aos pareceres técnicos qualquer valia como meio de prova da tese da recorrente.
13. Devendo, pela sua inutilidade serem desentranhados do processo.
14. Bem se andou neste processo e não existe no acto recorrido, ou no que lhe está na génese, qualquer vício invalidante, como aliás se tem de concluir em face dos manifestos e grosseiros erros que resultam da prova documental.
15. Aderimos na íntegra ao expresso pela entidade recorrida no sentido de o cálculo da área de sombra se encontrar correctamente efectuado e justificado de facto e de direito.
16. O que foi feito com recurso ao cálculo da área bruta de construção correspondente ao cálculo da área de sombra, com base num plano de 76º, o que permitiu, em aditamento, ter em conta a volumetria correcta do edifício, sem que com isso se ofendesse qualquer normativo ou mera regra técnica.
17. Não se verifica qualquer vício de violação de lei.
18. Não se entende, por ser inexistente do ponto de vista jurídico - pelo menos por via da doutrina a que temos acesso qualquer vício que possa adquirir a designação de “Falta Absoluta de Fundamentação, por erro nos pressupostos de facto”.
19. Com efeito, tais vícios são independentes, versando o primeiro sobre a forma (falta de fundamentação) e o segundo (erro nos pressupostos de facto) sobre a formação da vontade.
20. Não sendo possível que a existência de qualquer um delas determine a verificação do outro.
21. É mais do que controversa a arguição do vício de falta de fundamentação no recurso de um acto tácito, porquanto a figura do indeferimento tácito existe, exactamente, para permitir a completa tutela jurisdicional mesmo em caso de silêncio absoluto da Administração.
22. Não se verifica a existência de qualquer vício conducente à declaração de nulidade, porque não são invocados factos que possam levar a concluir que o acto recorrido ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental.
23. A sustentação de que o local em causa é ambientalmente protegido é falsa, pelo que não é de exigir qualquer estudo de impacto ambiental, estudo este que não se encontra aliás regulamentado.
24. A localização do terreno não integra qualquer sítio classificado.
25. São absolutamente desconhecidos os motivos que levam a recorrente a afirmar a falta de benefícios económicos para a RAEM como resultado da edificação do projecto aprovado.
26. A arguição de nulidade por carência de forma legal por referência a um acto tácito roça a litigância de má-fé, porque, por natureza, o acto tácito não tem expressão formal.
27. O pedido deve ser reduzido por forma a que se respeitem os limites impostos pelo artigo 20.º do CPAC a uma apreciação de legalidade sem imposição de correcção do acto administrativo.
Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis que V. Exas. doutamente suprirão, deve o recurso ser rejeitado, por ilegitimidade da recorrente, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 46.º do CPAC.
Caso assim se não entenda, o que só por mera cautela de patrocínio se admite, deve negar-se provimento ao recurso e manter-se o acto recorrido, por não se verificar qualquer dos vícios arguidos, sempre se reduzindo o pedido à mera apreciação de legalidade.
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O digno Magistrado do MP, acolhendo a opinião da entidade recorrida, também opinou no sentido da rejeição do recurso por o acto sindicado não ser contenciosamente recorrível.
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A recorrente não apresentou alegações facultativas e a entidade pública limitou-se a oferecer o merecimento dos autos (fls. 261 dos autos).
A contra-interessada apresentou alegações finais, tendo formulado as conclusões de fls. 280 e sgs., que não são senão a reprodução das constantes da sua contestação e acima transcritas, razão por que as damos aqui por reproduzidas.
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Cumpre decidir.
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II- Os factos
1- A recorrente é dona de uma vivenda no empreendimento “XXX”, Estrada XXX, r/c, onde reside, na Ilha da Taipa.
2- A “Empresa de Desenvolvimento Predial XXX, SA” com sede em Macau, na rua de XXX, nº 51, Centro Comercial XXX, XXº andar, L-P, sendo dona de um terreno de construção e concessionária de outra parte, requereu a edificação de um complexo habitacional constituído por oito torres, designado “XXX” ou “XXX”.
3- Este conjunto de edificações situa-se entre a propriedade referida em 1 supra e o Macau Jokey Club, na Estrada de Lou Lim Ieoc e Estrada Governador Albano de Oliveira, no sopé da Colina da Taipa.
4- As concessões de parte desses terrenos foram autorizadas por Despachos do Secretário para as Obras Públicas nºs 79/2005 e 133/2006.
5- Em 4 de Fevereiro de 2005 foi emitida a Informação nº 36/DPU/2005 sobre o estudo prévio do terreno em causa, que concluiu que referiu:
“3-…De acordo com as condicionantes urbanísticas definidas na PAO, a cota altimétrica máxima para o terreno em apreço varia entre 20,5m (classe M) e 44m NMM, por isso o estudo prévio submetido pelo requerente não obedece às condicionantes urbanísticas definidas na respectiva PAO. (…)
8-Por todo o exposto, …em termos genéricos, o estudo prévio actualmente submetido pelo requerente obedece à legislação no domínio da construção civil actualmente em vigor e o cálculo da área de sombra”
9- Envia-se em anexo a PAO do terreno em causa e caso seja superiormente aprovado o estudo prévio em apreço, submete-se então à aprovação superior as seguintes condicionantes urbanísticas:
- Finalidade do terreno: Finalidade não industrial;
- ILUS: 10;
- ILOS: 40%;
- Não são permitidas construções que ocupem o espaço vertical;
- O plano de desenvolvimento do terreno deve obedecer ao projecto de arquitectura que foi aprovado.
(fls. 37 e 38 dos autos).
6- Em 8/02/2005 o Senhor Director despachou:
“Ex.mo Senhor Secretário
Concordo com o proposto no ponto 9 da Informação solicitando APROVAÇÃO e ESTUDO da PAO com as novas condicionantes urbanísticas.
À consideração superior” (fls. 37 e 38 dos autos).
7- Em 22/02/2005, o Ex.mo Secretário para os Transportes e Obras públicas despachou:
“ Concordo com o parecer do Director” (fls. 34 dos autos).
8- Em 14 de Fevereiro de 2007, por despacho do Ex.mo Director das Obras Públicas foram autorizadas as obras de escavação.
9- Em 22 de Março de 2007, por despacho do Ex.mo Director das Obras Públicas foram autorizadas as fundações dos prédios.
10- Em 30 de Agosto de 2007 O Ex.mo Director da DSSOPT, na sequência da Informação DURDLC/Construção de 20/08/2007 e da opinião manifestada pelo Subdirector em 29/08/2007 sobre despacho do Chefe do DUR, em que se exprimiam opiniões favoráveis (algumas condicionadas) à aprovação de projectos (de colocação de barreiras metálicas, de obras de remodelação da rede de drenagem + requerimento de licença de obras, projecto de alteração de construção, projecto de obras: estruturas/fornecimento de águas/drenagem de águas/SPCI/fornecimento de electricidade/ventilação+obras estruturais de fundações e coberturas, projecto de alteração de infra-estruturas, alteração de infra-estruturas, alteração de barreiras metálicas, proferiu o seguinte despacho datado de 30/08/2007: “Concordo” (cfr. apenso “traduções” e fls. 158 a 162 dos autos).
11- Em 3 de Abril de 2008, por despacho do Ex.mo Director das Obras Públicas foi imposto que o projecto fosse sujeito a pequenos ajustes (art. 6º da p.i.)
12- A recorrente em 6 de Outubro de 2008 dirigiu ao Ex.mo Director dos Serviços de Protecção Ambiental um requerimento/queixa dando conta da obra em apreço, alegadamente em violação do art. 88º do Regulamento Geral da Construção Urbana e do património paisagístico, natural, ambiental e turístico, devido à altura máxima permitida das fachadas dos edifícios, requerendo fosse feito estudo de impacto ambiental da construção em causa, bem como, para efeitos judiciais, fosse emitido parecer e avaliação do impacto ambiental do projecto e, por fim, que fosse feita uma fiscalização ao local da obra em curso (fls. 92 e sgs. dos autos).
13- Na mesma data, apresentou ao Ex.mo Secretário para os Transportes e as Obras Públicas um requerimento em que pedia a suspensão imediata das obras de construção a fim de que fossem verificados os cálculos efectuados relativos à área de sombra dos edifícios a construir, e ainda que fosse determinada a rectificação imediata dos aludidos cálculos, invocando, entre outras coisas, a nulidade derivada da intervenção do Ex-Secretário para os Transportes e Obras Públicas na aprovação, por despacho seu de uma P.A.O. ilegal (fls. 133 a 141 dos autos).
14- Não foi dada resposta a este requerimento.
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III- Pressupostos processuais
1- O tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias.
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2.1- Legitimidade activa
Foi suscitada pela contestante “Empresa de Desenvolvimento Predial XXX, S.A.” a questão da ilegitimidade activa da recorrente contenciosa. Para a excepcionante, a recorrente não é sujeito da relação jurídica administrativa e o indeferimento que é objecto do recurso versa sobre matéria que não afecta qualquer interesse que lhe deva ser reconhecido ou protegido.
Não concordamos.
Qualquer pessoa que se considere titular de direito subjectivo ou interesse legalmente protegido que tenha sido lesado pelo acto em causa goza de legitimidade para dele recorrer (art. 33º, do CPAC).
Por outro lado, e como é sabido, a legitimidade é um pressuposto processual aferível pela forma como a situação é descrita na petição inicial, pela marca como é invocado o direito e pelo modo como é materializada a ofensa a este, independentemente do exame sobre o fundo ou mérito do recurso (J. Castro Mendes, in Direito Processual Civil, II, pag. 153).
Terá que ser um interesse directo, pessoal e legítimo (art.33º, al. a), do CPAC).
Directo, na medida em que do provimento do recurso lhe advenha um proveito imediato e objectivo. Directo, na medida também em que o provimento implique a anulação do acto que esteja a constituir um obstáculo à satisfação de uma pretensão ou seja causa imediata de um prejuízo (M. Caetano, Estudos de Direito Administrativo, edições Ática, nº 46, pag. 240 e Manual de Direito Administrativo, 10ª ed., II, pag. 1356; Fermiano Rato in Revista de Direito Administrativo; F. Amaral, Direito Administrativo, IV, 1988, pag. 168/170; Ac. STA de 28/4/94, in AD nº 394/1111). E esse interesse directo haverá de traduzir-se numa verosímil posição de utilidade ou vantagem, independentemente de ficar ou não eliminada a causa da lesão que motive o recurso (Ac. do STA de 22/02/93, Rec. Nº 25 160). Nesta perspectiva, a legitimidade não é a legitimidade condição, ligada ao fundo da causa, mas como se disse mero pressuposto processual (Ac. do STA de 17/11/96, Rec. Nº 38005 e 1/10/98, Rec. Nº 43 423, entre outros).
Pessoal, no sentido da existência de um relação de titularidade entre a pessoa do recorrente e a pretensão por cuja vitória pugna ou o prejuízo causado pelo acto cuja anulação pretende obter (M. Caetano, in «Estudos...», pag. 242 e «Manual...», II, 1357).
Legítimo, supondo-se estar em sintonia com a ordem jurídica estabelecida e por esta não reprovada (M. Caetano, «Manual...» cit, II, pag. 1357; F. Amaral, ob. cit. pag. 171; Guilherme da Fonseca, in «Condições de procedibilidade» na obra Contencioso Administrativo, Livraria Cruz, Braga, pag. 201).
Portanto, não está em causa a titularidade da relação jurídica como fundamento para a legitimidade, mas a lesão que possa advir do acto para a esfera do recorrente. E nessa apreciação, não temos que chamar à colação argumentos que se prendem com o fundo ou o mérito da causa (legitimidade-condição), mas sim toda uma série de razões que explicam a atitude processual do recorrente e exibam bem o motivo pelo qual se insurge contra determinado acto. Saber se do ponto de vista da substância ele é procedente, isso já escapa à noção adjectiva e processual que se deve ter presente na análise da legitimidade -pressuposto.
Ora, o recorrente invocou na petição uma série de razões pelas quais entende estar afectada a sua esfera jurídica, enquanto proprietário de prédio habitacional fronteiriço. Assim, considera-se, neste aspecto, reconhecido o interesse directo e pessoal, não havendo por outro lado qualquer factor que torne ilegítima a pretensão reactivo/contenciosa que aqui demonstra.
Em suma, a recorrente goza de legitimidade activa.
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2.2- Legitimidade passiva
Suscitada vem ainda a questão da falta da presença de uma outra pessoa: “Banco Industrial e Comercial da China (Macau), SA”. Para a excepcionante “Predial XXX”, a presença desta entidade bancária justificar-se-ia pelo facto de ela ter registada a seu favor uma hipoteca voluntária constituída sobre o terreno onde se desenvolve aquela construção (cuja ilegalidade se impugna) como garantia de abertura de crédito em facilidades bancárias. Em sua opinião, “a impugnação desse projecto faz perigar os pressupostos garantísticos de que o Banco se pode fazer valer”.
Não acompanhamos a excepcionante. Na verdade, o que a contestante aqui invoca é um pano de fundo substantivo completamente diverso do da relação jurídica administrativa estabelecida entre Administração Pública e sociedade promotora do empreendimento. O interesse bancário é apenas colateral. Mesmo que se reconheça que o seu interesse pode muito bem ser o de que a construção prossiga e seja concluída, decerto que não se pode deixar de reconhecer que a relação subjacente é uma relação muito específica de tipo comercial e de natureza privada estabelecida entre partes contratantes e portanto alheia à jurídico-pública aqui em causa.
Por outro lado, o interesse bancário – que aqui não é, nem pode ser protegido – terá outro tipo de protecção, a que não será estranha a garantia que a hipoteca lhe proporciona.
Razão, pois, para se julgar improcedente a excepção.
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2.2.1- Legítimas são, por outro lado, todas as restantes partes que estão no processo na defesa dos seus direitos e interesses (Secretário das Obras Públicas e Transportes e “Empresa de Desenvolvimento Predial XXX, S.A.”).
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3- Irrecorribilidade.
Tanto a entidade administrativa, como a contestante privada, arguiram a excepção de irrecorribilidade do acto com argumentos semelhantes: o acto tácito de que vem interposto recurso decorre da prática de outro acto (aprovação de projecto de arquitectura) que somente é preparatório da decisão final.
Vejamos.
3.1- A fundamental preocupação da recorrente, que manifestou no requerimento que oportunamente dirigiu ao Ex.mo Secretário das Obras Públicas e Transportes e que nos presentes autos reitera, aparece explicada pelo facto de ser dona de uma moradia em zona limítrofe e fronteiriça àquela onde um empreendimento imobiliário “XXX” está a desenvolver-se.
Na medida em que a obra em causa iria (irá) ter uma altimetria correspondente a 47 andares, a construção, segundo a opinião da recorrente, atenta contra o art. 88º do RGEU e, ao mesmo tempo, afecta os seus direitos e interesses relacionados com o ambiente, saúde e bem-estar (sem o referir claramente, estaria em causa também o seu direito de vistas), além de ferir o património paisagístico, natural e turístico.
O que move agora a recorrente?
Move-a a circunstância de não ter sido dada resposta a um requerimento apresentado pela ora recorrente contenciosa no âmbito de um processo de licenciamento de edificação. Pretendia ela com esse requerimento que fosse ordenada a suspensão imediata das obras e determinada a rectificação dos cálculos da área de sombra de cada um dos edifícios que compunham o empreendimento.
Mas, nada teria sido decidido, nem feito, na sequência desse requerimento e, por isso, na sua tese estaríamos em presença de um indeferimento tácito merecedor de censura jurisdicional, porque ilegal.
Ora, a verdade é que, tanto quanto se colhe dos elementos dos autos e do próprio processo instrutor de gigantesca dimensão, o acto de que vem interposta a impugnação contenciosa não pode ser apreciada autonomamente.
Na realidade, o que a recorrente pretende é que a obra seja travada, quiçá que não chegue ao seu termo, com a alegação de que ela ofende normas imperativas de cariz construtivo plasmadas no RGEU.
Mas, se assim é, oferece-se-nos dizer o seguinte:
Ao contrário do que o defendem os recorridos, o que vem acometido não é nenhum acto preparatório do tipo daquele que aprova o projecto de arquitectura. A recorrente não ataca nenhum acto preparatório ou intercalar específico de uma qualquer fase procedimental. Não. O que a recorrente pretende se discuta nos presentes autos é a ilegalidade do acto tácito que afirma ter sido produzido a propósito de um requerimento que ela mesma, enquanto “terceiro” afectado pela obra, levou ao procedimento de licenciamento construtivo. Cai, pois, por terra a defesa manifestada nos arts. 2º e sgs. da contestação da entidade administrativa e 6º a 9º da “Empresa Predial XXX”.
Não obstante, percebemos o que querem dizer os excepcionantes e em certa medida têm razão. Expliquemo-nos.
Vamos partir da ideia de que o acto de 22/02/2005 foi o móbil da acção da recorrente ao efectuar o tal requerimento. Partindo desse pressuposto, e mesmo que conferíssemos a esse acto características idênticas às de aprovação de um projecto de arquitectura, realmente a solução não deixaria de apontar para o mesmo lado. Na verdade, à luz do ordenamento jurídico de Macau, o acto que aprova um projecto de arquitectura não tem, por si mesmo, eficácia lesiva da esfera jurídica do recorrente. Logo, até por não conferir nenhum direito de construção desde logo, não é autonomamente recorrível no plano contencioso1 (para situação semelhante, no direito comparado, ver Ac. STA de 22/10/2003, Proc. nº 660/02-11; Proc. nº 100/2004, de 5/04/2005; 17/12/2008, Proc. nº 0786/08, entre muitos).
Mas nós entendemos até que aquele acto não se equivale, porém, a um acto de aprovação de projecto de arquitectura. De qualquer maneira, é um acto que está situado numa fase incipiente do princípio do procedimento e que, tal como o que aprova o projecto de arquitectura, também não é decisório do procedimento nos termos em que o acto administrativo é definido no art. 110º do CPA.
E então poderia dizer-se: se tal acto não é final, nem recorrível contenciosamente, também não poderá sê-lo o acto que não dá razão à recorrente quando pede à Administração Pública que incida a sua atenção sobre ele e que, na sequência dessa reflexão, suspenda a obra, refaça os cálculos sobre a área de sombra dos edifícios a construir, com base, entre outras coisas, na nulidade derivada da intervenção do Ex-Secretário das Obras Públicas e Transportes. E isto porque um e outro dos actos fariam parte da mesma lógica procedimental, diríamos nós. Ou dito de outro modo, se um (o primeiro) não é autonomamente recorrível, também o outro (o segundo, aqui tácito), na medida em que indirectamente se debruça sobre aquele, recebe dele por contágio a mesma maleita e adquire, assim, as mesmas características de irrecorribilidade.
Mas – ainda dentro do mesmo pressuposto de que o requerimento versava sobre aquele despacho de 22/2/2005 – vejamos agora a questão sob um outro prisma.
O despacho de 22/02/2005 do Secretário para os Transportes e Obras Públicas exarado na Informação nº 036/DPU/2005, datada de 4 de Fevereiro, incidia sobre um estudo prévio, já o sabemos. Tal despacho configura uma aprovação fixando determinadas condicionantes urbanísticas. Portanto, é para nós muito claro que tal decisão sobre o estudo prévio nem sequer tinha nessa ocasião uma feição decisora definitiva (mesmo que intercalar) com efeitos imediatos quanto à matéria sobre que versava, pois a sujeição às condicionantes que deviam ser observadas fez dele um acto condicional com eficácia diferida (art. 119º, al. b), do CPA). Ou seja, uma vez que tal “acto” estava condicionado à verificação de certo evento para produzir um determinado resultado (condição suspensiva), até que essa condição se verificasse ele não comportaria imediatamente nenhuma alteração da ordem jurídica, nem produziria quaisquer efeitos. E também por essa razão ele não seria recorrível, porque ainda ineficaz.
Acontece que, quando o requerimento foi apresentado (6/10/2008), já aquele acto de 22/02/2005 há muito tempo havia sido produzido e até já, entretanto, lavrado o despacho de 30/08/2007.
Mas, mesmo assim, admitindo por hipótese que no momento da apresentação do requerimento já aquele acto intercalar tivesse adquirido eficácia, nem por isso a situação jurídica haveria de ser diferente.
É que o pedido formulado pela recorrente (interessado não principal do procedimento) visava uma reponderação/reapreciação do caso no plano jurídico, feito por alguém colocado fora do procedimento. Se fosse possível descobrir neste indeferimento tácito uma recorribilidade que o acto objecto do requerimento não tinha e, principalmente, se fosse possível entender que o requerimento apresentado em Outubro de 2007, versando sobre uma decisão expressa de Fevereiro de 2005 (mais de dois anos depois), iria provocar um indeferimento tácito recorrível, isso equivaleria a reconhecer duas coisas:
1ª Que esse indeferimento tácito tinha mais força e importância do que o próprio acto sobre que versava o requerimento formulado, pois que enquanto este (expresso) seria irrecorrível, aquele (tácito) já poderia ser impugnado contenciosamente. E isso parece-nos quase um absurdo.
2ª Que é possível a qualquer interessado relapso - que deixe passar o prazo de impugnação sem se insurgir contra uma decisão administrativa - vir mais tarde, por caminhos travessos, vir a obter o mesmo efeito ao provocar uma reapreciação do caso já analisado no acto anterior (a não ser que o interessado não tenha tido acesso ao procedimento em momento anterior ou não tenha tomado conhecimento do acto praticado2). No caso, seria permitir que alguém (indirectamente interessado no procedimento ou mesmo contra-interessado) pudesse ir ao “procedimento de outrem” fazer um requerimento e, na ausência de resposta, achar que estaria sempre produzido um acto tácito recorrível. E isso parece-nos ser outro absurdo.
Dito isto, impõe-se a rejeição do recurso.
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3.2- Mas vamos supor agora outra coisa: que a recorrente tinha por objectivo insurgir-se contra outra decisão, que não a de Fevereiro de 2005.
Na verdade, quando a recorrente apresentou o dito requerimento, já ela tinha a noção - expressamente manifestada no art. 15 dessa peça: ver fls. 135 dos autos - de que o projecto havia sido “definitivamente aprovado” em 3 de Abril de 2008 pelo Director das Obras Públicas3.
Ora, se era assim que a recorrente pensava nessa ocasião, e se nada afirmou acerca do momento em que soube dessa eventual decisão “definitiva”, a lógica encaminha-nos para pensar que ela teve oportuno conhecimento dela. Então, por que motivo só efectuou o requerimento em 6/10/2008? E qual a razão para apresentar um simples requerimento em vez de apresentar recurso dessa “decisão definitiva”? Nós arriscaríamos uma resposta: Enquanto requerimento simples, estaremos ante a afirmação de uma mera posição de discordância da requerente, sem efeitos práticos, ou perante uma tentativa de convencer a Administração a agir em defesa da legalidade, também aqui sem consequências.
Imaginemos, porém, que tal requerimento tem efectivamente um sentido impugnativo, mesmo que não contenha qualquer qualificação expressa que o revele (em lado nenhum se lhe chama recurso hierárquico, nem se pede a revogação de decisão, nem são indicados preceitos normativos que apontem para uma impugnação administrativa necessária). Ora, mesmo nessa pressuposição, a verdade é esta: Mesmo que assim o interpretemos, então o que se passa é que esse eventual recurso teria ultrapassado o prazo de 30 dias fixado no art. 154º, nº1 do CPAC, sendo portanto extemporâneo. E enquanto recurso administrativo extemporâneo, não se formaria indeferimento tácito por inexistência, nesse caso, do dever legal de decidir. Caso em que, o recurso contencioso interposto do acto silente teria (tem) que ser rejeitado por falta de objecto4.
Em vista do exposto, o recurso contencioso tem a sua sorte marcada no sentido da rejeição, fundamentada no art. 46º, nº2, al. c), do CPAC (3.1da fundamentação acima exposta), mas diferente sorte não teria por verificação de uma circunstância obstativa do seu prosseguimento por falta de objecto, com base no art. 46º, citado, nº2, proémio e al. b), do CPAC (fundamentação exposta em 3.2 supra).
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3.3- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em rejeitar o recurso.
Custas pela recorrente.
TSI, 07 / 12 / 2011
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
Presente
Victor Manuel Carvalho Coelho
1 Trata-se de uma jurisprudência que sobretudo se ajustava às prescrições normativas da LPTA de Portugal, aprovada pelo DL nº 267/85, de 17/07, num regime em muito semelhante ao do CPAC de Macau.
2 Mas essa referência acerca do desconhecimento desse acto expresso não foi feita nos autos.
3 Não nos cabe tomar posição sobre se, realmente, o projecto estava mesmo aprovado em termos definitivos ou se o licenciamento fora aprovado.
4 Ver Vieira de Andrade, Lições, 2ª ed., pag. 180; Ac. STA, de 15/02/2005, Proc. nº 01235/04; 28/12/2006, Proc. nº 01061/06; de 18/04/1996, Proc. nº 036830.
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