Processo n.º 592/2011 Data do acórdão: 2011-11-24
(Autos de recurso penal)
Assuntos:
– art.o 64.o do Código Penal
– art.o 44.o, n.o 1, do Código Penal
– art.o 74.o, n.o 1, do Código Penal
S U M Á R I O
1. Tendo em conta o passado criminal do arguido, é de afastar a hipótese de prevalência da pena de multa à de prisão a que alude o art.o 64.o do Código Penal vigente.
2. Por causa da prevenção do arguido de cometimento de futuros crimes, também não se pode substituir a prisão pela multa à luz do art.o 44.o, n.o 1, do Código Penal.
3. Como o período em que o arguido ficou detido e depois preso preventivamente já excede a duração da nova pena única achada em sede do recurso, é de dar por já totalmente cumprida a mesma (art.o 74.o, n.o 1, do Código Penal).
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 592/2011
(Autos de recurso penal)
Recorrente: A (XXX)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido a fls. 420 a 437 dos autos de Processo Comum Colectivo n.o CR2-11-0026-PCC do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que o condenou como autor material, na forma consumada, de nove crimes de furto, p. e p. pelo art.o 197.o, n.o 1, do vigente Código Penal (CP), na pena de quatro meses de prisão por cada um dos delitos, e, em cúmulo, na pena única de um ano e seis meses de prisão efectiva, veio o arguido A, já aí melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para preconizar, a título principal, que oito dos crimes praticados o foram na forma tentada, e não na forma consumada, e rogar, fosse como fosse, a redução das penas (cfr. o teor da motivação apresentada a fls. 459 a 474 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu o Ministério Público (na sua resposta apresentada a fls. 476 a 480v) no sentido de improcedência da argumentação do recorrente.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta, em sede de vista, parecer (a fl. 494 a 496v), pugnando pela qualificação jurídico-penal dos factos provados em relação aos casos ocorridos em 26 de Março de 2010, 8 de Abril de 2010 e 22 de Novembro de 2010 como sendo três casos de furto simples tentado, afigurando-se-lhe, porém, acertada a medida da pena achada ao recorrente no acórdão recorrido.
Feito o exame preliminar, corridos os vistos, e com audiência feita nesta Segunda Instância, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Como não vem impugnada a matéria de facto já descrita como provada na fundamentação fáctica do acórdão recorrido, é de considerar a mesma como totalmente reproduzida no presente acórdão de recurso, nos termos do art.o 631.o, n.o 6, do Código de Processo Civil vigente, ex vi do art.o 4.o do actual Código de Processo Penal, segundo a qual, e nomeadamente:
– em 15 de Fevereiro de 2009, cerca das nove horas e tal da manhã, o arguido tirou, numa prateleira perto da porta de ferro da loja “Watsons” no Bairro de Iao Hon, um frasco de “Opal moisturising shower form” e um frasco de “Opal mild & gentle liquid hand wash”, com o valor total de MOP34,90, após o que deixou a loja sem efectuar o pagamento, e quando estava a sair da loja levando consigo tais mercadorias, foi interceptado fora da loja por um guarda de segurança;
– em 10 de Abril de 2009, cerca das oito horas e dez minutos da manhã, o arguido tirou, numa prateleira junto à porta da loja “7-Eleven” da Avenida da Concórdia, uma garrafa de sumo de laranja com o valor de cerca de MOP7,90 e uma embalagem de “butter cookies” com o valor de cerca de MOP6,90, após o que deixou a loja, sem efectuar o pagamento;
– em 14 de Abril de 2009, cerca das dez horas e tal da manhã, o arguido tirou, numa prateleira da porta da loja “Watsons” da Rua da Tribuna, dois sacos, cada um dos quais com o valor de MOP65,90, e contentor de um frasco de “Dove beauty moisture body wash” e dois frascos de “Dove beauty body wash with hydrating lotion”, após o que deixou a loja sem efectuar o pagamento;
– em 11 de Julho de 2009, cerca das seis horas e trinta e cinco minutos da tarde, o arguido tirou, numa prateleira do supermercado “Royal” da Avenida de Venceslau de Morais, uma garrafa de “Chivas Regal” com o valor de MOP212,00, após o que deixou a loja sem efectuar o pagamento;
– em 26 de Março de 2010, cerca das cinco horas da tarde, o arguido tirou, numa prateleira do supermercado “ParknShop” da Praça da Porta do Cerco, três garrafas de 75 cl. de vinho de marca “Tinto da Anfora” com o valor unitário de MOP70,50 e uma garrafa de 750 ml de vinho de marca “EAGLEHAWK” com o valor unitário de MOP65,00, e quando passou pelo sistema de anti-furto instalado à porta do supermercado, o sistema começou a soar, e o arguido foi interceptado pelo gerente do supermercado;
– em 8 de Abril de 2010, cerca das cinco horas e trinta minutos da tarde, o arguido tirou, numa prateleira do supermercado “Royal” da Avenida do Ouvidor Arriaga, duas garrafas de 750 ml de vinho de marca “Quinta do Carmo 2004” com o valor unitário de MOP255,00 e colocou-as na sua mochila, e quando pretendia sair do supermercado sem efectuar pagamento, foi interceptado pelo gerente deste, e foi finalmente interceptado fora do supermercado por um polícia alfandegário em folga;
– em 31 de Maio de 2010, cerca das sete horas e três minutos da tarde, o arguido tirou, na loja “7-Eleven” da Estrada de Coelho do Amaral, uma caixa, colocada perto da porta da loja, de doze garrafas de óleo de milho, com o valor total de MOP214,80, após o que a responsável da loja participou o caso à Polícia para pedir ajuda;
– em 6 de Novembro de 2010, cerca das sete horas e trinta minutos da tarde, na loja de pronto-a-vestir “BSX” da Avenida de Horta e Costa, o arguido tirou cinco casacos com preço unitário de MOP490,00 e saiu da loja sem efectuar pagamento;
– em 22 de Novembro de 2010, cerca das doze horas e dez minutos da tarde, no supermercado “Parknshop” da Rua Central da Areia Preta, o arguido tirou três garrafas de 750 ml de vinho de modelo BIN444 de marca “WYNDHAM” e três garrafas de 750 ml de vinho de modelo BIN555 da mesma marca, com o valor total de MOP870,00, e colocou-as num saco plástico trazido por ele e ia saindo do supermercado, e foi finalmente interceptado à entrada do supermercado pelo gerente deste;
– o arguido tinha perfeito conhecimento de que os objectos referidos pertenciam a outrem, e apropriou-se dos mesmos com intenção de ofender o direito de propriedade de outrem;
– o arguido agiu de modo livre, vonluntário e consciente, e tinha conhecimento de que a sua conduta era proibida e punida por lei;
– o arguido confessou os factos integralmente e sem reservas;
– o arguido está desempregado, e tem como habilitações literárias a 4.a classe do ensino primário e não tem ninguém a seu cargo;
– o arguido não é delinquente primário:
– por acórdão de 14 de Fevereiro de 2003, no Processo Comum Colectivo n.o PCC-077-02-3, foi condenado em três anos e dez meses de prisão única, cumprida integralmente em 13 de Julho de 2006, pela prática de um crime consumado de roubo e de um crime tentado de roubo;
– por sentença de 28 de Setembro de 2006, no Processo Sumário n.o CR3-06-0171-PSM, foi condenado em um ano, um mês e quinze dias de prisão única, cumprida integralmente em 11 de Novembro de 2007, pela prática de um crime de tráfico de quantidades diminutas e de um crime de detenção de estupefacientes para consumo;
– por sentença de 29 de Julho de 2010, já transitada em julgado, no Processo Comum Singular n.o CR2-10-0017-PCS, foi condenado em um mês e quinze dias de prisão, cumprida integralmente em 16 de Maio de 2011, pela prática de um crime de furto.
Outrossim, do exame dos presentes autos, sabe-se que o arguido, por causa do processo penal subjacente, chegou a ficar detido pela Polícia em 22 de Novembro de 2010, e depois sujeito à prisão preventiva desde 24 de Novembro de 2010 até 26 de Outubro de 2011 (cfr. o processado a fl. 1, 41 a 41v, 499 a 499v e 520 a 520v).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Assim sendo, é de conhecer, para já, da questão de alegada forma tentada dos oito dos nove crimes de furto simples em causa nos autos.
Defende o arguido que “em nenhuma das situações identificadas nos autos, com excepção da que ocorreu no dia 31 de Maio de 2010”, teve ele “de modo autónomo e exclusivo, o domínio dos objectos que pretendia subtrair dos estabelecimentos comerciais em causa”, e que ao invés, “foi sempre detectado e impedido nos seus propósitos, não tendo chegado, em qualquer momento, a poder usufruir, de modo autónomo e exclusivo, por uso ou disposição, das utilidades das coisas móveis alheias sobre as quais agiu”.
Para este Tribunal ad quem, depois de analisada toda a matéria fáctica já provada em primeira instância, é de considerar que o recorrente, ao fim e ao cabo, praticou actos:
– de furto tentado:
– em 15 de Fevereiro de 2009;
– em 26 de Março de 2010;
– em 8 de Abril de 2010;
– e em 22 de Novembro de 2010;
– e de furto consumado:
– em 10 de Abril de 2009;
– em 14 de Abril de 2009;
– em 11 de Julho de 2009;
– em 31 de Maio de 2010;
– e em 6 de Novembro de 2010.
Pelo que é de passar a condenar o recorrente como autor material de quatro crimes tentados de furto simples (puníveis, cada um dos quais, com pena de prisão de um mês até dois anos, ou com pena de multa – cfr. as disposições conjugadas sobretudo dos art.os 197.o, n.o 1, 22.o, n.o 2, e 67.o, n.o 1, alíneas a) e b), do CP), e de cinco crimes consumados de furto simples (puníveis, cada um dos quais, com pena de prisão de um mês até três anos, ou com pena de multa).
Assente que está essa qualificação jurídico-penal dos factos provados, é de conhecer agora da remanescente questão relativa à medida das penas.
A este propósito, ante todos os elementos fácticos provados pertinentes já referidos na parte II do presente acórdão de recurso, e sob a égide sobretudo dos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o do CP, e tendo em especial conta o passado criminal do arguido (que afasta, devido, pois, às grandes necessidades de prevenção especial de crime, a hipótese de prevalência da pena de multa à de prisão a que alude o art.o 64.o do CP), por um lado, e, por outro, o valor pecuniário relativamente pequeno de todas as mercadorias em causa nos presentes autos:
– mostra-se justo impor a cada um dos quatro crimes de furto tentado a pena de dois meses de prisão, e a cada um dos cinco crimes de furto consumado a pena de quatro meses de prisão (penas todas essas que não podem ser substituídas por igual tempo de multa, por causa também das grandes necessidades de prevenção do recorrente de cometimento de futuros crimes – art.o 44.o, n.o 1, do CP).
E ponderados os factos e a personalidade do arguido em conjunto, é de aplicar ao recorrente a pena única de onze meses de prisão, achada nos termos do art.o 71.o, n.os 1 e 2, do CP, dentro da correspondente moldura de quatro meses a dois anos e quatro meses de prisão.
Como o período em que o recorrente ficou detido policialmente e preso preventivamente já excede a duração dessa pena única, é de dar por já totalmente cumprida a mesma (art.o 74.o, n.o 1, do CP).
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar parcialmente provido o recurso, com o que passa o arguido recorrente A a ser condenado como autor material de quatro crimes tentados de furto, p. e p. pelos art.os 197.o, n.o 1, 21.o, 22.o, n.o 2, e 67.o, n.o 1, do vigente Código Penal, na pena de dois meses de prisão por cada, e de cinco crimes consumados de furto, p. e p. pelo art.o 197.o, n.o 1, do mesmo Código, na pena de quatro meses de prisão por cada, e, em cúmulo jurídico dessas nove penas, na pena única de onze meses de prisão, pena única essa que fica considerada como já totalmente cumprida à luz do art.o 74.o, n.o 1, desse Código.
Pagará o arguido um quarto das custas do seu recurso, devido ao decaimento parcial do mesmo, com uma UC de taxa de justiça correspondente.
Fixam em MOP1.800,00 de honorários a favor do Exm.o Defensor Oficioso do arguido, ficando um quarto dos quais a cargo do recorrente, e outros três quartos por conta do Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância, o qual adiantará, por ora, todo o montante.
Notifique a presente decisão também à própria pessoa do recorrente.
Macau, 24 de Novembro de 2011.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
(Com a declaração de que fica vencido parcialmente tanto na decisão e como na respectiva fundamentação, porquanto opina que:
– como da matéria de facto provada em primeira instância, decorre que em todos os oito casos de furto impugnados no recurso a nível da forma de prática do furto, o arguido tirou, de modo livre, voluntário e consciente, mercadorias dos supermercados ou lojas sem as pagar na respectiva caixa, com intenção de se apropriar das mesmas, com ofensa ao direito de propriedade de outrem, apesar de saber que essa sua actuação era proibida e punida por lei, seria de dar por consumados também todos esses oito actos de furto em causa, apesar de o arguido não ter podido usufruir das utilidades das coisas furtadas, nomeadamente por ter sido descoberto logo após;
– assente que estaria a qualificação jurídico-penal dos factos provados como configurando, sem mais nem menos, nove crimes dolosos consumados de furto simples, p. e p. pelo art.o 197.o, n.o 1, do CP, seria de conhecer da remanescente questão de pretendida redução das penas, de moldes seguintes:
– a este propósito, ante todos os elementos fácticos provados pertinentes já referidos na parte II do acórdão de recurso que antecede, e sob a égide sobretudo dos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o do CP, e tendo em especial conta o passado criminal do arguido, todas as nove penas parcelares graduadas identicamente em quatro meses de prisão – dentro da moldura da pena de prisão de um mês a três anos de prisão, sendo de rejeitar, in casu, por força das grandes necessidades de prevenção especial do crime, qualquer eventual opção pela pena de multa – já não poderiam ser mais benévolas ao arguido;
– e ponderados os factos e a personalidade do arguido em conjunto, seria, entretanto, de passar a condená-lo em um ano e quatro meses de prisão única, nos termos do art.o 71.o, n.os 1 e 2, do CP, dentro da correspondente moldura de quatro meses a três anos de prisão;
– não deixaria, assim, e em suma, de proceder também parcialmente o recurso).
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)
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