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 Processo nº 209/2010
(Recurso contencioso)

Data: 24/Novembro/2011


Assuntos:
    - Desocupação de terreno
    - Tutela possessória

  SUMÁRIO:
    Se o administrado não possui qualquer justo e legítimo título em que funde direito real ou mantenha posse que possa opor à Administração, que pretende reaver o terreno que se mostra ocupado, terreno esse que se comprova não ter entrado definitivamente no domínio da propriedade privada à data do estabelecimento da RAEM, por força do estabelecido no artigo 7º da Lei Básica, o recurso em que se pede a anulação do acto que ordenou a desocupação está votado ao fracasso.
                 O Relator,

     João Gil de Oliveira



Processo n.º 209/2010
(Recurso Contencioso)

Data : 24 de Novembro de 2011

Recorrente: A (A)

Recorrido: Chefe do Executivo da RAEM

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    A, melhor identificado nos autos, vem interpor recurso contencioso do despacho exarado em 8 de Janeiro de 2010, por Sua Ex.ª o Sr. Chefe do Executivo sobre a informação n.º 7472/DURDEP/2009 de 13/11/2009, constante do processo n.º 25/DC/2009/F, notificado editalmente ao ora recorrente em 29 de Janeiro de 2010, - em que se notificava o recorrente de que deveria proceder, no prazo de 30 dias à desocupação do terreno sito no n.º … da Estrada de ……, à demolição e despejo da construção ali existente e à remoção dos equipamentos nele depositados bem como à entrega do terreno ao Governo da R.A.E.M. , sem direito a indemnização -, o que faz, alegando em síntese conclusiva:
    
    O despacho recorrido enferma do vício de erro sobre os pressupostos.
    Na verdade, o despacho considera que o recorrente não dispõe de um título formal de aquisição da propriedade privada, quando tal situação não corresponde à verdade.
    O recorrente foi expropriado em 1980 dos seus terrenos e prédios sitos em Coloane para facilitar a construção da Estrada de .......
    Na altura foi-lhe entregue, pelo Sr. Administrador do Concelho das Ilhas, como compensação pela referida expropriação, o terreno em discussão numerado com o n.º … da Estrada de ......, o qual “não é foreiro à Fazenda Nacional” e foi-lhe assegurado que “o prédio será usufruído para sempre por A e seus sucessores”, isto é pelo recorrente.
    O titulo que o recorrente detém em seu poder é um título formal de aquisição e se o seu nome não se encontra registado na Conservatória do Registo Predial tal se deve apenas à omissão do Sr. Administrador do Concelho das Ilhas.
    Ora, tendo o recorrente título formal, o acto recorrido erra nos pressupostos de facto.
    Na verdade, segundo dispõe o n.º 2 do artigo 5° do Código do Procedimento Administrativo “as decisões da Administração que colidam com direi tos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar.”
    Os termos adequados e proporcionais implicam que os pressupostos do acto estejam correctos e sejam legais.
    Por todos estes motivos se considera que o acto recorrido erro nos pressupostos de facto e violou, assim, a Lei pelo que deve ser ANULADO.

    Termos em que, entende, deve o presente recurso ser julgado procedente, anulando-se o acto recorrido.

    O Exmo Senhor Chefe do Executivo, contesta, dizendo, em síntese:

Em 6 de Abril de 2009, a DSSOPT recebeu o ofício do IACM, onde se indicou que descobriram estar em curso uma obra de aplanamento de terreno ao lado da iluminação n.º 91XXXX da Estrada de ......, pelo que, suspeitava-se que houve ocupação ilícita.
Em 8 de Abril de 2009, a DSSOPT mandou agentes ao local para fazer fiscalização, e verificou-se que estava a fazer ali obras de escavação e aplanamento de montanha e edificação de prédios de betão armado.

A estrutura global do edifício acabou-se em 27 de Maio de 2009, e a partir daí começou-se a decoração interna.

De acordo com os mapas aéreos do referido terreno dos anos 1980, 1998 e 2009 fornecidos pela Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro em Novembro de 2009, o terreno ocupado era uma área de arvoredo e montanha em 1980 e 1998.

Em relação ao certidão indicado no artigo 17.º e anexado à petição inicial, segundo o ofício n.º 14281/876/SSVMU-CM/2009-03 do IACM, recebido pela DSSOPT em 14 de Agosto de 2009, após consulta dos autos da antiga Câmara Municipal das Ilhas (incluindo actas de reunião, certidões, ordens de serviço, documentos relativos às obras de construção de ruas, ofícios bem como outros documentos relativos a cadastro), não se verificou qualquer documento relacionado com o certidão.

A data de emissão do certidão indicado no artigo 17.º e anexado à petição inicial é Outubro de 1980, e de acordo com o artigo 127.º da Lei de Terras (Lei n.º 6/80/M) que estava em vigor na altura, “os contratos de concessão e os eventuais actos de disposição com a mesma relacionada são titulados pelo despacho referido no n.º 2 do artigo 125.º”, o artigo 128.º: “o despacho a que se refere o artigo anterior faz prova, em juízo ou fora dele, da identificação do terreno e das situações que nele estiverem descritas”, e o artigo 125.º, n.º 2 da mesma lei: “uma vez aceite a concessão, o despacho é publicado no Boletim Oficial, com expressa referência à aceitação e à dos eventuais actos de disposição que a acompanhem e contendo os elementos previstos para o registo, sem prejuízo do seu suprimento por declaração complementar.”

Portanto, o certidão indicado no artigo 17.º e anexado à petição inicial, independentemente de ser verdadeiro ou falso, não pode servir de título válido legal para a concessão de terras.

Por outro lado, conforme o artigo 875.º do Código Civil Português de 1966, aplicável em Macau na altura, “o contrato de compra e venda de bens imóveis só é válido se for celebrado por escritura pública”, ao passo que o artigo 866.º do Código Civil de Macau aprovado pelo DL n.º 39/99/M de 3 de Agosto também dispõe que: “o contrato de compra e venda de bens imóveis só é válido se for celebrado pela forma prescrita na lei do notariado”. E nos termos do artigo 94.º, n.º 1 do Código do Notariado aprovado pelo DL n.º 62/99/M de 25 de Outubro: “celebram-se, em geral, por escritura pública, os actos que importem reconhecimento, constituição, aquisição, divisão ou extinção dos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, superfície ou servidão de coisas imóveis.”

Portanto, o certidão indicado no artigo 17.º e anexado à petição inicial, independentemente de ser verdadeiro ou falso, não pode servir de título válido legal para a transmissão de imóveis.

Segundo o certidão anexado ao ofício n.º 851/INF/2009 emitido pela Conservatória de Registo Predial em 21 de Maio de 2009, o referido terreno não foi alvo de registo de qualquer direito real em nome privado, especialmente o de direito de propriedade, ou de concessão por aforamento ou arrendamento.

Dispõe o artigo 7.º da Lei Básica de RAEM o seguinte: “Os solos e os recursos naturais na Região Administrativa Especial de Macau são propriedade do Estado, salvo os terrenos que sejam reconhecidos, de acordo com a lei, como propriedade privada, antes do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau. O governo da Região Administrativa Especial de Macau é responsável pela sua gestão, uso e desenvolvimento, bem como pelo seu arrendamento ou concessão a pessoas singulares ou colectivas para uso ou desenvolvimento. Os rendimentos daí resultantes ficam exclusivamente à disposição do Governo da Região Administrativa Especial de Macau”. Pelo que, o terreno ocupado pelo requerente pertence ao Estado.

Como o recorrente ocupou ilicitamente o referido terreno, o Chefe do Executivo proferiu despacho no dia 8 de Janeiro de 2010 na Informação/Proposta n.º 7472/DURDEP/2009, ordenando a desocupação do respectivo terreno, e a demolição da edificação nele construída, a remoção de todos os materiais e equipamentos e a restituição do terreno ao governo da RAEM, sem direito a qualquer indemnização. O despacho não padece do erro de pressuposto referido pelo recorrente na petição, nem de qualquer outro vício.

    Pelo exposto, pronuncia-se pela improcedência do recurso.
    
O Digno Magistrado do MP emite o seguinte douto parecer:
Vem A impugnar o despacho do Chefe do Executivo de 8/1/10 que, na sequência do procedimento respectivo, ordenou ao recorrente a desocupação e restituição à RAEM, no prazo de 30 dias, do terreno localizado junto à Estrada de ...... nas Ilha de Coloane (junto ao poste de iluminação n.º 9XXXX e demarcado a tracejado na plante constante de fls. 62) e a demolição e despejo de construção ilegal ali implantada, removendo os materiais e equipamentos nele depositados, bem como a entrega do terreno ao Governo da RAEM sem direito a qualquer indemnização, assacando-lhe vícios de erro nos pressupostos de facto, bem como afronta da proporcionalidade, argumentando, em síntese, que o terreno em questão lhe havia sido concedido, em 1980 pela então Câmara das Ilhas, em compensação de um prédio expropriado e demolido pelo Governo para facilitar a construção de uma estrada, sendo que se expressou, na certidão respectiva (cfr. fls. 15) "que o terreno ... não é foreiro à Fazenda Nacional, e que o prédio será usufruído para sempre por A e seus sucessores", razão por que entende que, não lhe cabendo a responsabilidade pelo não registo do terreno na Conservatória que se encontraria a cargo oficioso do Administrador do Concelho das Ilhas, sempre se terá que concluir que o mesmo detém, de todo o modo, título formal de aquisição da propriedade privada do terreno em causa.
    Não lhe assiste, contudo, em nosso critério, razão.
    Dispondo, além do mais, o art. 7° da LBRAEM que "Os solos e os recursos naturais na Região Administrativa Especial de Macau são propriedade do Estado, salvo os terrenos que sejam reconhecidos, de acordo com a lei, como propriedade privada, antes do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau", e, tendo o acórdão do Venerando TUI, proferido no âmbito do proc. 32/2005, publicado no B.O., II Série, de 2/8/06, consignado que "Após o estabelecimento da Região, não se pode obter o reconhecimento de propriedade privada ou domínio útil a favor de particulares, dos referidos terrenos, através de decisão judicial, independentemente de acção a ser proposta antes ou depois da criação da Região", todo o argumentado pelo recorrente, sendo estimável, se revela inócuo, já que, quer antes, quer depois do estabelecimento da RAEM, não logrou estabelecer o registo, a seu favor, do direito de propriedade ou qualquer outro direito real, designadamente de concessão, por aforamento ou arrendamento, que lhe confira legitimidade para o que se arroga.
    Por outra banda, cabendo ao Governo da Região, ainda nos termos do art. 7° da LBRAEM anunciado, a responsabilidade pela gestão, uso e desenvolvimento dos solos, bem como o seu arrendamento ou concessão a pessoas singulares ou colectivas para uso ou desenvolvimento, ficando os rendimentos daí resultantes exclusivamente à disposição do Governo da RAEM, apresenta-se a ordem de demolição, além de justa e adequada, como a mais consonante com a prossecução do interesse público, já que, tendo a Administração detectado a situação, não poderia pactuar com a mesma não se vendo que outra medida ou medidas, no quadro da prossecução daquele interesse público, pudessem ser tomadas, menos gravosas para a posição jurídica do interessado: revelando-se a obra detectada ilegal e não legalizáve1, por manifesta ilegitimidade do recorrente, outra medida consonante com o interesse público não restaria senão a ordem de demolição, não se vendo, pois, afrontada a proporcionalidade.
    Tudo razões por que, não se descortinando a ocorrência de qualquer dos vícios assacados, ou de qualquer outro de que cumpra conhecer, somos a pugnar pelo não provimento do presente recurso.
    Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
    
    III - FACTOS
    Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
O despacho recorrido que concordou com o parecer e proposta de desocupação do terreno do recorrente, sito ao lado da Estrada de ...... (perto da iluminação n.º 91XXXX), baseou-se na seguinte informação/proposta:

    “Processo n.º: 25/DC/2009/F
    N.º: 7472/DURDEP/2009
    Data: 30/11/2009
    Local: terreno ao lado da Estrada de ...... (perto da iluminação n.º 91XXXX)
    
    I. Relatório de Processo
    
    1. Ao exercer o poder de fiscalização conferido pelo artigo 8.º, n.º 3, alínea b) do DL n.º 279/7/M de 7 de Julho, os agentes da DSSOPT descobriram que a montanha situada no âmbito do terreno ao lado da Estrada de ...... (perto da iluminação n.º 91XXXX) foi escavada e aplanada, sendo as árvores derrubadas e os aspectos terrestres modificados, onde construiu-se um prédio de betão armado e um muro de retenção, sem licença da obra emitida por esta Direcção, nem o ocupante estava munido da licença de ocupação temporária prevista no artigo 69.º e 75.º da Lei de Terras (Lei n.º 6/80/M de 5 de Julho), pelo que, os agentes desta Direcção elaborou auto de notícia e informação em 8 de Abril de 2009, tendo instaurado o processo n.º 25/DC/2009/F, para efeitos de procedimento de desocupação e restituição do terreno ao governo da RAEM (v. o anexo 1).
    
    2. Por despacho proferido em 2 de Julho de 2009 no âmbito da Informação n.º 3872/DURDEP/2009, o Director da DSSOPT adoptou a proposta do Departamento da Urbanização, nomeando o presente técnico para proceder à investigação do presente processo (v. anexo 2).
    
    3. De acordo com o artigo 72.º, n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo aprovado pelo DL n.º 57/99/M de 11 de Outubro, o Director da DSSOPT já assinou e mandou publicar em 3 de Julho de 2009 a notificação dos interessados nos jornais chineses e portugueses, para os mesmos manifestarem a sua opinião por escrito no prazo de 10 dias a contar da publicação dos éditos relativamente ao objecto do respectivo processo (artigos 93.º e 94.º do CPA) (v. o anexo 2).
    
    4. Dentro deste prazo, em 9 de Julho de 2009, um indivíduo chamado A (com residência no n.º … da Povoação ...... do Coloane), intitulando-se portador do respectivo terreno, apresentou a esta Direcção uma contestação por escrito (n.º de registo: 6XXXX/2009), incluindo um certidão (onde se registrava que foi emitido pela então Câmara Municipal das Ilhas em Outubro de 1980, mas não constava a data exacta de emissão nem a assinatura ou carimbo do emissor). O ocupante defendeu que antes do retorno de Macau, como o então governo de Macau (1980) precisava de construir ruas, mas a sua casa e campo cultivado se encontravam localizados na área de construção, pelo que o governo expropriou o terreno, concedendo-lhe outro onde se tinha construído uma casa para compensar. E o terreno ocupado referido na presente causa é exactamente o terreno concedido a título de compensação (v. o anexo 3).
    
    5. Em relação ao certidão referido no ponto 3, esta Direcção já oficiou ao IACM respectivamente em 15 de Julho, 24 de Julho e 7 de Agosto de 2009, e consultou a Divisão de Apoio Técnico por comunicação interna, pedindo que prestassem as eventuais informações sobre o respectivo certidão (incluindo o mapa de localização relativo aos documentos comprovativos).
    
    6. Por comunicação interna n.º 256/DATSEA/2009, a Divisão de Apoio Técnico respondeu, afirmando que não existe dados sobre o respectivo terreno. Por outro lado, a Direcção recebeu em 14 de Agosto de 2009, o ofício n.º 14281/876/SSVMU-CM/2009-03 do IACM, no qual se indicou que após consultado os documentos existentes da Câmara Municipal das Ilhas, não se descobriu qualquer documento respeitante ao certidão (v. o anexo 4).
    
    7. Depois, em 10 de Setembro de 2009, o ocupante (A) e o seu filho (B) apresentaram-se pessoalmente a esta Direcção, e tiveram uma reunião com o grupo de trabalho, durante a qual, reafirmou a situação referido no ponto 4, dizendo que procedeu em 2009 a escavação e aplanamento da montanha dos lados do edifício onde ele morava, e construiu ali um prédio por si próprio, e que actualmente está a morar neste prédio junto com os dois filhos seus. Durante a reunião, o ocupante propôs que o governo lhe concedesse o poder de uso do terreno por arrendamento sob a condição de conservar o antigo e o novo prédio, já que ele estava munido do certidão emitido pela Câmara Municipal das Ilhas em 1980 que provasse a titularidade do terreno (v. o anexo 5).
    
    8. De acordo com os mapas aéreos do referido terreno (adstrito ao antigo prédio do ocupante) de 1980 e 1998 fornecidos pela Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro, o terreno ocupado era uma área de arvoredo e montanha, mas segundo mostrado pelo mapa aéreo de 2009, a respectiva área foi escavada e aplanada, onde se construiu um prédio (v. o anexo 6).
    
    II. Análise do Documento da Contestação
     9. De acordo com as disposições da legislação ora vigente e o revelado pelos documentos acima referidos, o certidão possuído pelo ocupante do referido terreno (adstrito ao antigo prédio do ocupante) não é título formal do património privado, e o respectivo ocupante não tinha o direito de ocupar o terreno, nem o direito de o escavar, aplanar ou construir prédio em cima dele. Os factos e fundamentos expostos pelo ocupante em contestação oral e na reunião não são suficientes para provar qualquer direito sobre o terreno, inclusive o direito de propriedade completa e o direito patrimonial relativo ao terreno. Pelo que, a pretensão do ocupante é improcedente.
    III. Direito
     10. De acordo com o certidão anexado ao ofício n.º 851/INF/2009 emitido pela Conservatória de Registo Predial em 21 de Maio de 2009, o referido terreno não se encontra registado em nome privado (pessoa singular ou colectiva), nem o direito de propriedade ou qualquer direito real, especialmente o registo de concessão de terreno por aforamento ou arrendamento, pelo que, nos termos do artigo 7.º da Lei Básica da RAEM, o referido terreno deve ser considerado como propriedade do Estado (v. o anexo 7).
    
     11. O referido terreno não foi legalmente reconhecido antes do retorno de Macau, pelo que pertence ao Estado, devendo ser desocupado e restituído ao governo. Nos termos do artigo 7.º da Lei Básica da RAEM, os solos e os recursos naturais na Região Administrativa Especial de Macau devem ser geridos, usados e desenvolvidos pelo governo. E por outro lado, de acordo com o artigo 41.º, alínea o) da Lei de Terras, compete ao chefe do executivo praticar respectivos actos administrativos – ordenar a desocupação e restituição do terreno (adstrito ao antigo prédio do ocupante).
    
    IV. Conclusão
     12. O ocupante do terreno em causa (adstrito ao antigo prédio do ocupante) A ocupou o terreno e procedeu à escavação e aplanamento dele sem qualquer título formal, ou direito de propriedade completa ou outros direitos sobre o respectivo terreno, violando assim o artigo 7.º da Lei Básica da RAEM, pelo que, deve desocupar o terreno e restituí-lo ao governo.
    
    V. Sugestão
     13. O Chefe do Executivo, usando a competência atribuída pelo artigo 41.º, alínea o) da Lei de Terras (Lei n.º 6/80/M de 5 de Julho), ordenou que o ocupante/interessado desocupasse o terreno no prazo de 30 dias a contar da notificação, desmontasse e removesse os prédios nele construídos, deslocasse os materiais e equipamentos ali depositados, e que restituísse o terreno (adstrito ao antigo prédio do ocupante) ao governo da RAEM, sem qualquer direito de indemnização.
    
     14. Para efectuar o acto de notificação no mais curto espaço de tempo possível, sugere-se que notifique o ocupante (A) nos termos do artigo 72.º, n.ºs 1 e 2 do CPA, e que publique éditos nos jornais mais lidos em Macau (em chinês e em português) para notificar os outros ocupantes, e que fixe éditos no local para notificar os ocupantes/ interesados da presente decisão final.
    
     15. Notifique, nos termos do artigo 139.º do Código do Procedimento Administrativo que, se o ocupante/interessado não cumprir a ordem de desocupação no prazo estabelecido, vai pedir ao Chefe do Executivo a autorização dos seguintes procedimentos:
     15.1 A execução da tarefa da desocupação do terreno por DSSOPT em conjunto com outros serviços e com o auxílio dos guardas da PSP, e, em caso de necessidade, pode-se pedir a terceiro (contratar empreiteiro) para fornecer mãos-de-obra ou equipamentos de remoção para concretizar a tarefa de desocupação do terreno e desmontagem de prédios e materiais;
     15.2 A PSP vai destacar guardas para auxiliar a execução da tarefa, entre os quais a de expulsar as pessoas que não quisessem sair ou que impedissem o trabalho dos agentes, e em especial, de prestar protecção pessoal aos agentes e mandar destacar guardas no local até à desocupação total do terreno, sendo a concreta distribuição de trabalho efectuada de acordo com o procedimento da demolição elaborado pela DSSOPT;
     15.3 De acordo com o artigo 144.º, n.º 2 do CPA, dado que o ocupante/interessado não cumpriu o dever no prazo fixado, todas as despesas e a indemnização vão por conta dele;
     15.4 Para além de precisar de pagar a quantia acima referida, o ocupante/interessado ainda tem que pagar a multa prevista no artigo 191.º da Lei de Terras;
     15.5 Quanto aos materiais e objectos que se encontram no local, dado que a Lei de Terras não previu um procedimento administrativo para o caso de ocupação ilícita, a nossa sugestão é tomar como referência a estipulação nos artigos 30.º ss. do DL n.º 6/92/M de 15 de Fevereiro, isto é, esta Direcção vai arranjar previamente lugar para o depósito dos objecto e materiais, os quais serão guardados por agentes nomeados pelas autoridades administrativas.
     15.6 Decorridos 15 dias a contar da data do depósito, se ninguém os vier a reclamar, os respectivos objectos serão considerados abandonados e perdidos a favor da RAEM nos termos do artigo 30.º do DL n.º 6/93/M de 15 de Fevereiro.
    
     16. Depois de concluído o procedimento de desocupação, o respectivo terreno será entregue ao IACM para arborização, para o mesmo manter harmonioso como o meio ambiente, e evitar a colocação ilegal de objectos e materiais por outras pessoas após a desocupação do terreno.
    
    À consideração do superior.
    Grupo de trabalho:
    
     Técnico superior do Departamento de Direito
    – Sr. XXX
     Técnico da Divisão da Fiscalização do Departamento da Urbanização
     – Sr. XXX
     Técnico da Divisão da Fiscalização do Departamento da Urbanização
     – Sr. XXX
     Aos 30 de Novembro de 2009 “
    
    IV - FUNDAMENTOS
    1. A questão que se coloca aqui é muito simples e reconduz-se a saber se o recorrente A possui algum documento ou título em que radique o pretenso direito ou posse, seja em termos de posse, direito real, propriedade ou outro, ou concessão, isto independentemente do rigor técnico jurídico e delimitação de cada um dos institutos em presença.
    2. Da alegada expropriação e concessão
    Alegando que a sua família e antepassados estaria na posse de um dado terreno em ……, Coloane, no ano de 1980, como o Governo precisasse de construir uma estrada, teria entrado em negociações com A para expropriar esse terreno, concedendo-lhe outro em troca e garantindo-lhe que o novo terreno não seria foreiro à Fazenda Nacional e que poderia usufuir do mesmo para sempre.
    Esta argumentação que impressionaria á primeira vista desde logo levantou muitas dúvidas, porquanto da fotocópia junta a fls 15, não parecia que o documento estivesse assinado, para já não falar na falta de aptidão desse documento para comprovar um acto de expropriação e/ou um acto de concessão.
    Foi por via das dúvidas que foi pedido ao recorrente que fizesse exibir o original desse documento e por observação directa constatou-se que esse documento efectivamente não estava assinado.
    Donde ruir por terra qualquer argumentação que passasse pela sustentabilidade do direito do recorrente com base em tal documento, pois, como é óbvio, documento que não esteja assinado, de nada vale. O que vale tanto para os documentos autênticos como para os particulares - artigos 364º, n.º 1 e 367º, n.º 1 do Código Civil.
    E tratando-se de um documento autêntico, como seria suposto tratar-se de uma certidão que comprovaria os actos que se destinaria autenticar, nem sequer se identifica o autor desse pretensa certidão.
    
    3. Baseando-se toda a argumentação em erro nos pressupostos de facto - o erro residiria no facto de se não levar em linha de conta com dois actos admnistrativos que não se comprovam, uma expropriação e uma concessão -, improcede claramente tal linha argumentativa.
    Posto isto, o que resta? Nada.
    Na verdade, o recorrente para além desses factos que não logrou provar, não fez depender o seu direito, posse que seja, em qualquer outro modo legítimo de adquirir, de possuir, ou de ocupar.
    Nem sequer se digna invocar o meio mais poderoso de aquisição de propriedade, qual seja o da usucapião por via de uma qualquer prescrição aquisitiva.
    
    4. Na certeza, porém, de que a Jurisprudência de Macau vai no sentido, na interpretação do artigo 7º da Lei Básica, de considerar que só merecerão tutela possessória ou outra as situações em que à data do estabelecimento da RAEM os terrenos tenham entrado definitivamente no domínio da propriedade privada.
   
   No novo quadro constitucional operado a partir da entrada em vigor da Lei Básica que prevê, no artigo 7º, que todos os terrenos passam a ser propriedade do Estado, com excepção dos que já anteriormente integravam o domínio privado pertencente aos particulares, deixa de ser possível a aquisição por usucapião da propriedade ou do domínio útil a que se refere o artigo 5º, n.º 4 da Lei de Terras, Lei n.º 6/80/M de 5 de Julho, (LT) ou a sua constituição por qualquer outra forma.
    
    5. E não será despiciendo enquadrar a possibilidade de tutela abstracta da pretensão do recorrente, em vista da legislação aplicável.
    
    Nos termos primitivos do artigo 8° da Lei de Terras não era permitida a aquisição por usucapião dos terrenos do domínio público ou do domínio privado da RAEM. Este princípio veio, no entanto, a sofrer expressamente uma excepção, introduzida pela Lei n.º 2/94/M, com expressão no próprio artigo 8° - "Sem prejuízo do disposto no artigo 5º" - e nos n.ºs 3 e 4 introduzidos nesse artigo 5° pela mesma lei, os quais se transcrevem:
    “(...)
    3. O domínio útil de prédio urbano objecto de concessão por aforamento pelo Território é adquirível por usucapião nos termos da lei civil.
    4. Não havendo título de aquisição ou registo deste, ou prova do pagamento de foro, relativo a prédio urbano, a sua posse por particular, há mais de vinte anos, faz presumir o seu aforamento pelo Território e que o respectivo domínio útil é adquirível por usucapião nos termos da lei civil".
    Visava-se dessa forma proteger os interesses dos particulares e igualmente os do Território, estipulando que a posse de prédio urbano, não titulado ou registado, fazia presumir a propriedade do domínio útil a favor do respectivo possuidor e era, por tal, usucapível, nos termos do direito civil. Isto, quer o prédio tivesse ou não sido efectivamente aforado pelo Território, e assim tivesse ou não havido desdobramento da propriedade plena em domínio directo e domínio útil.
    Em princípio, não era, pois, admitida a aquisição por usucapião de quaisquer direitos reais sobre os terrenos do domínio público e do domínio privado do Território de Macau (artigo 8º). Mas esta proibição, que era absoluta no texto original do artigo 8º da LT, passou a ter a excepção introduzida no n.º 4 do seu artigo 5º pela Lei n.º 2/94/M, de 4 de Julho.
    
    A este propósito, é útil relembrar o que a esse propósito diz o Dr. Gonçalves Marques1:
    "Portanto, nos casos em que existam prédios urbanos sem título de aquisição ou sem o indício de concessão por aforamento, que é a prova do pagamento do foro, dá-se valor à posse por particular, por mais de vinte anos, mas só para ter o efeito legal de usucapião do domínio útil.
    Para isso, presume-se que há uma situação de aforamento. Isto, manifestamente, para não se admitir a usucapião da propriedade, porque, então, o Território não teria mais poderes sobre o terreno, poderes que, como a seguir vamos ver, ainda são muitos no aforamento especializado da LT.
    E nesta solução do legislador prevaleceu a orientação de que os terrenos sem título formal de atribuição a um particular estão no domínio privado do Território.”
    Ao abrigo da LT, foi reconhecido no passado o direito dos particulares possuidores pedirem a declaração de terem sobre tais prédios a titularidade do domínio útil, quando se tratasse de prédios urbanos, mesmo quando essa posse fosse exercida sem título de aquisição ou registo, ou sem prova do pagamento do foro, desde que a duração da sua posse fosse superior a vinte anos.
    Não obstante o principio da continuidade do ordenamento jurídico consagrado nos artigos 8º e 18º, 1.º parágrafo, da Lei Básica, como um dos princípios basilares e garantes da autonomia da Região Administrativa Especial de Macau, importa indagar se esta Lei Fundamental não terá introduzido uma inflexão na interpretação acima desenvolvida, aliás, com consagração legal expressa.
    Da análise da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial e do que resulta estatuído pelo supracitado artigo 7º da Lei Básica, somos a acompanhar o entendimento de que aquela norma impede a limitação ou desdobramento do direito real máximo em que se traduz o direito de propriedade conferido, sem limitação, ao Estado, a partir de 20 de Dezembro de 1999.
    É claro que nos estamos a referir aos terrenos vagos e a todos sobre os quais não tenha sido constituída definitivamente um direito de propriedade que não pessoas colectivas de direito público, sendo que os que tenham entrado de alguma forma no domínio privado dos particulares continuam a merecer a protecção pelo texto da própria Lei Básica. Se é que se pode continuar a considerar que existem "terrenos vagos" na Região Administrativa Especial de Macau, visto que com a entrada em vigor da Lei Básica todos os terrenos passaram a ser propriedade do Estado com excepção dos que integrem a propriedade privada pertencente aos particulares, sejam entidades singulares ou colectivas.
    Esta posição tem sido, aliás, sufragada pelo nosso mais Alto Tribunal em diversos acórdãos.2
    Não interessa, de qualquer forma, desenvolver o tema, ficando apenas o apontamento para vincar a insustentabilidade da pretensão do recorrente, para mais não invocando ele, como já se afirmou qualquer forma válida de aquisição, qualquer justo título ou pressupostos que legitimem a sua posse.
    Pelas apontadas razões e sem necessidade de mais desenvolvimentos, inverificado que está o apontado vício ou outra de que cumpra conhecer, não se deixará de negar provimento ao presente recurso contencioso.
    
    V - DECISÃO
    Nos termos e fundamentos expostos nega-se provimento ao presente recurso contencioso.
    Custas pelo recorrente, com 6 UC de taxa de justiça
Macau, 24 de Novembro de 2011,

Presente (Relator) Vítor Manuel Carvalho Coelho João A. G. Gil de Oliveira
  
  (Primeiro Juiz-Adjunto)
  Ho Wai Neng

  (Segundo Juiz-Adjunto)
José Cândido de Pinho


1 - Lições de Dtos Reais, Faculdade de Direito da Universidade de Macau, 234
2 - Acs do TUI 32/2005, de 5/7/2006; 41/2007, de 16/1/08; 34/08, de 22/10/08; 17/2010, de 20/5/2010
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