打印全文
Processo nº 297/2010
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 10 de Novembro de 2011

Assunto:
- Contrato a favor de terceiro
- Trabalhadores não residentes

SUMÁRIO:
- A celebração de um “contrato de prestação de serviços” entre uma empresa fornecedora de trabalhadores não residentes na RAEM e a entidade patronal desses trabalhadores, no qual esta assume as condições de trabalho a estabelecer com os trabalhadores não residentes que vier a contratar, condições essas que foram aprovadas pela Administração ao abrigo dos Despachos nºs 12/GM/88 e 49/GM/88, representa para os trabalhadores não residentes um contrato a favor de terceiro, cuja violação por parte da entidade patronal origina um correspondente direito de indemnização a favor dos trabalhadores não residentes.
- O DL nº 24/89/M não é aplicável, em princípio, às relações laborais de trabalhadores não residentes, as quais deverão ser reguladas por normas especiais (artº 3º, nº 3, al. d) do citado diploma legal). Contudo, nada obsta a aplicação do mesmo por vontade das partes no caso da inexistência das ditas normas especiais.

O Relator,
Ho Wai Neng

Processo n.º 297/2010
(Autos de Recurso Cível e Laboral)

Data: 10 de Novembro de 2011
Recorrente: Guardforce (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança, Lda. (Ré)
Recorrido: A (Autor)
    
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I - RELATÓRIO
Por sentença de 11/12/2009, julgou-se a acção parcial procedente e, em consequência condenou-se a Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP$320,974.30, acrescida dos juros moratórios à taxa legal.
Dessa decisão vem recorrer a Ré, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
I. Vem o presente Recurso interposto da douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, em 11 de Dezembro de 2009, e pela qual foi a ora Recorrente condenada a pagar ao Autor, ora Recorrido, as seguintes quantias:
"a) MOP$131.820,00 a título de diferenças salariais;
b) MOP$35.509,30 a tí tulo de diferença retr ibuti va por trabalho extraordinário;
c) MOP$82.905,00 a título de subsídio de alimentação;
d) MOP$65.340,00 a título de subsídio de efectividade;
e) MOP$5. 400,00 pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal;
f) juros moratórias sobre cada uma das aludidas quantias, à taxa legal a contar do trânsito em julgado desta sentença."
II. O Despacho n.º 12/GM/88, de 01 de Fevereiro não determina um regime jurídico regulador das relações laborais que se estabeleçam entre o empregador e um trabalhador não residente, uma vez que se trata de um diploma proferido pelo Governador no âmbi to das suas funções executivas, (cfr. artigo 16.º, n.º 2 do Estatuto Orgânico de Macau) e não legislativas.
III. O Despacho 12/GM/88 cuida do procedimento administrativo conducente à obtenção de autorização para a contratação de trabalhadores não residentes, e não do conteúdo da concreto da relação laboral a estabelecer entre os trabalhadores não residentes e as respectivas entidades patronais.
IV. Pela natureza jurídica do despacho não poderá o mesmo coarctar a liberdade contratual das partes, e gerar na esfera jurídica de qualquer delas direitos ou deveres que não tenham sido livre e reciprocamente acordados.
V. Das condições administrativas estabelecidas no mencionado diploma não resulta qualquer imposição de contratar nestes ou noutros termos, sendo certo que, ainda que assim fosse, o que por mero dever de cautela se equaciona, a consequência apenas poderia ser de cariz administrativo.
VI. Resulta manifestamente ilegal a adopção por parte do Tribunal recorrido do Despacho 12/GM/88, de 01 de Fevereiro, como a fonte das normas especiais a que alude a alínea d) do n.º 3 do artigo 3.º do Decrto-Lei n.º 24/89/M.
VII. Não sendo o Autor parte do contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau aprovado pela entidade administrativa competente, para que o mesmo pudesse produzir efeitos na sua esfera jurídica havia que afastar o princípio "res inter a:Iios acta a:Iiis neque nocet neque prodest", enquadrando-o num dos "casos especialmente previstos na lei" (artigo 400º, nº 2 do CC).
VIII. Nem da vontade das partes intervenientes no contrato de prestação de serviços - a ora Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau - nem da lei resulta a criação de direitos/deveres na esfera jurídica de outrem que não os seus originais outorgantes, ao que acresce o facto da aprovação administrativa a que foi sujeito não lhe ter conferido tal virtualidade.
IX. O Autor, ora Recorrido, apenas poderia reclamar da ora Recorrente créditos que lhe adviessem da concreta violação das obrigações assumidas por força da celebração entre as partes do contrato individual de trabalho, o que em caso não sucedeu, porquanto a ora Recorrente sempre pagou ao Autor, ora Recorrido, os valores acordados em tais contratos, e suas sucessivas renovações, a título de salário, subsídios e horas extraordinárias.
X. O contrato de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau não é passível de se repercurtir na esfera jurídica do Autor, não sendo para si fonte de qualquer direito e/ou obrigação, pelo que nunca poderia a Ré ter sido condenada no pagamento das quantias peticionadas, conforme decidido pelo douto Tribunal a quo.
XI. Carece, assim, em absoluto de fundamento legal a Sentença recorrida na parte em que condena o Recorrente no pagamento do crédi to reclamado respeitante a diferenças salariais, nela se incluindo os subsídios de alimentação e efectividade, uma vez que a Recorrente sempre cumpriu com o acordado no contrato de trabalho celebrado com o Autor e nem do contrato de prestação de serviços celebrado com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, nem do Despacho 12/GM/88 de 1 de Fevereiro resulta qualquer direito de crédito para o Autor.
XII. Do ponto 10 do contrato de trabalho junto como documento n.° 6 da petição inicial apresentada pelo Autor, não resulta qualquer acordo entre as partes no que respeita ao trabalho prestado em dia de descanso semanal, mas tão só respeita ao trabalho prestado em dias de Feriados Público obrigatórios.
XIII. No decurso da relação laboral, ou seja, ao longo de mais de 15 anos, ficou estabelecido que o trabalho prestado seria remunerado através do pagamento do salário em singelo.
XIV. O douto Tribunal a quo não poderia ter condenado a Ré com base no disposto no Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 03 de Abril, sob pena de violação expressa da alínea d), do n.º 3 do artigo 3.° desse mesmo diploma legal.
XV. O salário acordado entre as partes, não obstante ser pago mediante uma periodicidade mensal, era calculado de acordo com as horas de trabalho prestadas pelo Autor, ao contrário do decidido na sentença em recurso que considerou que o Autor era remunerado ao mês, o que constitui um erro notário na apreciação da prova, pelo que deve a Recorrente ser absolvida do pagamento da compensação arbitrada.
*
O Autor respondeu à motivação do recurso da Ré, nos termos constantes a fls. 278 a 291, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
*
Foram colhidos os vistos legais.
*
II - FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
1) A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores (A).
2) Desde o ano de 1993, a Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de «guarda de segurança», «supervisor de guarda de segurança», «guarda sénior» (B).
3) Desde 1992, a Ré celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., os «contratos de prestação de serviços»: n.º 9/92, de 29/06/1992; nº 6/93, de 01/03/1993; nº 2/94, de 03/01/1994; nº 29/94, de 11/05/1994; n° 45/94, de 27/12/1994 (C).
4) O contrato de prestação de serviços com base no qual a Ré outorgou o contrato individual de trabalho com o Autor, era o "Contrato de Prestação de Serviços n.º 6/93", ao abrigo do Despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 11 de Dezembro de 1994, de admissão de novos trabalhadores vindos do exterior, junto aos autos a fls. 34 a 39, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (D).
5) Daquele resultava que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré teriam direito a auferir no mínimo MOP$90,00 diárias, acrescidas de MOP$15.00 diárias a título de subsidio de alimentação, um subsídio mensal de efectividade «igual ao salário de quatro dias», sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço, sendo o horário de trabalho de 8 horas diárias, sendo o trabalho extraordinário remunerado de acordo com a legislação de Macau (E).
6) A Ré sempre apresentou junto da entidade competente, máxime junto da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego (DSTE), cópia dos «contratos de prestação de serviço» supra referidos, para efeitos de contratação de trabalhadores não residentes (F).
7) Entre 15 de Abril de 1993 e 31 de Maio de 2008, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de "guarda de segurança" (G).
8) Trabalhando sobre as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré (H).
9) Era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades (I).
10) Durante todo o período de tempo anteriormente referido, foi a Ré quem pagou o salário ao Autor (J).
11) A Ré e o Autor acordaram nos termos constantes dos documentos juntos aos autos a fls. 48 a 61, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (L).
12) Entre 15 de Abril de 1993 e 30 de Setembro de 1995, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário mensal, a quantia de MOP$1,500.00 (M).
13) Entre Outubro de 1995 e Junho de 1997, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário mensal, a quantia de MOP$1,700.00 (muito embora constasse do contrato de trabalho assinado com o Autor que este teria direito a auferir MOP$l,500.00) (N).
14) Entre Julho de 1997 e Março de 1998, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$1,800.00 mensais (O).
15) Entre Abril de 1998 e Fevereiro de 2005, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,000.00 mensais (P).
16) Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,100.00 mensais (Q).
17) Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,288.00 mensais (R).
18) Entre 15 de Abril de 1993 e 30 de Junho de 1997 a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$ 8.00 por hora (S).
19) Entre 1 de Julho de 1997 e 30 de Junho de 1999 a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$ 9.30 por hora (T).
20) Entre 1 de Julho de 1999 e 30 de Junho de 2002 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$ 9.30 por hora (U).
21) Entre 1 de Julho de 2002 e 31 de Dezembro de 2002 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$ 10.00 por hora(V).
22) Entre 1 de Janeiro de 2003 e 28 de Fevereiro de 2005 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pejo Autor à razão de MOP$ 11.00 por hora (X).
23) Entre 1 de Março de 2005 e 28 de Fevereiro de 2006 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11.30 por hora (Z).
24) Entre 1 de Março de 2006 e 31 de Dezembro de 2006 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11.50 por hora (L).
25) O Autor só teve conhecimento do efectivo e concreto conteúdo de um «contrato de prestação de serviços» assinado entre a Ré e Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, à depois de cessada a relação de trabalho com a Ré, mediante informação por escrito prestada pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL), a pedido do Autor em Julho de 2008 (resposta ao quesito 1.º).
26) Entre 15 de Abril de 1993 e 30 de Junho de 1999, o Autor trabalhou em turnos de 12 horas de trabalho por dia (2.º).
27) Entre 15 de Abril de 1993 e 30 de Junho de 1999 o Autor prestou 4 horas de trabalho extraordinário por dia (3.º).
28) Entre 1 de Julho de 1999 e 30 de Junho de 2002 o Autor prestou 4329 horas de trabalho extraordinário (4.º).
29) Entre 1 de Julho 2002 e 31 de Dezembro de 2002 o Autor prestou 606 horas de trabalho extraordinário (5.º).
30) Entre 1 de Janeiro de 2003 e 28 de Fevereiro de 2005 o Autor prestou 2437 horas e trabalho extraordinário (6.º).
31) Entre 1 de Março de 2005 e 28 de Fevereiro de 2006 o Autor prestou 332 horas de trabalho extraordinário (7.º).
32) Entre 1 de Março de 2006 e 31 de Dezembro de 2006 o Autor prestou 360 horas e trabalho extraordinário (8.º).
33) A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação (9.º).
34) Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca o Autor - sem conhecimento e autorização prévia pela Ré - deu qualquer falta ao trabalho (10.º).
35) A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de «subsídio mensal efectividade de montante igual ao salário de 4 dias» (11.º).
36) Entre 13 de Abril de 2000 e 31 de Maio de 2001 o Autor não gozou qualquer dia de descanso semanal (12.º)
37) Pela prestação de trabalho nos dias de descanso semanal, o Autor sempre foi remunerado pela Ré com o valor de um salário diário, em singelo (13.º).
38) Não lhe tendo a Ré concedido um dia de descanso compensatório (14.º).
39) O Autor, durante o período compreendido entre 13 de Abril de 2000 e 31 de Maio de 2001 trabalhou voluntariamente nos dias de descanso semanal (15.º).
*
III – FUNDAMENTOS
O presente recurso consiste em apreciar essencialmente as seguintes questões:
1. Qualificação jurídica do contrato celebrado a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.;
2. O regime jurídico aplicável à relação laboral estabelecida entre o Autor e a Ré; e
3. O quantum compensatório
*
Sobre as supras identificadas questões, este Tribunal já se pronunciou de forma unânime em vários processos do mesmo género (cfr. Procs. nºs 722/2010, 876/2010, 805/2010, 837/2010, 574/2010, 774/2010, 838/2010, etc, de 07/07/2011, 02/06/2011, 30/06/2011, 16/06/2011, 12/05/2011, 19/05/2011 e 16/06/2011, respectivamente) no sentido de que:
- O acordo celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda é um contrato a favor de terceiro;
- Este contrato é aplicável à relação laboral estabelecida entre o Autor e a Ré.
- O quantum compensatório calculado com base no referido contrato a favor de terceiro e nas disposições do DL nº 24/89/M, quer por aplicação analógica, quer por remissão contratual, não merece de qualquer censura ou reparação.
Com a devida vénia e a propósito de situação igual à que ora nos ocupa, transcreve-se a jurisprudência fixada no Ac. do Proc. nº 838/2010:
“…
2. Da qualificação jurídica do acordo celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada.
A propósito dessa mesma questão de direito, o Tribunal de Segunda Instância já se pronunciou, de forma unânime, em vários processos congéneres, sobre a natureza jurídica do negócio celebrado entre a ora Ré Guardforce e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada - ct. e.g. os Acórdãos do TSI tirados em 12MAI02011, 19MAI02011 e 02JUN2011, respectivamente nos proc. 574/2010, 774/2010 e 876/2010.
Não se vê razão para não manter a posição já por este Tribunal assumida de forma unânime.
Ora sinteticamente falando, in casu, o Autor veio reivindicar os direitos com base num contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda ..
Ficou provado nos autos que no contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., foram definidas as condições de trabalho, nomeadamente o mínimo das remunerações salariais, os direitos ao subsídio de alimentação e ao subsídio mensal de efectividade, e o horário de trabalho diário, que deveriam ser oferecidos pela Ré aos trabalhadores a serem recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. e a serem afectados ao serviços à Ré.
E o Autor é um desses trabalhadores recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. e afectados ao serviço da Ré que lhe paga a contrapartida do seu trabalho.
O Tribunal a quo qualifica o contrato de prestação de serviços, celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. como um contrato a favor de terceiro, regulado nos artºs 437° e s.s. do Código Civil.
Ao passo que a Ré, ora recorrente, não concorda a tal qualificação, sustentando antes que o Autor não poderia reivindicar mais do que o estipulado no contrato individual de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré.
Então vejamos.
Reza o art° 437° do Código Civil que:
 1. Por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita.
2. Por contrato a favor de terceiro, têm as partes ainda a possibilidade de remitir dívidas ou ceder créditos, e bem assim de constituir, modificar, transmitir ou extinguir direitos reais.
O Prof. Almeida Costa define o contrato a favor de terceiro como "aquele em que um dos contraentes (promitente) se compromete perante o outro (promissário ou estipulante) a atribuir certa vantagem a uma pessoa estranha ao negócio (destinário ou beneficiário)" - Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 7ª ed., p.297 e s.s ..
ln casu, foi celebrado um contrato de prestação de serviços entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., em que se estipula, entre outros, o mínimo das condições remuneratórias a favor dos trabalhadores que venham a ser recrutados por essa sociedade e afectados ao serviço da Ré.
Assim, estamos perante um contrato em que a Ré (empregadora do Autor e promitente da prestação) garante perante a sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda.(promissória) o mínimo das condições remuneratórios a favor do Autor (trabalhador) estranho ao contrato (beneficiário), que enquanto terceiro beneficiário, adquire, por efeito imediato do contrato celebrado entre aquelas duas contraentes, o direito ao "direito a ser contratado nessas condições mínimas remuneratórias".
Reunidos assim todos os requisitos legais previstos no art° 437°/1 do Código Civil, obviamente estamos em face de um verdadeiro contrato a favor de terceiro, pois é imediata e não reflexamente que a favor do trabalhador foi assumida pela Ré a obrigação de celebrar um contrato de trabalho em determinadas condições com o Autor.
Finalmente nem se diga o sufragado no Acórdão do TSI tirado em 15DEZ2009 no processo nº 1026/2009 contraria o acima preconizado por nós, pois nesse Acórdão o Colectivo se limitou a dizer que a cláusula compromissória de competência do tribunal arbitral abrange apenas a relação entre o promitente (a Guardforce) e o promissário (a sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda,) e não já a relação entre o promitente e o terceiro (o trabalhador), uma vez que este, o trabalhador enquanto terceiro beneficiário da prestação promitida, tem o direito à prestação que nasce imediatamente na sua esfera jurídica, naturalmente beneficia da autonomia na escolha do meio de tutela, judicial ou arbitral, que lhe se mostra mais conveniente, para o defender, quando o seu direito tiver sido violado ou estiver posto em perigo. Portanto, a cláusula com promissória nunca poderia vinculá-lo.
O que em nada se mostra incompatível com a circunstância de o Autor, enquanto terceiro beneficiário no âmbito do contrato a favor de terceiro celebrado entre a Ré e aquela Sociedade, poder adquirir, por efeito desse contrato, o direito a ser contratado nas condições que a Ré se comprometeu garantir.”
É a jurisprudência que aponta a boa solução do caso com a qual concordamos na sua íntegra e cujo conteúdo aqui, respeitosamente, fazemos nosso.
Cumpre agora verificar se o quantum compensatório determinado pelo tribunal a quo estar correcto, a saber:
1. Diferenças salariais: MOP$131.820,00,
2. Subsídio de alimentação: MOP$82.905,00
3. Subsídio de efectividade: MOP$65.340,00
4. Horas extraordinárias: MOP$35.509,30
5. Compensação de descanso semanal: MOP$5.400,00
Os valores descritos nos pontos nºs 1 a 4 não foram objecto de impugnação efectiva, pois a Ré limitou-se a dizer ter pago aquilo a que se sujeito no contrato de trabalho celebrado entre ela e o Autor, não sendo aplicável ao caso o contrato celebrado entre ela e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.
Nesta conformidade, é de manter os valores em referência, por falta de impugnação efectiva.
Quanto ao montante compensatório do descanso semanal, a Ré defende que não é aplicável o regime previsto na al. a) do nº 6 do artº 17º do DL nº 24/89/M, uma vez que o legislador exclui, de forma expressa, a sua aplicação para as relações laborais de trabalhadores não residentes.
Quid iuris?
Como é sabido, o DL nº 24/89/M não é aplicável, em princípio, às relações laborais de trabalhadores não residentes, as quais deverão ser reguladas por normas especiais (artº 3º, nº 3, al. d) do citado diploma legal).
Porém, até à entrada em vigor da Lei nº 21/2009, não existiam no ordenamento jurídico de Macau as ditas normas especiais, pois, quer o Despacho nº 12/GM/88, quer o Despacho nº 49/GM/88, ambos regulam essencialmente a forma de contratação dos trabalhadores não residentes. Quanto às condições de trabalho, nada dizem respeito, apenas estabelecendo que compete à DSTE verificar e informar se se encontram satisfeitos os requisitos mínimos exigíveis para o efeito (al. d) do nº 9 do Despacho nº 12/GM/88 e b.4 do nº 2 do Despacho nº 49/GM/88).
No caso sub justice, a compensação do descanso semanal diz respeito ao período entre 13/04/2000 e 31/05/2001.
O contrato de trabalho celebrado entre a Ré e o Autor relativo àquele período (fls. 49 dos autos) não prevê de forma específica quanto à compensação dos trabalhos prestados nos dias de descanso semanal.
Contudo, o ponto nº 24 do mesmo contrato, estipula que “Any other terms and conditions will be regulated according to the Macau labour law”.
Ora, com esta cláusula contratual, evidencia-se a vontade das partes no sentido de remeter para a lei geral da relação laboral da RAEM em situações não previstas no contrato de trabalho.
Assim, é de concluir que deve se aplicar o regime do DL nº 24/89/M, por remissão contratual, para a determinação do quantum compensatório do descanso semanal.
O cálculo deve ser feita com base na al. a) do nº 6 do artº 17º do DL nº 24/89/M, ou na al. b) do mesmo preceito legal?
Já vimos que o salário do Autor é mensal e que o contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda. é aplicável ao caso, por ser um contrato a favor de terceiro, daí que é de excluir a tese da Ré.
Nesta conformidade, se conclui que o tribunal a quo procedeu de forma correcta em aplicar a al. a) do nº 6 do artº 17º do DL nº 24/89/M para determinar o quantum compensatório do descanso semanal do Autor.
 
 Tudo ponderado, resta decidir.
 
 IV – DECISÃO
 Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam negar provimento ao recurso interposto, confirmando a sentença recorrida.
 
 Custas pela Ré.
 Notifique e D.N.
 
 RAEM, aos 10 de Novembro de 2011.
 
 Ho Wai Neng
 José Cândido de Pinho
 Lai Kin Hong
297/2010 1