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Proc. nº 799/2011
(Recurso Jurisdicional/Suspensão de eficácia)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 15 de Dezembro de 2011
Descritores:
-Suspensão de eficácia
-Prejuízo de difícil reparação
-Prova dos requisitos

SUMÁRIO:

1- Para efeito de preenchimento do requisito da alínea a) do nº1 do art. 121º do CPAC, deve o interessado alegar factos que revelem que a execução do acto lhe causará previsivelmente prejuízo de difícil reparação.

2- No que se refere ao requisito da citada alínea, não é necessária uma prova absoluta, sendo suficiente uma situação de facto provável e aparente, através de uma análise perfunctória a efectuar pelo juiz do processo a todos os elementos constantes do processo e do procedimento administrativo.















Proc. nº 799/2011
(Suspensão de eficácia)


Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I- Relatório

A, residente na Rua General ……, nº …, Edif. ….., …º andar-…, em Macau, requereu no Tribunal Administrativo a suspensão de eficácia do acto do Ex.mo Presidente do Instituto de Habitação exarado na Informação nº 196/DAJ/2011, que decidiu rescindir o contrato de arrendamento celebrado do imóvel onde tem instalada a sua acima descrita residência.
Foi proferida sentença de deferimento do pedido e, portanto, de suspensão de eficácia do acto.
É dessa sentença que ora vem interposto o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações o digno recorrente, Presidente do Instituto da Habitação, apresentou as seguintes conclusões:
A - A decisão recorrida padece de nulidade nos termos das disposições conjugadas dos arts. 108.º,246.º, n.º 5, 329.º, n.º 3, 556.º, n.º 2, 571.º, n.º 1, al. d) e 569.º, n.º 3 do CPC, todos aplicáveis aos presentes autos por força dos arts. 1.º e 149.º, n.º 1 do CPCA, por não se ter pronunciado sobre factos fundamentais alegados na contestação da Recorrente, nomeadamente, sobre o número dos dias em que o imóvel esteve desocupado e que demonstram que a Requerente não tem residência em Macau, situação que se verifica, pelo menos, desde 2010 até ao presente.
B - Para fundamentar o requisito previsto no artigo 121.º, nº 1, al. a) do CPAC, inexplicavelmente, na fundamentação da matéria de direito, o Tribunal a quo suporta-se em factos alegados pela Requerente, apesar de tais factos não constarem da lista dos factos provados, acreditando o Tribunal que a Requerente se encontra numa situação financeira de carência económica, quando do processo não constam quaisquer elementos probatórios que permitam ao Tribunal a quo ter assumido tais factos como verdadeiros.
C - Desde logo, tais factos não podiam - como não foram - ter sido considerados provados, uma vez que foram alegados pela Requerente nos artigos 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 14.º, 15.º, 16.º e 17.º do requerimento inicial, sendo que a ora Recorrente não os aceitou e impugnou-os expressamente no artigo 1.º da sua contestação.
D - A tal propósito não foi junta 9U requerida qualquer prova pela Requerente.
E - Apesar de não existirem outros dados relativamente à situação financeira da Requerente, o Tribunal conclui pela existência de prejuízos, mediante a consideração de que a Requerente obteve a concessão de habitação social a preço baixo, bem como no documento junto a folhas 14 nos autos relativamente à concessão do benefício de apoio judiciário,
F - O pedido de apoio judiciário é um processo independente do procedimento de suspensão de eficácia, sendo que a entidade requerida e ora Recorrente nem sequer é parte do mesmo, nem tão pouco foi notificada para se pronunciar sobre o seu conteúdo da decisão naqueles autos proferida.
G - Tendo presente que a decisão relativa ao apoio judiciário apenas afere os bens que a Requerente terá na RAEM e que aquela aqui não reside, a decisão proferida nesse processo terá sempre carácter circunscrito, não podendo exprimir o real património e a situação financeira da Requerente. Isso mesmo resulta do atestado económico de fls. 14 dos autos de apoio judiciário, donde se retira que o mesmo se destina exclusivamente para o efeito de pedir apoio judiciário, não podendo servir de prova para outro efeito.
H - Não podia, pois, o Tribunal a quo ter decidido sobre com base nos documentos juntos ao processo de apoio judiciário.
I - Por outro lado, o Tribunal a quo não podia ter desconsiderado o facto alegados pela ora Recorrente na sua contestação, nos termos sobre ditos e que motivaram a arguição de nulidade acima exposta em I), porquanto, é patente que tais factos foram alegados para o efeito de apreciação do preenchimento do requisito previsto no artigo 121.º, n.” 1, al. a) do CP AC.
J - Uma vez que o imóvel arrendado à Requerente se destina a habitação própria, para saber se a execução imediata da decisão administrativa de rescisão do contrato de arrendamento é susceptível de causar prejuízos irreparáveis à Requerente é necessário e fundamental apurar o tempo em que a Requerente reside em Macau.
K - Conforme resulta dos factos alegados e meios de prova juntos pela Recorrente, a Requerente já fixou a residência fora de Macau, tendo passado, inclusivamente, no ano de 2011 (previamente à proposição do presente procedimento de suspensão de eficácia), cerca de 95,56% dias fora da RAEM.
L - Facilmente se conclui que a Requerente tem utilizado o imóvel para alojamento provisório como se este fosse um hotel, razão pela qual a rescisão do contrato de arrendamento em apreço não causa, nem iria causar prejuízos à Requerente.
M - Repare-se ainda que não foi demonstrada ou alegada nos autos a necessidade premente da Requerente ter de arrendar, com execução imediata, outro imóvel no mercado, nem tão pouco justificadas as razões das suas deslocações tão residuais a Macau.
N - Pelo exposto, deverá a decisão recorrida ser revogada com fundamento na não verificação do pressuposto definido no art. 121.º, n.º 1, al. a) do CPAC.
O - Acresce que, dos presentes autos resultam ainda vários elementos que deveriam ter levado o Tribunal a quo a concluir no sentido de que a suspensão da eficácia do acto administrativo é susceptível de lesar gravemente os interesses públicos concretamente prosseguidos pelo acto de rescisão do contrato de arrendamento.
P - Nos termos do art. 19.º, n.º 2, al. 2) do Regulamento Administrativo n.º 25/2009, é fundamento bastante para a rescisão do contrato de arrendamento o facto de: “o arrendatário conservar o fogo desabitado por mais de 45 dias ou não tiver nele residência permanente, habite ou não outra habitação.”
Q - Bastaria a alegação e prova de que o imóvel esteve desocupado por mais de 45 dias, porém, foi alegado na contestação (cfr. arts. 3.º, 4.º, 6.º e 9.º) e juntos meios de prova que demonstram que a Requerente, durante o ano de 2010, passou 329 dias fora da RAEM e que, no período de 01/01/2011 a 07/06/2011, passou 151 dias fora da RAEM, ou seja, passou cerca de 90,13% e 95,5% dos dias fora da RAEM, em 2010 e 2011, respectivamente.
R - Esta ausência é claramente lesiva dos interesses públicos concretamente prosseguidos pelo acto de rescisão do contrato de arrendamento, porquanto, na prática, equivale à disponibilização de um imóvel a custo reduzido sem que se verifique a correspectiva e necessária utilização do parte do beneficiário, sendo patente que a Requerente não tem residência na RAEM, bem como lesiva dos interesses de terceiros que reúnam as necessárias condições para usufruir de habitação social, na medida em que, enquanto se mantiver a situação, o imóvel não pode ser disponibilizado a quem dele efectivamente necessite.
S - Assim, tal como já alegado na contestação, e também ao abrigo do disposto nos arts. 121.º, n.º 1, al. b) e 129.º, n.º 1 do CPAC, o Tribunal a quo sempre devia ter declarado que a suspensão determina grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto de rescisão do contrato de arrendamento.
T - Entende ainda a Recorrente que o Tribunal não poderia ter deixado de considerar que, no caso, se verificam fortes indícios de ilegalidade do recurso - art. 121.º, n.º 1, al. c) do CP AC
U - O Tribunal a quo, ainda que sumariamente, tinha o dever de apreciar os factos alegados na contestação apresentada pelo Recorrente, nos termos que motivaram a arguição de nulidade da decisão recorrida, porquanto é patente que, no caso, existem factos e meios de prova que inegavelmente apontam para a inviabilidade do recurso contencioso e, por essa via, também do procedimento de suspensão de eficácia.
V - Citando B: “...nada sugere que a apreciação destes indícios se deva restringir aos pressupostos processuais, ignorando a manifesta falta de mérito do recurso contencioso, tudo apontando antes para que se deva realizar uma apreciação substancial embora mínima, que deverá avaliar a própria viabilidade do recurso contencioso.”
W - A Requerente não alegou nem procedeu à junção de meios de prova que comprovem suficientemente a viabilidade do presente pedido de suspensão de eficácia do acto administrativo.
X - O que, somado à análise (ainda que perfunctória) da ausência de mérito do recurso contencioso que venha a ser interposto, redunda em que: “do processo resultam fortes indícios de ilegalidade do acto” (art. 121.º, n.º 1, al. c) do CPAC).
Z - Violou a decisão recorrida o disposto nos arts. 108.º,246.º, n.º 5, 329.º, n.º 3,556.º, n.º 2, 571.º, n.º 1, al. d) e 569.º, n.º 3 do CPC, todos aplicáveis aos presentes autos por força dos arts. 1.º e 149.º, n.º 1 do CPCA, bem como o disposto no art. 121.º, 129.º e 130.º do CPAC, ao ter declarado a suspensão da eficácia do acto administrativo, sem que se encontrem preenchidos os pressupostos necessários para o efeito.
Nestes termos, e demais de direitos que V. Ex.as doutamente suprirão, deverá a decisão recorrida ser revogada e, em consequência, deverá negado provimento ao procedimento de suspensão de eficácia do acto administrativo de rescisão do contrato de arrendamento, por não se verificarem os pressupostos legais para o efeito.
Não houve contra-alegações.
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O digno Magistrado do MP opinou no sentido de que o recurso não merece provimento.
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Cumpre decidir.
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II- Os factos
A sentença recorrida deu por provada a seguinte factualidade:
- Em 1994, à arrendatária A, nº de agregado familiar R9XXXXX, foi atribuída uma casa no Centro de Habitação Temporária Norte do Patane. Posteriormente, em 1995, mudou-se para Edif. ……, …º andar-…, em Macau.
- Em 31 de Outubro de 2003, o IH celebrou um novo contrato de arrendamento com a requerente pelo referido imóvel arrendado, cujo arrendamento foi ajustado para o montante de Mop 29 (fls. 19 a 20 do processo administrativo…).
- Em 8 de Julho de 2011, o IH decidiu abrir um procedimento jurídico para rescindir o contrato de arrendamento por entender que a requerente violou o art. 19º, nº2 e o artigo 20º, nº1 do Regulamento Administrativo nº 25/2009 (fls. 1 e 2 do processo administrativo…).
- Em 20 de Julho de 2011, o IH fixou um edital para notificar a requerente para apresentar, no prazo de 10 dias, a justificação de não ter residência no fogo arrendado (fls. 23 do processo administrativo…).
- Em 28 de Julho de 2011 a arrendatária apresentou ao IH um esclarecimento escrito sobre o seu caso (fls. 24 do processo administrativo…).
- Em 17 de Agosto de 2011, a entidade recorrida proferiu o despacho que concordou com a proposta de rescindir o contrato de arrendamento celebrado com a requerente, feita na Informação nº 196/DAJ/2011, decidindo-se que a rescisão de contrato seja notificada à requerente através de edital (fls. 25 a 27 do processo administrativo…).
- Em 22 de Agosto de 2011, o IH notificou a requerente através de edital da decisão referida (fls. 209 do processo administrativo…).
- Em 24 de Agosto de 2011, a requerente requereu a este Tribunal assistência judiciária (fls. 1 do processo nº 591/11/AJ deste tribunal).
- Em 25 de Agosto de 2011 foi autorizado o requerimento de assistência judiciária e à requerente foi nomeado um mandatário judicial (fls. 10 do processo nº 591/11/AJ deste tribunal).
- Em 26 de Setembro a requente interpôs, através do seu mandatário judicial, recurso contencioso e este procedimento cautelar de suspensão de eficácia.
***

III- O direito
1- Da nulidade da sentença
Começa o digno recorrente por invocar a nulidade do julgado, nos termos dos arts. 571º, nº1, al. d) e 569º, nº3, ambos do CPC, com o argumento de o M.mo juiz não se ter pronunciado sobre factos fundamentais alegados na contestação, nomeadamente sobre o número de dias em que o imóvel esteve desocupado e que demonstram que a requerente não tem residência em Macau pelo menos desde 2010 até ao presente.
Não sufragamos tal asserção. Na verdade, os dias de não residência não foram levados ao grupo dos factos assentes, por o M.mo juiz os não ter considerado totalmente líquidos. E assim, verteu na factualidade provada aqueles dados factuais que considerou absolutamente inquestionáveis. Ora, isso não traduz a nulidade da sentença a que se refere o art. 571º, nº1, al. d), do CPC, mas quando muito apenas poderá representar erro no julgamento da matéria de facto, se se entender que o tribunal declarou menos factos provados do que aqueles que resultam dos autos.
Concordamos num aspecto com o recorrente: aqueles factos são de grande relevo para a decisão final, porque podem fazer ruir a estrutura da pretensão da aqui recorrida. Porém, esse é outro aspecto que importará equacionar, no âmbito do conhecimento do fundo ou do mérito do recurso.
Improcede, pois, a arguição de nulidade.
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2- Do mérito da pretensão
Impõe-se agora a apreciação dos requisitos contemplados no art. 121º do CPAC, que são cumulativos, como se sabe1.
O primeiro deles exige que a “execução do acto cause previsivelmente prejuízos de difícil reparação…”. (al. a), do nº1).
Na verdade, o conceito indeterminado "prejuízo de difícil reparação" de que trata a alínea a), do nº 1, do art. 121º, do CPAC tem que ser concretizado, reproduzido ou traduzido caso a caso por factos que o interessado requerente deve trazer ao processo. Não, bem entendido, através de uma demonstração cabal, perfeita e exaustiva da invocação factual, uma vez que neste processo não é possível efectuar prova testemunhal2, e até porque a lei não é tão exigente a esse ponto ao bastar-se com uma forte aparência, com um mero padrão de probabilidade («...cause previsivelmente...»). Mas, de qualquer modo, cabe ao requerente expor as razões fácticas que se integrem no conceito, devendo para isso ser explícito, específico e concreto, não lhe sendo permitido recorrer a expressões vagas, genéricas e irredutíveis a factos que não permitam o julgador extrair aquele juízo3. Não bastam, assim, alegações conclusivas. É necessário alegar factos que permitam estabelecer um nexo de causalidade ou de causa e efeito entre a execução do acto e o invocado prejuízo.

Ora, a este respeito, a requerente havia invocado uma série de razões que preencheriam o invocado prejuízo: a avançada idade (71 anos de idade) , a perda do locado onde tem a sua habitação, o estado civil de solteira e sem nenhum familiar que lhe proporcione alojamento nesta época de frio que se avizinha, a inexistência de rendimento que lhe permita tomar de arrendamento uma casa no mercado de habitação em Macau.

Foram todos estes considerandos que a sentença considerou e não vemos que neste aspecto mereça censura.

É verdade que a entidade requerida tinha alegado – e aqui insiste nesse ponto - que o prejuízo invocado pela requerente não estava provado, uma vez que a matéria de facto trazida aos autos a esse propósito fora por si impugnada. E, por isso, estando esta matéria ainda ilíquida, não poderia a sentença, diz a recorrente, dar por verificado o requisito da alínea a), do art. 121º do CPAC.

Concordamos com a recorrente no sentido que esta matéria é importante. Todavia, como já dissemos acima, estamos no âmbito de uma providência cautelar que se basta com uma situação factual de verosimilhança. Isto é, não é preciso – e, tantas vezes, nem é possível - fazer a prova absoluta do quadro de facto. Porque o processo é urgente, com restrições no âmbito dos meios de prova, como se disse, não se exige um grau de certeza, e antes basta uma análise sumária e perfunctória da situação, de modo a permitir ao juiz formular um juízo de probabilidade.

Aliás, a própria entidade requerida tem o elemento da idade dado por adquirido (ver fls. 40, Informação nº 0502/DAHP/DFH/2011). E terá que saber quais as condições do seu agregado, pois de outro modo não lhe teria permitido o fornecimento do alojamento naquele regime. E finalmente tem a entidade requerida conhecimento do valor da renda social que ela paga (Mop$ 29 patacas), o que significa que, na analise prévia que teve que fazer, chegou à conclusão das condições materiais e de rendimento em que a interessada vivia.

Portanto, as condições pessoais e sociais da aqui recorrida eram necessariamente do conhecimento da entidade pública. É um conjunto de factos objectivos que não repugna, por conseguinte, aceitar com grande dose de verosimilhança.

De objectivo, ainda, para além daqueles condições, era a ausência da pessoa idosa do locado por longo tempo durante o ano de 2011 e mesmo no ano de 2011. O único facto que faltaria revelar era a razão, a imputação subjectiva, para tal ausência. Na verdade, se a uma pessoa é concedida uma habitação por causa de certas condições que conseguiu demonstrar à partida e se, posteriormente, alguns dos requisitos que condicionaram a atribuição do alojamento, desaparecerem, deixa de haver lugar à subsistência do motivo inicial. O próprio Regulamento Administrativo nº 25/2009 aponta a exigência de utilização da casa por um período mais ou menos longo, sob pena de rescisão do contrato (arts. 19º, nº2, 2) e 20º, nº1).

Porém, para além da objectividade da ausência, a aqui recorrida deu, na oportunidade, aos elementos dos serviços que a visitaram em casa (ver fls. 44 do apenso “traduções”) a justificação devida: teve que tratar a mãe, com 90 anos de idade, que mora na Republica Popular da China e que, por estar doente, carece do seu apoio e cuidado. A senhora idosa chorou e pediu que a deixassem viver na casa nessas excepcionais circunstâncias e que voltaria definitivamente ao locado assim que mãe falecesse (ver ponto 5 da referida Informação).

Ou seja, o incumprimento (dado objectivo) da obrigação tem aparentemente uma razão (elemento subjectivo) que de todo não podemos desprezar ou negligenciar, razão que a própria entidade recorrente ao longo do procedimento nunca questionou verdadeiramente (sendo até certo que, na sequência do apontado motivo, os Serviços do Instituto de Habitação podiam tentar obter a respectiva confirmação junto dos competentes serviços da RPC, ao abrigo do seu poder inquisitivo plasmado no art. 59º do CPA).

Posto isto, se a casa arrendada apresenta o panorama descrito no ponto 5 da citada Informação (sem divisões, com pouca mobília, apenas uma cama em ferro e uma máquina de costura), então é porque a recorrida vive em precárias condições, carecendo de ajuda. Quem apela à compreensão e à humanidade dos serviços, como ela fez no procedimento e aqui reitera, apesar de tais condições de vida, é porque precisa aparentemente mesmo daquele alojamento, não sendo descabida e desprovida de senso a conclusão alcançada na 1ª instância sobre o assunto.

Insistimos: há coerência entre os elementos levados ao procedimento administrativo e os trazidos aos presentes autos, sendo plausível que essa situação se verifique na realidade. E por isso, ficar sem tecto para se abrigar durante o tempo da duração do recurso, pode implicar sofrimento desnecessário a esta pessoa, que terá decerto, atendendo à idade e ao fraco rendimento aparente, muito poucas defesas e recursos para uma sobrevivência com dignidade.

A recorrente também não se conforma com a circunstãncia de o tribunal, para fundamentar a sua decisão a respeito desta alínea, se ter servido de factos que afinal de contas não tinha dado como provados. Está nessa situação a fundamentação a respeito da carência económica e financeira da interessada, que o tribunal teria extraído a partir dos elementos do apoio judiciário, nomeadamente.

Mas, nem quanto a este aspecto o digno recorrente tem razão. Na verdade, o exercício que o tribunal “a quo” efectuou assentou no método dedutivo, apoiado em elementos colaterais de maneira a permitir uma conclusão que não fosse imediatamente ilógica e, pelo contrário, pudesse integrar um quadro de facto plausível, verosímil e previsível: a tal aparência bastante para a procedência da providência! O tribunal quando analisa o pedido de apoio judiciário serve-se dos elementos constantes dos autos e de outros que oficiosamente ordene ou recolha. Portanto, os dados obtidos, se servem ao tribunal como indício mais ou menos seguro acerca das condições económicas e materiais de qualquer interessado, também podiam ser utilizados como suporte adicional para a decisão tomada em sede de suspensão de eficácia na perspectiva do requisito da alínea a), do nº1, do art. 121º do CPAC. Repetimos, foi apenas um elemento indiciário que o tribunal “a quo” tomou em consideração, entre outros que teve em conta na apreciação do pedido e que, como vimos, não se mostra despropositado, nem incoerente com a invocada situação, sem que isso represente excesso de pronúncia ou exorbite do âmbito do enquadramento do requisito em causa.

Em suma, nesta parte a sentença não merece reparo.
*
No que respeita ao segundo requisito, também não vemos que a sentença tenha andado mal.

Na verdade, em 1º lugar, nem sequer dos autos emerge que o locado apresente grande dignidade e condição de habitabilidade, atendendo à descrição que os próprios Serviços dele fizeram aquando da ida ao local para apuramento da situação (já nos referimos a isso). O mercado da habitação social não estará num estado tão crítico que careça de um espaço com estas características para atribuição a terceira pessoa!

Podemos mesmo dizer que se o locado continuar afecto à ora recorrida, ele continuará a cumprir (ainda que porventura deficientemente) a sua função social, uma vez que se parte do pressuposto de que a aqui interessada continua a precisar dele. Ou seja, a missão que está por detrás da atribuição de casas deste género à população tanto se realiza mantendo o arrendamento a esta pessoa, como a outra em parecidas condições sociais e económicas. Não há, por tal motivo, prejuízo para o interesse público.

Em segundo lugar, e pela mesma razão, a demora que levará o julgamento do processo principal não trará especial dano ao interesse público, uma vez que a premência da necessidade do arrendado não é, tanto quanto se colhe da notoriedade do problema, equivalente a um estado de urgência ou de extrema e grave necessidade pública.
*
No que se refere ao terceiro requisito (art. 121º, nº1, al. c), do CPAC), não é para já visível, pelo menos em termos de “fortes indícios de ilegalidade” concernentes a aspectos processuais (v.g., irrecorribilidade do acto impugnado, extemporaneidade, ilegitimidade, etc)4 que estejamos perante uma espécie de “certeza prática” de que o recurso é inviável ou que está condenado ao insucesso5.

O que tanto nos parece suficiente para se dar por verificado o requisito da alínea c), do nº1, do art. 121º do CPAC, tal como decidido na sentença recorrida.

***



IV- Decidindo

Nos termos acabados de expor, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando e mantendo a sentença recorrida.

Sem custas.

                     TSI, 15/12/2011



Presente (Relator) Vítor Manuel Carvalho Coelho José Cândido de Pinho
(Primeiro Juiz-Adjunto) Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto) Choi Mou Pan













1 Caso em que, bastando a ausência de algum deles, a providência já não poderá ser decretada. Neste sentido, v.g. Acs. do TUI de 2/06/2010, Proc. n. 13/2010 ou de 13/05/2009, Proc. n. 2/2009.
2 Neste sentido, por exemplo, ver o Ac. do TUI de 14/05/2010, Proc. n.15/2010.
3 Ac. do TUI de 13/05/2009, Proc. n. 2/2009.
4 Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa, 2ª ed., pag. 179.
5 Ac. TSI, 30/05/2002, Proc. nº 92/2002; de 25/01/2007, Proc. nº 649/2006/A.
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