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Processo nº 159/2011 (Recurso Laboral)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 15 de Dezembro de 2011
Descritores:
- Salário
- Gorjetas
- Descanso semanal e feriados obrigatórios

SUMÁRIO:

I- A composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.

II- Ao abrigo do DL 24/89/M (art. 17º, n.1,4 e 6, al. a), tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”); mas se nele prestar serviço terá direito ao dobro da retribuição (salário x2).

III- Se o trabalhador prestar serviço em feriados obrigatórios remunerados na vigência do DL 24/89/M, além do valor do salário recebido efectivamente pela prestação, terá direito a uma indemnização equivalente a mais dois de salário (salário médio diário x3).













Proc. N. 159/2011

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.


I- Relatório

A, com os demais sinais dos autos, representado pelo Ministério Público, moveu contra a STDM acção de processo comum de trabalho pedindo a condenação desta no pagamento de Mop$136.832,29,como compensação pelos descansos semanais, feriados obrigatórios e descansos anuais não gozados desde o início da relação laboral até ao seu termo.
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Após contestação, o despacho saneador julgou prescritos os créditos laborais anteriores a 5/06/1990.
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Foi, oportunamente, proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a STDM a pagar ao autor a indemnização de MOP$ 701,43 e juros legais respectivos.
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É dessa sentença que ora recorre o autor da acção, em cujas alegações formula as seguintes conclusões:
i) A interposição do presente recurso é tempestiva porque dentro do prazo de dez dias, aberto pela notificação levada a cabo por carta registada de 30 de Novembro de 2010, conforme n.º 1 do artigo 591.º do Código de Processo Civil;
ii) O presente recurso tem por objecto a forma como foram solucionadas no douto acórdão as diversas questões colocadas pela petição inicial do Autor, nomeadamente quanto à natureza da relação jurídica constituída entre este e a Ré, a natureza da remuneração variável paga pela referida Ré ao Autor, bem como, a alegada renúncia do Autor ao direito de gozar o respectivo descanso semanal, férias e feriados obrigatórios, entendimento que influiu decisivamente na fixação da indemnização devida pelo trabalho efecutado em dias de:
descanso semanal;
descanso anual; e,
feriados obrigatórios.
iii) Concordamos com a conclusão da douta sentença relativamente à existência de um contrato de trabalho entre o Autor e a Ré, de acordo com o preceituado no artigo 1.152º do Código Civil de 1966, em vigência à data dos factos;
iv) Não se coloca em causa a prestação de uma actividade intelectual por parte do ora Autor, bem como a sua posição de subordinação jurídica, em relação à Ré, apenas se recorre na parte espeitante ao tipo de remuneração a pagar no presente caso;
v) A própria Ré reconheceu que ao Autor era devido um vencimento, uma retribuição ou um salário, em suma, uma remuneração;
vi) Simplesmente, os termos em que o faz e que, salvo o devido respeito, foram erroneamente acolhidos pela douta sentença, mormente por considerar que este Autor era remunerado em função do dia de trabalho, ou seja, via base diária e, excluindo peremptoriamente as gorjetas ou gratificações por estas não constituírem um salário;
vii) No primeiro caso, estamos perante aquilo que se designa por retribuição pecuniária, consubstanciada no pagamento periódico de uma quantia fixa, excluindo-se a outra componente variável, as gorjetas ou gratificações, que não integrariam o salário do Autor, penalizando este sobremaneira;
viii) A questão da natureza das gorjetas ou gratificações tem sido amplamente debatida em Macau, muito por força do sistema retributivo implantado pela STDM, ora Ré (sendo elucidativo o facto de, só no ano de 2002, existirem na então Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego 5.492 reclamações de trabalhadores seus ... );
ix) A própria Ré confessou sem pudor que era ela quem procedia à distribuição das gorjetas ou gratificações por todos os seus trabalhadores, consoante a sua categoria, tempo de serviço e departamento onde trabalhavam, sendo inquestionável que era ela, enquanto entidade patronal, quem fixava previamente esses critérios distributivos, o que foi reconhecido pela sentença em crise!
x) A própria Ré não poderá deixar de reconhecer que um salário por dia de trabalho no montante de MOP $ 4,10 ou mesmo de HKD $ 10,00, em parte alguma pode ser visto como um salário justo...
xi) Na verdade, o Decreto-Lei n.º 24/89/M impõe que o salário pago pela entidade patronal seja um salário justo e adequado, aferido em termos de bom senso, como aquele que, para além de compensar o trabalhador pelo trabalho desenvolvido, lhe permita prover as suas necessidades de vida, garantindo-lhe uma subsistência com dignidade, permitindo-lhe mesmo assumir compromissos financeiros de curto ou médio prazo, conforme o definiu e muito bem esse Tribunal!
xii) A Ré, não está, de modo algum desobrigada desse dever legal, como as restantes entidades patronais desta RAEM, atenta a sua consagração, à data, no artigo 25º do Decreto-Lei n.º 24/89/M;
xiii) Desiderato que nunca seria alcançável, mediante uma retribuição diária de MOP $ 4,10 ou mesmo de HKD $ 10,00, um valor que fica muito aquém do critério imperativamente fixado pela lei que impõe o dever do empregador de pagar ao trabalhador um salário que, dentro das exigências do bem comum, seja justo e adequado ao seu trabalho;
xiv) Ninguém duvide que, sem o acréscimo decorrente da variante gorjeta ou gratificações, a Ré não teria muita gente a trabalhar consigo!
xv) Presentemente, não deixa de ser sintomático o caso da Sociedade de Jogos de Macau, entidade que, de certa forma “sucedeu” à Ré no panorama laboral da Região Administrativa Especial de Macau, ter enveredado por outras formas de remuneração, reconhecendo a injustiça dessa política de salários da sua antecessora, procurando assim evitar novas acções judiciais e acolhendo por via indirecta a jurisprudência fixada por esse TSI;
xvi) Pelo que, não podemos deixar de concluir, como muito bem o fez esse Douto Tribunal, que a denominadas gorjetas ou gratificações não podem deixar de ser consideradas parte integrante do salário do Autor, pois de outro modo, a Ré violaria o seu dever legal de pagar aos seus trabalhadores um salário justo e adequado;
xvii) De igual modo, não se pode aceitar que o Autor tenha auferido alguma vez um salário diário e não mensal;
xviii) Desde logo, porque resulta provado nos autos que a Ré, enquanto entidade patronal fixou um determinado horário, obrigando o Autor a trabalhar por turnos, na sequência do contrato de concessão e exploração dos jogos de fortuna e azar que havia celebrado com o Governo de Macau, que obrigava os seus Casinos a operarem ininterruptamente durante 24 horas!
xix) Ora, se a Ré tem de assegurar o funcionamento contínuo legalmente imposto aos seus casinos, como podem os trabalhadores afectados aos Casinos, deixarem de auferir um salário mensal, a única forma de pagamento conciliável com a organização de turnos de trabalho durante 24 horas?
xx) Caí assim por terra o subterfúgio de um salário diário, determinado em função do número de dias de trabalho, por concorrer com um trabalhador que, necessariamente, terá de exercer a sua actividade em regime de turnos variados, destacando-se o 5º turno, com início às 23 horas e termo às 3 horas da madrugada do dia seguinte, como ficou provado na sentença de que se recorre;
xxi) O que se traduz numa impossibilidade prática de determinar o período de trabalho diário para efeitos de cálculo do alegado salário diário, como tem destacado a vasta jurisprudência desse Meritíssimo Tribunal!
xxii) Termos em que, deve improceder a conclusão da sentença ora recorrida de que o Autor, pois embora se tenha provado que desenvolvia a sua actividade laboral por turnos, auferia um salário diário, o qual, por via desse turnos, apenas pode ser calculado numa base mensal!
xxiii) Assim, tendo em conta o valor declarado no ano de 1990 (vide doc.1 da P. I.), o Autor auferiu nesse ano um salário diário de MOP $ 487,54 e,
xxiv) no ano de 1991, teve um salário diário de MOP $ 736,18 (cfr. doc. 1 da P. I. ).
xxv) Está devidamente provado nos autos que o Autor, durante o tempo em que vigorou a sua relação de trabalho, nunca gozou descansos semanais, bem como que a Ré nunca lhe pagou qualquer compensação salarial ou lhe tenha disponibilizado outro dia de descanso por cada dia em que prestou serviço;
xxvi) Pelo que, a compensação se deve processar de acordo com o preceituado no n.º 6 do artigo 17º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, isto é, o Autor tem direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal, englobando-se aqui as componentes fixa e variável, decorrente das gorjetas;
xxvii) O apuramento far-se-á de acordo com a fórmula 2 x o salário diário médio x número de dias de prestação de trabalho em descanso semanal;
xxviii) Por outro lado, ao Autor é também devida compensação pelo trabalho desenvolvido em período destinado ao descanso anual, porquanto a legislação laboral (Decreto-Lei n. º 24/89/M, nos termos consentidos pelo n.º 1 do artigo 21º e 24.º), os trabalhadores têm direito a seis dias úteis de descanso anual sem perda de salário, em cada ano civil;
xxix) A Ré confessou explicitamente no artigo 170º da sua contestação que os dias de repouso não foram retribuídos e que tal se devia ao acordo expresso entre ambas as partes;
xxx) Ora a legislação aplicável é muito clara: “...os trabalhadores têm direito a seis dias úteis de descanso anual sem perda de salário, em cada ano civil”;
xxxi) Pelo que, o empregador que impedir o trabalhador de gozar o período de descanso anual pagará ao trabalhador, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao tempo de descanso que deixou de gozar, ou seja, 3 x o salário diário médio x número de dias de descanso anual vencidos mas não gozados!
xxxii) Ao contrário do fixado na sentença em recurso, deverá o apuramento dessa retribuição ter em devida conta o que o Autor auferia em termos de remuneração fixa, mais a variante gorjetas ou gratificações, porque parte integrante e constitutiva do seu salário justo, devido pela ora Ré!
xxxiii) De igual modo, ficou provado que o Autor trabalhou para a Ré nos feriados obrigatórios de 1 de Janeiro, nos três dias do Ano Novo Chinês, no 1º de Maio e no dia 1 de Outubro do ano de 1990,
xxxiv) a par do dia 1 de Janeiro, dos três dias do Ano Novo Chinês e do 1 º de Maio de 1991;
xxxv) A douta sentença do Tribunal Judicial de Base deu igualmente como provado que a Ré não procedeu ao pagamento de qualquer compensação salarial;
xxxvi) O legislador teve o cuidado de, no âmbito do Decreto-Lei n.º 24/89/M, regular a forma de compensar o trabalho levado a cabo em feriados obrigatórios;
xxxvii) Assim, de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 19º do referido diploma, o Autor tem direito à retribuição nesses feriados obrigatórios, estando abrangido pela circunstância prevista na alínea c) do n.º1 do artigo 20º do mencionado Decreto-Lei n.º 24/89/M, tendo por isso direito a um acréscimo nunca inferior ao dobro da retribuição normal;
xxxviii) No âmbito desse diploma legal a formula para cálculo do trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado é de 3 x o salário diário médio x número de dias de prestação de trabalho em feriado obrigatório remunerado;
xxxix) Em suma, a Ré deve a título de indemnização para pagamento de dias de descanso semanal vencidos e não gozados, MOP $ 29.252,40, para o ano de 1990 e MOP $ 19.140,68, para o ano de 1991;
xl) Bem como, a título de indemnização pelos dias de férias anuais vencidos e não gozados MOP $ 5.119,17 no ano de 1990 e MOP $ 3.312,81, no ano de 1991; e,
xli) Por último, a título de feriados obrigatórios vencidos e não gozados, MOP $ 1.462,62 no ano de 1990 e de MOP $ 8.834,16 no ano de 1991,
xlii) Totalizando assim o montante global de MOP $ 67.121,84.
NESTES TERMOS, de acordo com o preceituado no n.º 6 do artigo 17.º, n.º 3 do artigo 19.º, al. c) do n.º 1 do art.º 20.º, al. c) do n.º 1 do artigo 21.º e no art.º 24º, todos do Decreto-Lei n.” 24/89/M, de 3 de Abril e nos mais de Direito aplicáveis que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em conformidade, ser revogada a sentença recorrida e, em conformidade ser a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de MOP $ 67.121,84 devidos a título de compensação devida por dias de descanso semanal vencidos e não gozados, dias de férias anucais vencidas e não gozadas e feriados obrigatórios vencidos e não gozados, mo período compreendido entre 5 de Junho de 1990 e 30 de Março de 1991.
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A STDM respondeu ao recurso, concluindo as suas alegações do seguinte modo:
A. Com todo o respeito por entendimento diverso, as gratificações ou gorjetas recebidas dos clientes pelos empregados de casino não fazem parte do salário ou da retribuição ou do vencimento ou da remuneração.
B. A retribuição, remuneração, vencimento ou salário, em sentido jurídico (civil e laboral), encerra quatro elementos essenciais e cumulativos:
ii. É uma prestação regular e periódica;
iii. Em dinheiro ou em espécie;
iv. A que o trabalhador tem direito por título contratual e normativo e que corresponde a um dever jurídico da entidade patronal;
v. Como contrapartida pelo seu trabalho.
C. No caso dos autos, estando em causa gorjetas comprovadamente oferecidas por clientes de casino, dependendo o seu recebimento do animus donandi de terceiros, estranhos à relação jurídico-laboral, nunca poderia a então empregado, funcionário ou trabalhadora ter exigido à sua entidade empregadora o seu pagamento inexistindo aquela oferta por parte dos clientes.
D. Se, por hipótese, em determinado mês, não existissem quaisquer gorjetas entregues pelos clientes da Recorrida a distribuir ao ora Recorrente, e restantes colaboradores, funcionários e trabalhadores, nenhum dever jurídico impendia sobre a Recorrida no sentido de suprir aquela falta e nenhum direito de crédito podiam os seus trabalhadores exigir a este respeito.
E. Com efeito, é sabido que em anos em que o montante das gratificações, das luvas, dos prémios irregulares ou das gorjetas era inferior ao do ano anterior (variação que se constata pela análise dos rendimentos do ora Recorrente), nunca o aqui Recorrente reclamou da ora Recorrida o seu pagamento.
F. O Recorrente sabia que a parte do rendimento respeitante às gorjetas dependia exclusivamente das liberalidades dos clientes de casino, nada podendo exigir à ora Recorrida a esse título caso essa parte do seu rendimento fosse zero.
G. Dispõem o número 1 do artigo 27º do RJRT de 1984 e o número 1 do artigo 25º do RJRT de 1989 que, “Pela prestação dos seus serviços ou actividade laboral, os trabalhadores têm direito a um salário justo.”;
H. Salvo o devido respeito por opinião contrária, analisando a certidão de rendimentos do Recorrente, não se pode dizer que a este último não fora proporcionado um rendimento justo, maxime porque os rendimentos globais auferidos eram claramente superiores à média do rendimento / remuneração auferida por cidadãos de Macau com formação académica e profissional equivalente às suas que não trabalhassem em casino, os quais eram mais que bastantes para prover a uma vida digna e decente do Recorrente e sua Família.
I. Deste modo, na esteira do entendimento do mais Alto Tribunal da R. A. E. M., do douto Tribunal recorrido e, bem assim, da doutrina maioritária, é entendimento da Recorrida que “As gratificações ou luvas ou gorjetas recebidas pelos empregados de casino dos clientes não fazem parte do salário.”;
J. Admitindo a Recorrida, apenas por cautela e por mera hipótese académica e hipótese, que de forma alguma se concede, a obrigação de indemnizar o Recorrente tendo em conta o valor das gorjetas oferecidas pelos clientes de casino, devem ser as seguintes as fórmulas aplicáveis para aferir das compensações adicionais devidas:
K. Trabalho prestado em dias de descanso semanal:
a. À luz do Decreto-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto, que aprovou o RJRT de 1984: salário diário x0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga);
b. À luz do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril: salário diário x1 (e não x2, porque uma parcela já foi paga);
c. À luz do Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho de 1990, que procedeu às primeiras alterações do RJRT de 1989: salário diário x0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga).
Trabalho prestado em dias de descanso anual:
a. À luz do RJRT de 1984, diploma aprovado pelo Decreto-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto: salário diário x0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga);
b. À luz do RJRT de 1989, diploma aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/89/M: salário diário x1 (e não x3, porque uma parcela já foi paga e a R. não impediu o Recorrente de gozar quaisquer dias de descanso);
c. À luz do Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho de 1990, que procedeu às primeiras alterações do RJRT de 1989: salário diário x1 (e não x3, porque uma parcela já foi paga e a Recorrida não impediu o Recorrente de gozar quaisquer dias de descanso).
Trabalho prestado em dias feriados obrigatórios:
a. À luz do RJRT de 1984, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10l/84/M, de 25 de Agosto de 1984: salário diário x0 (e não x l, porque uma parcela já foi paga);
b. À luz do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, que aprovou o RJRT de 1989: salário diário x1 (e não x2, porque uma parcela já foi paga);
c. À luz do Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho de 1990, que procedeu às primeiras alterações ao RJRT de 1989 aqui, também aplicável: salário diário x1 (e não duas vezes, porque uma parcela já foi paga).
L. Caso se entenda que as fórmulas ora acima expostas não são adequadas para o cálculo de uma eventual e hipotética compensação ou indemnização eventualmente devida ao Recorrente,
M. Remete-se para as fórmulas adoptadas nos já referidos acórdãos do Tribunal de Última Instância, proferidos no âmbito dos Processos n.º 28/2007, 29/2007 e 58/2007, datados de 21 de Setembro de 2007,22 de Novembro de 2007 e 27 de Fevereiro de 2008, respectivamente, entre muitos outros doutos arestos subsequentes àqueles,
N. Pelo que deve prevalecer a conclusão que o salário do Recorrente era diário, em função do trabalho efectivamente prestado, dependente da sua comparência ao serviço,
O. E que, portanto, não existia nem um salário mensal, nem salário médio diário ou salário normal (em qualquer destas hipóteses ou modalidades, supostamente englobando as gratificações ou gorjetas ou luvas),
P. Subsumindo-se o salário do Recorrente na alínea b) do número 6 do artigo 17º do RJRT de 1989 e não na alínea a) do mesmo preceito, quanto ao descanso semanal, bem como integrando igualmente a hipótese normativa prevista no número 2 e 4 do artigo 26º do mesmo RJRT de 1989.
Q. Portanto, o salário do Recorrente nunca foi mensal, mas, diário.
R. Nem o salário do Recorrente foi, alguma vez, um “salário médio diário”.
S. E em função do trabalho efectivamente prestado, da comparência ao serviço e do labor produzido,
T. Improcedendo, assim, as alegações de recurso e o respectivo pedido recursório de MOP$ 29.252,40 e de MOP$ 19.140,68 para o descanso semanal, de MOP$ 5.119,17 e de MOP$ 3.312,81 para o descanso anual e de MOP$ 1.462,62 de MOP$ 8.834,16 para os descansos nos dias feriados obrigatórios, devendo manter-se o montante decretado na douta Sentença, sem prejuízo de a Recorrida entender que deveria ser totalmente absolvida do pedido.
U. Não podendo ter provimento o douto recurso em que o Recorrente vem reclamar a quantia pecuniária de MOP$ 67.121,84 (sessenta e sete mil e cento e vinte e uma patacas e oitenta e quatro avos),
V. Nem a condenação do douto Tribunal recorrido em MOP$ 701,43 (setecentas e uma patacas e quarenta e três avos), subsidiariamente.
W. Por outro lado, convém relembrar que estão prescritos os créditos supostamente compreendidos entre 4 de Junho de 1990 e 11 de Setembro de 1984 (teor de fls. 135 dos autos e de fls. 244 da douta Sentença recorrida.
X. Improcedendo, assim, o teor e as alegações do recurso, quando o Recorrente alegou e concluiu que a Sentença violou as normas que expôs nas Conclusões “xi.”, “xii.”, “xxvi.”, xxviii.”, “xxxvi” e “xxxvii.” do recurso.
Y. Improcedendo, também, o pedido do cálculo do trabalho prestado em dias de descanso semanal por uma suposta fórmula de 1 (uma) vez, o pedido de cálculo do descanso anual por aplicação de uma suposta fórmula de 1 (uma) vez um hipotético salário médio diário, ou de 2 (duas) vezes esse suposto salário médio diário, bem como, ainda, de 2 (duas) vezes um suposto salário “médio diário” para os dias feriados obrigatórios (que não existe),
Z. Não devendo proceder as referidas fórmulas e multiplicadores apresentados no recurso.
AA. Também, assim, vindo a improceder a conclusão de que a remuneração do Recorrente não era um salário diário e em função do trabalho efectivamente prestado.
BB. Em conclusão, improcede o douto recurso e deve manter-se a Sentença recorrida.
CC. Termos em que improcede, totalmente, o recurso ora aqui contraditado.
Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis que Vossas Excelências melhor suprirão, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente.
Caso assim não se entenda, o que não se concede e apenas se admite por mera cautela e hipótese académica, devem os cálculos da pretensa indemnização ao Recorrente ser efectuados em conformidade com as fórmulas indicadas pela Recorrida e, igualmente, em conformidade com o douto entendimento do Tribunal de Última Instância assim fazendo Vossas Excelências mais uma vez a sempre devida e habitual JUSTIÇA!

*
Cumpre decidir.

***

II- Os factos

A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
O A. trabalhou para a Ré como empregado de casino entre 11 de Setembro de 1984 e 30 de Março de 1991. (A)
O A. podia pedir à R. o gozo de dias de descanso nos quais não auferia qualquer remuneração. (B)
Como contrapartida da actividade que exercia na R., o A. durante o período referido em A) recebeu uma quantia fixa diária e outra variável resultante das gorjetas entregues pelos clientes da R. (1º)
As gorjetas eram distribuídas por todos os trabalhadores da R. e não apenas os eu tinham contacto directo com os clientes nas salas de jogo. (2º)
Entre os anos de 1984 e 1991, o A. recebeu ao serviço da R., os seguintes rendimentos anuais:
1984-MOP$ 11.178,00;
1985-MOP$ 36.917,00;
1986-MOP$ 61.583,00;
1987-MOP$ 86.905,00;
1988-MOP$ 110.127,00;
1989-MOP$ 140.031,00;
1990-MOP$ 177.952,00;
1991-MOP$ 65.520,00; (3º)
O A. prestou serviços em turnos, conforme os horários fixados pela entidade patronal. (4º)
A ordem e o horário dos turnos são os seguintes:
- 1 º e 6º turnos: das 7 às 11 horas e das 3 às 7 horas.
- 3º e 5º turnos: das 15 às 19 horas e das 23 às 3 horas;
- 2º e 4º turnos: das 11 às 15 horas e das 19 às 23 horas. (5º)
Na distribuição interna das gorjetas, os trabalhadores recebiam quantitativos diferentes consoante a categoria, tempo de serviço e departamento onde trabalhavam, fixados previamente pela entidade patronal. (7º)
O A. e a R. acordaram verbalmente, aquando da sua contratação, que o salário do primeiro fosse conforme descrito em 1º. (10º)
As gorjetas sempre integraram o orçamento normal do A. (11º)
O A. sempre teve a expectativa do recebimento das gorjetas com continuidade periódica. (12º)
O A. estava expressamente proibida pela R. de guardar quaisquer gorjetas entregues pelos clientes do casino. (13º)
Durante o tempo em que vigorou a sua relação laboral, o A. nunca gozou descansos semanais. (14º)
Sem que, por isso, a R. lhe tenha pago qualquer compensação salarial ou disponibilizado outro dia de descanso por cada dia em que prestou serviço. (15º)
O A. trabalhou para a R. nos feriados obrigatórios de 1 de Janeiro, 3 dias do Ano Novo Chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro do ano 1990 e 1 de Janeiro, 3 dias do Ano Novo Chinês e 1 de Maio do ano 1991. (16º)
Sem que a R. lhe tenha pago qualquer compensação salarial. (17º)
Durante o tempo em que vigorou a sua relação laboral, o A. nunca gozou descansos anuais. (18º)
Sem que a R. lhe tenha pago qualquer compensação salarial. (19º)
A título de quantia fixa diária, o A. auferiu, desde o início da relação laboral até 30 de Junho de 1989, MOP$ 4,10 por dia e a partir dessa data até à data da cessação do contrato, HKD$ 10,00 por dia. (23º)
O A. e a R., quando iniciaram a relação laboral, acordaram que o salário diário do primeiro fosse composto apenas por uma quantia fixa diária e que as gorjetas eram variáveis. (24º)
***

III- O Direito
Discute-se em 1º lugar se as gorjetas devem ou não fazer parte do salário. A sentença recorrida considerou que não e é dela que ora vem interposto o presente recurso.
Vejamos.
O recorrente começou a trabalhar para a recorrida como empregado do casino, recebendo como contrapartida diária uma quantia fixa, desde o início até á cessação da relação laboral. Para além disso, recebia uma quantia variável em função de gorjetas recebidas dos clientes do casino, que a recorrida reunia, contabilizava e posteriormente distribuía por todos os seus empregados. E tanto a parte fixa, como a variável, haviam sido acordadas verbalmente entre recorrente e recorrido.
Ora, tal como o TSI tem defendido, o contrato em causa é de trabalho, porque reúne todas as características próprias deste.

Socorramo-nos do aresto proferido neste TSI de 19/03/2009, Proc. n. 690/2007:
“Em face do artigo 1079.º do Código Civil, artigos 25º e 27º do anterior RJRL - cfr. artigos 1º, 4), 9º, 2), 57º da actual LRT, Lei 7/2008, de 12 de Agosto, em princípio não aplicável aos contratos findos, face à redacção do disposto no art. 93º -, art. 23°, n.º 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 7º do Pacto sobre Direitos Económicos Sociais e Culturais e pela Convenção da OIT n.º 131, direitos que por essa via não deixam de ser tutelados pela própria Lei Básica no seu artigo 40º, decorre, face à factualidade apurada, que parece não restarem quaisquer dúvidas de que nos encontramos perante um verdadeiro e puro contrato de trabalho entre a autora e a ré, em que esta, mediante uma retribuição, sob autoridade, orientações e instruções daquela, começou a trabalhar na área de actividade ligada à exploração de jogos de fortuna ou azar”.
Concordamos com a posição e nada mais temos a acrescentar-lhe.
No que se refere ao valor do salário, pergunta-se: Será que ele apenas é constituído pela parte fixa ou também englobará a parte variável em resultado das gorjetas?
Também neste ponto estamos de acordo com a posição deste TSI, no sentido de que as gorjetas não foram sendo atribuídas a título de mera liberalidade. A liberalidade, em princípio, para assim ser entendida, não deveria ter sido atribuída com carácter de regularidade. E o que está demonstrado nos autos é, precisamente, o contrário.
Depois, não eram gorjetas que o trabalhador do casino guardava para si vindas directamente do cliente apostador. Se assim fosse, poderia dizer-se que o empregador a elas era totalmente alheio, que nenhuma interferência exercia nem na sua distribuição, nem no seu quantitativo e que, portanto, apenas pagava ao seu subordinado o valor remuneratório previamente determinado. Mas não. Eram somas de dinheiro que o trabalhador recebia, sim, mas que tinha que entregar à sua entidade patronal, de quem, posteriormente, apenas recebia uma parte. Locupletamento à custa alheia seria a situação se, tendo o jogador entregue pessoalmente o dinheiro ao trabalhador, a entidade patronal dela, sem mais, se apropriasse totalmente. Mais, haveria aí uma manifesta superioridade de parte a roçar a ilicitude se, contra a vontade do empregado, este fosse obrigado a abrir mão daquilo que o jogador voluntariamente lhe tinha dado. Nenhuma relação laboral assente numa base lícita toleraria tal atitude de ingerência na vida do trabalhador por parte do empregador se não tivesse havido entre ambos um acordo que permitisse a distribuição das gorjetas, que não haviam sido dadas a este, mas àquele. Só um modelo de distribuição pré-determinado confere licitude à acção do empregador. Mas, ao mesmo tempo que assim acontece, não podemos deixar de pensar que, afinal, a entidade empregadora tinha alguma margem de superioridade nessa relação, pois era ela quem geria o dinheiro e, posteriormente, o distribuía segundo um esquema para o qual nenhuma contribuição o trabalhador dera. Ou seja, há aqui assim uma atitude que é própria da supremacia do empregador e que revela bem que este não era um simples “guardador” ou mero “depositário” do dinheiro proveniente das gorjetas.
De resto, mal se compreenderia que qualquer trabalhador aceitasse trabalhar por tão poucas patacas diárias (a parte fixa), se não soubesse que, a elas, acresceria uma quantia bem mais razoável em resultado da distribuição da soma de todas as gorjetas recebidas por si e pelos restantes colegas do casino. Se o salário tem uma função social, que visa conferir dignidade de vida ao trabalhador e ao seu agregado familiar, e de que o empregador dos tempos modernos já não pode alhear-se, então parece que esta entrega permanente ao trabalhador de dinheiro recebido do jogador não pode deixar de ter um sentido remuneratório.
E neste quadro, todos – jogadores, trabalhadores e empregador - ficam bem. Os primeiros, porque satisfeitos, cumprem o seu desejo de generosidade e altruísmo (mas é questão que aqui não tem valor jurídico); os segundos, porque, ao cabo e ao resto, vêem devidamente compensado o resultado do seu trabalho; e o último, porque vê feliz e empenhado o seu empregado, a quem vai pagar com dinheiro que nem sequer sai do seu bolso.
E, já agora, não deixaria de ser contraditório e injusto, e por isso mal se perceberia, que a reclamada “unidade do sistema” consentisse que, para efeito de salário, a gorjeta assim distribuída ficasse de fora do conceito, enquanto para efeito tributário já passasse a ser considerada como “rendimento do trabalho variável” (cfr. art. 2º, Lei n. 2/78/M, de 25 de Fevereiro).
Tudo isso, para concluir que a composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
É para nós, portanto, questão ultrapassada a de que o salário integra uma parte fixa e outra variável. Problema é como calculá-lo: se ao dia, se ao mês e qual o seu valor.
Verdade que o trabalhador recebia uma quantia fixa diária. Verdade também que nos dias em que não trabalhava não recebia remuneração. Todavia, a ausência de remuneração nesses dias não advém de qualquer acordo prévio.
Aliás, a questão está consolidada neste TSI em termos tais que deles não somos capazes de divergir. Veja-se, por exemplo, o que foi dito no Ac. de 14/09, no Rec. N. 407/2006:
  “…a “quota-parte” de “gorjetas” a ser distribuída ao Autor, em montante definido unilateralmente pela Ré, integra precisamente o salário mensal do Autor, pois caso contrário e vistas as coisas à luz de um homem médio colocado na situação concreta do ora Autor, ninguém estaria disposto a trabalhar por conta da Ré em tantos anos seguidos nos seus casinos em horários de trabalho por esta fixados…ou seja, em horários de turnos necessariamente árduos para qualquer pessoa humana, se tivessem de ser cumpridos continuadamente em anos seguidos, sabendo entretanto, de antemão, que a prestação fixa do seu salário era de valor muito reduzido”.
E também o Ac. de 15/07/2010, Proc. n. 928/2010:
“…o qual o trabalhador estava obrigado a trabalhar por turnos de seguinte forma:
1º e 6º turnos: das 07h00 às 11h00, e das 03h00 às 07h00;
3º e 5º turnos: das 15h00 às 19h00, e das 23h00 às 03h00 do dia seguinte;
2º e 4º turnos: das 11h00 às 15h00, e das 19h00 às 23h00
Como se sabe, é por imposição legal e pelos termos do contrato de concessão para exploração dos jogos de fortuna e azar que os casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas. Ora, se é compreensível e justificável a fixação dos turnos, nos termos que vimos supra, pela entidade patronal para fazer face à necessidade de assegurar o funcionamento contínuo legalmente imposto dos seus casinos, já custa perceber como é quê é possível os seus trabalhadores afectados aos casinos, em vez de auferirem um salário mensal, que é única forma de pagamento conciliável com a organização dos turnos durante 24 horas para assegurar a continuidade do funcionamento dos casinos, auferirem antes um salário diário determinado em função do número de dias de trabalho em que quis trabalhar e efectivamente prestou serviço. Na verdade, basta dar uma vista de olhos aos turnos fixados e à forma como os turnos estão organizados e distribuídos durante as 24 horas, em especial o 5º turno que se inicia às 23h00 num dia e termina às 03h00 de madrugada no dia seguinte, já se apercebe da impossibilidade prática de determinar o período de trabalho diário para efeitos de cálculo do alegado salário diário”.
Assim sendo, tal como este TSI tem admitido em casos similares, é de considerar que o salário era mensal, para cujo apuramento médio diário entrará o valor conjunto da parte fixa e da variável, tal como feito nos autos.
Neste sentido, por recentes, vejam-se os acórdãos proferidos nos Processos nºs 780/2007, de 31/03/2011, 423/2008, de 23/06/2011, 924/2010, de 20/10/2011, por exemplo.
Significa isto que a sentença não pode manter-se e deverá ser revogada.
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Dito isto, avancemos para a atribuição da indemnização, cientes agora de que o valor médio remuneratório não é aquele que a sentença considerou (limitando-o à parte fixa do salário), mas o que resulta da soma das componentes fixa e variável (gorjetas) que o autor da acção recebia mensalmente, e tendo presente, por outro lado, que a relação laboral se desenvolveu somente no âmbito do DL nº 24/89/M.
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a) Descanso semanal
Na vigência do DL n. 24/89/M

A sentença entendeu que o factor multiplicador era o 1 na fórmula AxBx1 (em que A é o número de dias vencidos e não gozados e B o valor do salário diário), enquanto o autor entende que deve ser o factor 2.
E tem razão o recorrente.
Com efeito, vale aqui o disposto no art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a).
Assim:
N.1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
N.4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
N.6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Ora, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.6, al. a)).
Numa 1ª perspectiva, se o empregador pagou o devido (pagou o dia de descanso), falta pagar o prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Numa 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda:
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.1);
Portanto, a fórmula será sempre: AxBx2, e não x1, como concluiu a sentença recorrida.
Assim sendo, atendendo ao rendimento anual consignado na resposta ao quesito 3º, temos que os valores do salário médio diário são de MOP$ 494,31 e 728,00 nos anos de 1990 e 1991, respectivamente.

De modo que, a este título, a indemnização a atribuir, face ao quadro de fls. 18 da sentença recorrida (que aqui fazemos nosso, excepto no valor diário) ascende a MOP$ 48.586,60.
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b) Descanso anual

O recorrente (autor da acção) não dirigiu a sua atenção à fórmula de cálculo adoptada na 1ª instância, pelo que temos que considerar que a aceita.
Assim, porque não faz parte do objecto do recurso, também nós teremos que acolher o factor 3 utilizado na sentença recorrida (art. 589º, nº4, do CPC).

A nossa tarefa é, pois, unicamente a de fazer incluir o valor médio diário auferido naqueles anos na fórmula, seguindo quanto ao mais o que vem contido no mapa de fls. 20 e 21 da sentença.

E assim feito, alcançamos o resultado indemnizatório a este título de MOP$ 8.466,25.
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c) Feriados obrigatórios

- Na vigência do DL n. 24/89/M

No contexto deste diploma legal, a sentença em crise ajuizou que o factor multiplicador da fórmula era o 2 (AxBx2), enquanto o recorrente acha que deve ser o factor 3.

Vejamos.

Esta lei trouxe inovações: introduziu uma indemnização especial, chamemos-lhe assim, que a lei anterior não previa e alargou o leque dos dias feriados remunerados, pois aos previstos na lei anterior, somaram-se agora os três dias do Ano Novo Chinês (cfr. art. 19º, n.3). Portanto, o gozo desses dias é feito, não apenas sem perda de remuneração (já era assim na lei anterior), como ainda deve ser extraordinariamente compensado.
Se o trabalhador prestar serviço nesses dias, diz o diploma, além da remuneração normal, receberá ainda um acréscimo salarial não inferior ao dobro da retribuição normal (art. 20º, n. 1). O que quer dizer não inferior? Quer dizer que pode ser igual, mas não descer desse limite. E até pode ser superior, mas nesse caso só o empregador poderá fixar o valor, singularmente ou por acordo com o empregado. O que não pode é o tribunal, arbitrariamente subir acima dessa barreira.
Aqui chegados, de novo pensemos nas duas perspectivas acima avançadas: a de o trabalhador ter sido pago pelo valor do devido e a de ter sido remunerado pelo valor do serviço prestado. É bom que se equacionem estas duas acepções para se ver até que ponto a solução pode diferir.
1ª Perspectiva (pagamento do devido)
O empregador pagou ao trabalhador o valor remuneratório que, pela lei, sempre lhe seria devido (ou seja, pagou a “remuneração correspondente aos feriados…”: art. 19º, n.3, até porque não lhos podia descontar: art.26º, n.1).
Sendo assim, falta pagar ao trabalhador o seguinte: a remuneração do trabalho efectivamente prestado (um dia de salário), mais um acréscimo em dobro, nos termos do art. 20º, n. 1(mais dois dias). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
2ª Perspectiva (pagamento do prestado)
Nesta óptica, o empregador o que fez foi pagar ao trabalhador em singelo o valor do serviço prestado.
Todavia, falta pagar o acréscimo em dobro (2 x salário) e ainda o valor do devido (um dia). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
Como se vê, qualquer que seja o prisma por que se encare a situação, o resultado é o mesmo. A fórmula é, em ambas, salário diário x 3, e não 2, conforme decidiu a sentença.

Posto isto, e considerando o mapa de fls. 22 e 23 da sentença, o valor a atribuir é de Mop$ 10.218,93.
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Em vista do que se vem de dizer, o valor total ascende a Mop$67.271,78, que se reduz, porém, a Mop$ 67.121,84, em função do valor peticionado no recurso.
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IV- Decidindo

Nos termos expostos, acordam em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença nos sobreditos termos e condenar a STDM a pagar ao recorrente a quantia global de Mop$67.121,84, acrescida de juros legais calculados pela forma decidida pelo TUI no seu acórdão de 2/03/2011, no processo nº 69/2010.

Custas na proporção do decaimento:
- Pelo recorrente, apenas na 1ª instância; Pela STDM, em ambas as instâncias.


TSI, 15 / 12 / 2011


(Relator) José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto) Choi Mou Pan

(Primeiro Juiz-Adjunto) Lai Kin Hong (com declaração de voto)


























Processo nº 159/2011
Declaração de voto

Subscrevo o Acórdão antecedente à excepção da parte que diz respeito à existência dos direitos do trabalhador à compensação e aos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios, em tudo quanto difere do afirmado, concluído e decidido, nomeadamente, nos Acórdãos por mim relatados e tirados em 27MAIO2010, 03JUN2010 e 27MAIO2010, nos processos nºs 429/2009, 466/2009 e 410/2009, respectivamente.

RAEM, 15DEZ2011

O juiz adjunto


Lai Kin Hong