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Processo nº 404/2010
(recurso cível e laboral)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 07 de Dezembro de 2011
Descritores:
-Honorários de advogado
-Reapreciação das provas
-Erro na aplicação do direito

SUMÁRIO:
I- Não basta a mera junção ao processo de uma certidão de uma sentença da 1ª instância e do acórdão do TSI para se ter por provada toda a actividade concreta desenvolvida pelo mandatário forense. Daí que qualquer causídico, quando se sinta na necessidade de propor acção de honorários, tem o ónus de invocar e provar toda a actividade judicial e extrajudicial que desenvolveu em prol do seu constituinte.
II- Está o tribunal de recurso impossibilitado de contrariar a livre convicção formulada pelos juízes da 1ª instância que procederam ao julgamento da matéria de facto, ao abrigo do art. 629º do CPC, se os elementos recolhidos nos autos não o permitirem e se o recorrente não tiver orientado a sua impugnação jurisdicional de acordo com os ditames do art. 559º do CPC, não indicando, por exemplo, quais os concretos pontos da matéria de facto incorrectamente julgados e quais os meios probatórios concretos que deveriam ter conduzido a uma decisão diversa da recorrida.
III- Só faz sentido falar em má ou errada aplicação do direito perante um determinado quadro de facto totalmente apurado. Ou seja, só se pode concluir se as normas foram bem ou mal aplicadas ao caso, depois de se saber qual é o caso. E o desenho final deste, para ter uma configuração precisa, precisa de factos inquestionáveis.




Proc. Nº 404/2010
(Recurso Cível e Laboral)


Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I- Relatório

A, advogado, com domicílio profissional na Rua dos Mercadores, nº 96, Edifício Tai Fung Banco, 6º andar, em Macau, intentou acção com processo ordinário contra Kam Su Sam, com os demais sinais dos autos, pedindo a condenação deste no pagamento de Mop$ 70.000,00 e juros respectivos, a título de honorários forenses e de indemnização por danos morais.
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Na oportunidade, foi a acção julgada parcialmente procedente e o réu condenado a pagar ao autor a quantia de Mop$ 26.000,00 e juros legais respectivos.
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É dessa sentença que ora recorre o então autor, em cujas alegações formula as seguintes conclusões:
A. O Tribunal a quo meramente deu por provado cinco factos apesar de ter sido junto aos autos as certidões de sentença que atestam uma série de factos alegados pelo Autor.
B. Estatui a lei que o Tribunal “deve tomar em consideração todas as provas realizadas no processo, mesmo que não tenham sido apresentadas, requeridas ou produzidas pela parte onerada com a prova …”
C. Ora, salvo O devido respeito, o Tribunal a quo incorreu em erro em não ter valorado a prova apresentada pelo Réu e, assim, violou o princípio da aquisição processual.
D. As doutas sentenças juntas pelo Réu provam parte do trabalho realizado pelo A. no âmbito do mandato forense, nomeadamente:
1) Que houve participação do A. em tentativa de conciliação, diversos requerimentos elaborados pelo A. em favor do Réu, diversas diligências em que o A. participou;
2) Que o A. agiu em representação do Réu entre os anos de 2002 a 2007.
E. O art.436º do C.P.P. não foi interpretado e aplicado correctamente, pois caso o tivesse sido teria o Tribunal a quo considerado a prova documental apresentada pelo réu a qual atestou factos alegados pelo Autor.
F. A interpretação concreta do art.436º do C.P.P., salvo melhor opinião, ê a de considerar as certidões apresentadas pelo R. e, consequentemente, valorar as provas em conformidade.
G. Não se deu como provado a constituição de um vínculo obrigacional bilateral entre o A. e o Réu e era essencial dar por provado a celebração do contrato de mandato forense e, posteriormente, extrair as consequências legais dai advenientes.
H. Por fim, o petitum do A. (honorários) tem a natureza de matéria de direito.
Nestes termos, e nos melhores de Direito, se requer a V. Excelências se dignem considerar o recurso como procedente e, assim, anular o julgamento realizado ou, então, condenar o Recorrido no pagamento dos honorários peticionados.
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O réu da acção apresentou resposta ao recurso, concluindo as suas alegações do seguinte modo:
I. Não se verifica, em concreto, nenhum dos fundamentos do recurso invocados pelo A., doravante Recorrente.
II. O Recorrente não indicou os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados.
III. Quando o recorrente não indique os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, o recurso deve ser rejeitado, por força do artigo 599.º n.º 1 do CPC.
IV. De entre os factos enumerados na base instrutória (cfr. despacho saneador, fls. 31 a 33v.) não se vislumbram factos que correspondam concretamente aos pontos da matéria de facto que o Recorrente suscita nesta sede de recurso.
V. Resulta provado da matéria assente nos autos que existiu uma relação de patrocínio judiciário entre o Recorrente e o R., doravante Recorrido, nomeadamente da prova que o Recorrido entregou dinheiro ao Recorrente a título de honorários na sequência de reunião colectiva entre o A. e 200ex-trabalhadores da STDM, entre os quais o R., e na qual o Recorrente se disponibilizou a representar os ex-trabalhadores interessadas, acordando as partes que no limite máximo seriam cobradas MüP30,000.00 de honorários.
VI. É válida a convenção em contrato de patrocínio judiciário na qual o advogado se compromete a não cobrar mais de honorários do que um máximo pré-estabelecido, nos termos do artigo 399.º n.º 1 do Código Civil.
VII. O Recorrente obrigou-se perante o Recorrido a no limite máximo cobrar MOP30,000.00 por conta dos seus honorários.
VIII. A prova da lista de trabalhos concretos realizados pelo Recorrente, enquanto advogado, só seria relevante para o efeito de o Tribunal vir a fixar honorários em valor inferior ao máximo acordado entre o Recorrente e o Recorrido, pelo que há falta de interesse processual neste fundamento de recurso pois o Tribunal a quo condenou o Recorrido a pagar ao Recorrente o máximo de honorários acordados entre eles.
IX. A sentença recorrida está em conformidade com os factos assentes e relevantes para o caso concreto e o direito foi correctamente aplicado ao caso em apreço.
Termos em que, deve o recurso ser parcialmente rejeitado, na parte em que o Recorrente não indicou os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, por força do artigo 599.º n.º 1 do CPC e deve na outra parte ser negado, por falta de fundamento.

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Cumpre decidir.


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II- Os Factos

A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
Factos assentes
A) O Réu entregou ao Autor a quantia de MOP$4,000.00.
De base instrutória
1. A título de Provisão de honorários entregou o Réu ao Autor a quantia referida em A).
2. O Réu fez parte de um grupo de cerca de 200 ex-tratalhadores da STDM que se recusaram a assinar novo contrato de trabalho com a SJM e decidiram recorrer aos tribunais.
3. Tal grupo reuniu-se algumas vezes para discutir a questão laboral da STDM, reuniões presididas por B, dirigente da Associação de Trabalhadores da STDM e nas quais esteve presente o Autor.
4. O Autor informou então os trabalhadores que os honorários a pagar aos advogados não excederiam MOP$30,000.00, por cada processo.
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III- O Direito
1- Do erro na apreciação da prova
O Dr. A moveu uma acção de honorários contra o réu, pedindo o pagamento dos serviços prestados no âmbito de uma acção que intentara contra a STDM.
Para tanto, invocou toda uma série de tarefas forenses, tendentes a demonstrar o serviço prestado ao réu. Por outro lado, e no que toca à indemnização peticionada, também o então autor apresentara alguns factos densificadores do dano moral que diz ter sofrido com o não pagamento dos honorários por parte do réu..
Ora, todos estes factos foram seleccionados, sendo levados aos “Factos Assentes” e à “Base Instrutória” em termos que não mereceram do ora digno recorrente, na altura, qualquer reclamação.
Vem agora o douto aedvogado alegar que o tribunal ficou aquém do que devia no que concerne à valoração da prova. Concretamente, devia ter extraído das sentenças, juntas pelo réu, parte do trabalho realizado pelo recorrente no âmbito do mandato forense, nomeadamente:
a) Que houve participação sua em tentativa de conciliação, diversos requerimentos elaborados em favor do Réu, diversas diligências emq eu participou;
b) Que agiu em representação do Réu entre os anos de 2002 e 2007.
Ora, como é bom de ver, as sentenças (da 1ª instância e acórdão do TSI, juntas pelo Réu a fls. 44 e sgs. do processo), em si mesmo não demonstram mais do que nelas consta. Por isso, delas não se pode colher ter sido o recorrente a representar o trabalhador na tentativa de conciliação (verdadeiramente não o sabemos, embora não custe presumir que sim) ou que tenha elaborado diversos requerimentos a favor do constituinte ou tenha participado em diversas diligências. E, por outro lado, também é seguro que as sentenças não demonstram que o recorrente agiu em representação do aqui recorrido entre os anos de 2002 e 2007 (embora se admita que tal tenha acontecido).
A sentença é o produto final a que tende qualquer processo, é a parte decisora dos autos desencadeados em ordem a dirimir um litígio e a aplicar o direito ao caso concreto. Nesse sentido, se o advogado da parte é o mesmo do princípio ao fim, é admissível que, nesse ínterim, ele tenha intervindo em diligências e actos processuais, em reuniões com o cliente, em tarefas próprias do mandato, etc. Mas, repetimos, isso não ressurge da sentença, porque o seu fim é outro.
Daí que qualquer causídico, quando se sinta na necessidade de propor acção de honorários, tem o ónus de invocar e provar toda a actividade judicial e extrajudicial que desenvolveu em prol do seu constituinte.
Ora, isso era o que na acção almejava alcançar. Todavia, não conseguiu demonstrar mais do que aquilo que vem descrito na sentença, na sequência do acórdão de fls. 147 dos autos sobre o julgamento da matéria de facto, da qual não houve qualquer reclamação (cfr. fls. 149). E, portanto, a simples junção da certidão das decisões da 1ª e da 2ª instâncias são insuficientes para provar o que o digno recorrente pretendia.
Com os dados reunidos nos autos, vê-se assim este tribunal impossibilitado de contrariar a livre convicção formulada pelos juízes da 1ª instância que procederam ao julgamento da matéria de facto. Efectivamente, o art. 629º do CPC não permite a reapreciação concreta das provas, não só porque os elementos recolhidos nos autos não no-lo permitem, como ainda pela circunstância de o digno recorrente não ter sido orientado a sua impugnação jurisdicional de acordo com os ditames do art. 559º do CPC ao indicar, por exemplo, quais os concretos pontos da matéria de facto incorrectamente julgados e quais os meios probatórios concretos que deveriam ter conduzido a uma decisão diversa da recorrida.
Assim sendo, não podemos acompanhar o digno recorrente no apontado erro na valoração da prova e na violação do princípio da aquisição processual vertido no art. 436º do CPC.
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2- Da natureza do vínculo
Vem, a seguir, o digno recorrente afirmar que a sentença recorrida, entre os factos dados por provados, não revela a constituição de um vínculo obrigacional bilateral entre A. e R. (leia-se entre a advogado e parte).
Não é muito claro o alcance da asserção, parecendo até traduzir uma reacção mais apropriada para um recurso a apresentar pela parte vencida, que aqui seria o trabalhador/recorrido.
Em todo o caso, importa dizer que, mesmo que o tribunal não o tivesse expressamente trazido à liça com essa específica designação, não temos dúvidas que toda a argumentação desenvolvida na sentença tem por pressuposto um mandato forense, uma relação contratual de patrocínio judiciário, incumprido por uma das partes.
Repare-se: A sentença disse a dado momento que “Estamos perante um contrato, nos termos do qual, o autor, no exercício profissional de advocacia, presta os serviços no âmbito de uma acção judicial, mediante uma remuneração, que se chamam honorários de advogado. O contrato celebrado…é regulado, genericamente, pelas normas do mandato - artigo 1082º e seguintes do Código Civil. Os honorários são fixados por acordo das partes ” (fls. 160 vº).
É, pois, bem visível que o contrato de mandato forense está presente no discurso do julgador, como presente está também a causa de pedir manifestada nos honorários peticionados. Ou seja, o julgador, mesmo sem perder tempo com essa questão, até porque não estava sequer em debate ou em controvérsia, agiu bem, tendo por ínsito o contrato e por provada a falta de pagamento dos honorários.
E quanto ao montante destes, a sentença, apelando ao art. 2º do Regulamento dos Laudos sobre Honorários e pondo em destaque o montante que o próprio advogado teria manifestado aos trabalhadores como valor aplicável a cada um (facto 4 da B.I.: Mop$30.000,00), achou-o consentâneo com o serviço prestado e tomou-o como o valor negociado, a que fez, porém, abater a importância já adiantada de Mop$ 4.000,00.
Enfim, improcede, pois, a argumentação de que a sentença não teria considerado o mandato contratado, nem os honorários dele decorrentes.
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3- Da modificação do direito
Por fim, defende o digno recorrente que a fixação dos honorários é matéria de direito, que o TSI pode muito bem considerar de modo diferente do estabelecido na 1ª instância.
Os limites dos honorários descobrem-se nos arts. 37º do Estatuto da Associação Pública dos Advogados de Macau e nos arts. 2º a 4º do Regulamento dos Laudos sobre Honorários da Associação dos Advogados de Macau. A densificação dos critérios, ainda que assente em factos, pode ser considerada matéria de direito, tal como o considerou o Ac. do STJ de 19/09/2002, no Proc. nº 02B1962 a que o digno recorrente pede socorro.
Todavia, essa é questão que escapa ao poder do TSI nesta sede de recurso jurisdicional. Não se trata de admitir que o TSI, por ser matéria de direito, a possa conhecer em abstracto. Trata-se, antes, de saber se na situação concreta o TSI pode revogar a sentença com fundamento em má aplicação do direito.
Ora, só faz sentido falar em má ou errada aplicação do direito perante um determinado quadro de facto totalmente apurado. Ou seja, só se pode concluir se as normas foram bem ou mal aplicadas ao caso, depois de se saber qual é o caso. E o desenho final deste, para ter uma configuração precisa, precisa de factos inquestionáveis.
Serve isto para dizer que, na hipótese em apreço, não pode este tribunal julgar o caso diferentemente do que o fez o TJB, uma vez que está provado que o contrato celebrado com o cliente (o ora recorrido e todos os outros representados para o mesmo fim pelo douto advogado aqui recorrente) tinha um valor de honorários fixado, no máximo, em Mop$ 30.000,00 (facto 4 da BI).
Logo, definidas ficaram, com tal factualidade, as balizas jurídicas. A sentença procedeu bem, aplicou correctamente o direito e esta instância não pode agora alterar a dimensão do direito, sob pena de grave e grosseira violação dos pressupostos de facto subjacentes.
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Pela que vem de dizer-se, improcedem as alegações e conclusões respectivas.

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IV- Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
TSI, 07 / 12 / 2011
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan