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   ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
   
   I – Relatório
   O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 11 de Março de 2005, condenou o arguido A, como autor de um crime previsto e punível pelo art. 8.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M, de 28.1, na pena de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão e multa de MOP$8000,00 (oito mil patacas), ou, em alternativa em 50 (cinquenta) dias de prisão.
   Tendo interposto recurso para o Tribunal de Segunda Instância (TSI), este Tribunal, por Acórdão de 13 de Outubro de 2005, negou provimento ao recurso.
   Novamente inconformado, interpôs recurso para este Tribunal de Última Instância (TUI), pedindo a alteração do enquadramento jurídico feito pelas instâncias, e condenando o recorrente apenas por um crime do art. 9.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M.
   Para tanto, formulou as seguintes conclusões:
   1. Por douto Acórdão de 13/10/2005 do Tribunal de 2.ª Instância, foi confirmado o acórdão da 1.ª Instância, que condenou o arguido, além do mais, na pena de 8 (oito) anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 8º/1 do DL n.º 5/91/M, de 28 de Janeiro.
   2. Provou-se que o recorrente detinha um produto que pesava 30.125 gr., o qual continha apenas de 1.769 gr., de heroína pura.
   3. O recorrente deveria por isso ser condenado pelo art.º 9.° do Decreto-Lei n.º 5/91/M. E não pelo art.º 8.°, pelo que o tribunal "ad quo", fez uma incorrecta aplicação da lei.
   4. A decisão recorrida violou o princípio da Legalidade e o princípio da Justiça.
   Na sua resposta, a Ex.ma Procuradora-Adjunta defendeu a improcedência do recurso, dizendo, em síntese, que o quantum para o preenchimento da quantidade dimunuta de heroína fixando jurisprudencialmente em 6 gramas não é o peso líquido deste produto resultante de análise quantitativa do produto apreendido. E que não foi ainda proferida qualquer decisão em que se fixe a quantidade diminuta com referência ao peso líquido, devendo agora fixar-se tal quantidade em 300 mg. Tendo sido apreendido produto ao arguido com peso líquido de 1,769 gramas, nunca esta quantidade poderia ser considerada diminuta.
   No seu parecer, a Ex.ma Procuradora-Adjunta manteve a posição assumida na resposta à motivação de recurso.
   
   II – Os factos
   Os factos que as instâncias deram como provados são os seguintes:
   Em 5 de Outubro de 2004, às 19h30, nas proximidades do Bloco IV do Edf. Garden, os agentes da PJ interceptaram um motociclo de matrícula MD-XX-XX, conduzido pelo arguido A.
   Os agentes da PJ descobriram, in loco, uma melancia cortada por uma faca e encontrou-se, dentro da mesma melancia, uma substância cristalina de cor branca, embrulhada por um saco plástico de cor vermelha.
   Após o exame 1aboratorial, a referida substância cristalina de cor branca que contém heroína abrangida pela Tabela I A, anexa ao Decreto-Lei n.º 5/91/M, com o peso líquido de 30,125g, donde resultou, da análise quantitativa, o peso puro de heroína de 1.769gr.
   A droga acima mencionada, que o arguido adquiriu junto de um indivíduo não identificado, não foi destinada ao consumo próprio.
   O arguido A agiu livre, voluntária, consciente e deliberadamente.
   Bem sabendo a natureza da substância supracitada.
   Não sendo permitida a sua conduta pela lei.
   Tendo perfeito conhecimento de que a sua conduta era proibida e punida por lei.
   Antes de ser preso, frequentava o curso de formação ministrado pela Região Administrativa Especial de Macau, recebendo um subsídio mensal de MOP$ 3.510,00.
   O arguido é divorciado, ficando a seu cargo três filhos.
   O arguido é delinquente primário, não confessando os factos em causa.
   
   III - O Direito
   1. A questão a resolver
   A questão é a de saber se face à quantidade de produtos estupefacientes apreendidos ao arguido e que não se destinavam a consumo próprio (produto contendo heroína com o peso líquido de 30,125 g, donde resultou, da análise quantitativa, o peso puro de heroína de 1.769 g), o crime praticado é o do art. 9.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M e não o do art. 8.º, n.º 1 do mesmo diploma legal, como se decidiu no acórdão recorrido.
   
   2. A relevância do peso líquido da substância estupefaciente
   O art. 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 5/91/M pune com pena de prisão de oito a doze anos e multa de cinco mil a setecentas mil patacas todo aquele que detiver, puser à venda, ceder, transportar, etc., substâncias estupefacientes das tabelas I a III, quando não se trate de actividades visando o consumo próprio.
   Contudo, se tais actos tiverem por objecto “quantidades diminutas” das mesmas substâncias a pena já será de prisão de um a dois anos e multa de duas mil a duzentas e vinte cinco mil patacas (art. 9.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M).
   A lei, no n.º 3 do mesmo artigo, define o que considera “quantidades diminutas”:
   “Quantidade diminuta para efeitos do disposto neste artigo é a que não excede o necessário para consumo individual durante três dias, reportando-se à quantidade total das substâncias ou preparados encontrados na disponibilidade do agente”.
   O n.º 4 do art. 9.º, do Decreto-Lei n.º 5/91/M, dispõe que “ouvidos os Serviços de Saúde, o Governador, mediante decreto-lei, poderá concretizar, para cada uma das substâncias e produtos mais correntes no tráfico, a quantidade diminuta, para efeitos do disposto neste artigo”.
   O diploma legal possibilitado por esta norma nunca chegou a ser produzido.
   Mas o n.º 5, do mesmo art. 9.º, acrescenta que “a concretização a que se refere o número anterior será apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
   Pois bem, sendo quantidade diminuta a que não excede o necessário para consumo individual durante três dias, é de meridiana clareza que, em regra, será necessário conhecer a quantidade de substância estupefaciente contida no produto apreendido, posto que seja possível fazer o exame apropriado, por isso que tal quantidade poderá variar de uns casos para outros.
   Por estas razões é que este TUI tem considerado, em jurisprudência reiterada, por exemplo, nos Acórdãos de 30 de Maio de 20021, 9 de Outubro de 20022 e 10 de Dezembro de 20033, que, em regra, a fim de se decidir se estupefaciente apreendido é de qualificar como “quantidade diminuta”, para efeitos do disposto no art. 9.º, n.os 1 e 3 do Decreto-Lei n.º 5/91/M, deve apurar-se - se for tecnicamente possível - qual a quantidade de substância estupefaciente contida nos produtos apreendidos, seja qual for a forma por que se apresentem.
   E, no já mencionado Acórdão de 9 de Outubro de 2002, este Tribunal entendeu que, só quando não é possível apurar a quantidade de substância estupefaciente – por razões processuais, técnicas, ou outras - e se prova apenas que o produto em questão contém substância estupefaciente, o tribunal de julgamento ou o de recurso, deve ponderar se é ou não possível concluir se a quantidade de produto com estupefaciente é diminuta ou não, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 9.º, n. os 1 e 3 do Decreto-Lei n.º 5/91/M. Se for possível chegar-se a uma conclusão, a conduta do agente será integrada nos tipos dos arts. 9.º ou 8.º deste diploma legal, consoante os casos. Se o Tribunal não conseguir chegar a uma conclusão segura, terá de condenar o agente pelo crime do art. 9.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M, por via do princípio in dubio pro reo.
   
   3. Até há muito pouco tempo, o Laboratório de Polícia Científica não tinha meios que lhe possibilitassem apurar a quantidade líquida da heroína num produto contendo este estupefaciente. Actualmente, já consegue fazê-lo.
   No caso dos autos foi possível apurar, por meio de exame, que os 30,125 gramas líquidos de produto apreendido contendo heroína, tinham 1,769 gramas de heroína pura.
   Logo, deve trabalhar-se com este último dado, deixando o outro valor de ter relevância directa.
   
   4. Quantidade diminuta de heroína pura
   Este TUI ainda não se pronunciou sobre qual a quantidade líquida de heroína necessária para o consumo individual durante três dias, nos termos e para os efeitos do art. 9.º n. os 1 e 3 do Decreto-Lei n.º 5/91/M, de 28.1. 4
   Mas já o fez, por exemplo, para a Ketamina,5 tendo entendido que tal quantidade seria de 1000 mg, para a Metanfetamina6 (vulgarmente conhecida como ice), considerando que o referido valor deveria ser de 300 mg e para a MDMA7 (vulgarmente conhecida por Ecstasy), tendo entendido que a quantidade seria de 300 mg.
   Informa A. G. LOURENÇO MARTINS 8que, em Itália, o limite máximo de princípio activo para a dose média diária de heroína é de 0,1 gramas, ou seja, 300 mg durante três dias.
   Em Portugal, a Portaria n.º 94/96, de 26 de Março, fixou o limite quantitativo máximo para cada dose diária de heroína em 0,1 gramas, ou seja, 300 mg durante três dias.
   Em estudo estatístico de organismo das Nações Unidas (International Narcotics Control Board) referente ao ano de 2001, a que tivemos acesso, descreve-se a dose diária de heroína como de 30 mg.
   São conhecidas as características da heroína como opiáceo semi-sintético.
   Atendendo aos parâmetros acolhidos por este Tribunal para estupefacientes sintéticos e aos valores fixados normativamente noutras legislações, afigura-se-nos que se deve considerar que o quantitativo da dose média diária de heroína pura é de 100 mg, pelo que a quantidade líquida necessária para o consumo individual durante três dias, nos termos e para os efeitos do art. 9.º n. os 1 e 3 do Decreto-Lei n.º 5/91/M, é de 300 mg.
   
   5. Mérito da causa
   Detendo o arguido substância com o peso puro de heroína de 1.769 g - quantidade superior em mais de 500% à quantidade líquida necessária para o consumo individual durante três dias, nos termos e para os efeitos do art. 9.º n. os 1 e 3 do Decreto-Lei n.º 5/91/M – é evidente que a sua condenação como autor de um crime previsto e punível pelo art. 8.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M foi correcta.
   Impõe-se, portanto, a rejeição do recurso.
   
   IV – Decisão
   Face ao expendido, rejeitam o recurso por manifesta improcedência.
   Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UC, suportando, ainda, 5 UC pela rejeição.
   
   Macau, 15 de Dezembro de 2005
   
   Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin

     1 Processo n.º 7/2002, em Acórdãos do Tribunal de Última Instância da R.A.E.M, 2002, p. 581.
     2 Processo n.º 10/2002, em Acórdãos do Tribunal de Última Instância da R.A.E.M, 2002, p. 620.
     3 Processo n.º 28/2003.
4 A pronúncia do Acórdão de 28 de Maio de 2003, Processo n.º 8/2003, de 6 gramas de heroína como quantidade diminuta, para os fins anteriormente referidos, refere-se a substância contendo heroína e não à quantidade do princípio activo da heroína.
5 Acórdão de 5 de Março de 2003, Processo n.º 23/2002.
6 Acórdão de 15 de Novembro de 2002, Processo n.º 11/2002.
7 Acórdãos de 10 de Dezembro de 2003 e 21 de Julho de 2004 respectivamente, Processos n. os 28/2003 e 24/2004.
8 A. G. LOURENÇO MARTINS, Droga e Direito, Aequitas Editorial Notícias, 1994, p. 307 e 308.
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1
Processo n.º 33/2005