打印全文
Processo nº 538/2010
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 24 de Novembro de 2011
Descritores:
- Trabalho doméstico
- Contrato de trabalho
- Salário
- Gorjetas
- Descanso semanal, feriados obrigatórios

SUMÁRIO:

I- A composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
II- Na vigência do DL 24/89/M (art. 17º, n.1,4 e 6, al. a), tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”); mas se nele prestar serviço terá direito ao dobro da retribuição (salário x2).
III- Se o trabalhador prestar serviço em feriados obrigatórios remunerados na vigência do DL 24/89/M, além do valor do salário recebido efectivamente pela prestação, terá direito a uma indemnização equivalente a mais dois de salário (salário médio diário x3).
IV- O trabalhador que preste serviço em dias de descanso anual ao abrigo do DL 101/84/M, mesmo tendo auferido o salário correspondente, terá direito ainda a uma compensação equivalente a mais um dia de salário médio diário, ao abrigo dos arts. 23º, n.1 e 24º, n.2 (salário médio diário x1).
Na vigência do DL 24/89/M, terá o trabalhador a auferir, durante esses dias, o triplo da retribuição, mas apenas se tiver sido impedido de os gozar pela entidade patronal. À falta de prova do impedimento desse gozo de descanso, tal como sucedeu com o DL n. 101/84/M, que continha disposição igual (art. 24º, n2), também aqui, ao abrigo do art.21º, n.2 e 22º, n.2, deverá receber também um dia de salário (salário médio diário x1).

Processo nº 538/2010
(recurso Cível e laboral)

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.


I- Relatório

A, com os demais sinais dos autos, intentou contra a STDM acção de processo comum de trabalho pedindo a condenação desta no pagamento da quantia total de MOP$ 708.023,00, a título de indemnização pelo não pagamento do trabalho prestado em dias de descanso semanal, anual e feriados e juros respectivos.
*
Na sua contestação, a STDM, antes da defesa por impugnação, excepcionou a prescrição dos créditos, remissão/renúncia declarada pela autora em documento próprio.
*

O saneador de fls. 153-157 julgou procedente a excepção de renúncia/pagamento, mas tal decisão, em recurso para o TSI, foi revogada por acórdão de 26/06/2008 (fls. 206-210), tendo sido ordenado o prosseguimento dos autos.
*
Foi, então, retomado o prosseguimento do processo com novo despacho saneador, no qual foi decidido julgar improcedente a excepção de prescrição (fls. 216-217).
*
Desta decisão contida no despacho saneador que a STDM veio recorrer, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1. A ora Ré e Recorrente não concorda com o entendimento do Mmo. Juiz a quo quando, doutamente, considerou não estarem prescritos quaisquer créditos laborais e, portanto, “improcede a excepção de prescrição arguida pela Ré.”.
2. Mais vem, ainda, discordar do douto fundamento do Despacho Saneador recorrido quando ficou decidido que, e passa a Recorrente a transcrever:
3. O gozo de descanso semanal, annual e de feriados obrigatórios é um direito que reconhece ao trabalhador especialmente consagrado nas sucessivas legislações laborais, constituindo a sua violação um direito do trabalhador de ser indemnizado nos termos legalmente previstos.
Aliás, é a própria Ré que reconhece o direito que assiste à Autora de poder exigir o pagamento pelos trabalhos efectivamente prestados em dias de descanso semanal, férias anuais e feriados obrigatórios, somente, no seu entender, terá que ser descontado o número de dias que foram dispensados de serviço, seja a que título, a solicitação do trabalhador.
Sendo ainda verdade que a Ré nunca pagou à Autora ou a qualquer outro funcionário em idênticas situações, ao longo do período do tempo em que se encontravam vinculados, qualquer compensação a título de descanso semanal, férias anuais ou feriados obrigatórios.
Assim, seria coerente da parte da Ré afirmar que a Autora não tem direito a receber qualquer pagamento por não lhe assistir qualquer direito a repouso em dias de descanso semanal, férias anuais ou feriados, ou que esse direito só lhe será concedido quando for solicitado e sem direito a qualquer compensação, tal como vem defendendo ao longo de quase toda a sua impugnação e em todos os processos semelhantes. Porém, se assim for, nunca poderá falar em prescrição de quaisquer direitos.
Incompreensível é considerar estar-se perante um direito de prestações duradouras renováveis periodicamente quando está em causa não percepção de prestações pecuniárias mas o exercício de um direito de repouso que só em caso de não ser concedido constituirá obrigação da Ré pelo seu pagamento e respectiva indemnização.
Pelo que, nunca poderá afirmar-se, como vem defender a Ré, que se tratem de prestações regulares e periódicas.” - douto teor de fls. 216v e 217 dos presentes Autos.
4. Prazo esse que o Mmo Tribunal considerou ainda não verificado porque a Ré fora citada em 29 de Maio de 2002.
5. Acontece que já decorreram quase 5 (cinco) anos desde o termo da relação contratual e laboral e a data da instauração do presente pleito, pelo que, nos termos da alínea f) do artigo 303º do CC de 1999 ou, em alternativa, da alínea g) do artigo 3100 do CC de 1966, deverão estar prescritos todos os créditos anteriores a 29 de Maio de 2002, por se tratarem de prestações continuativas, ou duradouras ou periódicas, conforme defendeu e alega aqui a Ré e ora Recorrente.
6. Por isso requer a Recorrente, desde logo, a procedência mais que parcial, da sua excepção de prescrição dos créditos invocados pela Recorrida.
7. E agora, quanto à excepção peremptória de Prescrição dos créditos anteriores a 29 de Maio de 2002, deduzida na Contestação, porque com mais de 5 (cinco) anos desde a citação da Ré e Recorrente para contestar a acção judicial dos presentes autos, sempre diremos, em conclusão, o seguinte:
8. Em termos substantivos e processuais, de acordo com as regras gerais de aplicação das leis no tempo, por ser o CC vigente o diploma que regula o instituto da prescrição à data da entrada da petição inicial, o prazo prescricional aplicável é o de 15 anos (nos termos da alínea f) do artigo 303º do CC vigente, ou, caso seja de aplicar o CC de 1966, nos termos da alínea g) do artigo 310º do CC de 1966), conforme consta dos artigos 65º, 66º, 67º, 68º, 70º, 71 0, 72º, 73º, 74º, 76º, 83º, 84º, 85º, 97º, 98º, 101º e 104º da Contestação destes Autos.
9. Por isso, estando em causa obrigações duradouras, mais precisamente, prestações periódicas, continuativas, sucessivas, continuadas, reiteradas ou com trato sucessivo,
10. Como são as prestações laborais, obrigações duradouras (neste sentido, vide a Doutrina de, v. g., Manuel Augusto Domingues de Andrade, “Teoria Geral das Obrigações”, página 159 e 161, 1958, 3.a edição, com a colaboração de Rui de Alarcão, Coimbra; Jorge Leite Areias Ribeiro de Faria, “Direito das Obrigações”, volume I, policopiado, 1987, página 81; João de Matos Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, Volume I, 2000, 10.a edição, páginas 92 a 95; Mário Júlio Brito de Almeida e Costa, página 700, 10.a Edição reelaborada, “Direito das Obrigações”, Coimbra, 2006; Carlos Alberto da Mota Pinto, “Teoria Geral do Direito Civil”, 3.a Edição, 1985, Coimbra, página 638; e, Luis Manuel Teles de Menezes Leitão, 5.a edição, 2006, vol. I., “Direito das Obrigações”, Coimbra), e sendo que o salário e as compensações por descansos se reconduzem ao conceito de salário, de acordo com os artigos 28º e 29º do RJRT de 1984 e 26º e 27º do actual RJRT de 1989,
11. Recebendo a A., ora Recorrida, um salário em função do trabalho efectivamente prestado, os hipotéticos e possíveis créditos que possam ser devidos pela ora Recorrente à aqui Recorrida, devidos a título de compensação pela prestação de trabalho prestado durante o período de descanso semanal, anual, ou em feriados obrigatórios, constituem todos uma parte componente do conceito de salário efectivamente devido no tempo em que tais créditos se constituíram.
12. Por outro lado, em termos materiais, não se justifica proteger cumulativamente a “negligência” e “inércia” da A., ora Recorrida, em exercer direitos que já atingiram a dezena de anos, sem qualquer causa justificativa, que não seja um animus litigandi provocado unicamente pela publicidade do surgimento e proposição de acções similares que correm termos no Tribunal Judicial de Base, ora Mmo Tribunal a quo.
13. Como dizia um antigo Professor em Coimbra, “A prescrição extintiva, possam embora não lhe ser totalmente estranhas razões de justiça, é um instituto endereçado fundamentalmente à realização de objectivos de conveniência ou oportunidade. Por isso, encarada exclusivamente numa perspectiva de justiça, foi pelos antigos crismada de «impium remedium» ou «impium praesidium». Apesar disso, porém, sempre intervém na fundamentação da prescrição uma ponderação de justiça. Diversamente da caducidade, a prescrição arranca, também, da ponderação de uma inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo, o que faz presumir uma renúncia ou, pelo menos, o torna indigno da tutela do Direito, em harmonia com o velho aforismo «dormientibus non sucurrit jus». - Carlos Alberto da Mota Pinto, “Teoria Geral do Direito Civil”, 3.a Edição, 1985, páginas 375 e 376, Coimbra (itálico e aspas no original da obra).
14. Decorreram quase 5 (cinco) anos desde a cessação da relação de trabalho entre a A. e a Ré, oras Recorrida e Recorrente, em 29 de Maio de 2002, pelo que, estarão prescritos parcialmente os créditos reclamados no presente litígio ou pleito, compreendidos, entre 4 de Fevereiro de 1962 e 29 de Maio de 2002;
15. Ou, como defende a Recorrida para o início da relação laboral, entre 1 de Fevereiro de 1962, e a data de 29 de Maio de 2002.
16. Termos em que também prescreveu, - parcialmente - o direito da Autora, ora Recorrida em litigar e propor a competente acção judicial para fazer valer pretensos e hipotéticos direitos sobre a Ré e ora Recorrente.
17. Assim, considerando que a ora Recorrente foi citada em 13 de Junho de 2007, interrompendo a prescrição, os créditos a considerar para efeitos de prescrição são aqueles que forem exigíveis no período compreendido entre a entrada em vigor no ordenamento jurídico de Macau do RJRT de 1984 (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto, ou seja, a partir de 1 de Setembro de 1984), no período desde 1 de Janeiro de 1980 até 29 de Maio de 2002, já que só estes seriam exigíveis há mais de 5 anos.
18. Deste modo, devem considerar-se prescritos os créditos laborais ou outros anteriores a 29 de Maio de 2002 e a Ré, ora Recorrente deverá ser parcialmente absolvida dos pedidos da A./Recorrida, pela procedência da Prescrição oportunamente deduzida, como excepção peremptória ou material, no período entre 4 de Fevereiro de 1962 e 29 de Maio de 2002.
Se assim não se entender, o que apenas se concede por cautela e se equaciona por hipótese, deverão V. Exas do Mmo Tribunal ad quem entender o seguinte, subsidiariamente:
19. Nem o CPT de 2003, nem o RJRT de 1984 e o RJRT de 1989 também já revogado, mesmo depois das alterações de 1990, 1999 e 2000, previram, qualquer deles, um regime prescricional às relações de trabalho, pelo que deve aplicar-se o CC vigente em Macau, em vigor desde 1 de Novembro desse ano de 1999.
20. O único regime ressalvado e previsto sobre prazos prescricionais encontra-se no artigo 20º do Decreto-Lei n.º 39/99/M, de 3 de Agosto que aprovou o CC de 1999.
21. O mesmo se encontra em parte nas páginas XIX e XX do preâmbulo ao CC de 1999, de um dos co-autores da Opinião Jurídica que foi já junta nestes Autos em 2 de Julho de 2007.
22. “ (...) No âmbito das relações laborais, o salário e as demais obrigações remuneratórias, assumem a natureza de prestações periódicas (prestação duradoura periodicamente renovável). São prestações devidas como contrapartida do trabalho, que se renovam, em prestações singulares sucessivas, com periodicidade, enquanto durar a relação contratual laboral. (...) O quantum do salário efectivamente recebido em cada período pré-determinado não será sempre o mesmo, já que este, em qualquer modalidade de cômputo de remuneração, é necessariamente ajustado às vicissitudes que ocorram na afetação da prestação da prestação laboral em cada período temporal pré-determinado (definido por lei ou acordado entre as partes).
23. “ (...) a compensação por tal trabalho corresponderá à contrapartida concreta devida pelo trabalho efectivamente prestado nesse período, reconduzindo-se ao conceito de salário.”
24. “A remuneração inerente ao direito ao gozo de descansos semanais, feriados obrigatórios e descansos anuais, reconduz-se, nos termos da construção dogmática de salário, acolhida, aliás, de forma inequívoca pela Lei Laboral de Macau, ao conceito de salário”.
25. Nesse Douto Parecer, subscrito pelos Drs. Luis Miguel Urbano (o Autora que coordenou os trabalhos de realização e do projecto do CC actual em Macau - páginas III, V, e VII a LIV do preâmbulo do CC) e Tiago Cortes, é terminante o entendimento da sujeição dos créditos aqui em análise ao regime de 5 anos: “poderemos concluir que o prazo de prescrição aplicável aos créditos laborais objecto da presente Consulta é sempre e necessariamente de 5 anos.” - (página 26, voltamos a citar a referida Opinião Jurídica já constante destes autos).
26. Ora, inexistindo causa específica de suspensão do prazo de prescrição, aplica-se o número 1 do artigo 299º do CC actual que diz: “o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido;”.
27. Acresce que, ainda que se considerasse aplicável, por analogia (legis), a primeira parte da alínea c) do número 1 do artigo 311º do CC, essa norma não teria qualquer efeito na situação concreta dos presentes autos, visto que o prazo de 2 anos para a suspensão de prescrição dos créditos laborais teria, assim, o seu início no dia seguinte ao da cessação factual da relação laboral
28. E como muito bem decidiu o presente Tribunal recorrido, ao caso dos autos não se aplica o número 1 do artigo 318º do CC de 1966, porque não está em causa um contrato doméstico, como melhor sabe também a ora Recorrida.
29. Não existe qualquer lacuna susceptível de ser preenchida analogicamente, como muito bem decidiu o Mmo Tribunal recorrido.
30. No caso dos presentes autos, a relação laboral cessou em 29 de Maio de 2002, pelo que o prazo de 2 anos referido na alínea c) do número 1 do artigo 311º do CC, iniciado em 30 de Maio de 2002, terminaria às 24 horas do dia 31 de Maio de 2004.
31. A prescrição foi interrompida pela citação da ora Recorrente, em 13 de Junho de 2007, ou seja, já nunca teria aplicação a (eventual) suspensão prevista na referida alínea c) do número 1 do artigo 311º, pelo que se devem considerar prescritos os créditos anteriores a 29 de Maio de 1992, tendo em conta que, pela segunda parte ou parte final do número 2 do artigo 11º do CC de 1999 e o homólogo 12º, número 2, in fine, do CC de 1966, o prazo prescricional aplicável a relação jurídica material controvertida será o de 15 anos - artigo 302º do CC, e, apenas isto, subsidiariamente, no caso de V. Exas entenderem não ser de aplicar a alínea f) do artigo 303º Prescrição de 5 anos (ou o preceito legal análogo da alínea g) do artigo 310º do CC de 1966).
32. Porque a Lei Nova (LN) aplica-se à presente relação de trabalho aqui controvertida, sem atender aos factos que lhe deram origem, entendendo-se que a LN (CC de 1999) abrange as próprias relações jurídicas e materiais já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.
33. Ora a P. I. foi intentada já com o CC actual em vigor desde 1 de Novembro de 1999, pelo que só e em caso subsidiária aplicação do prazo ordinário da Prescrição, estão prescritos os créditos anteriores a 29 de Maio de 1992, porque com mais de 15 anos, só não estando prescritos os créditos eventuais entre 30 de Maio de 1992 e 22 de Julho de 2002, caso se aplique o artigo 302º do CC.
34. Concluindo, em face da presente relação material e jurídica ora em litígio, subsidiariamente, o prazo Prescricional em vigor que é de 15 anos, nos termos do artigo 302º do CC de 1999.
35. Estando em causa prestações independentes, que se vencem sucessivamente, os prazos de prescrição correm separadamente e por isso, não se contará o prazo como um só, único, porque o salário e as compensações por descansos semanais, férias anuais e feriados obrigatórios não se reconduzem a uma só obrigação fraccionada ou repartida em várias, como se a relação laboral fosse uma só e única prestação, ao contrário do que parece resultar do douto despacho saneador ora em recurso, salvo melhor opinião.
36. Por isso, todos os créditos aqui peticionados se reconduzem à figura da retribuição ou do salário, ao contrário do que parece entender o douto despacho do Tribunal recorrido, quando, doutamente refere que “o gozo de descanso semanal, anual e de feriados obrigatórios é um direito que reconhece ao trabalhador especialmente consagrado nas sucessivas legislações laborais, constituindo a sua violação um direito do trabalhador a ser indemnizado nos termos legalmente previstos.”;
37. E, adiante, mais decidiu o Mmo Tribunal recorrido que “Sendo ainda verdade que a Ré nunca pagou à Autora ou a qualquer outro funcionário em idênticas situações, ao longo do tempo em que se encontravam vinculados, qualquer compensação a título de descanso semanal, férias anuais ou feriados obrigatórios.”.
38. A Ré e Recorrente discorda do presente entendimento e fundamentação do Mmo Tribunal a quo.
39. Considerando aplicável o prazo de cinco anos da alínea g) do artigo 303º do actual CC.
40. Por isso estarão prescritos os créditos reclamados pela Recorrida, e que sejam anteriores a 29 de Maio de 2002 - conforme artigos 650 a 105º da Contestação dos autos.
Em face de todo o exposto - e, salvo o devido respeito pelo Tribunal a quo e pela sua douta decisão, no saneador - afigura-se, ser de revogar o despacho aqui em recurso, por errada determinação das regras prescricionais aplicáveis e das normas legais aplicáveis ao presente litígio.
Por errada interpretação dos factos alegados pela Ré, ora Recorrente, nos termos da alínea a) do número 1 do artigo 599º do CPC, deverá ser revogada a douta Decisão recorrida e substituída nesta parte decidenda, o despacho saneador por outro em conformidade (recurso de revisão ou de reponderação do Tribunal ad quem sobre a decisão do Tribunal recorrido).

*
Não houve contra-alegações.
*
Os autos prosseguiram os seus normais trâmites, vindo a seu tempo a ser proferida sentença, que julgou “improcedentes as motivações dos pedidos”, “rejeitando-os”.
*
A autora da acção, inconformada com tal sentença, interpôs recurso jurisdicional, concluindo as suas alegações do seguinte modo:
A - Ao abrigo do disposto no art. 25º do RJRT, as gorjetas são parte integrante do salário do recorrente, sob pena de, não o sendo, o salário não ser justo;
B - A Sentença recorrida viola o Princípio da Igualdade, pois os direitos dos trabalhadores nas mesma circunstâncias do recorrente têm vindo a ser acauteladas pelos Tribunais da R.A.E.M., existindo sobre a questão Jurisprudência Assente e que considera serem as gorjetas parte integrante dos salário dos trabalhadores da recorrida.
C - Ao não considerar as gorjetas parte integrante do salário da recorrente, a Sentença proferida viola o constante do art. 25º do RJRT, o art. 23º, nº 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, o art. 7º do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, entre outros, com a consequente abertura de portas à violação do direito a uma existência decente e minimamente digna, sujeitando os trabalhadores a uma subsistência miserável, indigna, semelhante a uma possível “ escravatura moderna”.
D - Tendo considerado provado que a A. recebeu determinadas quantias, em que ficou expresso que o salário da recorrente inclui as gorjetas recebidas e distribuídas aos trabalhadores pela recorrida, não pode vir o MMº Juiz ad quo, a posteriori e em sede de Sentença, decidir que, afinal, tais montantes não integram o seu salário.
E - Inexiste qualquer identidade ou paralelismo entre a situação dos trabalhadores dos casinos em Portugal e os de Macau, porque aqueles recebem, desde logo, da entidade patronal um salário justo, i.e., que permite a sua normal subsistência, nunca inferior ao salário mínimo Nacional, sendo que caso as gorjetas não fizessem parte integrante do salário dos trabalhadores de Macau, seria o seu salário miserável e incapaz de prover à sua alimentação, quanto mais às restantes necessidades do ser humano.
F - Também, em Portugal, situação analisada na Douta Sentença proferida, as gorjetas não são recebidas e distribuídas ao belo prazer da entidade patronal, segundo regras e critérios desconhecidos dos trabalhadores, sendo a questão clara e transparentemente regulada por Lei.
G - A Lei 7/2008 veio, e bem, regular estas situações em que se integra o recorrente, prevendo claramente que o sistema de recebimento de “gorjetas” criado pela R. e a que a A. esteve sujeita, não foge do que se vem alegando, sendo certo que as gorjetas são parte integrante do salário dos trabalhadores.
H - De acordo com o disposto no art. 17º, nºs 1, 3 e 6 do D.L. nº 24/89/M, a fórmula correcta de cálculo da indemnização da recorrente por trabalho efectivo prestado em dias de descanso semanal é 2 x valor da remuneração média diária x número de dias de descanso semanal vencidos e não gozados e não a constante da Douta Sentença proferida.
I - De acordo com o disposto nos arts. 20º, nº 1 e 19º, nºs 2 e 3 do D.L. nº 24/89/M, a fórmula de cálculo da indemnização da recorrente por trabalho efectivamente prestado em dias de feriado obrigatório é 3 x valor da remuneração média diária x os feriados obrigatórios vencidos e não gozados e não qualquer outra fórmula.
J - De acordo com o disposto nos arts. 21º e 24º do D.L. nº 24/89/M, a fórmula de cálculo da indemnização da recorrente por trabalho efectivo prestado em dias de descanso anual é 2 x valor da remuneração média diária x os dias de descanso anual vencidos e não gozados e não qualquer outra fórmula.
L - A Douta Sentença proferida padece da nulidade prevista no art. 571º, nº 1 alínea c) do Código de Processo Civil.
M - Tendo sido claramente verificada a violação dos Direitos Laborais da recorrente, embora se possa operar compensação, não pode absolver-se a R., donde ser a Sentença nula por violação do art. 571º, nº 1 alínea d) do C.P.C..
N - Atento o inderrogável Princípio do Favor Laboratoris, elaborado atentas as especificidades do Direito de Trabalho e a necessidade de proteger o trabalhador, encontrando-se a solução jurídica que lhe seja mais favorável, uma vez que é a parte débil em qualquer relação laboral, deve sempre encontra-se a solução que mais favorável seja à ora recorrente.
Termos em que, nos melhores de Direito, sempre com o mui Douto suprimento de V.Exas, Venerando Juízes, deverá ser declarada nula a Sentença proferida quanto à não integração das gorjetas no salário da recorrente, devendo ainda computar-se correctamente as indemnizações devidas pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal, feriados obrigatórios e descanso anual, condenando-se a R. e assim se fazendo a esperada e mais sã JUSTIÇA!
*
A STDM contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
a. As gratificações ou gorjetas recebidas pelos empregados de casino dos clientes não fazem parte do salário.
b. A retribuição ou salário, em sentido jurídico (laboral), encerra quatro elementos essenciais e cumulativos:
i. É uma prestação regular e periódica;
ii. Em dinheiro ou em espécie;
iii. A que o trabalhador tem direito por título contratual e normativo e que corresponde a um dever jurídico da entidade patronal;
iv. Como contrapartida pelo seu trabalho.
c. No caso dos autos, estando em causa gorjetas oferecidas por clientes de casino, dependendo o seu recebimento do espírito de animus donandi de terceiros, estranhos à relação jurídico-laboral, nunca poderia a trabalhadora ter exigido à sua entidade empregadora o seu pagamento inexistindo aquela oferta por parte dos clientes.
d. Se, por hipótese, em determinado mês, não existissem quaisquer gorjetas entregues pelos clientes da Recorrida a distribuir pela A., ora Recorrente, e restantes trabalhadores, nenhum dever jurídico impendia sobre a Recorrida no sentido de suprir aquela falta e nenhum direito de crédito podiam os seus trabalhadores exigir a este respeito.
e. Com efeito, é sabido que em anos em que o montante das gorjetas era inferior ao do ano anterior (variação que se constata pela análise dos rendimentos da A., ora Recorrente), nunca a Recorrente reclamou da ora Recorrida o seu pagamento.
f. A Recorrente sabia que a parte do rendimento respeitante às gorjetas dependia exclusivamente das liberalidades dos clientes de casino, nada podendo exigir à ora Recorrida a esse título caso essa parte do seu rendimento fosse zero.
g. Dispõe o artigo 25º, n.º 1 do RJRT que “Pela prestação dos seus serviços ou actividade laboral, os trabalhadores têm direito a um salário justo.”.
h. Salvo o devido respeito por opinião contrária, analisando a certidão de rendimentos da Recorrente, não se pode dizer que à A. não foi proporcionado um rendimento justo, maxime porque os rendimentos globais auferidos eram claramente superiores à média do rendimento / remuneração auferida por cidadãos de Macau com formação académica e profissional equivalente às suas que não trabalhassem em casino, os quais eram mais que bastantes para prover a uma vida digna e decente da Recorrente e sua família.
i. A decisão recorrida não viola o princípio da igualdade, pois cada “sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga.” - cfr. artigo 576º n.º1 do C.P.C ..
j. Deste modo, na esteira do entendimento do mais Alto Tribunal da RAEM, do douto tribunal Recorrido e, bem assim, da doutrina maioritária, entendemos que “As gratificações ou gorjetas recebidas pelos empregados de casino dos clientes não fazem parte do salário.”.
k. Admitindo a Recorrida, apenas por cautela e por hipótese, que de forma alguma se concede, a obrigação de indemnizar a Recorrente tendo em conta o valor das gorjetas oferecidas pelos clientes de casino, devem ser as seguintes as fórmulas aplicáveis para aferir das compensações adicionais devidas:
i. Trabalho prestado em dias de descanso semanal:
1. Decreto-Lei n.º 101/84/M: salário diário x0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga);
2. Decreto-Lei n.º 24/89/M: salário diário x1 (e não x2, porque uma parcela já foi paga);
3. Decreto-Lei n.º 32/90/M: salário diário x0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga).
ii. Trabalho prestado em dias de descanso anual:
1. Decreto-Lei n.º 101/84/M: salário diário x0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga);
2. Decreto-Lei n.º 24/89/M: salário diário x1 (e não x3, porque uma parcela já foi paga e a R. não impediu a A. de gozar quaisquer dias de descanso);
3. Decreto-Lei n.º 32/90/M: salário diário x1 (e não x3, porque uma parcela já foi paga e a R. não impediu a A. de gozar quaisquer dias de descanso).
iii. Trabalho prestado em dias de feriado obrigatório:
1. Decreto-Lei n. º 101/84/M: salário diário x0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga);
2. Decreto-Lei n.º 24/89/M: salário diário x1 (e não x2, porque uma parcela já foi paga);
3. Decreto-Lei n.º 32/90/M: salário diário x1 (e não x2 porque uma parcela já foi paga).
l. Caso se entenda que as fórmulas supra expostas não são adequadas para o cálculo de uma indemnização eventualmente devida à Recorrente, remete-se para as fórmulas adoptadas nos já referidos acórdãos do Tribunal de Última Instância, proferidos no âmbito dos Processos nºs 28/2007, 29/2007 e 58/2007, datados de 21 de Setembro de 2007, 22 de Novembro de 2007 e 27 de Fevereiro de 2008, respectivamente.
m. A Autora recebeu as quantias de MOP$29,790.10 e de MOP$14,895.05, a titulo de compensação, pagamento ou ressarcimento pelo descanso semanal, descanso anual e feriados obrigatórios remunerados e não remunerados.
n. Por isso, caso os fundamentos alegados na motivação de recurso da Autora sejam admitidos, é necessário deduzir da compensação arbitrada, os montantes de MOP$29,790.10 e MOP$14,895.05 recebidos pela Autora por parte da Ré.

*
Cumpre decidir.

***

II- Os Factos

A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
  A Ré tem por objecto social a exploração de jogos de fortuna ou azar, a indústria hoteleira, de turismo, transportes aéreos, marítimos e terrestres, construção civil, operações em títulos públicos e acções nacionais e estrangeiras, comércio de importação e exportação. (A)
  Desde os anos sessenta, a Ré foi concessionária de uma licença de exploração, em regime de exclusividade, de jogos de fortuna e azar ou outros, em casinos. (B)
  Essa licença de exploração terminou em 31 de Março de 2002. (C)
  A Autora manteve uma relação laboral com a Ré, sob a direcção efectiva, fiscalização e mediante retribuição por parte desta. (D)
  A Autora exerceu sempre as funções de assistente de mesas de jogo. (E)
  O horário de trabalho da Autora foi sempre fixado pela Ré, em função das suas necessidades, por turnos diários, em ciclos de três dias, num total de 8 horas, alternadas de 4 em 4 horas, existindo apenas o período de descanso de 8 horas diárias durante dois dias e um período de 16 horas de descanso no terceiro dia. (F)
  Os rendimentos da Autora tinha (sic.) uma componente fixa e uma variável. (G)
  Com a ressalva do que se alude a alínea i) infra. A autora nunca recebeu qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal, descanso anual e feriados obrigatórios. (H)
  A Autora recebeu as quantias de MOP$ 29.790,10 e a quantia de MOP$ 14.895,05, a título de compensação ou pagamento ou ressarcimento pelo descanso semanal, descanso anual e feriados obrigatórios remunerados e não remunerados. (I)
  A Autora começou a trabalhar para a Ré em 04 de Fevereiro de 1962. (2º)
  Essa relação cessou em 22 de Julho de 2002. (4º)
  Os rendimentos diários efectivamente recebidos pela Autora, entre os anos de 1984 e 2002, foram de:
  a) 1984 =MOP$ 214,83
  b) 1985 =MOP$ 212,06
  c) 1986 =MOP$ 199,73
  d) 1987 =MOP$ 225,56
  e) 1988 =MOP$ 242,10
  f) 1989 = MOP$ 270,56
  g) 1990 =MOP$ 349,19
  h) 1991 =MOP$ 343,86
  i) 1992 =MOP$ 310,14
  j) 1993 =MOP$ 301,54
  k) 1994 =MOP$ 318,81
  1) 1995 =MOP$ 358,86
  m) 1996 =MOP$ 363,86
  n) 1997 =MOP$ 367,97
  o) 1998 =MOP$ 333,24
  p) 1999 =MOP$ 275,14
  q) 2000 =MOP$ 325,26
  r) 2001 =MOP$ 336,28
  s) 2002 =MOP$ 334,44 (5º)
  A componente fixa da remuneração da Autora referida na alínea g) foi de MOP$ 4,10 por dia aquando da contratação até Julho de 1989, de MOP$ 10,00 por dia de Julho de 1989 a Abril de 1995 e de MOP$ 15,00 por dia, desde Maio de 1995 até à data da cessação do contrato de trabalho com a Ré. (6º)
  Desde o início da relação entre a Autora e a Ré e até Outubro de 2000, nunca a Autora gozou um único dia de descanso semanal. (7º) Durante todo o tempo em que durou a relação laboral, nunca a Autora gozou o período de descanso anual. (8º)
  Durante todo o percurso da relação laboral, nunca a Autora gozou descanso nos feriados obrigatórios. (9º)
  Os trabalhadores da STDM podem gozar dias de descanso não remunerado desde que preenchessem um formulário. (12º)
  E tal gozo não pusesse em causa o funcionamento da empresa da Ré. (13º)
A Autora gozou de 18 dias de descanso em 1995, 12 dias de descanso gozados em 1996, 4 dias de descanso gozados em 1997, 21 dias de descanso gozados em 1998, 34 dias de descanso gozados em 1999, 5 dias de descanso gozados em 2000, 6 dias de descanso gozados em 2001, 18 dias de descanso gozados em 2002. (15º)
***
III- O Direito
1- Do saneador (fls. 216/217).
Julgou o juiz do saneador que a relação laboral não se manifesta por prestações regulares e periódicas e, por isso, não acolheu a tese defendida pela excepcionante de que os créditos anteriores a 29/05/2002 – porque citada para a acção em 29/05/2007 – estivessem prescritos.
Discorda a STDM recorrente, com base no art. 303º, al. f), do CC de 1999 ou art. 310º, al. g), do CC de 1966, insistindo na prescrição nos moldes atrás indicados.
Vejamos.
Em primeiro lugar, importa dizer que a legislação laboral de Macau (DL nº 101/84/M, de 25/08 e, posteriormente, o DL nº 24/89/M, de 3/ de Abril) nada estatuem, especificamente, sobre o regime de prescrição dos créditos emergentes das relações laborais. E se é certo que o Código Civil previa a figura do contrato de trabalho, a verdade é também que não regulamentou o seu regime, remetendo-o para legislação especial (arts. 1152º e 1153º). Regulamentação que viria a surgir com o Decreto-Lei nº 49408, de 24/11/1969, que no seu art. 38º estabeleceu um prazo de prescrição de um ano para todos os créditos emergentes de contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, quer pertencentes à entidade patronal, quer ao trabalhador, contando-se esse prazo “a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”. Assim, em matéria de prescrição, haverá que recorrer ao regime do Código Civil, importando apenas averiguar se o anterior de 1966, se o de 1999.
O art. 290º, n.1 do Cod. Civil actual (que entrou em vigor em 1 de Novembro de 1999) estabelece que o prazo fixado em lei nova, desde que mais curto do que o fixado em lei anterior, será aplicado aos prazos que já estiverem em curso. Contudo, ainda de acordo com a referida norma, o início desse prazo só se dá a partir da entrada em vigor da nova lei, “a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar”, caso em que essa será a lei aplicável.
Ora, o prazo ordinário de 15 anos fixado na lei nova (art. 302º, do C.C. vigente) contado desde 1/11/1999 terminaria em 1/11/2014. Quer dizer, só a partir dessa data se colocarão problemas de prescrição ao abrigo da lei nova; neste momento, não. Mas sob o império da aplicação da lei velha (20 anos), é já possível que alguns créditos tenham prescrito, bastando que até à data da verificação do facto interruptivo tenham já passado 20 anos (art. 309º, C.C. anterior). Só isto é suficiente para concluir pela aplicação ao caso do prazo estabelecido no CC de 1966.
Mas, obtida esta conclusão, outra questão já se coloca.
Deverá ter-se em conta o disposto no art. 318º, al. e), do C.C. de 1966, segundo o qual a prescrição não começa, nem corre “entre quem presta o trabalho doméstico e o respectivo patrão, enquanto o contrato durar” (negrito nosso), tal como o defende o recorrente?
Recordemos que a legislação laboral actual da RAEM nada diz sobre o assunto. E, por tal motivo, entende a recorrente que se deve aplicar a referida norma como forma de integração da lacuna. Isto é, o prazo só deve começar a correr após a cessação da sua relação laboral, tal como acontecia com as relações de trabalho doméstico. E em apoio dessa opinião, chama à colação o art. 318º, al. e), do C.C. de 1966.
Poderemos ver nela a possibilidade de aproveitamento do seu regime aos casos por ela não abrangidos? Não, em nossa opinião.
Trata-se de uma norma muito particular que o legislador quis aplicável somente ao trabalho doméstico, por o considerar distinto e com especificidades relativamente ao universo geral da contratação laboral. Havendo uma relação de grande proximidade, até mesmo de confiança pessoal entre empregador e trabalhador doméstico, com maior incidência quando o trabalhador é “interno”, qualquer incursão judicial para reclamar créditos deste contra aquele iria abalar definitivamente a relação. Porque foi isso o que o legislador anteviu, logo tratou de trazer para a norma um mecanismo de defesa dos interesses do trabalhador, protegendo-o desse risco. Mas não tendo o legislador avistado idêntico perigo nas demais relações laborais, nenhuma necessidade viu de consagrar a mesma solução para elas. Assim sendo, uma vez que nesta matéria o silêncio da lei sobre os demais casos de serviço não doméstico não representa nenhum vazio legal, não podemos falar de lacuna que mereça ser preenchida (este é o sentido unânime da jurisprudência produzida sobre o assunto, de que a título de exemplo citamos o Ac. do TSI de 19/03/2009, Proc. n. 690/2007).
*
E como proceder para apuramento concreto da prescrição?
Tendo em consideração duas disposições: a do art. 306º, n.1 e a do art. 323º, n.1, do C.C. de 1966. Ou seja, tendo-se em conta que o prazo começa a correr quando o direito puder ser exercido (1ª) e que o prazo se interrompe com a citação (2ª). Mas ainda é preciso considerar a norma do art. 27º, nº3, do CPT, segundo o qual os prazos de prescrição se interrompem pela notificação da ré para a tentativa de conciliação. Assim sendo, visto que o facto interruptivo da citação ocorreu em 29/05/2007, este será o marco a considerar. Prescritos estarão os créditos subsistentes para lá de vinte anos antes dessa data, ou seja os anteriores a 29/05/1987.
Pelo exposto, merece censura o despacho saneador.
*
2- Recurso da sentença
2.1- Começa a recorrente por arguir a nulidade do art. 571º, nº1, al. b), do CPC, por entender que a sentença errou na aplicação do direito face à matéria factual assente (cfr. art. 13º das alegações).
Do mesmo modo, nula seria ainda – diz também – nos termos do art. 571º,nº1, al. c), do CPC, uma vez que a decisão estaria em contradição com os fundamentos fácticos.
Não tem razão, claramente. Tanto um como outro dos normativos invocados procedem de uma decisão que, ou não especifica os fundamentos de facto e de direito (será uma sentença sem qualquer fundamentação, sem explanação das razões que a suportam, tanto no plano factual, como no jurídico), ou os fundamentos que desenvolve de forma a expor o iter cognoscitivo, o percurso mental desenvolvido para atingir a fase decisória da sentença, estão em contradição com a decisão propriamente dita (o juiz desenvolve uma fundamentação num sentido e, a final, profere uma decisão contrária ao caminho percorrido).
Ora, nada disto verificamos na sentença em crise. O que se passa, eventualmente, é que o juiz da 1ª instância não considerou na decisão um outro facto, nomeadamente o que emerge da resposta ao art. 1º da Base Instrutória, por exemplo. Todavia, tal não caracteriza as referidas nulidades, mas, quando muito, um erro na aplicação do direito, se este TSI, diferentemente do que o entendeu o tribunal “a quo”, achar que do salário fazem parte também as gorjetas e, portanto, que para ele confluem todos os rendimentos recebidos: os da parte fixa e os da parte variável. Mas, isso, repetimos, pode traduzir uma censurável sentença no plano jurídico. E é o que veremos já de seguida.
Improcede, pois, a referida arguição de nulidades.
*
2- Do mérito da sentença
A sentença recorrida, para o cálculo da indemnização a que procedeu, apenas considerou o salário composto pela parte fixa referida na resposta ao art. 2º da Base Instrutória. Ou seja, não considerou as gorjetas como elemento integrante da massa salarial. Daí que tivesse apurado uma valor indemnizatório relativamente baixo.
O presente recurso intenta demonstrar a ilegalidade da decisão quanto a esse aspecto e, ainda, quanto aos factores incluídos nas fórmulas de cálculo respeitantes ao descanso semanal, anual e feriados obrigatórios no âmbito de vigência do DL nº 24/89/M.
Vejamos, então.

*
O recorrente começou a trabalhar para a recorrida como empregado do casino, recebendo como contrapartida diária uma quantia fixa, desde o início até á cessação da relação laboral. Para além disso, recebia uma quantia variável em função de gorjetas recebidas dos clientes do casino, que a recorrida reunia, contabilizava e posteriormente distribuía por todos os seus empregados. E tanto a parte fixa, como a variável, faziam parte dos rendimentos do autor.
Ora, tal como o TSI tem defendido, o contrato em causa é de trabalho, porque reúne todas as características próprias deste.
Socorramo-nos do Ac. do TSI de 19/03/2009, Proc. n. 690/2007 (mas todos têm até ao presente momento seguido este entendimento):
“Em face do artigo 1079.º do Código Civil, artigos 25º e 27º do anterior RJRL - cfr. artigos 1º, 4), 9º, 2), 57º da actual LRT, Lei 7/2008, de 12 de Agosto, em princípio não aplicável aos contratos findos, face à redacção do disposto no art. 93º -, art. 23°, n.º 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 7º do Pacto sobre Direitos Económicos Sociais e Culturais e pela Convenção da OIT n.º 131, direitos que por essa via não deixam de ser tutelados pela própria Lei Básica no seu artigo 40º, decorre, face à factualidade apurada, que parece não restarem quaisquer dúvidas de que nos encontramos perante um verdadeiro e puro contrato de trabalho entre a autora e a ré, em que esta, mediante uma retribuição, sob autoridade, orientações e instruções daquela, começou a trabalhar na área de actividade ligada à exploração de jogos de fortuna ou azar”.
Concordamos com a posição e nada mais temos a acrescentar-lhe.
No que se refere ao valor do salário, pergunta-se: Será que ele apenas é constituído pela parte fixa ou também englobará a parte variável em resultado das gorjetas?
Também neste ponto estamos de acordo com a posição deste TSI, no sentido de que as gorjetas não foram sendo atribuídas a título de mera liberalidade. A liberalidade, em princípio, para assim ser entendida, não deveria ter sido atribuída com carácter de regularidade. E o que está demonstrado nos autos é, precisamente, o contrário.
Depois, não eram gorjetas que o trabalhador do casino guardava para si vindas directamente do cliente apostador. Se assim fosse, poderia dizer-se que o empregador a elas era totalmente alheio, que nenhuma interferência exercia nem na sua distribuição, nem no seu quantitativo e que, portanto, apenas pagava ao seu subordinado o valor remuneratório previamente determinado. Mas não. Eram somas de dinheiro que o trabalhador recebia, sim, mas que tinha que entregar à sua entidade patronal, de quem, posteriormente, apenas recebia uma parte. Locupletamento à custa alheia seria a situação se, tendo o jogador entregue pessoalmente o dinheiro ao trabalhador, a entidade patronal dela, sem mais, se apropriasse totalmente. Mais, haveria aí uma manifesta superioridade de parte a roçar a ilicitude se, contra a vontade do empregado, este fosse obrigado a abrir mão daquilo que o jogador voluntariamente lhe tinha dado. Nenhuma relação laboral assente numa base lícita toleraria tal atitude de ingerência na vida do trabalhador por parte do empregador se não tivesse havido entre ambos um acordo que permitisse a distribuição das gorjetas, que não haviam sido dadas a este, mas àquele. Só um modelo de distribuição pré-determinado confere licitude à acção do empregador. Mas, ao mesmo tempo que assim acontece, não podemos deixar de pensar que, afinal, a entidade empregadora tinha alguma margem de superioridade nessa relação, pois era ela quem geria o dinheiro e, posteriormente, o distribuía segundo um esquema para o qual nenhuma contribuição o trabalhador dera. Ou seja, há aqui assim uma atitude que é própria da supremacia do empregador e que revela bem que este não era um simples “guardador” ou mero “depositário” do dinheiro proveniente das gorjetas.
De resto, mal se compreenderia que qualquer trabalhador aceitasse trabalhar por tão poucas patacas diárias (a parte fixa), se não soubesse que, a elas, acresceria uma quantia bem mais razoável em resultado da distribuição da soma de todas as gorjetas recebidas por si e pelos restantes colegas do casino. Se o salário tem uma função social, que visa conferir dignidade de vida ao trabalhador e ao seu agregado familiar, e de que o empregador dos tempos modernos já não pode alhear-se, então parece que esta entrega permanente ao trabalhador de dinheiro recebido do jogador não pode deixar de ter um sentido remuneratório.
E neste quadro, todos – jogadores, trabalhadores e empregador - ficam bem. Os primeiros, porque satisfeitos, cumprem o seu desejo de generosidade e altruísmo (mas é questão que aqui não tem valor jurídico); os segundos, porque, ao cabo e ao resto, vêem devidamente compensado o resultado do seu trabalho; e o último, porque vê feliz e empenhado o seu empregado, a quem vai pagar com dinheiro que nem sequer sai do seu bolso.
E, já agora, não deixaria de ser contraditório e injusto, e por isso mal se perceberia, que a reclamada “unidade do sistema” consentisse que, para efeito de salário, a gorjeta assim distribuída ficasse de fora do conceito, enquanto para efeito tributário já passasse a ser considerada como “rendimento do trabalho variável” (cfr. art. 2º, Lei n. 2/78/M, de 25 de Fevereiro).
Tudo isso, para concluir que a composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
*
E se é para nós questão ultrapassada a de que o salário integra uma parte fixa e outra variável, o problema agora é como calculá-lo: se ao dia, se ao mês e qual o seu valor.
Verdade que o trabalhador recebia uma quantia fixa diária. Verdade também que nos dias em que não trabalhava não recebia remuneração. Todavia, a ausência de remuneração nesses dias não advém de qualquer acordo prévio.
Aliás, a questão está consolidada neste TSI em termos tais que deles não somos capazes de divergir. Veja-se, por exemplo, o que foi dito no Ac. de 14/09, no Rec. N. 407/2006:
  “…a “quota-parte” de “gorjetas” a ser distribuída ao Autor, em montante definido unilateralmente pela Ré, integra precisamente o salário mensal do Autor, pois caso contrário e vistas as coisas à luz de um homem médio colocado na situação concreta do ora Autor, ninguém estaria disposto a trabalhar por conta da Ré em tantos anos seguidos nos seus casinos em horários de trabalho por esta fixados…ou seja, em horários de turnos necessariamente árduos para qualquer pessoa humana, se tivessem de ser cumpridos continuadamente em anos seguidos, sabendo entretanto, de antemão, que a prestação fixa do seu salário era de valor muito reduzido”.
E também o Ac. de 15/07/2010, Proc. n. 928/2010:
“…o qual o trabalhador estava obrigado a trabalhar por turnos de seguinte forma:
1º e 6º turnos: das 07h00 às 11h00, e das 03h00 às 07h00;
3º e 5º turnos: das 15h00 às 19h00, e das 23h00 às 003h00 do dia seguinte;
2º e 4º turnos: das 11h00 às 15h00, e das 19h00 às 23h00
Como se sabe, é por imposição legal e pelos termos do contrato de concessão para exploração dos jogos de fortuna e azar que os casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas. Ora, se é compreensível e justificável a fixação dos turnos, nos termos que vimos supra, pela entidade patronal para fazer face à necessidade de assegurar o funcionamento contínuo legalmente imposto dos seus casinos, já custa perceber como é quê é possível os seus trabalhadores afectados aos casinos, em vez de auferirem um salário mensal, que é única forma de pagamento conciliável com a organização dos turnos durante 24 horas para assegurar a continuidade do funcionamento dos casinos, auferirem antes um salário diário determinado em função do número de dias de trabalho em que quis trabalhar e efectivamente prestou serviço. Na verdade, basta dar uma vista de olhos aos turnos fixados e à forma como os turnos estão organizados e distribuídos durante as 24 horas, em especial o 5º turno que se inicia às 23h00 num dia e termina às 03h00 de madrugada no dia seguinte, já se apercebe da impossibilidade prática de determinar o período de trabalho diário para efeitos de cálculo do alegado salário diário”.
Assim sendo, tal como este TSI tem admitido em casos similares, é de considerar que o salário era mensal, para cujo apuramento médio diário entrará o valor conjunto da parte fixa e da variável, tal como feito nos autos.
Neste sentido, merece censura a sentença sob recurso.
*
Como calcular, então, a compensação, tendo em atenção a prescrição acima decidida?

a) Descanso semanal
Na vigência do DL nº DL n. 101/84/M
Nada está em causa no recurso no que respeita ao período da relação laboral abrangido pelo DL nº 101/84/M. A sentença entendeu que nada era devido ao abrigo desse diploma e a recorrente conformou-se com o decidido.
*
Na vigência do DL n. 24/89/M
Vale aqui o disposto no art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a).
Assim:
N.1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
N.4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
N.6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Ora, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.6, al. a)).
Numa 1ª perspectiva, se o empregador pagou o devido (pagou o dia de descanso), falta pagar o prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Numa 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda:
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.1);
Portanto, a fórmula será sempre: AxBx2, diferentemente do que o concluiu a sentença, pois fixou o factor 1.
Posto isto, seguindo de perto o mapa de fls.18 da sentença, os dias a considerar ali estabelecidos, o valor do salário médio diário fixado no art. 5º da Base Instrutória e o factor 2 aplicável, a indemnização apurada ascende a MOP$ 335.992,44.
*
b) Descanso anual
A sentença procedeu ao cálculo da indemnização, aplicando o factor 1 tanto no caso do DL nº 101/84/M, como no do DL nº 24/89/M.
Vejamos.
- Na vigência do DL n. 101/84/M
O art. 23º, n.1 reza assim:
“O trabalhador permanente tem direito a seis dias de descanso anual, sem perda de salário, para além dos períodos de descanso semanal e dos feriados obrigatórios”.
O art. 24º, por seu turno, dispõe do seguinte modo:
”1- O período ou períodos de descanso anual a gozar por cada trabalhador será fixado pelo empregador, de acordo com as exigências de funcionamento da empresa.
2- No momento da cessação da relação de trabalho, se o trabalhador não tiver ainda gozado o respectivo período de descanso anual, ser-lhe-á pago o salário correspondente a esse período”.
A solução coerente e harmónica com todo o espírito que perpassa no diploma, já vista nos restantes casos, não pode deixar de ser a que impõe ao empregador o dever de pagar mais uma unidade salarial. Expliquemo-nos mais uma vez, tanto por uma, como por outras das perspectivas que temos vindo a desenhar.
1ª Perspectiva (pagamento do devido):
Suponhamos que o empregador pagou ao trabalhador a importância que ele sempre teria que receber pelo gozo dos dias de descanso anual – sem perda de salário, diz o art. 23º, n.1; sem possibilidade de desconto no salário mensal, diz o art. 28º.
Como ele trabalhou nesse dia, falta pagar-lhe o salário correspondente ao serviço prestado. Ou seja, tem a receber 1 (um) crédito salarial correspondente a um dia de salário.
2ª Perspectiva (pagamento do prestado):
Se o empregador já pagou ao trabalhador o serviço prestado em cada um desses dias, falta pagar-lhe o valor correspondente aos dias de descanso não gozados e que sempre lhe seria devido. Portanto, 1 (um) dia de crédito salarial.
A fórmula é, em qualquer caso, salário médio x 1, tal como decidido na 1ª instância.
Assim, e tendo presente a prescrição de créditos até 29/5/1987, no âmbito deste diploma haverão de considerar-se somente os créditos entre 30/05/1987 e 2/04/1989. Ou seja, relevaremos 3,5 dias em 1987, 6 em 1988 e 1,5 em 1989.
Logo, fazendo incidir sobre estes dias o valor do salário médio diário recebido (resposta ao quesito 5º da Base Instrutória), a indemnização soma MOP$ 2.647,90.
*
Na vigência do DL n. 24/89/M
São seis os dias a que o trabalhador tem direito em cada ano civil e, tal como na legislação anterior, sem perda de salário (art.21º, n.1). Se a duração da relação for inferior a um ano, o período de descanso será proporcional segundo a regra do n.2.
No que respeita à violação do direito ao descanso anual, dispõe o art. 24º que “O empregador que impedir o trabalhador de gozar o período de descanso anual pagará ao trabalhador, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao tempo de descanso que deixou de gozar “ (bold nosso).
O triplo, diz a norma. Contudo, o pressuposto nela estabelecido é o de que o trabalhador tenha sido impedido de exercer o seu direito! Ora, este impedimento deveria ter sido provado e o facto que mais se aproximava desse desiderato era o do art. 20º da base instrutória, que mereceu resposta negativa.
Como compensar o trabalhador que prestou serviço nos dias de descanso anual sob o império deste diploma?
A nosso ver, o legislador nenhuma alteração introduziu em relação ao que havia plasmado no corpo de normas do diploma de 1984. Na verdade, em tudo são iguais os textos legais quanto a este aspecto. Por isso, se concluímos que o trabalhador tem direito a mais um dia de valor remuneratório ao abrigo do DL n. 101/84/M, não se vê motivo para, com base em preceitos precisamente iguais no DL n. 24/89/M (arts. 21º, n.1 e 22º, n. 2), se entender que neste último o legislador não ponderou a hipótese, que não previu o caso e que não lhe deu estatuição.
Claro que o art. 24º deste último preceitua uma fórmula de cálculo de compensação para as situações em que o empregador impedir o seu empregado de gozar o dia de descanso anual. É verdade. Mas será legítimo pensar que, ao estatuir dessa maneira para esse caso, omitiu o legislador a solução para os casos ali não incluídos? Não, a nosso ver. A forma como o preceito está redigido reforça ainda mais a ideia de que, fora esta situação excepcional (que o legislador quis expressamente introduzir, numa clara opção pela defesa da parte contratual mais desfavorecida), em todos os restantes casos a solução é aquela que já vinha do articulado de 1984 e ao qual nenhuma alteração quis introduzir. E temos que pensar, não esqueçamos, que o legislador se exprimiu da maneira mais correcta e adequada ao seu pensamento (art. 8º, n.3, do Cod. Civil).
Portanto, em nossa opinião não existe qualquer lacuna que deva ser suprida pela técnica analógica.
Assim, valem aqui mutatis mutandis, as considerações tecidas atrás, quando nos referimos ao modo de compensar o trabalhador que prestou trabalho nos dias de descanso anual ao abrigo do diploma de 1984. Sendo elas também prestáveis à interpretação do DL 24/89/M, somos a concluir como além: Ou o empregador pagou o devido ou o prestado. No primeiro caso, falta pagar o prestado; no segundo, falta pagar o devido. A fórmula não pode deixar de ser sempre esta: salário médio diário x 1, tal como decidido na sentença recorrida.
Seguindo de perto o mapa de fls. 24 da sentença, alterado apenas no que concerne ao valor do salário médio diário, o valor indemnizatório é de MOP$26.287,80.
*
c) Feriados obrigatórios
Na vigência do DL n. 101/84/M
A sentença não atribuiu qualquer valor indemnizatório. Ora, como o trabalhador interessado não incluiu essa matéria no objecto do recurso, está o TSI impedido de se pronunciar sobre o tema (art. 589º, nº4, do CPC).
*
-Na vigência do DL n. 24/89/M
Esta lei trouxe inovações: introduziu uma indemnização especial, chamemos-lhe assim, que a lei anterior não previa e alargou o leque dos dias feriados remunerados, pois aos previstos na lei anterior, somaram-se agora os três dias do Ano Novo Chinês (cfr. art. 19º, n.3). Portanto, o gozo desses dias é feito, não apenas sem perda de remuneração (já era assim na lei anterior), como ainda deve ser extraordinariamente compensado.
Se o trabalhador prestar serviço nesses dias, diz o diploma, além da remuneração normal, receberá ainda um acréscimo salarial não inferior ao dobro da retribuição normal (art. 20º, n. 1). O que quer dizer não inferior? Quer dizer que pode ser igual, mas não descer desse limite. E até pode ser superior, mas nesse caso só o empregador poderá fixar o valor, singularmente ou por acordo com o empregado. O que não pode é o tribunal, arbitrariamente subir acima dessa barreira.
Aqui chegados, de novo pensemos nas duas perspectivas acima avançadas: a de o trabalhador ter sido pago pelo valor do devido e a de ter sido remunerado pelo valor do serviço prestado. É bom que se equacionem estas duas acepções para se ver até que ponto a solução pode diferir.
1ª Perspectiva (pagamento do devido)
O empregador pagou ao trabalhador o valor remuneratório que, pela lei, sempre lhe seria devido (ou seja, pagou a “remuneração correspondente aos feriados…”: art. 19º, n.3, até porque não lhos podia descontar: art.26º, n.1).
Sendo assim, falta pagar ao trabalhador o seguinte: a remuneração do trabalho efectivamente prestado (um dia de salário), mais um acréscimo em dobro, nos termos do art. 20º, n. 1(mais dois dias). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
2ª Perspectiva (pagamento do prestado)
Nesta óptica, o empregador o que fez foi pagar ao trabalhador em singelo o valor do serviço prestado.
Todavia, falta pagar o acréscimo em dobro (2 x salário) e ainda o valor do devido (um dia). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
Como se vê, qualquer que seja o prisma por que se encare a situação, o resultado é o mesmo. A fórmula é, em ambas, salário diário x 3, ao contrário do que o decidiu a sentença recorrida, que aplicou o factor 2.
Assim, fazendo incidir o valor do salário médio diário a considerar (resposta ao art. 5º da BI) e o factor 3 na fórmula de cálculo, tendo em atenção o mapa de fls. 20 e 21, teremos o valor indemnizatório de MOP$77.529,44.
*
Temos assim que o valor indemnizatório total a atribuir é de MOP$442.457,58, a que, porém, haverá que subtrair a importância de MOP$ 44.685,15 já recebida pela autora a título de compensação salarial, conforme resposta ao facto 1º da Base Instrutória, ficando assim a indemnização a arbitrar reduzida a MOP$ 397.772,43.
***
IV- Decidindo
Face ao exposto, acordam em:

1. Conceder parcial provimento ao recurso interposto pela STDM do despacho saneador e, em consequência, julgar prescritos os créditos invocados pela autora até 29/05/1987;
2. Conceder parcial provimento ao recurso da sentença interposto pela autora, revogando a sentença e condenando a STDM a pagar à autora da acção a indemnização global de MOP$397.772,43, a que acrescerão os juros de mora calculados pela forma decidida pelo TUI no seu acórdão de 2/03/2011, no processo n. 69/2010.
Custas pelas partes em ambas as instâncias na proporção do decaimento.

TSI, 24 / 11 / 2011

José Cândido de Pinho
Choi Mou Pan
Lai Kin Hong (com declaração de voto)



Processo nº 538/2010
Declaração de voto

Subscrevo o Acórdão antecedente à excepção da parte que diz respeito à existência dos direitos do trabalhador à compensação e aos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios, em tudo quanto difere do afirmado, concluído e decidido, nomeadamente, nos Acórdãos por mim relatados e tirados em 27MAIO2010, 03JUN2010 e 27MAIO2010, nos processos nºs 429/2009, 466/2009 e 410/2009, respectivamente.

RAEM, 24NOV2011

O juiz adjunto


Lai Kin Hong