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Processo n.º 211/2011
(Recurso civil e laboral)

Data: 24/Novembro/2011

RECORRENTES :
Recurso Final
A (XXX)

Recurso Subordinado
S.T.D.M.

RECORRIDOS :
Os mesmos
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    
    A, patrocinado por advogado, melhor identificado nos autos, veio interpor contra Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L.”, Sociedade Anónima de Responsabilidade Limitada, com sede em Macau, Região Administrativa Especial de Macau, no Hotel Lisboa, 9º andar, acção de processo comum de trabalho, pedindo a condenação da Ré, a título de créditos laborais a pagar- lhe a quantia de MOP$1.966.891,81 acrescida dos respectivos juros a contar desde a citação.
    Julgada a causa, foi decidido absolver a Ré do pedido por o mmo Juiz a quo ter considerado que a quantia compensatória a que o trabalhador teria direito, de MOP 12.783,05, já estaria coberta pela quantia recebida anteriormente e titulada pelo documento de fls 402.
    Da decisão final vem recorrer a parte A. alegando basicamente que deveriam ser diferentes as respostas à base instrutória, suscitando a reapreciação da matéria de facto e concretizando as respectivas provas e, provando-se que o autor trabalhou durante os períodos de descanso sem ter sido devidamente remunerado nos termos legais, importará condenar a ré nas quantias que acaba por peticionar em sede de recurso, com base nos cálculos e fórmulas que ali indica.
    A STDM, Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L. recorre ainda subordinadamente, defende a manutenção da sentença, ou, caso assim não se entenda, pronuncia-se pela aplicação de outras fórmulas.
    Recorre ainda subordinadamente a Ré, suscitando a nulidade da sentença, invocando uma contradição entre o facto de ser ter dado como não provado que o trabalhador não gozou os referidos descansos e , noutro passo, se terem os descansos não gozados por compensados com base em dada quantia recebida conforme documento junto aos autos.
    
    Contra alega o autor no sentido da inexistência da apontada nulidade.
    
    Oportunamente, foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
    Vêm provados os factos seguintes:
    
    “Da confissão e das provas documentais resultam provados os seguintes factos:
    FACTOS PROVADOS
    1. Entre 1 de Janeiro de 1984 e 31 de Dezembro de 2000, o Autor trabalhou para a Ré, sendo o seu horário por turnos.
    2. O rendimento do Autor desdobrava-se numa parte fixa e outra variável.
    3. A parte variável dependia do valor global do dinheiro recebido pelos clientes do casino, ou seja, as gorjetas.
    4. As gorjetas recebidas pelos empregados eram colocadas, por ordem da Ré, numa caixa destinada exclusivamente a esse efeito e eram contadas e contabilizadas diariamente também por uma comissão paritária constituída por um membro de tesouraria da Ré, um gerente de andar e um ou mais trabalhadores da Ré por ela incumbidos, a fim de serem distribuídas de 10 em 10 dias aos diversos empregados, incluíndo os da área administrativa e informática e de acordo com a categoria profissional a que pertenciam.
    5. A Ré incluiu sempre a quantia paga a título de "gorjetas" nos montantes que participou à DSF para efeitos de liquidação e cobrança de imposto profissional dos seus empregados.
    6. Durante a relação contratual entre Autor e Ré nunca as partes puseram em causa o acordo sobre as condições do pagamento do salário e do respectivo cálculo.
    7. A componente fixa diária da remuneração do Autor foi de HK$ 4,10 desde 1 de Janeiro de 1984 até 30 de Junho de 1989, HK$10 desde 1 de Julho de 1989 até 30 de Abril de 1995 e HK$15 desde 1 de Maio de 1995 até ao termo do contrato com a Ré em Dezembro de 2000.
    8. Entre os anos de 1984 e 2000 o Autor auferiu os seguintes rendimentos:
    a) 1984: MOP$ 122.875,00;
    b) 1985: MOP$ 132.872,00;
    c) 1986: MOP$ 115.534,00;
    d) 1987: MOP$ 134.873,00;
    e) 1988: MOP$ 131.617,00;
    f) 1989: MOP$ 171.720,00;
    g) 1990: MOP$ 188.863,00;
    h) 1991: MOP$ 185.541,00;
    i) 1992: MOP$ 193.826,00;
    j) 1993: MOP$ 202.132,00;
    1) 1994: MOP$ 204.348,00;
    m) 1995: MOP$ 212.725,00;
    n) 1996: MOP$ 199.788,00;
    o) 1997: MOP$ 138.634,00;
    p) 1998: MOP$ 121.769,00;
    q) 1999: MOP$ 147.602,00;
    r) 2000: MOP$ 147.481,00.
    9. Em meados de Julho de 2003, o Autor recebeu os documentos juntos aos autos a fls. 133, 134 e 135, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
    10. O Autor recebeu depois a quantia ali referida de MOP$12.783,05 e assinou a declaração, cuja tradução consta dos autos de fls. 402, designadamente que tal quantia era paga pela ré a título de compensação de todos os dias de descanso legais.
    11. O autor não teria celebrado contrato de trabalho com a ré se apenas recebesse prestação pecuniária fixa referida em G) dos factos assentes.
    12. A parte variável do rendimento auferido pelo autor ultrapassava o valor da parte fixa.”
    
    III - FUNDAMENTOS
    
1. O objecto do presente recurso interposto pelo autor passaria fundamentalmente pelas mesmas questões que têm sido tratadas em tantos outros casos, fundamentalmente por saber se as ditas “gorjetas” integram ou não o salário do trabalhador, isto claro está, depois de escrutinada a matéria de facto como se pretende.
    
    2. Há uma outra questão, no entanto, que oficiosa e previamente convém analisar, sob pena de termos o tempo por perdido, se, depois de abordar as questões que vêm colocadas, se viesse a entender que não tínhamos elementos para quantificar as compensações devidas.
    
    E essa questão constitui o núcleo do objecto do recurso subordinado e se prende com o facto de o Mmo Juiz, depois de ser se ter dado como provado o facto em que se perguntava se o trabalhador nunca gozou de quaisquer dos dias de descansoanual, de descanso semanal e dos feriados obrigatórios, entendeu ser de atribuir uma compensação pelo não gozo desses dias e, mais, entendeu até que essa compensação já fora recebida nos termos do documento de fls 298 (com tradução de fls 402).
    
    Esta contradição já nos tem surgido naquelas situações, ainda que por menor razão, que levaram à anulação do julgamento por se constatar, na matéria de facto provada, que o Mmo Juiz considerou que o trabalhador gozava dos descansos quando solicitava, o que significa que, tendo gozado ou podido gozar alguns, se fica sem saber quais desses descansos coincidiam com os devidos, bem podendo tal acontecer.
    
    Ora, aqui, nem sequer essa factualidade vem comprovada.
    
    Nem se percebe como é que o Mmo Juiz, em douta elaboração conceptual, retira daí a irrelevância desse gozo de descansos, a pedido, para entender que se devem ter os descansos por não gozados, tal como decorre da sua fina argumentação.
    
    Mas se entendemos que o facto de o trabalhador pedir para descansar se mostra irrelevante no âmbito da relação laboral existente, tal irrelevância fica-se por aí. Pedir ou não pedir para descansar nalguns dias é, de facto, irrelevante. Ficamos, de todo modo, sem saber se esses dias foram ou não gozados, se eram ou não os devidos, bem podendo acontecer que ele efectivamente tenha gozado de descansos semanais, anuais e feriados obrigatórios que sempre devia ter gozado, independentemente de os ter pedido, facto este, repete-se, não provado.
    
    A sentença enferma assim de uma contradição que a fere de morte.
    
    Questão esta que não é facilmente contornável e que nem sequer a reapreciação da matéria de facto suscitada poderá sanar..
    
    3. Acontece que, mesmo a entender-se que o trabalhador não gozou nenhum dos descansos que lhe eram devidos, como concluiu o Mmo Juiz na sua douta sentença, sempre deparamos com uma outra questão e tem a ver com o facto de não sabermos quais os factores que ponderou no seu cálculo final, ao condenar nas referidas quantias. Isto é, para além das fórmulas apontadas no mapa inserto na sentença, mais nada se sabe sobre o número de dias que foi ponderado e vencimento das obrigações respectivas, não bastando remeter para os termos da lei. Se se elabora um cálculo, há que o descrever, no mínimo, afigurando-se não ser bastante apresentar o resultado.
    
    Só acompanhando o cálculo efectuado se pode sindicar a correcção do mesmo e o acerto do resultado.
    
    4. Esta questão foi já decidida por este Tribunal em alguns acórdãos aqui proferidos1, pelo que sem necessidade de outros desenvolvimentos remetemo-nos, mutatis mutandis, para as razões aí expendidas e que passamos a reproduzir.
    
«Ora, com as respostas dadas, cremos que líquido não está que o A. trabalhou nos dias de descanso tal como alegava, e como pelo Mm° Juiz a quo foi entendido.

    Com efeito, face à referida matéria, e ainda que se admita uma interpretação no sentido de que houve “dias de descanso” em que o A. trabalhou, cremos que inviável é considerar-se que trabalhou , ou que não gozou, todos os dias de descanso semanal, anual e de feriado obrigatório durante o período de tempo em que durou a relação laboral com a R..

Então, “quid iuris”?

     Nos termos do artº 629º do C.P.C.M.:

“1. A decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância:
     a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 599.º, a decisão com base neles proferida;
     b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
     c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
     2. No caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior, o Tribunal de Segunda Instância reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que tenham servido de fundamento à decisão de facto impugnada.

     3. O Tribunal de Segunda Instância pode determinar a renovação dos meios de prova produzidos em primeira instância que se mostrem absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade, quanto à matéria de facto objecto da decisão impugnada, aplicando-se às diligências ordenadas, com as necessárias adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão e julgamento na primeira instância e podendo o relator determinar a comparência pessoal dos depoentes.

     4. Se não constarem do processo todos os elementos probatórios que, nos termos da alínea a) do n.º 1, permitam a reapreciação da matéria de facto, pode o Tribunal de Segunda Instância anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na primeira instância, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta; a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, podendo, no entanto, o tribunal ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão.

    5. Se a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa não estiver devidamente fundamentada, pode o Tribunal de Segunda Instância, a requerimento da parte, determinar que o tribunal de primeira instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou escritos ou repetindo a produção da prova, quando necessário; sendo impossível obter a fundamentação com os mesmos juízes ou repetir a produção da prova, o juiz da causa limita-se a justificar a razão da impossibilidade.”

    Atento o teor das respostas dadas aos atrás mencionados quesitos, afigura-se-nos que são as mesmas “deficientes” e “obscuras”, pois que fica-se sem saber se o A. trabalhou (ou não) nos dias de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios, tal como alegava na sua petição inicial.

    Assim sendo, e tendo-se presente o preceituado no nº 4 do transcrito artº 629º do C.P.C.M., impõe-se a anulação do julgamento efectuado para, em novo julgamento, se suprir as apontadas deficiências, podendo o T.J.B. ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto com o fim de evitar contradições na decisão.»
   
   Estas observações não deixam aqui de ter pleno cabimento e trata-se de questão que não deixa de estar implícita na alegação do autor – aindea que este na respectiva contra-alegação sustente não se verificar a nulidade do artigo 571º, n.º 1, al. c do CPC - e é expressa na alegação do recurso da ré.
   
   Perante a afirmação na sentença e pressuposto de trabalho em dias de descanso fica até a dúvida sobre a existência ou não de erro sobre o julgamento de facto realizado e sobre a consignação da resposta à quesitação sobre essa matéria.
   
   Ora, se é verdade que existe alguma coerência na lógica da sentença, o certo é que a fundamentação desenvolvida já não está de acordo e contraria até a matéria de facto fixada, pelo que se entende verificar-se a nulidade do artigo 571º, n.º1, al. b) e , em certa medida, também a da alínea c), reportada esta à fundamentação de facto.
   
   Verifica-se, pois, e em qualquer caso, a situação do artigo 629, n.º 4 do CPC, cuja sanação por este Tribunal implicaria, no fundo, a repetição do julgamento nesta Instância, o que se crê estar de fora da previsão processual quanto à modificabilidade da decisão de facto.

    Tudo visto e ponderado, resta decidir.
    
    IV - DECISÃO

Nos termos e fundamentos expostos, acorda-se em anular o julgamento efectuado no T.J.B.
      
   Custas pelo vencido a final.

Macau, 24 de Novembro de 2011,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 - Por todos, ac. deste TSI, n.º 932/2009; vd. Ainda os acórdão anteriormente citados
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