打印全文
Processo nº 510/2010
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 07 de Dezembro de 2011

ASSUNTO:
- Princípio da igualdade
- Dever de fundamentação

SUMÁRIO:

- O princípio da igualdade é um princípio fundamental do Direito, legalmente previsto no artº 25º da Lei Básica da RAEM.
- Tem duas vertentes: igualdade na lei e igualdade perante a lei.
- A primeira traduz-se na exigência de não fazer discriminação na elaboração das leis ou outros actos normativos e a segunda consiste na proibição da discriminação na aplicação da lei.
- Visa assegurar às pessoas de situações iguais os mesmos direitos, prerrogativas e vantagens, com as obrigações correspondentes, o que significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida em que eles se desigualam, visando sempre o equilíbrio entre todos.
- O legislador ordinário pode introduzir discriminações, quer positivas, quer negativas, “desde que nas situações de facto encontre razão séria e não arbitrária para diferenciar o tratamento. A partir do momento em que haja fundamento material bastante, sério, razoável e legítimo que não perigue com situações em que as condições objectivas imponham igualdade de regulação, a discriminação na criação da lei não é necessariamente violadora do princípio da igualdade”.
- Nos termos do artº 114º do CPA, os actos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções, devem ser fundamentados.
- O dever de fundamentação visa dar conhecimento ao administrado quais são as razões de facto e de direito que serviram base de decisão administrativa, ou seja, permitir o administrado conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade administrativa, para que possa optar aceitar o acto ou impugná-lo através dos meios legais.
- Assim, cumpre-se desde que exista “uma exposição das razões de facto e de direito que determinaram a prática do acto, independentemente da exactidão ou correcção dos fundamentos invocados.”
O Relator,
Ho Wai Neng

Proc. nº 510/2010
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 07 de Dezembro de 2011
Recorrente: A
Entidade recorrida: O Chefe do Executivo da RAEM

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
A, melhor identificada nos autos, vem interpor o presente recurso contencioso contra o despacho do Senhor Chefe do Executivo, de 22/02/2010, pelo qual apenas se autoriza efectuar a actualização salarial com efeito retroactivo à data da entrada em vigor da Lei n.º 18/2009, ou seja, 18 de Agosto de 2009, com os fundamentos seguintes:
I. As valorizações indiciárias dos enfermeiros, decorrentes das transições de quadro e de quaisquer alterações contratuais, nos termos do regime da carreira de enfermagem aprovado pela Lei n.º 18/2009, de 17 de Agosto, retroagem a 1 de Julho de 2007, independentemente da natureza do vínculo contratual do trabalhador;
II. Visa a paridade-igualdade salarial entre o trabalhador com contrato individual de trabalho e os demais trabalhadores da Administração Pública, a cláusula incluída no contrato de trabalho individual celebrado entre aquele e a Administração Pública, nos termos da qual se prescreve que «a remuneração mensal será actualizada na mesma proporção que o forem os vencimentos da Administração Pública de Macau»;
III. A igualdade perante a lei prevista no artigo 25.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau implica que não possa haver qualquer discriminação salarial em razão do vínculo laboral dos trabalhadores, apenas podendo ser atendidas situações, nesta matéria, em função da sua experiência, antiguidade ou mérito;
IV. Não obstante a inexistência de norma no ETAPM que consagre expressamente o princípio da paridade-igualdade salarial entre os funcionários públicos, tal não significa que esse princípio não esteja consagrado;
V. Não sendo permitido que funcionários com a mesma categoria, escalão e índice remuneratório, aufiram diferentes vencimentos, está indirectamente consignado naquele Estatuto o princípio da paridade-igualdade salarial entre os diversos trabalhadores da Administração Pública, independentemente da natureza do seu vínculo;
VI. A atribuição de efeitos retroactivos diferenciados aos vencimentos dos funcionários públicos, em função da natureza do seu vínculo, é legalmente inadmissível, por tal implicar uma derrogação do princípio de que ao desempenho de uma mesma determinada função ou cargo corresponde a remuneração prevista na tabela indiciária;
VII. O Estado-Legislador não pode impôr às entidades patronais mais deveres do que impõe a si próprio enquanto Estado-Administração (empregador), ou exigir-lhes um comportamento mais oneroso;
VIII. O princípio "trabalho igual-salário igual" previsto no n.º 2 do artigo 57.° da Lei das Relações de Trabalho aplica-se mesmo nas relações jurídicas de emprego público;
IX. Viola os artigos 2.° e 3.° da Convenção n.º 111 da Organização Internacional do Trabalho sobre a Discriminação em Matéria de Emprego e Profissão, o despacho que faz retroagir a valorização indiciária de um trabalhador com uma determinada categoria e escalão a uma data diferente daquela aplicável a outro trabalhador com a mesma categoria e escalão;
X. Viola o artigo 7.° do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, o despacho que faz retroagir a valorização indiciária de um trabalhador com uma determinada categoria e escalão a uma data diferente daquela aplicável a outro trabalhador com a mesma categoria e escalão;
XI. Padece do vício de falta de fundamentação, por violação do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 113.°; na alínea a) do n.º 1 do artigo 114.°; e, nos n.os 1 e 2 do artigo 115.° do CPA de Macau, o despacho que manifesta concordância com a proposta para a qual remete, se essa proposta não contém os motivos, causas ou pressupostos da decisão que não fez retroagir a actualização salarial do trabalhador com contrato individual de trabalho à data a que alude a norma transitória do respectivo regime laboral para os demais trabalhadores do quadro, contratados além do quadro ou assalariados;
XII. A fundamentação por remissão obriga a que a informação, parecer ou proposta para que se remete contenha as razões de facto e de direito, ainda que de forma sucinta, mas que as contenha, de modo a que se perceba por que se decidiu naquele sentido;
XIII. A omissão, obscuridade e insuficiência da fundamentação do acto valem como falta de fundamentação; e a falta de fundamentação inquina o acto de ilegalidade, o que determina a sua anulabilidade.
XIV. Enferma do vício de violação de lei, por preterição do disposto no artigo 25.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau; nos artigos 174.º e 175.º do ETAPM (aplicáveis ex vi do disposto no n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 60/92/M, de 24 de Agosto, e da cláusula 18.ª do contrato individual de trabalho); no n.º 2 do artigo 57.º da Lei n.º 7/2008, de 18 de Agosto; no artigo 4.º do contrato individual de trabalho celebrado entre a Recorrente e os SSM; nos artigos 2.º e 3.º da Convenção n.º 111 da OIT; e, no artigo 7.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, o despacho do Chefe do Executivo que faz retroagir a valorização indiciária de trabalhador com contrato individual de trabalho a data diferente daquela a que alude o n.º 2 do artigo 40.º da Lei n.º 18/2009, de 17 de Agosto.
*
Regularmente citada, a entidade recorrida contestou nos termos constantes a fls. 48 a 83 dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, suscitando a ilegitimidade da recorrente, bem como pugnando pelo não provimento do recurso.
*
Quer a recorrente, quer a entidade recorrida, ambas apresentaram as alegações facultativas, mantendo, no essencial, as posições já tomadas na petição inicial e na contestação, respectivamente.
*
O Ministério Público é de parecer da improcedência do recurso, a saber:
Vem A impugnar o despacho do Chefe do Executivo de 22/2/10 que, na sequência de pedido da recorrente no sentido de autorização do posicionamento da mesma no 3° escalão de Enfermeira Especialista Graduada, de acordo com os nºs 2 e 3 do art° 36° da Lei 18/2009, autorizou a actualização do escalão, por averbamento ao contrato, com efeitos retroactivos à data de entrada em vigor daquela Lei, ou seja, 18/8/09, assacando-lhe vício de forma por falta de fundamentação e violação de lei, por afronta da igualdade plasmada no art° 25° LBRAEM, bem como de dispositivos vários, quer do ETAPM, quer da Convenção da O.I.T., quer do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, esgrimindo, no essencial, ao que apreendemos, com a ilegalidade da diferenciação do tratamento do seu caso relativamente a colegas com vínculo na Administração Pública, para os quais a actualização salarial produziu efeitos retroactivos a 1/7/07, nos termos do art° 40° da Lei referida, batendo-se, assim, pela aplicação do princípio "trabalho igual - salário igual", não discriminação em matéria de emprego e profissão, o que, a seu ver, sucederá com o despacho em causa ao fazer retroagir a valorização indiciaria de um trabalhador com determinada categoria e escalão a uma data diferente da aplicável a outro trabalhador com a mesma categoria e escalão.
Vejamos:
Mantém-se, no que diz respeito à questão da legitimidade da recorrente, inalterado o entendimento já assumido a fls 103 e 104.
Posto isto, em termos de mérito, de substância, cremos não assistir à recorrente qualquer razão.
Aceita-se que, pese embora esta tenha sido contratada ao abrigo de um contrato individual de trabalho celebrado com a Administração, regido pelas sua cláusulas, aceites por ambas as partes, se encontra, de todo o modo, dependente de uma espécie de "regime misto", com sujeição a regras gerais do regime da função pública, designadamente no que respeita às incompatibilidades, avaliações de desempenho e outras, de que, alias, dá conta, além do mais, a cláusula 18ª do seu contrato individual de trabalho ao prever que "Nos casos omissos, o presente contrato rege-se pelas regras gerais vigentes para os trabalhadores da Administração Pública de Macau".
De todo o modo, esse "regime misto" não invalida que a sua situação seja objectivamente diferente dos colegas providos em regime de nomeação, provisória ou definitiva, em comissão de serviço, contrato além do quadro, contrato de assalariamento, ou contrato de trabalho celebrado com não recrutados ao exterior e que, consequentemente, a lei possa, para os efeitos que entender devidos, contemplar diferentemente tais situações.
 Nos termos da al 3) do n° 4 do art° 1° da Lei 14/2009, o regime das carreiras não é aplicável aos trabalhadores providos
"3) para servirem como consultores ou em funções técnicas especializadas".
menção que, se bem se aferir, corresponde "tout court" ao consignado no 2° parágrafo do art° 99°, LBRAEM e diz directamente respeito as casos de contratação no exterior, como o presente.
Donde, poder-se, desde logo, concluir que o regime da carreira de enfermagem estabelecido pela Lei 18/2009 não é, por si, aplicável ao caso da recorrente.
É claro que tal não invalida que, em termos, designadamente, do princípio "salário igual para trabalho igual", a questão não deva ser equacionada.
O que se regista é que a lei efectivamente, contemplou de forma diversa diferentes situações profissionais, fazendo questão de não enquadrar e integrar no regime da carreira a situação da recorrente.
Neste contexto, o acto ora em escrutínio surge não como consequência directa ou necessária da implementação desse novo regime da carreira de enfermagem, mas como vontade administrativa de, por alguma forma, dar satisfação àquele princípio de "salário igual para trabalho igual", fazendo, no fundo, equiparar a situação da recorrente à dos contratos individuais de trabalho celebrados com não recrutados ao exterior, nos termos do n° 3 do art° 36° da Lei citada, prevendo os efeitos retroactivos à data de entrada em vigor dessa Lei, sendo certo que coisa diferente seria dificilmente aceitável e, até "contra natura ", em termos de contratos individuais de trabalho dado poder até pôr-se a questão de a retroactividade se reportar a data anterior à celebração do contrato em vigor.
Poderá, porventura, argumentar-se que, desta forma, se não assegura o referido princípio de "salário igual para trabalho igual", dado que para os restantes providos, exercendo funções similares, nos termos do n° 2 do artº 40°, as valorações indiciárias retroagem a data bastante anterior.
É certo.
Contudo, isso não é problema do acto. É da norma. E, para o escrutínio respectivo mostra-se o presente meio inadequado.
Assim, sendo certo que, relativamente ao despacho em crise, se não divisa a ocorrência da pretendida afronta de qualquer dos normativos assacados, afigurando-se-nos, por outra banda, que do extemado por aquele, decorrem, com proficiência, clareza e congruência, os motivos, de facto e de direito em que a decisão se estribou, perfeitamente compreensíveis e assimiláveis pelo cidadão médio, o que não deixou de ocorrer com o recorrente, entendemos que, por não ocorrência de qualquer dos vícios assacados, ou qualquer outro de que cumpra conhecer, não merece provimento o presente recurso.
*
Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
*
O Tribunal é o competente.
As partes possuem a personalidade e a capacidade judiciárias.
Mostram-se legítimas e regularmente patrocinadas.
Não há questões prévias, nulidades ou outras excepções que obstam ao conhecimento do mérito da causa.

II – Factos
1. A Recorrente iniciou funções nos Serviços de Saúde de Macau em 1995.
2. A partir de 1 de Setembro de 1999 foi contratada em regime de contrato individual de trabalho como enfermeira especialista, 3.° escalão, estando afecta à Unidade de Ortotraumatologia (Enfermaria) do Centro Hospitalar do Conde de São Januário, dos Serviços de Saúde de Macau, tendo o respectivo contrato sido objecto de renovação anual, nomeadamente, nos anos de 2006, 2007 e 2008.
3. Em 18 de Agosto de 2009, a Recorrente requereu ao Director dos Serviços de Saúde “se digne autorizar o posicionamento no 3 escalão de Enfermeira Especialista Graduada de acordo com o n. 2 e 3 do artigo 36 da lei n. 18/2009, ...”(fls. 10 do P.A.).
4. A Recorrente foi notificada, em 7 de Maio de 2010, através da nota interna n.º 1307/NI/DP/2010 (da Divisão de Pessoal dos Serviços de Saúde de Macau), dos despachos de Sua Excelência, o Chefe do Executivo da RAEM, de 22 de Fevereiro e 27 de Abril de 2010, exarados nas propostas n.º 189/PP/DP/2010 e n.º 313/PP/DP/2010, respectivamente.
5. Nos termos dos quais foi, em súmula, autorizada: (i.) a actualização do escalão e índice salarial da Recorrente, com efeitos retroactivos à data da entrada em vigor da Lei n.º 18/2009, ou seja, 18 de Agosto de 2009 com referência ao disposto no n.º 3 do artigo 36.º da mesma Lei (cfr. despacho de 22 de Fevereiro de 2010), e (ii.) o averbamento, por aditamento, de cláusulas contratuais relativas ao subsídio de trabalho por turnos e ao regime de disponibilidade permanente, substituição e formação, com efeitos retroactivos a 18 de Agosto de 2009 (cfr. despacho de 27 de Abril de 2010).
6. O averbamento foi efectuado, tendo ficado estabelecido na cláusula 4ª que a remuneração corresponderia à categoria de enfermeiro-graduado, 4° escalão, índice 540, segundo o disposto no Anexo I, da Lei n. 18/2009, de 17 de Agosto (fls. 119 do P.A.).
7. E na cláusula 19ª ficou definido que os efeitos decorrentes do índice referido na cláusula 4ª do averbamento retroagiriam a 18 de Agosto de 2009 e incidiam sobre o vencimento (fls. 124 do P.A.).
8. Contudo, após a assinatura do averbamento a Recorrente incluiu uma declaração do seguinte teor: “Assino o presente averbamento ao meu contrato individual de trabalho com reserva dos direitos que me assistam de fazer retroagir a actualização da minha remuneração a 1 de Julho de 2007” (fls. 124 do P.A.).

III – Fundamentos
1. Da excepção de ilegitimidade da Recorrente:
Para a entidade recorrida, a Recorrente não tem legitimidade para interpor o presente recurso contencioso, já que não formulou qualquer pedido relativo aos “efeitos retroactivos”, limitando-se a pedir a actualização salarial, o que foi deferida, pelo que não está lesada pelo acto recorrido na parte que fixa os efeitos retroactivos da actualização salarial.
É certo que a Recorrente no seu requerimento da actualização salarial não formulou qualquer pedido relativo à produção de efeitos retroactivos, só que como bem observou o Dignº Magistrado do Mº Pº junto deste Tribunal que “o acto recorrido não se limitou a deferir a pretensão da Recorrente, foi mais além, ficando também decidido que o efeito da actualização salarial retroage à data de entrada em vigor da Lei nº 18/2009, ou seja, 18/08/2009”.
Nesta conformidade e não obstante do deferimento da actualização salarial, nada impede a Recorrente se sentir lesada pelo acto recorrido nesta parte e recorre contenciosamente para defender os seus interesses legítimos.
Improcede, assim, a alegada excepção de ilegitimidade activa.
2. Da violação do princípio da igualdade:
O princípio da igualdade é um princípio fundamental do Direito, legalmente previsto no artº 25º da Lei Básica da RAEM, nos termos do qual “Os residentes de Macau são iguais perante a lei, sem discriminação em razão de nacionalidade, ascendência, raça, sexo, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução e situação económica ou condição social”.
Tem duas vertentes, a saber: igualdade na lei e igualdade perante a lei.
A primeira traduz-se na exigência de não fazer discriminação na elaboração das leis ou outros actos normativos e a segunda consiste na proibição da discriminação na aplicação da lei.
Quer a doutrina, quer a jurisprudência, ambas entendem que o princípio da igualdade visa assegurar às pessoas de situações iguais os mesmos direitos, prerrogativas e vantagens, com as obrigações correspondentes, o que significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida em que eles se desigualam, visando sempre o equilíbrio entre todos.
No caso em apreço, é o próprio legislador que introduziu tratamento diferenciado para enfermeiros contratados por contrato individual de trabalho.
Pois, dispõe o artº 36º da Lei nº 18/2009 que:
   Artigo 36.º
   Contratos individuais de trabalho em vigor
   1. Os contratos individuais de trabalho celebrados antes da data da entrada em vigor da presente lei e as suas renovações continuam sujeitos à disciplina emergente desses contratos.
   2. As partes, por sua iniciativa e mútuo acordo, podem optar por celebrar um novo contrato individual de trabalho regido pela presente lei.
   3. A opção referida no número anterior deve ser exercida no prazo de 180 dias a contar da data da entrada em vigor da presente lei, retroagindo os efeitos do novo contrato a essa data.
   4. Os contratos referidos no n.º 2 são celebrados tendo por referência o desenvolvimento da carreira constante do anexo I ou no anexo III da presente lei, tendo em conta, respectivamente, as habilitações académicas ou profissionais legalmente exigidas, mantendo os trabalhadores a categoria e escalão anteriormente detidos.
   5. Nos casos previstos no n.º 2 o tempo de serviço, para efeitos de progressão e acesso, é contado a partir da data de produção de efeitos dos novos contratos.
Da transcrição legal supra resultam claramente que:
1. Os contratos individuais de trabalhos não sofrem qualquer alteração com a entrada em vigor da nova lei, a não ser que as partes, por sua iniciativa e mútuo acordo, optem por celebrar um novo contrato individual de trabalho regido pela nova lei.
2. Neste último, o novo contrato individual pode ter efeito retroactivo até à data da entrada em vigor da nova lei, ou seja, ao dia 18/08/2009.
Pelo exposto, se pode concluir facilmente que acto recorrido limita-se a cumprir a disposição legal em referência.
Não se verifica, portanto, a violação do princípio da igualdade na vertente aplicação da lei.
Outra questão que pode suscitar é a de saber se esta discriminação legal viola ou não o princípio da igualdade, uma vez que os outros enfermeiros, quer do quadro, quer contratados além do quadro ou assalariados, todos beneficiaram a transição prevista no artº 34º ou 35º da citada lei com efeito retroactivo desde 01/07/2007, nos termos do artº 40º, nº 2 do mesmo diploma legal.
Como é sabido, o legislador ordinário pode introduzir discriminações, quer positivas, quer negativas, “desde que nas situações de facto encontre razão séria e não arbitrária para diferenciar o tratamento. A partir do momento em que haja fundamento material bastante, sério, razoável e legítimo que não perigue com situações em que as condições objectivas imponham igualdade de regulação, a discriminação na criação da lei não é necessariamente violadora do princípio da igualdade” (cfr. Acórdão do TSI, Proc. nº 520/2010, de 27/10/2011), que é o caso.
No caso sub justice, o vínculo com a Administração da Recorrente é diferente dos enfermeiros do quadro, do contratos além do quadro e dos assalariados.
Não vamos comparar o vínculo da Recorrente com o dos enfermeiros do quadro, já que a diferença é notória.
Mas sim vamos comparar com o dos contratos além do quadro e o dos assalariados, por serem figuras mais próximas.
Quer o contrato além do quadro, quer o de assalariamento, ambos obedecem ao regime fixado para a função pública, ao passo que o contrato individual de trabalho obedece ao regime que for fixado no respectivo contrato (artº 7º, nº 3 do DL nº 60/92/M1).
Como se deve notar que o legislador ao estabelecer o regime aplicável para o contrato individual de trabalho já prevê um tratamento diferente em relação aos além do quadro e aos assalariados.
No contrato individual de trabalho, vigora, dentro dos parâmetros legais, o chamado princípio da autonomia das partes, nos termos do qual as partes podem convencer direitos diferentes e até superiores aos que possam resultar do regime da Função Pública, ainda que para o mesmo posto de trabalho.
Por exemplo, um trabalhador contratado por contrato individual de trabalho pode ter o subsídio de residência com montante superior ao da Função Pública.
É bom que o legislador da Lei nº 18/2009 atribui também os mesmos efeitos retroactivos da actualização salarial aos enfermeiros do contrato individual de trabalho, só que nada lhe impede optar em não o fazer, visto que a diferença de vínculo justifica este tratamento diferenciado.
Não há, portanto, também a violação do princípio da igualdade na vertente da criação do direito.
3. Da falta de fundamentação:
Nos termos do artº 114º do CPA, os actos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções, devem ser fundamentados.
E a fundamentação consiste na exposição explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse acto, que deve ser expressa, podendo no entanto consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto (artº 115º, nº 1 do CPA), que é o caso.
O dever de fundamentação visa dar conhecimento ao administrado quais são as razões de facto e de direito que serviram base de decisão administrativa, ou seja, permitir o administrado conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade administrativa, para que possa optar aceitar o acto ou impugná-lo através dos meios legais.
Contudo, não se deve confundir fundamentação com fundamentos, a primeira refere-se à forma do acto e a segunda refere-se ao seu conteúdo.
Assim, o dever de fundamentação cumpre-se desde que exista “uma exposição das razões de facto e de direito que determinaram a prática do acto, independentemente da exactidão ou correcção dos fundamentos invocados.”
No mesmo sentido, veja-se Código do Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, de Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho, anotação do artº 106º, pág. 619 a 621.
Voltando ao caso concreto, será que um destinatário de diligência normal não consegue compreender quais os pressupostos e motivos que estiveram na base da decisão ora recorrida?
Ora, face aos teores do acto recorrido e das propostas n.º 189/PP/DP/2010 e n.º 313/PP/DP/2010, na nossa opinião, os mesmos não só são suficientemente claros no seu texto para dar a conhecer o discurso justificativo da decisão tomada como têm capacidade para esclarecer as razões determinantes do acto, são ainda congruentes e suficientes.
Conclui-se assim pela improcedência do vício da forma, por falta de fundamentação.

IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao presente recurso contencioso, mantendo o acto recorrido.

Custas pelo recorrente, com 8UC de taxa de justiça.
Notifique e registe.

RAEM, aos 07 de Dezembro de 2011.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong

Presente
Victor Manuel Carvalho Coelho

1 O DL nº 60/92/M não foi adoptado como lei da RAEM por contrariar a Lei Básica da RAEM. Todavia, como não foi elaborada nova legislação para o efeito, pode tratar as questões nele regulada de acordo com os princípios contidos na Lei Básica, tendo por referência as práticas anteriores. – artº 3º, nº 3 da Lei de Reunificação (Lei nº 1/1999).
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------




19
510/2010