Processo nº 723/2011 Data: 07.12.2011
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “tráfico de estupefacientes”.
Fundamentação.
Pena.
SUMÁRIO
1. Se de uma leitura da decisão recorrida se constatar que o Tribunal a quo não deixou de elencar os factos provados, identificando os que não se provaram, tendo também exposto, ainda que sumariamente, os motivos de tal decisão assim como a de condenação que proferiu, não existe “falta de fundamentação”.
De facto, em matéria de fundamentação, devem-se afastar perspectivas maximalistas.
2. Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.
O relator,
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Processo nº 723/2011
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por Acórdão do T.J.B. decidiu-se condenar A como autor material de 1 crime de “tráfico de estupefacientes” p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, na pena de 9 anos e 6 meses de prisão; (cfr., fls. 224 a 225 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado, o arguido recorreu para na sua motivação de recurso produzir as conclusões seguintes:
“A. Por Acórdão de 30 de Setembro de 2011, proferido nos autos supra referenciados, foi ora Recorrente condenado pela prática, em autoria material, no seguinte crime:
-Um crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p.p. pelo artigo 8º, nº 1 da Lei nº 17/2009, de 09 de Setembro, na pena de cinco anos de prisão efectiva;
B. O Acórdão condenatório, salvo o devido respeito viola o disposto no artigo 65 º do Código de penal quanto a determinação da medida da pena.
C. Se é certo que o Tribunal a quo é livre para fixar a pena, dentro da moldura penal de cada crime, não quer com isso dizer-se que o digno Colectivo esteja dispensado de apreciar todas as circunstancias pessoais do agente - de forma positiva ou negativa ( art. 65 º), n°, 2 do Código Penal.
D. Resultando do Acórdão que militam elementos a favor do recorrente, é assim obrigação do Tribunal avaliá-los e pronunciar-se sobre eles, de forma a poder fundamentar cabalmente a sua decisão.
E. Dispõe o artigo 356.°, n.° 1 do CPPM: «A sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada, indicando nomeadamente, se for caso disso, o início do seu cumprimento, outros deveres que ao condenado sejam impostos e a sua duração, bem como o plano individual de readaptação social.
F. A fundamentação deve sempre proporcionar ao destinatário normal a constituição do denominado iter cognoscitivo e valorativo para que aquele fique a conhecer o motivo por que se decidiu naquele sentido. Trata-se, em suma, de exigir motivação adequadamente compreensível;
G. No que concerne ao presente caso e relativamente ao crime por que o ora recorrente foi condenado o Acórdão recorrido é manifestamente omisso quanto aos fundamentos que levaram à escolha e à medida da sanção aplicada.
H. Em suma, a sentença é totalmente omissa quanto aos fundamentos que presidiram à escolha e à medida da pena aplicada;
I. Efectivamente, a omissão do Tribunal de Julgamento - pois limitou-se a indicar o artigo 65.° do citado diploma legal - inviabiliza qualquer juízo crítico quanto à forma como foram valoradas na decisão a culpa do agente e as exigências de prevenção criminal, o grau de ilicitude, o modo de execução, a gravidade das consequências, o grau de violação dos deveres impostos, a intensidade do dolo, os sentimentos manifestados, a sua motivação, as suas condições pessoais e económicas, o comportamento anterior e posterior e demais circunstancialismo apurado;
J. O douto Tribunal não ponderou de forma criteriosa quer a culpa, quer as exigências de reprovação e de prevenção (geral, ligada à defesa da sociedade e à contenção da criminalidade e especial positiva, ligada à reinserção social do agente) bem como as demais exigências na determinação concreta das penas fixadas à ora recorrente.
K. Pelo que não pôs em prática nenhuma das atenuantes gerais em detrimento da reinserção - cuja existência preferiu ignorar - podendo e devendo ter optado por penas parcelares mais baixas e, até, por outro tipo de penas.
L. O douto Tribunal Colectivo, nesta sede, e atento o alegado supra, não teve em conta o fim da prevenção especial das penas, porque as penas quando excessivas deixam de realizar os seus fins.
M. Por tudo o que acima se expos, pela confissão integral e sem reserva dos factos, o grande arrependimento que demonstrou em Audiência de Julgamento, aliados as circunstancia pessoais do arguido, o Tribunal A quo deveria ter fixado uma pena mais próxima do mínimo.
Neste termos e nos mais de Direito, que V. Exas. Doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogada a decisão e substituída por outra, e concedido ao recorrente o benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de pagamento de preparos e custas com o processo”; (cfr., fls. 235 a 241).
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Em resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público no sentido da confirmação do decidido; (cfr., fls. 247 a 249).
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Neste T.S.I. juntou o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer pugnando também no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 256 a 257).
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Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados os factos seguintes:
“Em 4 de Novembro de 2010, cerca das 10H30, o arguido A cegou ao Aeroporto Internacional de Macau, vindo de XX, XX, no voo XXX da “XX”.
Posteriormente, os agentes da PJ interceptaram o arguido A na zona de bagagem do átrio da entrada do Aeroporto Internacional de Macau para feitos de investigação.
Como levantaram suspeitas que o arguido A tinha estupefacientes escondidas no interior do corpo, pelo que os agentes da PJ conduziram o arguido à sala de urgência do Centro Hospital Conde S. Januário para efeitos de exame.
Após examinar a cavidade abdominal do arguido através do sistema de raio X, apurou-se que no interior dos intestinos do arguido havia substâncias anómalas.
Entre 14H00 do dia 4 de Novembro até 17H15 do dia 5 de Novembro, no Centro Hospitalar Conde S. Januário, o arguido excretou do seu corpo um total 81 substâncias de forma oval embrulhadas com fita-cola.
Após exame laboratorial, apurou-se que as supracitadas substâncias de forma oval, entre os quais duas tinham componentes de heroína, com peso líquido de 30.037gramas, produto abrangido pela Tabela I-A da lista anexa à Lei n.° 17/2009 (depois da análise quantitativa, apurou-se que continham uma percentagem de 56.69% de heroína, com peso de 17.028 gramas); as restantes 79 substâncias em forma oval tinham componentes de heroína, com peso líquido de 1151.15 gramas (após análise quantitativa, apurou-se que continham uma percentagem de 57.61 % de heroína, com peso de 663.18 gramas).
Em 06 de Novembro, cerca das 13H15, após o primeiro interrogatório judicial no JIC, o arguido A excretou do seu corpo 1 substância e forma oval na casa de banho da sala dos presos do referido juízo (vide o auto de apreensão a fls. 57 dos autos).
Após análise laboratorial, apurou-se que a supracitada 1 substância de forma oval tinha componentes de “heroína”, com peso líquido de 15.02 gramas, produto abrangido pela Tabela I-A da lista anexa à Lei n.° 17/2009 (depois da análise quantitativa, apurou-se que continha uma percentagem de 5.27% de heroína, com peso de 9.80 gramas).
O arguido A trouxe a Macau os supracitados produtos estupefacientes escondidos no interior do seu corpo, com o objectivo de transportar clandestinamente a GuangZhou e entregar a um indivíduo de identidade desconhecida.
Em 5 de Novembro de 2010, os agentes da PJ encontraram na posse do arguido A dois telemóveis (contendo no interior cartão telefónico), um bilhete electrónico de avião, um cartão de embarque e o numerário USD$4.451,00.
O arguido A obteve o aludido telemóvel, bilhete electrónico de avião e numerário junto de um indivíduo desconhecido, os supracitados objectos eram instrumentos de comunicação para a realização da actividade de tráfico de estupefacientes.
O arguido A, agiu de forma livre, voluntário e conscientemente, que por seu dolo praticou os actos supracitados.
O arguido A tinha perfeito conhecimento da natureza e características dos supracitados estupefacientes.
O supracitado acto do arguido A não foi permitido por lei.
O arguido A sabia perfeitamente que o acto supracitado era proibido e punido por lei.
O arguido confessou os factos integralmente e sem reservas.
O arguido é comerciante e aufere mensalmente cerca de duzentas e cinquenta USD.
Tem como habilitações académicas a 3ª classe do ensino primário e tem a mulher e cinco filhos a seu cargo.
Conforme o CRC, o arguido é primário”; (cfr., fls. 222 a 223).
Do direito
3. Insurge-se o arguido dos autos contra a decisão que o condenou como autor material de 1 crime de “tráfico de estupefacientes” p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, na pena de 9 anos e 6 meses de prisão, (e não, como certamente por lapso alega o recorrente, na pena de “cinco anos de prisão”; cfr., concl. A).
E, como resulta da motivação e conclusões do seu recurso, coloca apenas a questão da adequação da pena que lhe foi imposta, alegando também que fundamentada não está tal decisão.
Ora, na decisão em questão, assim ponderou o Tribunal a quo:
“Determina o artigo 8°, n°1, da Lei n°17/2009, de 09 de Setembro o seguinte: «Quem, sem se encontrar autorizado, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, ceder, comprar ou por qualquer título receber, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 14°, plantas, substâncias ou preparados compreendidos nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 3 a 15 anos,»
Da factualidade apurada, mormente pela confissão integral e sem reservas do arguido, dúvidas não há que o arguido cometeu de forma consciente, livre e com dolo, e em autoria material e na forma consumada, um rime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, previsto e punido pelo n°1 do artigo 8° da Lei n°17/2009, de 09 de Setembro, estando preenchidos todos os pressupostos objectivos e subjectivos do tipo do crime por que vem acusado.
Na determinação da pena concreta, ao abrigo do disposto no artigo 65° do CP, atender-se-á à culpa do agente e às exigências da prevenção criminal, tendo em conta o grau de ilicitude, o modo de execução, gravidade das consequências, o grau da violação dos deveres impostos, intensidade do dolo, os sentimentos manifestados, a motivação do arguido, suas condições pessoais e económicas, comportamento anterior e posterior, a idade do arguido e a quantidade de estupefacientes na sua posse, e demais circunstancialismo apurado, pelo que se tem por ajustada uma pena de nove (9) anos e seis (6) meses de prisão”.
Perante isto, que dizer?
Pois bem, e como é óbvio, certo é que mais se podia dizer.
Porém, adequado também não é a consideração de que fundamentada não está a decisão em questão, bastando uma leitura ao segmento que se deixou transcrito para assim se concluir.
De facto, tem este T.S.I. entendido que em sede de fundamentação, devem-se evitar “perspectivas maximalistas”; (cfr., v.g., o Acórdão de 29.09.2011, Processo n.° 515/2011).
Assim, e nenhuma razão assistindo ao ora recorrente no ponto em questão, vejamos então se excessiva é a pena de 9 anos e 6 meses de prisão que lhe foi imposta.
Ao crime de “tráfico ilícito de estupefacientes” cabe a pena de 3 a 15 anos de prisão; (cfr., art. 8° da Lei n.° 17/2009).
E como sabido é, em sede de determinação da medida da pena, deve-se ter em atenção o estatuído no art. 40° e 65° do C.P.M..
Preceitua o art. 40° do C.P.M. que:
“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.
E nos termos do art. 65° do mesmo C.P.M.:
“1. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal.
2. Na determinação da medida da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
(…)”.
Abordando idêntica questão à ora em apreciação, teve já este T.S.I. oportunidade de afirmar que:
“Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.02.2000, Proc. n° 2/2000, e, mais recentemente, de 29.09.2011, Proc. n° 483/2011).
Nesta conformidade, atento o estatuído nos transcritos comandos legais e ao entendimento por este T.S.I. assumido, cremos que censura não merece a pena em questão.
De facto, e como também temos vindo a entender, em relação a crimes como o ora em causa, há que ponderar na “espécie” (natureza) e “quantidade” de estupefacientes traficado.
In casu, em causa está um estupefaciente que se pode apelidar de “duro”, (heroína), e reduzida não é (de todo) a sua quantidade, que ronda, em peso líquido, as 700 gramas.
Por outra banda atenta a “forma” de cometimento do crime, (recorde-se que o recorrente ingeriu o estupefaciente, assim o trazendo do exterior de Macau), conhecidos que são igualmente os malefícios de tal produto estupefaciente, e inegável sendo o aumento de tal tipo de criminalidade, fortes são as razões de prevenção criminal.
Dest’arte, e não se mostrando de dar grande relevo à “confissão dos factos”, pois que o foi o recorrente surpreendido em “flagrante delito”, motivos não há para se considerar que excessiva é a pena.
Decisão
4. Nos termos que se deixam expostos, acordam negar provimento ao recurso.
Pagará o recorrente a taxa de justiça de 6 UCs.
Honorários à Exmª Defensora no montante de MOP$ 1,000.00.
Macau, aos 07 de Dezembro de 2011
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José Maria Dias Azedo
(Relator)
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Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Tam Hio Wa
(Segundo Juiz-Adjunto)
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Proc. 723/2011 Pág. 1