打印全文
Processo nº 537/2011 Data: 27.10.2011
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Acidente de viação.
Crime de “ofensa à integridade física por negligência”.
Erro notório na apreciação da prova.
Culpas concorrentes.
Percentagem de culpa.
Indemnização por danos não patrimoniais.



SUMÁRIO

1. O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.

É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.

2. Censura não merece a decisão de se atribuir 70% de culpa na eclosão do acidente ao ofendido, se provado estiver que o mesmo atravessou a via onde não devia, “surgindo” de um canteiro de flores que separa as faixas de rodagem e que tem também como escopo evitar (impossibilitar) o atravessamento naquele local, e que, a menos de 50 metros daquele mesmo local existia uma passagem para peões.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo



Processo nº 537/2011
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão do Colectivo do T.J.B. decidiu-se condenar A como autor de 1 crime de “ofensa à integridade física por negligência”, p. e p. pelo art. 142°, n.° 3 e art. 14° do C.P.M., na pena de 150 dias de multa à taxa de MOP$100.00 por dia, perfazendo a multa de MOP$15.000,00, convertível em 100 dias de prisão subsidiária.

*
Em relação ao pedido de indemnização civil enxertado nos autos, decidiu o Tribunal condenar a demandada COMPANHIA DE SEGUROS XX S.A.R.L. (XX保險有限公司) a pagar ao demandante B o montante de MOP$34.760.40 a título de indemnização por danos patrimoniais, e MOP$100.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais; (cfr., fls. 180-v a 181 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformado, o demandante civil recorreu.
Na sua motivação conclui de forma seguinte:

“1.) Os factos provados pelo Tribunal a quo no acórdão recorrido são os seguintes:
2.) Em 23 de Agosto de 2009, cerca das 19h05, o arguido A conduzia o motociclo de matrícula MB-11-XX na Avenida Marginal do Lam Mau, vindo da Travessa dos Estaleiros em direcção ao Mercado Municipal do Patane.
3.) Ao chegar à via em frente do Edifício Son Tou Wan (信濤灣) (vide o croqui a fls. 11 dos autos e as fotos tiradas no local a fls. 20 dos autos), o arguido não controlou adequadamente a velocidade do motociclo por si conduzido, fazendo com que não conseguisse travar a tempo o motociclo, indo embater no peão B (ofendido) que surgiu do canteiro de flores que separa as faixas de rodagem, a atravessar a Avenida Marginal do Lam Mau, do lado direito para o lado esquerdo, atento o sentido de marcha do motociclo do arguido.
4.) O relatório do exame médico directo das lesões, o relatório médico e o relatório pericial de clínica médico-legal do ofendido estão constantes de fls. 18, 27 e 29 dos autos.
5.) O referido acidente causou directamente ao ofendido fractura da diáfise do fémur esquerdo, fractura do processo transverso das 2.ª a 4.ª vértebras lombares e contusões e lacerações do tecido mole do couro cabeludo, estimando-se que essas lesões lhe demandaram 150 dias para se recuperar, ou no futuro mais necessitará de 15 dias para ser sujeito a uma intervenção cirúrgica para retirar os fixadores internos. Só as lesões físicas sofridas pelo ofendido já lhe causaram ofensa à integridade física grave (vide o relatório pericial de clínica médico-legal a fls. 29 dos autos).
6.) O arguido não regulou a velocidade de modo a que, atendendo às características e estado da via e do veículo, à carga transportada e a quaisquer outras circunstâncias especiais, pudesse, em condições de segurança, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente e evitar qualquer obstáculo que lhe surgisse em condições normalmente previsíveis.
7.) Após o acidente, o demandante cível teve de andar com auxílio de muletas e sofreu dores.
8.) Após alta hospitalar, o demandante cível teve de deitar-se na cama e ser cuidado pela mulher.
9.) Após alta hospitalar, o demandante cível teve de ir ao hospital para consultas externas e sofreu dores na mudança de penso e no diagnóstico.
10.) As dores físicas sofridas pelo demandante cível causaram-lhe dificuldade para dormir.
11.) A indemnização por danos não patrimoniais no montante de MOP$100.000,00 é manifestamente muito baixa, violando o princípio da equidade previsto no artigo 489.º do Código Civil de Macau.
12.) No acórdão do Tribunal a quo, referiu-se que dos factos provados do presente processo resulta que o acidente de viação causou ao ofendido B sofrimentos físicos e morais, tensão e ansiedade durante o período de doença e durante o período de convalescença. Considerando as lesões sofridas pelo ofendido decorrentes do acidente de viação, o tempo de convalescença e o grau de sofrimentos físicos e morais sofridos pelo ofendido,
13.) Este Tribunal entende que o acidente de viação causou ao ofendido ofensa à integridade física, limitando objectivamente a sua vida corrente devido às lesões por si sofridas e sofrendo dores morais.
14.) Contudo, tendo em conta os aludidos factos provados e analisando as lesões sofridas pelo recorrente, o Tribunal a quo só fixou o montante indemnizatório por danos não patrimoniais do ofendido em MOP$100.000,00.
15.) Salvo o devido respeito, o recorrente não se conforma com o aludido montante indemnizatório por danos não patrimoniais.
16.) Agora, vem o recorrente citar um caso referente à indemnização por danos não patrimoniais atribuída no acórdão proferido pelo Venerando Tribunal de Segunda Instância no Processo n.º 20/2009, de 11 de Novembro de 2010: “(…) Conforme a perícia médico-legal, A precisou de 90 dias para se recuperar e mais 12 dias para ser sujeito a uma intervenção cirúrgica para retirar os pinos de fixação”, “(…) verificou-se que o recorrente sofreu fractura da diáfise do fémur esquerdo e fractura do ramo do osso púbis esquerdo. O recorrente foi internado duas vezes em 27 de Janeiro de 2005 e 18 de Janeiro de 2006 para ser sujeito a intervenções cirúrgicas (…) Visto que lhe deixou uma cicatriz de 12 cm de comprimento, na parte média do lado exterior da coxa esquerda (…)”, “(…) prova-se que o montante indemnizatório por danos não patrimoniais fixado pelo tribunal a quo deve ser aumentado para MOP$250.000,00”.
17.) Daí, pode-se ver que o montante indemnizatório por danos não patrimoniais atribuído pelo acórdão recorrido é manifestamente muito baixo.
18.) Quanto à fixação da percentagem da culpa da responsabilidade civil
19.) In casu, existe erro notório na apreciação da prova (artigo 400.º n.º 2 alínea c) do Código de Processo Penal).
20.) Consultando o relatório do acidente de viação, n.º 398/2009, a fls. 3 dos autos, referiu-se que o ponto de embate é no meio da faixa de rodagem, podendo assim confirmar que na altura o recorrente já atravessou a metade da faixa de rodagem.
21.) Pelo acima exposto, obviamente, o tribunal a quo omitiu provar tal facto relevante.
22.) No nosso entender, tal facto é relevante uma vez que o recorrente só chegou a ser embatido pelo motociclo em causa depois de ter atravessado a metade da faixa de rodagem, por isso, quanto à percentagem da culpa da responsabilidade civil do presente caso, o arguido deve assumir grande parte da responsabilidade.
23.) Vamos igualmente citar o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, de 11 de Novembro de 2010, no Processo n.º 20/2009: “(…) Considerando que, apesar de o recorrente atravessar a via em local proibido, o arguido já avistou o recorrente no meio da faixa de rodagem antes de embatê-lo, e na altura, o tempo e o estado da via estavam normais e a visibilidade estava boa, mas o arguido ainda não conseguiu controlar adequadamente a velocidade, indo embater no recorrente que quase acabou o atravessamento da via, vindo o mesmo a ser projectado a uma distância de 16 metros, por isso, a culpa do arguido e do recorrente no acidente de viação deve ser respectivamente alterada, sendo na proporção de 70% para o arguido e 30% para o recorrente”
24.) Por fim, a culpa da responsabilidade civil do arguido e do recorrente do presente caso deve ser alterada, sendo na proporção de 70% para o arguido e 30% para o recorrente”; (cfr., fls. 188 a 198 e 256 a 269).

*

Respondendo, pugna o arguido pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 203 a 205).

*

Neste T.S.I., juntou o Exmo. Magistrado do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“Sendo certo que, no fundamental, o presente recurso se reporta a matéria essencialmente cível, apenas uma breve nota àcerca do assacado erro notório na apreciação da prova, atinente à fixação da culpa, sustentando o recorrente, a tal propósito, que, situando-se o ponto de embate do acidente no meio da faixa de rodagem, haveria que distribuir diferentemente a percentagem de culpa atribuída, socorrendo-se, aliás, de jurisprudência que, em seu critério deveria conduzir a maior percentagem na responsabilidade a atribuir ao arguido.
Só que, bem vistas as coisas, nem na douta decisão controvertida, nem, sequer, no libelo acusatório, consta aquele dado promordial de que o recorrente faz depender a sua argumentação, tendo-se apenas fixado, no específico, que o ofendido “surgiu do canteiro de flores que separa as faixas de rodagem, a atravessar a Avenida Marginal de Lau Mau, do lado direito para o lado esquerdo, atento o sentido de marcha do motociclo do arguido”, daqui se podendo inferir que o embate se terá registado logo aquando do início da tentativa de' travessia por parte do recorrente, nada indiciando, do acervo probatório carreado, que os julgadores erraram ao considerarem como provados os factos como o fizeram, que exista qualquer incompatibilidade entre eles ou qualquer desconformidade com o que se provou, ou ainda que tenham retirado dos mesmos qualquer conclusão logicamente inaceitável, razão por que haverá que considerar tratar-se o argumentado de mera e “pessoalíssima” perspectiva do ofendido, em contraste com a livre convicção da entidade decidente, fundada esta na livre apreciação da prova consignada no art° 114° CPPM, sendo certo, repete-se que, analisada, a decisão recorrida na sua globalidade, constata-se ser a mesma lógica e coerente, não tendo o Tribunal decidido em contrário ao que ficou provado ou não provado, contra as regras da experiência ou em desrespeito dos ditames sobre o valor da prova vinculada ou das “legis artis”, não passando a invocação do erro notório da apreciação da prova de uma mera manifestação de discordância no quadro do julgamento da matéria de facto, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, insindicável em reexame de direito.
Tudo razões por que, no específico, entendemos não merecer provimento o presente recurso”; (cfr., fls. 279 a 280).

*

Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados os factos seguintes:

“1. Em 23 de Agosto de 2009, cerca das 19h05, o arguido A conduzia o motociclo de matrícula MB-11-XX na Avenida Marginal do Lam Mau, vindo da Travessa dos Estaleiros em direcção ao Mercado Municipal do Patane.
2. Ao chegar à via em frente do Edifício Son Tou Wan (信濤灣) (vide o croqui a fls. 11 dos autos e as fotos tiradas no local a fls. 20 dos autos), o arguido não controlou adequadamente a velocidade do motociclo por si conduzido, fazendo com que não conseguisse travar a tempo o motociclo, indo embater no peão B (ofendido) que surgiu do canteiro de flores que separa as faixas de rodagem, a atravessar a Avenida Marginal do Lam Mau, do lado direito para o lado esquerdo, atento o sentido de marcha do motociclo do arguido.
3. O aludido acidente causou directamente que o ofendido e o arguido caíram no chão e sofreram lesões, e em seguida, o ofendido foi transportado de ambulância do Corpo de Bombeiros para o Centro Hospitalar de Conde S. Januário enquanto o arguido foi encaminhado para o Hospital Kiang Wu para receber tratamento médico.
4. O relatório do exame médico directo das lesões, o relatório médico e o relatório pericial de clínica médico-legal do ofendido estão constantes de fls. 18, 27 e 29 dos autos.
5. O referido acidente causou directamente ao ofendido fractura da diáfise do fémur esquerdo, fractura do processo transverso das 2.ª a 4.ª vértebras lombares e contusões e lacerações do tecido mole do couro cabeludo, estimando-se que essas lesões lhe demandaram 150 dias para se recuperar, ou no futuro mais necessitará de 15 dias para ser sujeito a uma intervenção cirúrgica para retirar os fixadores internos. Só as lesões físicas sofridas pelo ofendido já lhe causaram ofensa à integridade física grave (vide o relatório pericial de clínica médico-legal a fls. 29 dos autos).
6. Aquando do acidente de viação, o tempo estava bom, o piso estava seco, a iluminação da via estava ligada e a densidade do tráfego estava normal.
7. O arguido agiu de forma livre e consciente ao praticar as aludidas condutas.
8. O arguido não regulou a velocidade de modo a que, atendendo às características e estado da via e do veículo, à carga transportada e a quaisquer outras circunstâncias especiais, pudesse, em condições de segurança, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente e evitar qualquer obstáculo que lhe surgisse em condições normalmente previsíveis.
9. Bem sabendo que o desrespeito das regras de trânsito representava como consequência possível da ocorrência do acidente de viação e das lesões pessoais, embora actuando sem desejar ou sem se conformar com a realização de tal facto ou de tal resultado, o arguido agiu sem o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz, provocando, em consequência, o presente acidente de viação, embatendo no ofendido e causando directa e necessariamente no ofendido ofensa à integridade física grave.
10. O arguido sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei de Macau.
***
O CRC do arguido revela que o arguido é primário.
O ofendido B, ao atravessar a Avenida Marginal do Lam Mau, do lado direito para o lado esquerdo, atento o sentido de marcha do arguido, não utilizou a passagem para peões existente a uma distância inferior a 50 metros do local onde ocorreu o acidente, e na altura, o ofendido pegava ao colo dois cães.
O arguido é condutor do guindaste, auferindo mensalmente MOP$18.000,00, tendo como habilitações académicas o 6.º ano de escolaridade do ensino primário, tendo a seu cargo o sogro, a mulher e três filhos.
1. O demandante cível B teve de suportar as despesas médicas decorrentes do acidente de viação em apreço, no valor de MOP$15.868,00.
2. Após o acidente, o demandante cível teve de andar com auxílio de muletas e sofreu dores.
3. Após alta hospitalar, o demandante cível teve de deitar-se na cama e ser cuidado pela mulher.
4. Após alta hospitalar, o demandante cível teve de ir ao hospital para consultas externas e sofreu dores na mudança de penso e no diagnóstico.
5. As dores físicas sofridas pelo demandante cível causaram-lhe dificuldade para dormir.
6. O demandante cível tem sempre dores nos ferimentos e as dores pioram especialmente em dias nublados e de chuva.
7. Ao atravessar a via, o demandante cível não utilizou a passagem para peões.
8. Existe uma passagem para peões a uma distância inferior a 50 metros do local onde ocorreu o acidente, atendo o sentido de marcha do arguido.
(1) Factos não provados:
Na parte penal do presente processo, não há factos não provados que não correspondem aos factos provados.
São considerados factos não provados os restantes factos constantes do pedido de indemnização cível e da contestação que não correspondem aos factos provados”; (174-v a 176 e 231 a 236).

Do direito

3. Vem o demandante civil B recorrer do Acórdão proferido pelo Colectivo do T.J.B..

Dois são os motivos do seu inconformismo.

O primeiro, quanto à “percentagem de culpa” atribuída ao arguido, (30%), imputando aqui à decisão recorrida o vício de “erro notório na apreciação da prova”, e, o segundo, quanto ao montante pelo Tribunal a quo arbitrado a título de “indemnização por danos não patrimoniais”.

–– Vejamos, começando-se pela mencionada “percentagem de culpa”.

Ora, em relação a esta matéria, assim decidiu o Colectivo a quo:

“Para determinar a responsabilidade da indemnização, deve-se, em primeiro lugar, fixar a culpa e confirmar a culpa das partes do acidente de viação e as suas proporções.
Conforme os factos provados do presente processo, o arguido A conduziu o motociclo de matrícula MB-11-XX na Avenida Marginal do Lam Mau, vindo da Travessa dos Estaleiros em direcção ao Mercado Municipal do Patane.
Ao chegar à via em frente do Edifício Son Tou Wan (信濤灣), o arguido não controlou adequadamente a velocidade do motociclo por si conduzido, fazendo com que não conseguisse travar a tempo o motociclo, indo embater no ofendido B que surgiu do canteiro de flores que separa as faixas de rodagem, a atravessar a Avenida Marginal do Lam Mau, do lado direito para o lado esquerdo, atento o sentido de marcha do arguido, causando lesões físicas ao ofendido B; por outro lado, o ofendido B,sem respeitar às regras de trânsito nem utilizar a passagem para peões existente a uma distância inferior a 50 metros do local onde ocorreu o acidente, surgiu do canteiro de flores que separa as faixas de rodagem, a atravessar a Avenida Marginal do Lam Mau, do lado direito para o lado esquerdo, atendo o sentido de marcha do arguido, por isso, conforme o princípio de proporção da culpa, no presente acidente de viação, o arguido deve ter 30% da culpa enquanto o ofendido B deve ter 70% da culpa”
(…)
No que diz respeito à indemnização por danos não patrimoniais, o ofendido B pede que lhe seja paga a indemnização por danos não patrimoniais no montante de MOP$500.000,00.
Dos factos provados do presente processo resulta que o acidente de viação causou ao ofendido B sofrimentos físicos e morais, tensão e ansiedade durante o período de doença e durante o período de convalescença. Considerando as lesões sofridas pelo ofendido decorrentes do acidente de viação, o tempo de convalescença e o grau de sofrimentos físicos e morais sofridos pelo ofendido, este Tribunal entende que o acidente de viação causou ao ofendido ofensa à integridade física, limitando objectivamente a sua vida corrente devido às lesões por si sofridas e sofrendo dores morais, por isso, tendo em conta os números de dias que o ofendido foi ferido e a gravidade das lesões, este Tribunal decide fixar, conforme o princípio da equidade previsto no artigo 489.º do Código Civil e tomando como referência as jurisprudências desta Região, a indemnização por danos não patrimoniais do ofendido B em MOP$100.000,00.
Nestes termos, o montante total da indemnização que o ofendido B pode receber no presente processo é: MOP$15.868,00 + MOP$100.000,00 = MOP$115.868,00; (cfr., fls. 243 a 249).

Perante isto, e em nossa opinião, evidente é que inexiste o assacado “erro notório na apreciação da prova”.

De facto, no que tange a tal vício, repetidamente tem este T.S.I. afirmado que “o erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”

De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 26.05.2011, Proc. n.° 268/2011 do ora relator).

E, no caso, como bem nota o Exmo. Magistrado do Ministério Público no seu douto Parecer que aqui, atento o princípio de economia processual, se dá como reproduzido, patente é que limita-se o recorrente a tentar impor a sua versão dos factos, afrontando o princípio consagrado no art. 114° do C.P.P.M., o que, como é óbvio, não colhe.

Na verdade, ao não dar como provado que o embate ocorreu a meio da via, não violou o Colectivo a quo qualquer regra sobre o valor das provas tarifadas, regra de experiência ou legis artis, sendo assim inviável a conclusão no sentido que incorreu o dito Colectivo no aludido “erro notório”.

No que toca à percentagem de culpa, e não havendo erro na apreciação da prova cremos também que censura não merece a decisão do T.J.B..

Com efeito, provado está que o ofendido ora recorrente “surgiu do canteiro de flores que separa as faixas de rodagem, a atravessar a Avenida Marginal do Lam Mau, do lado direito para o lado esquerdo, atento o sentido de marcha do motociclo do arguido”.

Ora, tal conduta, aliada também ao facto provado no sentido de que o ora recorrente, “não utilizou a passagem para peões existente a uma distância inferior a 50 metros do local onde ocorreu o acidente”, é justificadora da decisão em se atribuir ao mesmo 70% de culpa na eclosão do acidente.

Na verdade, mostra-se de consignar que razoável é de reconhecer que o ofendido tentou atravessar a via onde não devia, surgindo de um canteiro de flores que separa as faixas de rodagem e que tem também como escopo evitar (impossibilitar) o atravessamento no dito local.

Dito isto, continuemos.

–– Quanto ao montante da “indemnização por danos não patrimoniais”.

Pois bem, fixou o Colectivo a quo o montante de MOP$100.000,00.

Temos vindo a entender que:

“A indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu.”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.03.2011, Proc. n° 535/2010), sendo também de considerar que em matérias como as em questão inadequados são “montantes miserabilistas”, não sendo igualmente de se proporcionar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados”.

No caso, atenta a factualidade dada como provada, que dizer?

Cremos que também aqui censura não merece o decidido.

De facto, tendo-se presente o que se deixou consignado, as lesões sofridas, a percentagem de culpa do ofendido, ora recorrente, na eclosão do acidente, e o estatuído no art. 487° do C.C.M., adequado se nos mostra o quantum arbitrado.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente.

Honorários ao Exmo. Patrono no montante de MOP$1.500.00.

Macau, aos 27 de Outubro de 2011
José Maria Dias Azedo
Tam Hio Wa
   陳廣勝(本人不同意上訴庭在本案內剛作出的上訴判決,因為本人經分析案情後,認為上訴庭應裁定交通事故傷者B的上訴理由部份成立,進而應把他和駕車者A在涉案交通意外中的過錯比例定為各佔百分之五十)。

Proc. 537/2011 Pág. 26

Proc. 537/2011 Pág. 1