Processo nº 680/2011 Data: 01.12.2011
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “emissão de cheque sem provisão”.
Composição do Tribunal.
Pena.
SUMÁRIO
1. Se com o anterior acórdão deste T.S.I. decidiu-se tão só revogar a decisão do T.J.B. na parte que julgou extinto o procedimento criminal contra o arguido, determinando-se a remessa dos autos àquele Tribunal para decisão em conformidade, adequada foi a devolução do processo ao mesmo juízo onde antes correu termos.
2. Verificando-se que agiu o arguido com dolo intenso e directo, atento o valor pecuniário em causa, (H.K.D.$370.000,00), e ao crime cabendo a pena de prisão até 5 anos ou multa até 600 dias, excessiva não é a pena de multa de 180 dias, à taxa diária de MOP$350.00, perfazendo a multa global de 54.000,00, ou 120 dias de prisão subsidiária.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 680/2011
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, com os sinais dos autos, vem recorrer do Acórdão datado de 29.06.2011 e proferido pelo Colectivo do T.J.B. que o condenou como autor da prática de 1 crime de “emissão de cheque sem provisão”, p. e p. pelo art. 214°, n.° 2, al. a), do C.P.M., na multa de 180 dias, à taxa diária de MOP$350.00, perfazendo a multa global de 54.000,00, ou 120 dias de prisão subsidiária; (cfr., fls. 548 e 548-v e 563 a 577-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Em Resposta e posterior Parecer, é o Ministério Público de opinião que o recurso não merece provimento, sendo também esta a opinião do assistente B; (cfr., fls. 596 a 602-v e 621 a 624-v).
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Certo sendo que interpôs também o arguido um outro recurso interlocutório (de um despacho proferido em sede de audiência de julgamento), e nada obstando, passa-se a apreciar.
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Fundamentação
2. Do “recurso interlocutório”.
Importa, antes de mais, atentar no seguinte:
- por Acórdão de 23.06.2009 pelo Colectivo do T.J.B. proferido nos presentes autos, deu-se como provado que:
“Em 3 de Novembro de 2004, o ofendido B emprestou aguido A uma verba de quantitativo desconhecido, s não inferior a HKD$200.000,00. O arguido prometeu devolver ao ofendido o empréstimo acima referido antes de 3 de Abril de 2005, e emitiu e preencheu o cheque n.° 716059 do Banco da China (Hong Kong) Limitada para o ofendido, que acreditou que pode sacar o respectivo
Em 3 de Abril de 2005, o ofendido entregou o cheque acima referido ao Banco Tai Fung, Sucursal de Taipa para sacar dinheiro.
A data de pagamento do cheque acima referido foi até 3 de Abril de 2005, o quantitativo sacado foi no valor de HKD $370.000,00, e o aceitante foi o ofendido.
Em 6 de Abril de 2005 o banco recusou sacar o cheque acima referido por já ser saldada a respectiva conta n.° 012 711 00006186.
O ofendido exigiu então ao arguido o reembolso da verba acima referida, mas o arguido pediu ao aquele que prolongasse o prazo de reembolso e prometeu devolver-lhe a verba acima referida antes de 15 de Maio de 2005. O arguido recuperou o cheque acima referido e emitiu outro cheque para o ofendido (o cheque n.° 716066 do Banco da China (Hong Kong) Limitada), que acreditou que o respectivo cheque pode ser sacado no banco.
Em 17 de Maio de 2005, o ofendido entregou o cheque n,° 716066 cima referido ao Banco Tai Fung, Sucursal de Taipa para sacar dinheiro .
A data de pagamento do cheque acima referido foi até 15 de Maio de 2005. O quantitativo sacado foi no valor de HKD $370.000,00, e o aceitante foi o ofendido.
No dia 18 do mesmo mês, o banco recusou sacar o cheque acima referido por já ser saldada a respectiva conta n.° 012 711 00006186.
O arguido bem sabia que a respectiva conta do banco já foi saldada aquando da emissão do cheque acima referido.
O arguido bem conhecia que a conta no banco do seu cheque já foi saldada, no entanto, para obter para si enriquecimento ilegítimo, ele emitiu dolosamente ao ofendido o cheque acima referido, causando o prejuízo patrimonial do mesmo.
O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente ao praticar as condutas acima referidas.
O arguido bem sabia que a sua conduta vai ser punida.
O assistente instaurou a execução da verba do cheque ao arguido através do processo n.° CV1-07-0038-CEO do 1.° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base.
Segundo o registo criminal, o arguido é delinquente primário.
O arguido é comissário da comissão administrativa de sociedade de lotarias, com o rendimento mensal de cerca de 60 mil a 70 mil, a sua esposa é dona de casa, eles têm dois filhos, respectivamente 11 anos e 6 anos. O arguido vive com os familiares em Hong Kong, mas tem de trabalhar em Macau cada Segunda-feira a Quinta-feira. O arguido tem Licenciatura de Gestão de Empresas, ora está a frequentar o curso à distância do Mestrado de Gestão de Empresas dos EUA”.
- seguidamente, consignou-se no dito acórdão que:
“Considera-se provado que o arguido bem conhecia que a conta do banco do seu cheque já foi saldada, mas para obter para si enriquecimento ilegítimo, ele emitiu dolosamente ao ofendido os cheques acima referidos, causando o prejuízo patrimonial do mesmo. No entanto, o assistente emprestou a respectiva verba baseando na amizade com o arguido, mas não que os cheques emitidos por este. Pelo que, carece do facto do arguido determinar, por meios astuciosos, o ofendido a entregar-lhe dinheiro, quer dizer, deve absolver o arguido, pelo imputado, em autoria material e na forma consumada, dum crime de burla p.p. pelo art.° 211°, n.° 4, al. a) do Código Penal em conjugação com o art.° 196°, al. b) do mesmo Código.
No entanto, o arguido emitiu os cheques ao ofendido bem sabendo que a sua conta do banco já tinha sido saldada, a sua conduta constitui evidentemente a conduta dolosa para que o cheque emitido não for pago, também constitui o crime de emissão de cheque sem provisão previsto no art.° 214.°, n.° 2, al. a) do Código Penal. Vide a sentença n.° 710/2008 do Tribunal de Segunda Instância de 16 de Dezembro de 2008 para a mesma sentença.
Por outro lado, o assistente instaurou a execução da verba do cheque ao arguido através do processo n.° CV1-07-0038-CEO do Tribunal. Por o crime de emissão de cheque sem provisão ser um crime semi-público, o procedimento criminal depende de queixa. (art. ° 220.°, n.° 1 do Código Penal). Em relação ao pedido da execução da verba do respectivo cheque deduzido pelo assistente através do processo civil, é considerado como renúncia ao direito de queixa nos termos do art.° 61.°, n.° 2 do Código de Processo Penal. Pelo que, nos termos do art.° 214.°, n.° 2, al. a) e art.° 220.°, n.° 1 do Código Penal, conjugado com o art.° 40.°, n.° 3 do Código de Processo Penal, homologa a renúncia à queixa formulada pelo assistente e julga extinto o procedimento penal contra o arguido, em autoria material e na forma consumada, dum crime de emissão de cheque sem provisão p.p. pelo art.° 214.°, n.° 2, al. a) do Código Penal”.
- e, nesta conformidade, em sede de dispositivo, julgou-se extinto o procedimento criminal contra o arguido.
- inconformado com o assim decidido, mais concretamente, com o entendimento no sentido de que “renunciou ao procedimento criminal contra o arguido”, o assistente recorreu, pedindo a revogação do Acórdão recorrido e a condenação do dito arguido.
- por Acórdão deste T.S.I. de 09..12.2010, e considerando-se que a acção civil pelo assistente proposta na pendência do processo crime contra o arguido não implicava a extinção do procedimento criminal contra o mesmo, decidiu-se “conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir os seus termos, devendo prosseguir para julgamento e prolação do respectivo decisão”.
- após transito do assim decidido, foi o processo remetido ao T.J.B. e ao juízo onde tinha corrido termos.
- designada a data para a (nova) audiência de julgamento, e após declarada a mesma aberta, consignou-se em acta de julgamento que, atenta a decisão ínsita no Acórdão deste T.S.I. de 09.12.2010, transitada em julgado estava a decisão da matéria de facto constante do anterior Acórdão do Colectivo do T.J.B. de 23.06.2009, assim como a qualificação jurídico-penal aí efectuada (e que considerou ter o arguido cometido 1 crime de “cheque sem provisão” p. e p. pelo art. 214°, n.° 2, al. a) do C.P.M.).
Sendo esta a decisão objecto do presente recurso (interlocutório), vejamos.
Desde já, cabe referir que não tendo o Acórdão deste T.S.I. de 09.12.2010 ordenado o reenvio dos autos para novo julgamento nos termos do art. 418° do C.P.P.M., adequada foi a devolução dos presentes autos ao mesmo juízo do T.J.B. onde antes tinham corrido termos.
Assim, e constatando-se que o Colectivo do T.J.B. que proferiu a decisão ora recorrida, (como a final), foi composto de acordo com as regras no T.J.B. vigentes em tal matéria, resta ver se legal é a aludida decisão.
Pois bem, cremos que bem andou o Colectivo a quo.
De facto, resulta do que se deixou consignado que a única questão suscitada no âmbito do recurso então para este T.S.I. interposto pelo assistente (e no qual se proferiu o Acórdão de 19.12.2010) era a de se saber se a proposição, por aquele, de uma acção civil na pendência dos presentes autos, tinha como efeito a “renúncia” da sua queixa-crime, com a consequente extinção do procedimento criminal contra o arguido.
E, assim sendo, não tendo o arguido interposto também recurso do então proferido Acórdão do T.J.B. de 23.06.2009, adequada nos parece a decisão (ora recorrida) que considerou que a decisão da matéria de facto, e subsequente enquadramento jurídico penal aí operado tinha transitado em julgado.
Não se nega que no dispositivo do Acórdão deste T.S.I. de 19.12.2010 se decidiu que deviam “os autos prosseguir os seus termos, devendo prosseguir para julgamento e prolação do respectivo decisão”, o que, admite-se, pode levar ao entendimento no sentido de que se determinou um “novo julgamento” da matéria de facto, com prolação de nova decisão em conformidade.
Contudo, não se pode esquecer que com o dito Acórdão deste T.S.I. de 19.12.2010, e atento o objecto do recurso que com o mesmo se julgou, apreciou-se apenas do “efeito” da acção civil proposta pelo assistente, (se daria lugar à extinção do procedimento criminal), nenhuma referência se tendo feito ao julgamento da matéria de facto e qualificação jurídica operada no Acórdão do T.J.B. de 23.06.2009.
Assim, dúvidas não nos parecendo haver que as decisões devem ser entendidas e interpretadas em conformidade com a sua respectiva fundamentação, razoável não se mostra de concluir que com o dito Acórdão deste T.S.I. de 19.12.2010 se decidiu anular (também) o julgamento da matéria de facto e o dito enquadramento jurídico operado.
Dest’arte, apreciadas as questões colocadas no presente recurso, e razões inexistindo para se censurar a decisão ora recorrida, justificada fica a sua improcedência.
3. Do “recurso do Acórdão pelo Colectivo do T.J.B. proferido em 29.06.2011”.
Como se deixou exposto, mantendo-se a decisão da matéria de facto e a qualificação jurídica antes operada, decidiu-se, com o Acórdão ora recorrido, condenar o arguido ora recorrente pela sua prática de 1 crime de “emissão de cheque sem provisão”, p. e p. pelo art. 214°, n.° 2, al. a) do C.P.M., na multa de 180 dias, à taxa diária de MOP$300.00, perfazendo a multa global de 54.000,00, ou 120 dias de prisão subsidiária.
E, em síntese, afirma o arguido que o assim decidido padece de “vícios da matéria de facto”, “falta de fundamentação” e “erros de direito”.
Ora, sem prejuízo do muito respeito devido a melhor entendimento, patente é que nenhuma razão tem o arguido ora recorrente, impondo-se assim a rejeição do presente recurso, como infra, e ainda que de forma abreviada, se passa a expor.
Nada verdade, e ainda que não fosse de considerar que a decisão da matéria de facto proferida no Acórdão de 23.06.2009 tinha transitado em julgado, não se vislumbra como, onde ou em que termos esteja a mesma inquinada com qualquer dos vícios da matéria de facto tipificados no art. 400°, n.° 2 do C.P.P.M., a saber, o de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, “contradição insanável da fundamentação” e “erro notório na apreciação da prova”, ociosas se nos afigurando mais alongadas considerações sobre o ponto em questão.
Com efeito, não há matéria de facto por investigar, tendo o Tribunal emitido pronúncia sobre todo o objecto do processo, a matéria de facto dada como provada apresenta-se clara e em conformidade com a lógica natural das coisas, não se tendo também violado qualquer regra sobre o valor das provas tarifadas, regras de experiência ou legis artis.
Quanto à “falta de fundamentação”, patente é também que fundamentado está o Acórdão recorrido, bastando uma mera leitura ao mesmo para se chegar a tal conclusão.
De facto, no Acórdão ora recorrido reproduziu-se toda a fundamentação exposta no Acórdão de 23.06.2009 quanto à convicção do Tribunal e enquadramento jurídico, mostrando-se-nos que é a mesma explícita e bastante, mal se compreendendo as razões que levam o recorrente a considerar padecer o veredicto em questão da apontada maleita.
No que toca ao “vício de direito”, imperativo se torna adoptar o mesmo entendimento, pois que preenchidos estão todos os elementos típicos do crime de “emissão de cheque sem provisão” imputado ao ora recorrente, censura também não merecendo a pena que lhe foi imposta.
De facto, provado está que o recorrente, emitiu cheques que não foram pagos pelo banco por falta de provisão na sua conta, que tinha conhecimento de tal circunstância, que agiu livre e voluntariamente e que sabia que proibida e punida era a sua conduta.
Assim, atento o montante em causa, (H.K.D. $370.000,00), a pena para o crime cometido, (prisão até cinco anos ou multa até 600 dias; cfr., art. 214°, n.° 2, al. a)) do C.P.M.), o dolo directo e intenso do recorrente, as necessidades de prevenção criminal e restantes circunstâncias provadas, (nomeadamente, a sua primo-delinquência e a sua situação económica), de forma alguma se pode considerar que excessiva é a pena que lhe foi imposta.
Tudo visto, resta decidir.
Decisão
3. Nos termos e fundamentos expostos, acordam negar provimento ao recurso interlocutório, rejeitando-se o recurso interposto do Acórdão (pelo Colectivo do T.J.B. proferido em 29.06.2011), dada a sua manifesta improcedência; (cfr., art. 410°, n.° 1 do C.P.P.M.).
Pagará o recorrente a taxa de justiça total de 8 UCs, e como sanção pela rejeição, o equivalente a 4 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 4 do C.P.P.M.).
Macau, aos 01 de Dezembro de 2011
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Ho Wai Neng
Proc. 680/2011 Pág. 16
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