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Processo nº 597/2010
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 10 de Novembro de 2011

Assunto:
- Contrato a favor de terceiro
- Trabalhadores não residentes

SUMÁRIO:
- A celebração de um “contrato de prestação de serviços” entre uma empresa fornecedora de trabalhadores não residentes na RAEM e a entidade patronal desses trabalhadores, no qual esta assume as condições de trabalho a estabelecer com os trabalhadores não residentes que vier a contratar, condições essas que foram aprovadas pela Administração ao abrigo dos Despachos nºs 12/GM/88 e 49/GM/88, representa para os trabalhadores não residentes um contrato a favor de terceiro, cuja violação por parte da entidade patronal origina um correspondente direito de indemnização a favor dos trabalhadores não residentes.
- O DL nº 24/89/M não é aplicável, em princípio, às relações laborais de trabalhadores não residentes, as quais deverão ser reguladas por normas especiais (artº 3º, nº 3, al. d) do citado diploma legal). Contudo, nada obsta a aplicação do mesmo por vontade das partes no caso da inexistência das ditas normas especiais.
O Relator,
Ho Wai Neng

Processo nº 597/2010
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 10 de Novembro de 2011
Recorrente: A (Autor)
Recorrida: Guardforce (Macau) - Serviços e Sistemas de Segurança, Lda. (Ré)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 06/05/2010, julgou-se a acção parcial procedente e, em consequência, condenou-se a Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP$2,933.00 acrescida dos juros moratórios à taxa legal, sendo a Ré absolvida do remanescente do pedido.
Dessa decisão vem recorrer o Autor, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. Ao contrário do que terá concluído o Tribunal a quo não será correcto entender-se que o Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, veio definir os requisitos formais para a contratação de trabalhadores não residentes, contudo, não define o regime legal a que os respectivos contratos estão sujeitos;
2. Do mesmo modo, não será exacto afirmar que até à publicação da recente Lei n.º 21/2009 não tinha sido legalmente definido o regime da contratação dos não resídentes;
3. Ao invés, basta ver que, desde 1988, o Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, fixa(va) as condições de contratação (procedimento) e de trabalho (conteúdo) em que devem ser contratados os trabalhadores não residentes, assumindo claramente uma natureza normativa e de cariz imperativo na medida em que nele se fixa uma disciplina substantiva e processual com vista à contratação, por empregadores de Macau, de trabalhadores não residentes e que, em caso algum, poderá ser afastada pelas partes;
4. Neste sentido, a fixação legal de condições tidas como mínimas, em si mesma constitui um direito que escapa à liberdade da autonomia das partes, visto terem sido consagradas por uma razão - de ordem pública - maxime de protecção dos interesses da generalidade dos trabalhadores residentes (cfr. preâmbulo do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro);
5. Do mesmo modo, o direito às condições mínimas fixado no despacho de autorização configura um direito indisponível e, porquanto, subtraído ao domínio da vontade das partes;
6. Assim, da natureza "especial" do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, não deveria ter resultado qualquer dúvida ou receio por parte do Tribunal a quo quanto à sua directa aplicabilidade à relação sub judice e, bem assim, quanto à circunstância de se tratar de um regime imperativo que respeita à contratação de trabalhadores não residentes, afastando as regras gerais que o contrariem e que se encontrem estabelecidas no Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
7. Mesmo que aos autos se entende ser de aplicar as disposições do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril - por analogia - haveria então que retirar daquela aplicação todas as suas legais consequências, maxime em matéria de descanso semanal, feriados obrigatórios, férias, salário justo e, bem assim, de indemnização rescisória por denúncia e unilateral por parte da Ré, porquanto em causa estariam preceitos inderrogáveis constantes do Regime Jurídico das Relações Laborais, o que igualmente não terá sido feito;
8. A construção jurídico-civilistica constante da Sentença revela-se desnecessária em face da relação material controvertida apresentada pelo Autor, pelo que a decisão se revela incorrecta, por errada qualificação jurídica;
9. Porém, caso se entenda que a qualificação jurídica operada pelo Tribunal a quo se revelava necessária, ainda assim a conclusão enferma de um vício de raciocínio, visto que, em qualquer dos casos, os únicos beneficiários da promessa seriam os trabalhadores e, in casu o Autor, ora Recorrente, e nunca a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau;
10. Ao contrário do que terá entendido o Tribunal a quo, a questão central dos presentes autos traduz-se no desrespeito pela Ré do procedimento legal e positivo, designadamente o constante do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro e, bem assim o Despacho do Secretário para a Economia e Finanças que in casu autorizou a Ré a admitir trabalhadores não residentes, nos quais se incluiu o Autor, ora Recorrente;
11. Assim, a premissa na qual se fundou a decisão do Tribunal a quo para julgar os presentes autos é incorrecta e em muito se afasta dos factos e fundamentos trazidos aos autos quer pelo Autor, quer pela Ré, sendo a mesma nula nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 571.° do Código do Processo Civil;
12. Por outro lado, ao contrário do que erradamente concluiu o Tribunal a quo, em caso algum é verdade que a concreta causa de pedir apresentada pelo Autor tenha consistido na violação das cláusulas do contrato de trabalho;
13. Assim, tendo o Tribunal a quo se afastado do quid decisório, sem que para tal apresente as razões de facto ou de Direito, é a Sentença nula por ausência de fundamento legal;
14. Não é correcto concluir que das condições administrativas exigidas pela Região Administrativa Especial de Macau relativamente à contratação de mão de obra estrangeira não resulta a imposição de contratar nestes ou noutros termos, pois dali não resultam imperativos legais para a entidade patronal e/ou empregado de contratar em detenninados termos;
15. Pelo contrário - uma vez mais se sublinha - o Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, toma de forma clara e expressa uma natureza assumidamente normativa e de cariz imperativo na medida em que nele se fixa uma disciplina substantiva e processual com vista à contratação, por empregadores de Macau, de trabalhadores não residentes, obrigando a uma contratação em condições mínimas acordadas com a empresa prestadora de serviços (Cfr. neste exacto sentido, o Ac. do TSI, de 15 de Dezembro de 2009, Processo de Recurso n.º 739/2009);
16. Na concreta forma de cálculo utilizada para compensar o Autor, ora Recorrente, pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, a douta decisão procede a uma errada aplicação quer do disposto na al. a) do n.º 6, quer do n.º 4 do art. 17.° do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
17. Tendo na Sentença ficado prejudicada a análise da matéria relativa ao subsídio de alimentação e subsídio de efectividade e constante da matéria de facto dada por provada e não tendo o Tribunal a quo se pronunciado sobre a totalidade do pedido, a decisão deverá ser nula, por violação da al. d) do n.º 1 do art. 571.° do Código de Processo Civil.
*
A Ré, ora recorrida, respondeu à motivação do recurso do Autor, nos termos constantes a fls. 293 a 326, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
*
Foram colhidos os vistos legais.

II – Factos
Vêm provados os factos seguintes:
a) A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores;
b) Desde o ano de 1993, a Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de «guarda de segurança», «supervisor de guarda de segurança», «guarda sénior»;
c) Desde 1992, a Ré celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., os «contratos de prestação de serviços»: n.° 9/92, de 29/06/1992; nº 6/93, de 01/03/1993; nº 2/94, de 03/01/1994; nº 29/94, de 11/05/1994; nº 45/94, de 27/12/1994;
d) O contrato de prestação de serviços com base no qual a Ré outorgou o contrato individual de trabalho com o Autor, era o “Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/94”, ao abrigo do Despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 11 de Dezembro de 1993, de admissão de oitenta novos trabalhadores vindos do exterior;
e) Do contrato referido em d) cuja cópia está a de fls. 34 a 39 e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consta que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré teriam direito a auferir no mínimo MOP$90,00 diárias, acrescidas de MOP$15,00 diárias a titulo de subsidio de alimentação, um subsídio mensal de efectividade «igual ao salário de quatro dias», sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço, sendo o horário de trabalho de 8 horas diárias, sendo o trabalho extraordinário remunerado de acordo com a legislação de Macau;
f) A Ré sempre apresentou junto da entidade competente, maxime junto da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego (DSTE), cópia dos «contratos de prestação de serviço» supra referidos, para efeitos de contratação de trabalhadores não residentes;
g) Entre 26 de Dezembro de 1994 e 31 de Maio de 2008, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de “guarda de segurança”;
h) Trabalhando sobre as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré;
i) Era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades;
j) Durante todo o período de tempo anteriormente referido, foi a Ré quem pagou o salário ao Autor;
k) A Ré apresentou ao Autor um contrato individual de trabalho o qual foi assinado pelo Autor, assim como outros seis contratos individuais de trabalho, cujas cópias constam de fls. 50 a 65 e aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais;
l) Entre 1 de Janeiro de 1995 e 30 de Junho de 1997, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário mensal, a quantia de MOP$1,700.00;
m) Entre Julho de 1997 e Março de 1998, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário mensal, a quantia de MOP$1,800.00;
n) Entre Abril de 1998 e Fevereiro de 2005, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,000.00 mensais;
o) Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,100.00 mensais;
p) Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,288.00 mensais;
q) Entre 1 de Janeiro de 1995 e 30 de Junho de 1997 a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$8.00 por hora;
r) Entre Julho de 1997 e Junho de 2002 a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$9.30 por hora;
s) Entre Julho de 2002 e Dezembro de 2002 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$10.00 por hora;
t) Entre Janeiro de 2003 e Fevereiro de 2005 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11.00 por hora;
u) Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11.30 por hora;
v) Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11.50 por hora.
w) O Autor só teve conhecimento do efectivo e concreto conteúdo de um «contrato de prestação de serviços» assinado entre a Ré e Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, já depois de cessada a relação de trabalho com a Ré, mediante informação por escrito prestada pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) em 2008;
x) Entre 01.01.1995 e 30.06.1999, o Autor trabalhou em turnos de 12 horas de trabalho por dia;
y) Entre 01.07.1999 e 30.06.2002 o A. prestou 6246 horas de trabalho extraordinário;
z) Entre 01.07.2002 e 31.12.2002 o A. prestou 1113 horas de trabalho extraordinário;
aa) Entre 01.01.2003 e 28.02.2005 o A. prestou 5488 horas de trabalho extraordinário;
bb) Entre 01.03.2005 e 28.02.2006 o A. prestou 2391 horas de trabalho extraordinário;
cc) Entre 01.03.2006 e 31.12.2006 o A. prestou 2993 horas de trabalho extraordinário;
dd) A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação;
ee) Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca o Autor - sem conhecimento e autorização prévia pela Ré - deu qualquer falta ao trabalho;
ff) A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de «subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias»;
gg) Entre 06.02.2001 e 15.01.2002 o Autor apenas gozou 4 dias de descanso semanal;
hh) Pela prestação de trabalho pelo Autor nos dias de descanso semanal, o Autor sempre foi remunerado pela Ré com o valor de um salário diário, em singelo e não lhe foi concedido um dia de descanso compensatório.
*
III – FUNDAMENTOS
O presente recurso consiste em apreciar essencialmente as seguintes questões:
1. A omissão da pronúncia da sentença recorrida.
2. Qualificação jurídica do contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.;
3. O regime jurídico aplicável à relação laboral estabelecida entre o Autor e a Ré; e
4. O quantum compensatório
*
O Autor entende que o tribunal a quo ao julgar prejudicado o conhecimento dos pedidos dos subsídios de alimentação e de efectividade, está a omitir a pronúncia dos mesmos, pelo que é nula sentença recorrida.
Não lhe assiste razão, já que como bem afirmou a Ré na sua resposta à motivação do recurso que “A falta de análise de uma questão por parte do Tribunal a quo por considerar que a apreciação da mesma ficou prejudicada pelo solução dada a qualquer outra questão colocada no âmbito do mesmo processo, não é recondutível ao vício de omissão de pronúncia previsto na alínea d), do nº 1 do artigo 571º do Código de Processo Civil”.
No mesmo sentido, temos o Ac. deste Tribunal, proferido no Proc. nº 78/2000, de 20/03/2000.
  É improcedente o recurso nesta parte.
*
Sobre as restantes identificadas questões, este Tribunal já se pronunciou de forma unânime em vários processos do mesmo género (cfr. Procs. nºs 722/2010, 876/2010, 805/2010, 837/2010, 574/2010, 774/2010, 838/2010, etc, de 07/07/2011, 02/06/2011, 30/06/2011, 16/06/2011, 12/05/2011, 19/05/2011 e 16/06/2011, respectivamente) no sentido de que:
- O acordo celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda é um contrato a favor de terceiro;
- Este contrato é aplicável à relação laboral estabelecida entre o Autor e a Ré.
- O quantum compensatório calculado com base no referido contrato a favor de terceiro e nas disposições do DL nº 24/89/M, quer por aplicação analógica, quer por remissão contratual, não merece de qualquer censura ou reparação.
Com a devida vénia e a propósito de situação igual à que ora nos ocupa, transcreve-se a jurisprudência fixada no Ac. do Proc. nº 838/2010:
“…
2. Da qualificação jurídica do acordo celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada.
A propósito dessa mesma questão de direito, o Tribunal de Segunda Instância já se pronunciou, de forma unânime, em vários processos congéneres, sobre a natureza jurídica do negócio celebrado entre a ora Ré Guardforce e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada - ct. e.g. os Acórdãos do TSI tirados em 12MAI02011, 19MAI02011 e 02JUN2011, respectivamente nos proc. 574/2010, 774/2010 e 876/2010.
Não se vê razão para não manter a posição já por este Tribunal assumida de forma unânime.
Ora sinteticamente falando, in casu, o Autor veio reivindicar os direitos com base num contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda..
Ficou provado nos autos que no contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., foram definidas as condições de trabalho, nomeadamente o mínimo das remunerações salariais, os direitos ao subsídio de alimentação e ao subsídio mensal de efectividade, e o horário de trabalho diário, que deveriam ser oferecidos pela Ré aos trabalhadores a serem recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. e a serem afectados ao serviços à Ré.
E o Autor é um desses trabalhadores recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. e afectados ao serviço da Ré que lhe paga a contrapartida do seu trabalho.
O Tribunal a quo qualifica o contrato de prestação de serviços, celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. como um contrato a favor de terceiro, regulado nos artºs 437° e s.s. do Código Civil.
Ao passo que a Ré, ora recorrente, não concorda a tal qualificação, sustentando antes que o Autor não poderia reivindicar mais do que o estipulado no contrato individual de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré.
Então vejamos.
Reza o art° 437° do Código Civil que:
 1. Por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita.
2. Por contrato a favor de terceiro, têm as partes ainda a possibilidade de remitir dívidas ou ceder créditos, e bem assim de constituir, modificar, transmitir ou extinguir direitos reais.
O Prof. Almeida Costa define o contrato a favor de terceiro como "aquele em que um dos contraentes (promitente) se compromete perante o outro (promissário ou estipulante) a atribuir certa vantagem a uma pessoa estranha ao negócio (destinário ou beneficiário)" - Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 7ª ed., p.297 e s.s ..
ln casu, foi celebrado um contrato de prestação de serviços entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., em que se estipula, entre outros, o mínimo das condições remuneratórias a favor dos trabalhadores que venham a ser recrutados por essa sociedade e afectados ao serviço da Ré.
Assim, estamos perante um contrato em que a Ré (empregadora do Autor e promitente da prestação) garante perante a sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda.(promissória) o mínimo das condições remuneratórios a favor do Autor (trabalhador) estranho ao contrato (beneficiário), que enquanto terceiro beneficiário, adquire, por efeito imediato do contrato celebrado entre aquelas duas contraentes, o direito ao "direito a ser contratado nessas condições mínimas remuneratórias".
Reunidos assim todos os requisitos legais previstos no art° 437°/1 do Código Civil, obviamente estamos em face de um verdadeiro contrato a favor de terceiro, pois é imediata e não reflexamente que a favor do trabalhador foi assumida pela Ré a obrigação de celebrar um contrato de trabalho em determinadas condições com o Autor.
Finalmente nem se diga o sufragado no Acórdão do TSI tirado em 15DEZ2009 no processo nº 1026/2009 contraria o acima preconizado por nós, pois nesse Acórdão o Colectivo se limitou a dizer que a cláusula compromissória de competência do tribunal arbitral abrange apenas a relação entre o promitente (a Guardforce) e o promissário (a sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda,) e não já a relação entre o promitente e o terceiro (o trabalhador), uma vez que este, o trabalhador enquanto terceiro beneficiário da prestação promitida, tem o direito à prestação que nasce imediatamente na sua esfera jurídica, naturalmente beneficia da autonomia na escolha do meio de tutela, judicial ou arbitral, que lhe se mostra mais conveniente, para o defender, quando o seu direito tiver sido violado ou estiver posto em perigo. Portanto, a cláusula com promissória nunca poderia vinculá-lo.
O que em nada se mostra incompatível com a circunstância de o Autor, enquanto terceiro beneficiário no âmbito do contrato a favor de terceiro celebrado entre a Ré e aquela Sociedade, poder adquirir, por efeito desse contrato, o direito a ser contratado nas condições que a Ré se comprometeu garantir.”
É a jurisprudência que aponta a boa solução do caso com a qual concordamos na sua íntegra e cujo conteúdo aqui, respeitosamente, fazemos nosso.
Nesta conformidade, deve revogar a sentença recorrida e aplicar ao caso o contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda..
Cumpre agora determinar a compensação devida ao Autor.
O Autor pediu o seguinte:
1. Diferenças salariais: MOP$107.520,00,
2. Subsídio de alimentação: MOP$73.605,00
3. Subsídio de efectividade: MOP$59.040,00
4. Horas extraordinárias: MOP$54.755,00
5. Compensação de descanso semanal: MOP$9.720,00
6. Compensação do dia de descanso
   compensatório: MOP$4.860,00
Os valores descritos nos pontos nºs 1 a 3 não foram objecto de impugnação efectiva na contestação, pois a Ré limitou-se a dizer ter pago aquilo a que se sujeito no contrato de trabalho celebrado entre ela e o Autor, não sendo aplicável ao caso o contrato celebrado entre ela e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.
Assim, é de considerar como assente os referidos valores, por falta de impugnação efectiva.
Em relação às horas extraordinárias, o valor apurado pelo Autor é de MOP$54.755,00, resultante entre o valor de cada hora efectivamente paga e o valor por que devia ser paga à luz do salário diário calculado nos termos do contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda., com o acréscimo de mais MOP$1,00 por cada hora a título de justo diferencial especial.
O Autor tem, efectivamente, o direito de receber a diferença de remuneração dos trabalhos extraordinários prestados.
Contudo, o que já não acontece com o acréscimo de mais MOP$1,00, por falta de fundamento, quer legal, quer contratual.
Assim, o Autor tem o direito de receber:
01/01/1995 - 30/06/1997
$3.25*912*4
$ 11,856.00
01/07/1997 - 30/06/1999
$1.95*730*4
$ 5,694.00
01/7/1999 - 30/06/2002
$1.95*5680
$ 11,076.00
01/07/2002 - 31/12/2002
$1.25*1130
$ 1,412.50
01/01/2003 - 28/02/2005
$0.25*5488
$ 1,372.00
01/03/2005 - 28/02/2006
$0.005*2391
$ 11.96
01/03/2006 - 31/12/2006
$0.25*2993
$ 748.25



Total:

$ 32,170.71
Quanto ao montante compensatório do descanso semanal, o Autor entende que, nos termos da al. a) do nº 6 do artº 17º do DL nº 24/89/M, o factor multiplicador deve ser x2 e não x1, conforme foi feito pelo tribunal a quo.
Por outro lado, deve adoptar o vencimento diário resultante do contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda. e não o próprio contrato de trabalho celebrado entre aquela e o Autor.
Além disso, defende ainda que tem direito ainda a compensação do dia de descanso compensatório nos termos do nº 4 do artº 17º do DL nº 24/89/M.
Quid iuris?
Como é sabido, o DL nº 24/89/M não é aplicável, em princípio, às relações laborais de trabalhadores não residentes, as quais deverão ser reguladas por normas especiais (artº 3º, nº 3, al. d) do citado diploma legal).
Porém, até à entrada em vigor da Lei nº 21/2009, não existiam no ordenamento jurídico de Macau as ditas normas especiais, pois, quer o Despacho nº 12/GM/88, quer o Despacho nº 49/GM/88, ambos regulam essencialmente a forma de contratação dos trabalhadores não residentes. Quanto às condições de trabalho, nada dizem respeito, apenas estabelecendo que compete à DSTE verificar e informar se se encontram satisfeitos os requisitos mínimos exigíveis para o efeito (al. d) do nº 9 do Despacho nº 12/GM/88 e b.4 do nº 2 do Despacho nº 49/GM/88).
No caso sub justice, a compensação do descanso semanal diz respeito ao período entre 06/02/2001 e 15/01/2002.
O contrato de trabalho celebrados entre a Ré e o Autor relativos àquele período (fls. 50 a 51 dos autos) não prevê de forma específica quanto à compensação dos trabalhos prestados nos dias de descanso semanal.
Contudo, o ponto nº 24 do referido contrato, estipula que “Any other terms and conditions will be regulated according to the Macau labour law”.
Ora, com esta cláusula contratual, evidencia-se a vontade das partes no sentido de remeter para a lei geral da relação laboral da RAEM em situações não previstas no contrato de trabalho.
Nesta conformidade, é de concluir que se deve aplicar o regime do DL nº 24/89/M, por remissão contratual, para a determinação do quantum compensatório do descanso semanal.
Já vimos que o salário do Autor é mensal e que o contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda. é aplicável ao caso, por ser um contrato a favor de terceiro.
Assim, o Autor tem o direito de receber a seguinte compensação:
MOP$90*44*2=MOP$7.920,00
Este tribunal não ignora que o Autor já foi pago em singelo pelos trabalhos prestados nos dias de descanso semanal, só que entendemos que as quantias que o Autor recebeu faziam parte integrante dos seus salários mensais e que por força do nº 1 do artº 26º do DL nº 24/89/M, os mesmos não podem sofrer qualquer dedução pelo facto de não prestação de trabalho naqueles dias.
Ou seja, independentemente de prestar ou não trabalho nos dias de descanso semanal, o Autor tem sempre o direito de receber o valor do salário correspondente a esses dias, pelo que o montante da compensação acima indicado não sofre de dedução pelo facto de que o Autor já foi pago em singelo.
A questão da compensação do dia de descanso compensatório nos termos do nº 4 do artº 17º do DL nº 24/89/M, cumpre dizer que como bem notou a Ré na sua resposta à motivação do recurso que o seu conhecimento está prejudicado, “porquanto, não obstante mencionada nas suas alegações, tal afirmação/pedido não consta das Conclusões”, pelo que este Tribunal não pode dela conhecer.
 
 Tudo ponderado, resta decidir.
 
 IV – DECISÃO
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam conceder provimento parcial ao recurso interposto, revogando a sentença recorrida e condenando a Ré Guardforce (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança Lda. a pagar ao Autor a quantia de MOP$280.255,71, acrescida de juros moratórios à taxa legal a partir da data do presente acórdão, absolvendo a Ré nos demais pedidos.
 
Custas pelas partes na proporção de decaímento em ambas as instâncias, sem prejuízo do apoio judiciário concedido ao Autor.
 
 Notifique e D.N.
 
 RAEM, aos 10 de Novembro de 2011.
 
 Ho Wai Neng
 José Cândido de Pinho
 Lai Kin Hong




1
597/2010