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Processo nº 816/2010
Data do Acórdão: 15DEZ2011


Assuntos:
princípio da concentração da defesa

SUMÁRIO

Se tiverem sido apresentados todos os meios de defesa, embora fraccionada em duas vezes, sempre dentro do prazo legal para contestação, mesmo com extensão permitida nos termos do artº 95º do CPC, não é posto em causa o princípio da concentração da defesa na contestação ou da preclusão da defesa, consagrado no artº 409º/1 do CPC.

O relator


Lai Kin Hong

Processo nº 816/2010


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

A, executada devidamente identificada nos autos de execução ordinária nº CV2-08-0025-CEO, veio no âmbito desses autos deduzir embargos de executado contra o exequente B, pedindo que sejam julgadas procedentes as excepções alegadas e seja a embargante imediatamente absolvida da instância ou, em alternativa, que sejam julgados procedentes os embargos e, em consequência, declarado que a dívida exequenda seja apenas de MOP$264.589,40.

Notificado por carta registada expedida em 21OUT2008 dos embargos para contestar no prazo de 20 dias, veio o embargado B apresentar em 13NOV2008 a contestação a fls. 21 a 25 dos presentes autos.

Poucos dias depois, isto é, no dia 17NOV2008, veio o embargado fazer aditamento à contestação apresentada.

Por despacho da Exmª Juíz a quo, foi indeferido o aditamento com fundamento na preclusão da faculdade de apresentar novos argumentos da defesa.

Inconformado com essa decisão de indeferimento do aditamento, veio o embargado interpor o recurso interlocutório dessa mesma decisão.

Notificada a embargante, nada veio responder.

Admitido o recurso e fixado a ele o regime de subida diferida, continuou a marcha processual na sua tramitação normal.

Posteriormente por despacho saneador foram apreciadas a excepção do caso julgado e a oposição apresentada pelo embargante sobre a alegada ampliação do pedido, julgando-se as improcedentes.

Inconformada com a decisão julgando improcedente a excepção do caso julgado, veio a embargante interpor o recurso interlocutório dessa mesma decisão.

Admitido o recurso e fixado a ele o regime de subida diferida, continuou a marcha processual na sua tramitação normal, e vieram a final ser julgados parcialmente procedentes os embargos, julgando improcedente a excepção da prescrição e declarando que a dívida exequenda, em 1 de Abril de 2008, é no valor de MOP$294.627,28 à qual se acrescem os juros e sobretaxas vencidos e vincendos calculados desde 2 de Abril de 2008 nos termos do contrato de mútuo de 20 de Dezembro de 1995.

Não se conformando com essa sentença final, dela recorreu o embargado.

Ao recurso nada respondeu a embargante.

Foram colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II

Então comecemos por apreciar o primeiro recurso interlocutório interposto pelo embargado.

Tem o seguinte teor o despacho recorrido:

Depois de apresentar a sua contestação a fls 21 a 25, em 17 de Novembro de 2008, veio o embargado fazer aditamentos à contestação apresentada.
Tendo em conta a data da carta de notificação dos embargos, o aditamento à contestação foi apresentado dentro do prazo facultado ao embargado para contestar (com a extensão facultada pelo artº 95º do CPC).
Nos termos do artº 409º, nº 1, do CPC, “Toda a defesa deve ser deduzida na contestação, exceptuados os incidentes que a lei manda deduzir em separado.” Trata-se do princípio da preclusão das deduções, nas palavras do Insigne Mestre Alberto dos Reis, in Clássicos Jurídicos, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, pg 44.
Tendo em conta esse princípio, não se julga que o embargado possa apresentar aditamentos à contestação apresentada, ainda que dentro do prazo, para suprir eventuais omissões da anterior contestação. Pois, com a apresentação desta, fica precludida a faculdade de apresentar novos argumentos de defesa. Como refere o Acórdão da Relação de Lisboa, de 18 de Março de 1992, in BMJ, 415º - 706, “Não pode o réu, sob o mero pretexto de haver cometido erro material em determinado articulado, que levou à omissão de vária matéria, apresentar nova peça substitutiva da primeira.”
Nestes termos, vai indeferida o aditamento à contestação apresentado a fls 27 e 28.
Desentranhe e restitua.
Custas do incidente pelo embargado fixando-se a taxa de justiça em 1UC.

O embargado inconformado, dele recorreu concluindo e pedindo que:

Conclusões:
1) A executada na execução nº CV2-08-0025-CEO deduziu Embargos contra a mesma;
2) O ora recorrente contestou os Embargos no dia 14 de Novembro de 2008;
3) No dia 17 de Novembro de 2008, o recorrente apresentou um aditamento a essa contestação que foi admitido pelo douto despacho recorrido;
4) O aditamento foi apresentado dentro do prazo da contestação;
5) Por isso, não foi violado o Princípio de Preclusão;
6) O douto despacho recorrido violou o disposto nos arts. 700º nº 2 e 95 do Código de processo Civil.
Assim, dando provimento ao presente recurso, deve o despacho recorrido ser revogado, ordenando-se que esse aditamento seja incorporado nos autos e o seu teor seja tomado em consideração.

Ora, a única questão levantada nesse recurso prende-se com o verdadeiro alcance do princípio da concentração da defesa na contestação ou da preclusão da defesa, consagrado no artº 409º/1 do CPC, nos termos do qual toda a defesa deve ser deduzida na contestação, exceptuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado.
A propósito da razão de ser do princípio da concentração da defesa na contestação ou da preclusão da defesa, o Saudoso Prof. Alberto dos Reis ensina que “o princípio da concentração da defesa na contestação justifica-se sem dificuldade. A boa ordem e a disciplina do processo postulam esse princípio. Não faz sentido que o réu disperse a sua defesa por vários momentos ou fases da acção; não é admissível que o réu vá deduzindo a sua oposição pouco a pouco, à medida que lhe apetece, e que reserve para a última hora o que pode logo alegar na contestação. Tal liberdade de dedução criaria o tumulto, a desordem, a anarquia processual, por um lado, e por outro prestar-se-ia a especulações e manobras insidiosas.” – cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Vol. III, pág. 44.

Assim, compreende-se perfeitamente que é por exigências práticas da rapidez e da boa-fé processual que justifica que seja necessário retirar ao réu um instrumento perigo de fácil protelamento ou de retardamento sucessivo da acção – cf. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª ed. revista e actualizada, §99.

Inteirados do verdadeiro alcance do princípio da concentração da defesa na contestação ou da preclusão da defesa, já estamos em condições para apreciar e decidir o caso sub judice.

In casu, resultam dos autos os seguintes elementos fácticos com relevância à boa decisão do recurso:

* Notificado por carta expedida em 21OUT2008 dos embargos para contestar no prazo de 20 dias, veio o embargado B apresentar em 13NOV2008 a contestação;

* No dia 17NOV2008, veio o embargado fazer aditamento à contestação apresentada em 13NOV2008; e

* Por despacho da Exmª Juíz a quo, foi indeferido o aditamento com fundamento na preclusão da faculdade de apresentar novos argumentos da defesa.

Nos termos do disposto no artº 700º/2 do CPC, se os embargos forem recebidos, é o exequente notificado para os contestar no prazo de 20 dias.

Vimos supra que o embargado apresentou a contestação em 13NOV2008.

Tendo sido notificado por carta registada expedida em 21OUT2008, considera-se notificado em 24OUT2008 que é o terceiro dia posterior ao do registo – artº 201º/2 do CPC.

Assim, o prazo de 20 dias terminou em 13NOV2008 (segunda-feira), data em que foi apresentada a contestação.

Perante o quadro fáctico assim descrito, interessa saber se o embargado pretendeu, com o aditamento, apresentado em 17NOV2008, dispersar a sua defesa por vários momentos ou fases da acção e deduzir a sua oposição pouco a pouco, à medida que lhe apetece, por forma a reservar para a última hora o que pode logo alegar na contestação, protelando a tramitação normal dos embargos, ou se o aditamento nestes termos apresentado é susceptível de provocar retardamento intolerável da acção, por forma a criar o tumulto, a desordem, a anarquia processual.

Parece que não foi o que aconteceu aqui.

Pois, in casu, o adiamento em causa foi feito chegar aos autos ainda dentro da extensão máxima do prazo facultada pelo artº 95º/4 do CPC, ou seja, no primeiro útil seguinte ao terceiro dia seguinte ao termo do prazo legal de 20 dias para contestação.

Se a lei admitir que os actos processuais das partes podem ser validamente praticados fora do prazo nos termos permitidos no artº 95º/4, 5 e 6 do CPC, estamos legitimados para afirmar que o nosso legislador não considera a prática dos actos processuais pelas partes dentro dos três dias seguintes ao termo do prazo peremptório ofensiva do princípio da boa-fé processual e susceptível de causar retardamento intolerável da acção.

In casu, tendo o embargado apresentado todos os meios de defesa, embora fraccionada em duas vezes, sempre dentro do prazo legal com extensão permitida nos termos do citado artº 95º do CPC, somos de concluir que não foi posto em causa o princípio da concentração da defesa na contestação ou da preclusão da defesa, consagrado no artº 409º/1 do CPC.

Desta maneira, não andou bem a Exmª Juiz a quo ao indeferir, como indeferiu, o requerido aditamento à contestação, devendo portanto ser revogado o despacho ora recorrido, determinado que seja ordenada a admissão do aditamento, caso venha a ser paga a multa a que se refere o artº 95º/4 e 5 do CPC, e anulado todo o processado daquele despacho dependente.

É de julgar assim procedente este recurso interlocutório interposto pelo embargado.

Em consequência fica prejudicado o conhecimento dos restantes recursos, uma vez que a solução dada a esse recurso interlocutório implica a alteração dos meios de defesa deduzidos pelo embargado, que por sua vez necessariamente influi e conforma tanto o desenvolvimento da tramitação da acção como a sua decisão final.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conceder provimento ao recurso interlocutório interposto pelo embargado B, revogando o despacho ora recorrido, determinando que seja ordenada a admissão do aditamento, caso venha a ser paga a multa a que se refere o artº 95º/4 e 5 do CPC, e anulando todo o processado daquele despacho dependente, e não tomar conhecimento dos restantes recursos.

Custas a final.

Notifique.

RAEM, 15DEZ2011

Lai Kin Hong

Choi Mou Pan

João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira

Ac. 816/2010-1