Processo nº 42/2010
(Recurso cível e Laboral)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 24 de Novembro de 2011
Descritores:
- Salário
- Gorjetas
- Descanso semanal
SUMÁRIO:
I- A composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda das componentes.
II- Ao abrigo do DL 24/89/M (art. 17º, n.1,4 e 6, al. a), tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”); mas se nele prestar serviço terá direito ao dobro da retribuição (salário x2).
Proc. N. 42/2010
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I- Relatório
A, com os demais sinais dos autos, representado pelo Ministério Público, moveu contra a STDM acção de processo comum de trabalho pedindo a condenação desta no pagamento de MOP$161.522,53,como compensação pelos descansos semanais, feriados obrigatórios e descansos anuais não gozados desde o início da relação laboral até ao seu termo.
Após contestação, o despacho saneador julgou prescritos os créditos laborais anteriores a 5/03/1989.
Foi, oportunamente, proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a STDM a pagar ao autor a indemnização de MOP$ 3.388,49 e juros legais respectivos.
É dessa sentença que ora recorre o autor, em cujas alegações formula as seguintes conclusões:
A. Com interesse para a caracterização da parte variável da remuneração como salário do A. ficaram provados os factos indicados nas alíneas C), D), E) e M) dos Factos Assentes e nas respostas aos quesitos 8.º 9.º, 12.º e 13.º da Base Instrutória.
B. A quase totalidade da remuneração do A. era paga pela Ré a título de rendimento variável (cfr. alínea C) dos Factos Assentes, o qual integra o salário.
C. Ao contrário do que sucede noutros ordenamentos jurídicos, o legislador de Macau recortou o conceito técnico jurídico de salário nos artigos 7.º, b), 25.º, n.º 1 e 2 e 27.º, n.º 2 do RJRL.
D. É o salário tal como se encontra definido nos artigos 7.º, b), 25.º, n.º 1 e 2 e 27.º, n.º 2 do RJRL que serve de base ao cálculo de inúmeros direitos dos trabalhadores, designadamente do acréscimo salarial devido pelo trabalho prestado nos períodos de descanso obrigatório.
E. A interpretação destas normas não deverá conduzir a um resultado que derrogue, por completo, a sua finalidade, a qual consiste em fixar, de forma imperativa, a base de cálculo dos direitos dos trabalhadores.
F. A doutrina portuguesa invocada na douta sentença recorrida não serve de referência no caso “sub judice” por ter subjacente diplomas (inexistentes em Macau) que estabelecem o salário mínimo, e definem as regras de distribuição pelos empregados das salas de jogos tradicionais dos casinos das gorjetas recebidas dos clientes.
G. Em Portugal quem paga as gorjetas aos trabalhadores dos casinos que a elas têm direito não é a própria Concessionária, que nunca tem a disponibilidade do valor percebido a título de gorjetas, mas as Comissões de distribuição das gratificações (CDG), as quais, sendo distintas e autónomas da empresa concessionária são moldadas como entidades equiparáveis a pessoas colectivas, sujeitas a registo, com sede em cada um dos casinos.1
H. Ao contrário, em Macau, quem paga aos trabalhadores a quota-parte a que eles têm direito sobre o valor das gorjetas é a própria concessionária que o faz seu, e não a comissão responsável pela sua recolha e contabilização.
I. O primitivo carácter de liberalidade das gorjetas diluiu-se no momento e na medida em que as gorjetas dadas pelos clientes não revertiam directamente para os trabalhadores mas, ao invés, eram reunidas, contabilizadas e distribuídas pela Ré, segundo um critério por ela fixado (distribuição essa, sublinhe-se, que, como ficou provado, era feita por todos os trabalhadores da Ré e não apenas por aqueles que contactavam com os clientes).
J. No caso dos autos, as gorjetas que se discutem não pertencem aos trabalhadores a quem são entregues pelos clientes dos casinos (respostas aos quesitos 9.º, 12.º e 13.º da Base Instrutória).
K. Estas gorjetas pertencem à Ré que com elas faz o que entende, nomeadamente o especificado nas alíneas C), D), E) e M) dos Factos Assentes e nas respostas aos quesitos 8.º, 9.º, 12.º e 13.º da Base Instrutória.
L. A Ré tinha o dever jurídico de pagar ao A. quer a parte fixa, quer a parte variável da remuneração do trabalho (alíneas E) e M) dos Factos Assentes e respostas aos quesitos 9.º, 12.º e 13.º da Base Instrutória.
M. O pagamento da parte variável da retribuição do A. - que corresponde à quase totalidade da contrapartida do seu trabalho - traduziu-se numa prestação regular, periódica, não arbitrária e que sempre concorreu durante todo o período da relação laboral para o orçamento pessoal e familiar do trabalhador.
N. Assim, nos termos do disposto nos artigos 7.º, b) e 25.º, n.º 1 e 2 do RJRL, a parte variável da retribuição do A deverá considerar-se como salário para efeitos do cômputo da indemnização pelo trabalho prestado nos períodos de dispensa e descanso obrigatório.
O. As gorjetas dos trabalhadores dos Casinos e, em especial as auferidas pelo A. durante todo o período da sua relação laboral com a Ré, em ultima ratio devem ser vistas como «rendimentos do trabalho», porquanto devidos em função, por causa e por ocasião da prestação de trabalho, ainda que não necessariamente como correspectivo dessa mesma prestação de trabalho, mas que o passam a ser a partir do momento em que pela prática habitual, montantes e forma de distribuição, com eles o trabalhador passa a contar, sendo que sem essa componente o trabalhador não se sujeitaria a trabalhar com um salário que, na sua base, é um salário insuficiente para prover às necessidades básicas resultantes do próprio trabalho.
P. Acaso se entenda que o salário do A. não era composto por duas partes: uma fixa e uma variável, então o mesmo será manifestamente injusto - porque intoleravelmente reduzido ou diminuto - e, em caso algum, preenche ou respeita os condicionalismos mínimos fixados no Regime Jurídico das Relações Laborais da RAEM, designadamente nos artigos 7.º, b), 25.º, n.º 1 e 2 e 27.º, n.º 2 desse diploma.
Q. De tudo quanto se expôs resulta que, a douta Sentença do Tribunal de Primeira Instância, na parte em que não aceita que a quantia variável auferida pelo A. durante toda a relação de trabalho com a Ré seja considerada como sendo parte variável do salário do A., terá feito uma interpretação incorrecta do disposto nos artigos 5.º; 27.º; 28.º; 29 n.º 2, 36.º todos do Decreto-lei n.º 10l/84/M, de 25 de Agosto e, bem assim, uma interpretação incorrecta do consagrado nos artigos 5.º; 7.º, n.º 1, al. b); 25.º; 26.º e n,” do art. 27.º todos do Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
R. Nesta parte, a douta sentença deve ser alterada com as legais consequências, designadamente no que respeita ao cômputo da indemnização pelo trabalho prestado nos períodos de descanso e feriados obrigatórios.
S. Termos em que a decisão relativa à fórmula (salário médio diário X 1) de cálculo do montante da compensação por descanso semanal no valor de MOP $2,135.21 deverá ser revogada por violação do disposto no art.º 17.º, n.os 4 e 6, a) do RJRL, fixando-se esse valor em MOP $122,634.08. por aplicação da fórmula (salário médio diário X 2).
T. Os croupiers dos casinos não são remunerados em função do volume de apostas realizadas na mesa de jogo, nem são eles que fixam o seu período e horário de trabalho, sendo-lhes vedado trabalhar quando e quanto lhes convém, conforme resulta também na alínea J) dos Factos Assentes.
U. O salário diário destina-se a remunerar os trabalhadores nas situações em que não é fácil, nem viável, prever, com rigor, o termo do trabalho a realizar, como sucede, e.g., nas actividades sazonais, irregulares, ocasionais e/ou excepcionais, bem como na execução de trabalho determinado, precisamente definido e não duradouro, ou na execução de uma obra, projecto ou outra actividade definida e temporária.
V. O salário diário é, pois, próprio dos contratos de trabalho onde a prestação do trabalho não assume carácter duradouro, o que não sucede com o desempenho da actividade de croupier, que consiste num trabalho continuado e duradouro, a que, automaticamente, corresponde o estatuto de trabalhador permanente no termo do primeiro ano de trabalho consecutivo.
W. O entendimento de que a remuneração dos croupiers da Ré, e o do A. em particular, consiste num salário diário, não ficou provado por se tratar de matéria de direito, nem se coaduna com este tipo de funções, nem com as condições de trabalho, nem com estatuto de trabalhador permanente definido no artigo 2.º, f) do RJRL), o qual pressupõe o exercício de uma determinada função dentro da empresa, de forma continuada e duradoura no tempo.
*
A STDM respondeu ao recurso, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
1. Sem prejuízo de melhor entendimento e Juízo, deve integralmente improceder o recurso do Recorrente, mantendo-se a douta sentença recorrida.
2. Sem prejuízo, naturalmente, de a Recorrida entender que deveria ter sido integralmente absolvida, o que se requer aqui.
3. Ainda assim, sendo a questão o recurso do Recorrente, o mesmo não poderá deixar de improceder integralmente.
4. As gratificações ou luvas ou prémios ou gorjetas não são parte do salário/retribuição/remuneração/vencimento.
5. Como logo expôs nestes autos, designadamente, nos artigos 25º, 26º, 53º a 700 e 189º a 231º da Contestação destes autos, e que se consideram aqui reproduzidos, para todos os devidos efeitos e que nos escusamos de reproduzir por economia processual.
6. Todos os ex-trabalhadores ou ex-colaboradores ou ex-funcionários ou ex-empregados da ora Recorrida sabiam (e hoje ainda sabem) desse facto e dessa realidade, quando foram contratados para lá prestar serviço ou irem trabalhar.
7. Normalmente, logo, aquando da entrevista de contratação para irem prestar os serviços respectivos.
8. E, se as gratificações dos clientes que a Recorrida teve até 31 de Março de 2002, eram o grande aliciante e chamariz de potenciais novos operadores das mesas de jogo, está mais do que provado que aquela nunca se apropriou das mesmas.
9. E não se apropriou das gratificações dos clientes,
10. Nem pagou salários com as mesmas, aos seus colaboradores ou a terceiros.
11. Como, mais importante ainda, nunca se responsabilizou pelo seu pagamento.
12. Nem se comprometeu a pagar aos croupiers qualquer montante através delas, nem se responsabilizou pela sua eventual falta, diminuição ou escassez das mesmas.
13. As gratificações dos Clientes que frequentavam os casinos da Recorrida, são por isso liberalidades, espontâneas, doações remuneratórias, à luz dos artigos 934º e 935º, ambos do CC de 1999.
14. Não correspondendo a qualquer vinculação legal da Recorrida, não correspondem ao correspectivo do trabalho, labor ou serviço prestado pelos colaboradores das mesas de jogo.
15. Ou seja, são alheias ao salário, que é essa a principal obrigação de uma entidade empregadora, a contrapartida pelo trabalho efectuado.
16. E esse principal dever do empregador foi sendo pago aos seus extrabalhadores ou ex-colaboradores, designadamente aos croupiers, pagando a estes o seu salário diário em função da comparência e do trabalho efectivamente prestado.
17. Como manda(va) a lei laboral de Macau, no RJRT de 1989, nos artigos 26º e 27º deste diploma legal, desde 3 de Abril de 1989 até ao final do ano de 2008.
18. A Recorrida impugna e contesta a quantia pecuniária agora pretendida pelo Recorrente, que ascende a cerca de MOP$ 122.634,08, não tendo, ao contrário, que pagar esse montante pecuniário nem qualquer outro, a título de descanso semanal,
19. Ou, ainda e a qualquer outro título, que se possa ser levado, por exemplo, a crer, nas doutas alegações, nos pontos 61., 55., 46., nas conclusões “R.”, “S.”, ou, ainda, “O.” e “Q.” do douto recurso.
20. Por outro lado, a Sentença recorrida não se socorreu do teor do Acórdão do Mmo TUI n.º 29/2007 de 22 de Novembro de 2007, mas, sim, de um outro Ilustre aresto, o n.º 28/2007, de 21 de Setembro de 2007, ao contrário do alegado no ponto/parágrafo 1. das alegações do recurso e, também, ao invés do alegado no parágrafo, número ou ponto 58. do mesmo recurso.
21. Assim, ainda que não esteja a ser discutido no recurso, pode-se compreender o que foi decidido - entre muitos arestos -, pelo Mmo Tribunal recorrente, o douto TSI, na página 60 do um Ilustre Acórdão com o n.º 131/2006, de 20 de Setembro de 2007 e, mais recentemente, que extraí a aqui Recorrida o seguinte segmento decisório do Acórdão do Tribunal recorrente:
22. “Não se pode reclamar a indemnização pecuniária do trabalho prestado em dias de descanso semanal durante a vigência do Decreto-Lei n. º 101/84/M (ou seja, no período de 1 de Setembro de 1984 a 2 de Abril de 1989), por esse Decreto-Lei não prever a compensação pecuniária desse trabalho (cfr. o que se pode alcançar do disposto nos seus art.ºs 17.º e 18.º, a contrario sensu).
Nota-se, neste caso, que o primeiro dia de descanso semanal a que o A. tinha direito deveria ser o dia 9 de Abril de 1989, depois do primeiro período de seis dias de trabalho, após a entrada em vigor do diploma que passou a prever a compensação”.
23. Não faz qualquer sentido mencionar o diploma de 1984 (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto), porque não é aqui aplicável aos factos, ficando sem relevo o vertido na primeira parte da Conclusão “Q.” do recurso,
24. Bem como, por exemplo, no ponto 55. do recurso, pois o RJRT de 1984 não tem aqui qualquer aplicabilidade.
25. Por outro lado, e no respeitante ao descanso semanal e ao entendimento jurídico do que são as gratificações dos clientes dos casinos (as 2 - duas - questões aqui em discussão e em litígio no recurso que a Recorrida ora contradita),
26. Mais ficou provado, na douta Sentença que o Tribunal recorrido seguiu a doutrina do ilustre Acórdão n.º 28/2007, de 21 de Setembro de TUI que fixou a doutrina que foi depois seguida em outros dois acórdãos.
27. O Mmo Tribunal recorrido não seguiu apenas a douta doutrina e fundamentação de um só acórdão mas, igualmente, dos 3 (três) únicos acórdãos do Mmo Tribunal de Última Instância sobre esta questão das gratificações e em que a Recorrida esteve envolvida: doutos Acórdãos n. º 28/2007, de 21 de Setembro de 2007, n.º 29/2007, de 22 de Novembro de 2007, e n.º 58/2007, de 27 de Fevereiro de 2008 - veja-se, querendo, por exemplo, o teor de fls. 178 e seguintes dos autos, na Sentença recorrida.
28. Todos, no sentido alegado pela Recorrida, pelo Mmo Tribunal a quo, e pela esmagadora maioria da doutrina e da jurisprudência de Portugal.
29. Mas, confira-se, um pouco melhor, o que o douto TUI decidiu quanto a esta questão das gratificações ou das luvas, ou dos prémios irregulares ou das gorjetas:
30. “Ora, costuma dizer-se que, contra factos não há argumentos. Tendo-se provado que o Autor era remunerado ao dia, não pode concluir-se que ele era remunerado ao mês, como base em considerações, aliás, manifestamente pouco consistentes. Isto, sem prejuízo de a remuneração se poder vencer, ou seja, ser paga, com outra periodicidade, que não diária, nos termos atrás descritos, mas que nem resulta dos factos provados.
Em conclusão, o Autor era remunerado em função do dia de trabalho (...)”. (o sublinhado é no original do aresto).
31. E nos sentido já propugnado pela ora Recorrida, logo na Contestação apresentada em 27 de Abril de 2009.
32. Confira-se, no mesmo sentido, o teor já assente pelo Ilustre TUI, na versão chinesa do douto acórdão n.º 28/2007, de 21 de Setembro de 2007:
33. “但審判者不能妄顧現實,忘記了澳門賭場的工作者正因為在賭場工作而提升了非常高的財產能力。
在1987至2001年間,原告每月收取的工資和小費約為壹萬伍仟澳門元。
而透過公佈的統計知悉,在20世紀90年代,澳門私人行業的工資中位數不超過月薪伍仟澳門元。”
34. Do mesmo modo, os valores das gratificações sempre foram declarados à Direcção dos serviços de Finanças porque, assim manda a lei tributária e financeira de Macau.
35. Como se depreende do Regulamento do Imposto Profissional nos artigos 2º e 3º, “o imposto profissional incide sobre os rendimentos do trabalho, em dinheiro ou em espécie, de natureza contratual ou não, fixos ou variáveis, seja qual for a proveniência ou local, moeda e forma estipulada para o seu cálculo e pagamento”,
36. E, “constituem rendimentos provenientes do trabalho dependente e do trabalho por conta própria todas as remunerações certas ou acidentais, periódicas ou extraordinárias, quer percebidas a título de ordenados, vencimentos, salários, soldadas ou honorários, quer a título de avenças, senhas de presença, gratificações, luvas, percentagens, comissões, corretagens, participações, subsídios, prémios ou a qualquer outro” (número 1 do artigo 3º do Regulamento do Imposto Profissional).
37. Pelo que, é destituído de fundamento, ao que parece, invocar a participação de rendimentos pecuniários às Finanças para os considerar como “parte integrante do salário”.
38. Em Portugal, regulam normativamente o processo do recebimento ou recolha das gratificações, contagem ou contabilização e posterior distribuição das mesmas, os seguintes diplomas legais: o Despacho n.º 20/87 de 27 de Fevereiro, publicado na II - Série, n.º 59, de 12 de Março de 1987; o Despacho Normativo 24/89, de 17 de Fevereiro de 1989; o Decreto-Lei n.º 422/89 de 2 de Dezembro de 1989; o Decreto-Lei n.º 10/95 de 19 de Janeiro de 1995; a Portaria n.º 1159/90, de 27 de Novembro de 1990; a Portaria n.º 129/94, de 1 de Março de 1994; e a Portaria n.º 355/2004, de 5 de Abril de 2004.
39. É verdade o doutamente alegado, no ponto 4. do recurso, e na nota de pé de página 10 que acompanha a douta conclusão “G.” das alegações de recurso: o Doc.2 da Contestação destes autos, que expõe e reproduz o Despacho Normativo n.º 82/85 de 28 de Agosto de 1985, está, revogado pelos normativos subsequentes, e que acima expôs já a Recorrida.
40. Aliás, encontra-se a mesma afirmação, na nota de pé de página número 10 dessa sua conclusão “G.”, sem, no entanto, deixar de se referir e basear no mesmo Normativo de 1985, de Portugal, cujo documento fora trazido pela Recorrida aos autos, antes daquela conclusão, nos pontos 4., 5., 6. e 7. das alegações do douto recurso, pelo que o mesmo diploma não deixou de ter a sua utilidade e função - vide o Doc.2 da Contestação e o artigo 59º da peça processual da ora Recorrida.
41. Mas os normativos que o revogaram, indicados aqui acima, não mudaram os pontos decisórios da questão que aquele mencionado Doe, 2 junto com a Contestação destes autos visou provar,
42. Ou seja, o referido na Contestação e não só, mantém, pois, ao que parece, plena actualidade, vigência e validade, à luz dos diplomas que se lhe seguiram,
43. Como se tratou de matéria comprovada nos presentes autos e provado no litígio - confira o ora Recorrente, o que ficou logo especificado nas alíneas C), D), E), F), G), H), I), M) e N), todas da Matéria assente e,
44. Depois, as Respostas do Mmo Tribunal aos quesitos 1º a 7º, 10º a 13º, e 22º a 26º do douto questionário.
45. Naqueles diplomas legais de Portugal acima expostos (aqui, na “Conclusão 38.”) e explicados pela Recorrida, ainda que, não possam ser aplicáveis, sem mais justificação, à nossa realidade, porque não vigorando cá, é claro que as gratificações provêm dos clientes, mas os trabalhadores das mesas de jogo as não podem apropriar, devendo colocá-las em locais fechados, em caixas fechadas, como acontece em todos os casinos.
46. Aqui na R. A. E. M., como é público e pacífico, as gratificações dos clientes dos casinos recebidas pelos croupiers eram colocadas em caixas, sob vigilância, supervisão e coordenação de uma comissão paritária constituída por:
47. Um funcionário do Departamento da Inspecção de Jogos de Fortuna ou Azar; Um membro do Departamento da Tesouraria da Recorrida; Um Gerente de Andar ou Floor Manager; E um ou mais croupiers das mesas de jogo. - artigo 53º da Contestação de 27 de Abril de 2009.
48. Depois as gratificações ou luvas eram distribuídas pela Recorrida de dez em dez dias,
49. Sendo que essa distribuição fazia-se pelos colaboradores da Recorrida, sendo distribuídos todos montantes pecuniários das gorjetas a todos os colaboradores e independentemente da categoria profissional ou do local em que se encontravam a prestar serviço - artigos 54º a 57º da Contestação destes autos.
50. Este sistema de contagem, guarda, recolha, administração das gratificações, era supervisionada pela Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos de Macau (DICJ).
51. Pelo que não é verdade que coubesse só à Recorrida a forma de obtenção, recolha, e guarda das mesmas.
52. Era um processo estranho à própria.
53. A mesma sempre e apenas se ocupou - isso sim, - da distribuição das gratificações dos clientes aos seus ex-trabalhadores.
54. Essa distribuição cabia à Recorrida, sem, no entanto, deixar de acordar (prévia, periódica e regulamente) com a Associação dos ex-trabalhadores da STDM, S. A., a forma de proceder à distribuição.
55. Pois, havia, desde os anos 70 do século passado, um acordo verbal entre um grupo de trabalhadores e a ora Recorrida sobre a forma de proceder à mesma distribuição das gratificações.
56. Por isso e em rigor, não era a Ré e Recorrida, quem, a seu belo-prazer, decidia do momento da distribuição.
57. Dos momentos anteriores a essa distribuição, já se conferiu que os mesmos não cabiam à aqui Recorrida.
58. Ora, o facto de não haver lei em Macau, ao invés de Portugal, não legitima, crê a Recorrida, a conclusão do Recorrente exposta nos pontos 7., 9., 10., 11., 13., 14., 15., 18., 20., 22., 25., 31., 35., 38., 40., 41., 42., 43., 44., 46., 49., 54., 57., 61., 63., 65., 68., 76., 77. e nas conclusões “A.” a “E.”, “H.” a “M.”, “O.” a “Q.”, “V.”, e “W.” do seu douto recurso.
59. A situação que foi “regra” entre a ora Recorrida e o Recorrente (entre 1990 e 1994), foi o pagamento de um salário diário e em função do labor ou do trabalho efectivamente prestado ou produzido e, ainda, à parte, a prestação de gratificações, quando as houvesse, de dez em dez dias, como ficou igualmente provado no presente processo de trabalho.
60. A opinião do Tribunal de Última Instância e do Mmo Tribunal recorrido, de que a definição de tais regras poderia caber à própria entidade patronal, na falta de norma expressa, não motiva, nem implica qualquer causalidade de iure condito ou a alteração do direito constituído,
61. Pelo que falece a douta invocação de “interpretação incorrecta pela sentença dos artigos do RJRT de 1984 e do RJRT de 1989” - como se alegou no ponto Q. das conclusões do recurso.
62. No respeitante ao douto recurso, cujo valor supostamente devido pela aqui Recorrida ao Recorrente será ou elevar-se-á a MOP$ $122.634,08, é um montante que aqui se não concede, nem se equaciona, impugnando-se o valor deduzido e apresentado no presente recurso, para as eventuais compensações pela falta de ou do descanso semanal.
63. Nem existe fundamento para passar da compensação com coeficiente remuneratório uma vez, para duas vezes (no recurso) o salário diário, em função do trabalho efectivamente prestado, como pretenderia o Recorrente, no número/ponto/parágrafo 77. e 78. e na Conclusão «S.» do douto Recurso.
64. E, já agora, qual é o “entendimento do Recorrente que se coaduna com o salário dos trabalhadores das mesas de jogo ou croupiers”, que fala na conclusões «V.» e «W.», do recurso?
65. Tanto a Recorrida, como o Mmo Tribunal Judicial de Base, como o Mmo Tribunal de Última Instância, entendem que a situação-regra e conforme a matéria de facto provada (“contra factos não há argumentos”, incisivamente concluiu o Mmo TUI em qualquer dos três acórdãos acima mencionados e também já na douta Sentença recorrida) nos autos, o salário do Recorrente era diário e não incluía nem compreende realidades estranhas à retribuição, isto é, as luvas, os rendimentos irregulares, as gorjetas, as gratificações ou os prémios de produtividade.
66. A considerar e a aceitar o douto raciocínio do Recorrente até ao fim, então a Recorrida não devia ter deixado que, a recolha, a guarda, a contagem e a administração das gratificações coubesse, como cabia, à Comissão Paritária acima descrita.
67. Ora, manifestamente, a Recorrida cumpriu com a lei e as ordens da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos, a DICJ.
68. Ainda que fosse correcta a imputação do Recorrente à douta sentença recorrida, o que, bem se vê, o não é nem foi, nem assim seria aquela apta a causar a revogação da douta sentença, posta em crise pelo recurso.
69. Até porque não se vê qualquer questão prévia ou qualquer primado sobre a sentença, sobre o seu mérito decisório intrínseco, o facto de ter sido a Recorrida a distribuir as gratificações.
70. Ao invés do que aí se afirmou, erradamente, o que aqueles Digníssimos Tribunais referem é que, e desde logo o mais Alto Tribunal da R. A. E. M. : “A entidade patronal limita-se a fixar as regras de distribuição pelos trabalhadores. Evidentemente que estas regras poderiam ter sido definidas, em Macau, pelo legislador, tal como em Portuga1. Mas não tendo sido, parece que não haveria outra solução a não ser o explorador de casinos fixar as regras. A que regras haveria que recorrer e quem fixaria tais regras, se não tivesse sido a B a fixá-las?”. - Tribunal de Última Instância, na página 28 do douto acórdão de 21 de Setembro de 2007, n.º 28/2007; na página 34 do douto acórdão de 22 de Novembro de 2007, n.º 29/2007; e na página 26, do douto aresto de 27 de Fevereiro de 2008, n.º 58/2007.
71. O Mmo Tribunal recorrido afirmou a mesma convicção, como parece evidente, a fls. 178 e seguintes dos autos.
72. Falta, pois, fundamento ao Recorrente para alegar que a “situação normal dos autos é a do salário mensal e da remuneração diária normal”, porque,
73. Nem as compensações se aferem ao mês ou a uma média diária que não existe nos autos,
74. Nem o salário do A. foi prometido, pago ou auferido mensalmente.
75. Portanto, falecem as médias diárias normais ou os salários mensais que supostamente o Recorrente se afigura, agora, credora.
76. Não existindo, reitera-se, qualquer violação das normas laborais da R. A. E. M., designadamente, as do RJRT de 1989, em vigor há data da instauração da presente acção judicial.
77. Por isso, ainda, a Recorrida nunca fez das gorjetas o que ela bem entendesse fazer, não tendo discricionaridade ou liberdade em prestá-las, ou não, sendo a sua origem dos clientes dos casinos e não da primeira.
78. Ainda e de outra forma, como a Recorrida alega no presente requerimento, a parte variável, as gorjetas, dependem dos clientes, porque vêm deles, é rendimento por eles prestado e não atribuído aos ex-trabalhadores pela ex-entidade empregadora.
79. Essa não disponibilidade das gratificações, afere-se, também, da matéria assente, por exemplo, as Alíneas C), D), E), F), G), H), I), M) e N) da especificação.
80. Esse “rendimento variável” é assim, fonte de terceiros, os Clientes e, como liberalidade ou doação de terceiros, não pode nem podia ser assacada qualquer responsabilidade à ora Recorrida pela sua flutuação, ou falta, ou abaixamento, ou uma sua diminuição, como, de resto se provou no Julgamento.
81. Assim, e provado que o ora Recorrente não foi dispensada dos dias de descanso por cada semana, por cada ano de serviço, nem nos dias feriados obrigatórios, remunerados ou não remunerados, calculou-se a competente indemnização a fls. 181v, 182, 182v e 183 destes Autos.
82. Termos em que, se requer, ao Mmo Tribunal ad quem que seja mantida a douta decisão recorrida, quanto às gratificações ou gorjetas e quanto ao pretenso não repouso ou falta de descanso semanal, e portanto, confirmando a condenação final quanto ao descanso semanal de MOP$ 2.135,21, que foi decidida pelo Mmo Tribunal Judicial de Base,
83. Absolvendo-se, a ora Recorrida, no mais, de tudo o agora peticionado no douto recurso,
84. E, assim, considerando improcedente o valor agora invocado no recurso de MOP$ $122.634,08.
85. Neste sentido, a aqui Recorrida entende que falece a opinião contrária do que é “remuneração” ou, “salário” ou, “retribuição”, como se expôs na Sentença recorrida e ao contrário do recurso,
86. Pois, como se aludiu, as gorjetas dos clientes não servem nem podem servir para cálculo de quantias a título de pretensos descansos, porque não são uma obrigação factual e legal da Recorrida.
87. Logo, falece o teor do quadro exposto e os montantes apresentados no recurso nos pontos 77. e 78., e, depois nas conclusões “R.” e “S.” do mesmo.
88. E, mais ainda, sendo um salário diário em função do trabalho efectivamente prestado e da comparência ao serviço, o Recorrente não pode invocar ou recorrer à formula do que entende ser “o salário normal” ou o “salário mensal” ou o “salário médio diário”, quando o seu salário diário foi sempre de HKD$10,00 até ao fim da relação contratual - Respostas aos quesitos 1º e 2º da Base Instrutória, de acordo com o Douto Despacho de fls. 177 e seguintes, proferido em 21 de Outubro de 2009.
89. Logo, não há lugar, ao que parece e convictamente, para calcular-se um suposto “dobro da retribuição normal diária”, nem para peticionar os valores discriminados no quadro subsequente ao explanado no parágrafo 77. do recurso pelo A./Recorrente.
90. Improcedendo assim, a quantia requerida a título de pretenso não repouso e não compensação do descanso semanal em cerca de MOP $122.634,08, em vez dos actuais MOP$ 2.135,21 [mais de 57 vezes o montante decidido na Primeira Instância!] como foi julgado na Primeira Instância pelo Mmo Tribunal a quo.
91. Não havendo, pois, qualquer fundamento no doutamente alegado nos pontos 70. até 78. e final e, nas conclusões “N.”, “O.”, “P.”, “Q.”, “R.”, “S.”, “U.”, “V.” e “W.” do mesmo requerimento de recurso.
92. Relativamente ao rendimento prestado pelos clientes e recebido também pelo Recorrente, ex-colaboradora ou ex-trabalhadora da aqui Recorrida, os dois doutos Pareceres por esta juntos nestes autos corroboram o entendimento, seguido pela doutrina portuguesa, pelo Tribunal de Última Instância, pelo Tribunal recorrido (pelo menos, ao que se sabe, pelo menos dois Exmos Senhores Juízes do Tribunal Judicial de Base), e pela generalidade dos tribunais portugueses, sobretudo do Supremo Tribunal de Justiça e nas Relações, onde se obtêm as decisões e se mencionam os arestos.
93. Gratificações não são, nem se reconduzem, ao salário ou remuneração.
94. E, não são salário, ainda, para a questão que se discute, ou seja, para as eventuais violações do direito ao descanso do Recorrido, ou seja,
95. Não são retribuição, nem podem fazer parte, de uma eventual compensação pela falta do gozo de descanso semanal, férias anuais e feriados obrigatórios remunerados ou não remunerados.
96. Ainda, e no direito comparado de Hong Kong, também o Tribunal de Última Instância de Hong Kong, em 28 de Fevereiro de 2006, se pronunciou neste sentido:
97. “I am to the view that, subject to the possibility that sections 41(2) and 41C(2) are to be read to cover contractual commission accruing and calculated on a daily basis in amounts varying from day to day, no commission is to be included in the calculation of holiday pay and annual leave pay”.
98. Recurso final com o n.º 17/2005 (direito e processo civil), em recurso do processo com o n.º 204 do ano de 2004.
99. Repare-se que este excerto da decisão do T. U. I. de Hong Kong também se debruça sobre a compensação pelo trabalho prestado em dia de repouso, considerando que a haver lugar ao pagamento de uma indemnização pelo trabalho prestado em dia de descanso, aquela não inclui nem se calcularia tendo em conta elementos estranhos e alheios ao salário do A. nessa lide.
100. E, o mesmo se passa, neste caso concreto decidendo.
101. Na doutrina portuguesa, por exemplo, no mesmo sentido, defende a Professora Maria do Rosário Palma Ramalho: “as gratificações ou prémios atribuídos ao trabalhador não integram, em princípio, o conceito de retribuição, porque não correspondem a um dever do empregador mas ao seu animus donandi, nem constituem contrapartida do seu trabalho prestado658-659. (...) Por fim, debate-se o problema da qualificação das gratificações e outras prestações patrimoniais em que o trabalhador recebe não do empregador mas de terceiros (por exemplo, as gorjetas dadas aos empregados de um restaurante ou de um hotel, ou aos croupiers do casino, pelos clientes). Crê-se que a qualificação como retribuição destas prestações é de afastar pelo facto de não serem atribuídas nem devidas pelo empregador, não podendo, assim, corresponder a qualquer contrapartida do trabalho prestado662.” - páginas 552 e 553, Volume II, “Direito do Trabalho, Parte II - Situações Laborais Individuais”, Julho de 2006, itálico do original da obra.
102. E, na Jurisprudência portuguesa, por exemplo, decidiu-se igualmente que:
“III - As gratificações dadas por terceiros ao trabalhador não se consideram como integrantes do direito à retribuição devida pela entidade patronal;” - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, relatado pelo Conselheiro Almeida Devesa, de 23 de Janeiro de 1996, processo número 004309, número do documento SJ199601230043094, disponível em www.dgsi.pt.
103. Ou, ainda, por exemplo, o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de Março de 1995 que decidiu o seguinte:
“II - As gratificações recebidas dos clientes pelos empregados dos Casinos e repartidas pelos trabalhadores, segundo o processo fixado na lei (DL n. 422/89, de 2 de Dezembro, e Portaria n. 1159/90, de 27 de Novembro), não constituem retribuição dos trabalhadores, nos termos dos arts. 82 e 88 da LCT69.” - Douto aresto relatado pelo Senhor Desembargador Dinis Roldão, processo número 0098094, número do documento RL199503080098094, também disponível no mesmo sítio da internet acima indicado.
104. Quanto ao facto invocado pelo aqui Recorrente que as gorjetas foram sendo “uma regra constante, não podendo de forma alguma considerar-se arbitrária, dado que o direito a ela pressupôs a prévia vinculação do empregador”, - ponto 31. das doutas alegações,
105. Deve dizer-se que, não houve nenhuma prévia vinculação do empregador, nem “a parte variável” resultou de um direito que o Recorrente entendeu como tendo direito a ela, só que, na verdade, essa é uma íntima convicção da próprio Recorrente a que a Ré e aqui Recorrida é alheia e irresponsável.
106. A única obrigação da Recorrida para o Recorrente era o pagamento do seu salário diário.
107. Assim o reconhece a douta sentença recorrida quando esclarece que calculou os valores para chegar aos MOP$ 2.135,21 com base no salário diário e não englobando realidades e rendimentos a ele estranhas e alheias, como são as “gorjetas” ou as luvas, ou os as liberalidades de terceiro, ou as doações remuneratórias, juridicamente definidas como gratificações.
108. Assim também os dois Pareceres doutamente juntos pela aqui Recorrida, em 15 de Julho de 2009 nestes Autos.
109. De facto, e compulsando o douto Parecer do Dr. António de Lemos Monteiro Fernandes, nele se refere que, e quanto às pretensas compensações a pagar pela Recorrida pelo trabalho “suplementar”, não servem aquelas para o cálculo dos montantes dessas compensações a apurar, páginas 20 e 21 do mesmo Parecer: “No fundo, tanto a pretensão do trabalhador como as decisões judiciais que sobre ela recaíram assentam num pressuposto não declarado mas tomado como assente, apesar de ser, a todas as luzes, altamente discutível: o de que o empregador, no desenvolvimento da relação de trabalho, podia ter responsabilidades económicas não conexionadas à retribui cão fixa que lhe cabia suportar.” (o sublinhado é no original do Parecer).
110. “Repare-se que a consideração das gorjetas na remuneração do trabalho suplementar envolveria, justamente, o absurdo de o empregador ser onerado com base num montante pelo qual não era contratualmente responsável. Daqui resultaria - caricaturando, mas sem perder de vista a realidade - que o empregador poderia ser obrigado a pagar, do seu bolso, ... gorjetas.” (sublinhado no original do douto Parecer, página 21).
111. “Vale a pena repeti-lo: as gorjetas são doações remuneratórias de terceiro. E o facto de o empregador oferecer o quadro organizativo necessário à guarda e repartição dos respectivos valores não as desqualifica, nem permite construir nenhuma responsabilidade contratual sobre ele...” (sublinhado no original do douto Parecer, na página 21).
112. E quanto ao - outro, - Ilustre e douto Parecer, também mencionado no douto recurso, diremos que as frases e excertos retirados do mesmo, respeitam à natureza da legislação em vigor em Macau, quando comparada com a portuguesa,
113. A presente Lei das Relações de Trabalho (LRT) de 18 de Agosto de 2008, a Lei n.º 7/2008, em vigor, nos seus artigos 57º a 65º, mesmo na mencionada noção de facto e de direito de “remuneração variável”, nunca prevê nem compreende as gratificações ou luvas ou prémios ou gorjetas prestadas pelos Clientes dos casinos, como aqui se discute,
114. Senão, e apenas, os “Montantes cobrados pelo empregador ao cliente, como adicional nas contas, sendo distribuídos posteriormente aos trabalhadores”, o que, já se pode concluir,
115. Não corresponde às somas ou quantias prestadas pelos Clientes e frequentadores dos casinos, como aqui se levanta a questão.
116. Veja-se, designadamente, o parágrafo 7) do número 1 do artigo 59º da LRT.
117. E, portanto, de iure condito, em Macau, as gratificações ou luvas ou gorjetas não englobam, nem factual, nem juridicamente, o salário ou a retribuição.
118. Pelo que, e tendo em conta o baixo salário mínimo de Portugal (que é de Euros 450,00 em 2009), pode-se concluir, alegar e conferir, - facilmente -, que os salários diários dos ex-trabalhadores da Recorrida iam, já em 2002 e mesmo para trás no tempo, até aos idos anos 60, 70, 80 e 90 do século passado, (muito) acima dessa quantia, como se referiu logo na Contestação, e se mencionou na douta Sentença recorrida.
119. E, no mesmo Parecer, referido acima e mencionado no douto recurso, mais diz o Ilustre Professor, entre vários argumentos úteis quanto à questão central e nuclear aqui em litígio, das gratificações:
120. “Seja, porém, como for - isto é, independentemente de saber se é o Governo, mediante portaria, ou se são as partes, através do contrato de trabalho, que fixam as regras de distribuição das gorjetas -, o certo é que esta questão não releva para a qualificação jurídica das ditas gorjetas. Ascendendo ou não a um montante considerável, sendo embolsadas individualmente por cada trabalhador que contacta com os jogadores ou sendo partilhadas colectivamente pelos trabalhadores de casino, o ponto decisivo é que se trata, em Portugal como Macau, de donativos que os jogadores podem ou não efectuar, o ponto decisivo é que se trata, em Portugal como em Macau, de gratificações que os trabalhadores não podem sequer solicitar aos clientes!
Em ambos os casos, por conseguinte, do que se trata é de prestações facultativas, prestações a que, uma vez espontaneamente efectuadas pelos frequentadores dos casinos, os trabalhadores terão decerto direito - mas nunca a título salarial, nunca como correspectivo ou contrapartida patronal da obrigação laboral assumida pelos empregados de casino!”- sublinhado do original, e da pág. 20 do douto Parecer do Ilustre A. Conimbricense.
121. E, já se sabe, os rendimentos de 2007, dos operadores e assalariados dos casinos em Macau, auferiram, em média, mais de 11.000,00 patacas (onze mil patacas) mensais, ainda que, “mensais” não seja o salário daqueles, enquanto que, nas restantes áreas económicas, industriais, na agricultura ou nos serviços, apenas ultrapassou a média mensal (não é salário mensal), de mais de 7.000,00 patacas (sete mil patacas) mensais.
122. Agora ainda, em Macau, como entre o tempo de 1962 e 2002, os ex-trabalhadores e antigos colaboradores ou subordinados da ora Recorrida, auferiam e receberam rendimentos muito superiores às suas habilitações, capacidades e ao nível escolar e intelectual que implicava o trabalho de operador das mesas de jogo, ou segurança, ou gerente, ou outro ex-trabalhador ou ex-colaborador que a mesma empregou ou admitiu nesse lapso temporal de mais de 40 anos.
123. Pelo que, só poderá ser a presente acção (julgada parcialmente procedente) intentada pelo Recorrente, ser uma forma de tentar lograr um hipotético “enriquecimento sem causa” nos montantes peticionados, e, ainda, só nesse sentido se conseguirá compreender e calcular as indemnizações ou as compensações, com base em “retribuição + gratificação”, como nos autos.
124. O que já foi impugnado, designadamente, nos artigos da Contestação dos Autos, acima já enunciados e mencionados.
125. A invocação da norma da alínea f) do artigo 2º do RJRT de 1989 que define, o que é um trabalhador permanente para efeitos laborais, e que preceitua que é trabalhador permanente quem presta a sua relação por um ou mais anos com a mesma entidade empregadora, por outro lado, em nada infirma o carácter de salário diário, nem o mesmo normativo parece susceptível de tornar o salário dos trabalhadores das mesas de jogo, em mensal.
126. E mais ainda, pelo facto da quota-parte de “gorjetas” dos Clientes serem distribuídas aos ex-colaboradores da Recorrida, não torna os vencimentos destes em mensais.
127. Não é possível, ao que parece, de resto, englobar o salário diário nas gratificações, que eram elas distribuídas de dez em dez dias.
128. E quanto ao excerto do Professor António de Castanheira Neves, referido no douto recurso, o mesmo é desadequado para a presente situação jurídica ou/e relação jurídica.
129. É que, então fica a Recorrida sem entender a mensagem do excerto aí mencionado e transcrito no douto recurso, ainda que por intermédio indirecto de outra obra: será que, - pergunta a Recorrida -, a função judicial da R. A. E. M., é burocrática, não é independente, e que os Mmos Juízes não são verdadeiros “juristas”?
130. É uma questão filosófica e sociológica, que, aqui, uma vez mais, se não crê que tenha qualquer importância ou relevo, ou então pretenderá o Recorrente que, o Mmo TUI “desaplicou a lei” ou “aplicou a lei injusta” ou, ainda, que se “degradou a função jurisdicional” com a prolação dos acórdãos doutamente proferidos em 2007 e, agora, mais recentemente já em 2008, atrás e acima referidos aqui, e quer no recurso (um deles), e que não será necessário novamente sublinhar e indicar.
131. É que, entende, modestamente, a aqui Recorrida, as transcrições de doutrina, por melhor que seja, e aquela acima referida o é sem dúvida alguma, tem de ter aplicação concreta, sob pena de ser, desnecessária e tautológica.
132. E quem emite juízos de valor, deve ser sancionado e aqueles devem ser-lhes imputados, ainda que o faça de forma claramente velada.
133. E à pretensa “aplicação de lei injusta”, por “degradada função judicial” que não seria “ideologicamente neutra”, no douto excerto doutrinário, das doutas alegações, contrapõe a Recorrida, de forma directa e não por interposta doutrina, com o decidido pelo Mmo TUI:
134. “Na verdade, aos tribunais não cabem funções redistributivas dos rendimentos, nem intervenções de carácter social. Em particular, ao TUI cumpre, essencialmente, zelar pela boa aplicação do direito aos factos provados”- o sublinhado é de Autor da ora Recorrida, o excerto ora indicado é parte de qualquer dos três acórdãos do Mmo TUI, de 21 de Setembro de 2007, de 22 de Novembro de 2007 e de 27 de Fevereiro de 2008.
135. Sem mais demoras e sem necessidade de invocar mais a douta Sentença recorrida, o TJB, o TUI de Hong Kong, o TUI de Macau, os Tribunais portugueses ou a esmagadora Doutrina que se pronunciou sobre esta questão, diremos que a decisão de não considerar as gratificações dos clientes como fazendo parte do salário, além de bem fundada, é a única passível de ser interpretada conforme a Lei e os princípios axiológico-normativos que regem esta questão decidenda.
136. Em suma, improcede, - salvo melhor opinião e Juízo - na totalidade, o presente recurso do A./Recorrente.
*
Cumpre decidir.
***
II- Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
O A. iniciou a relação contratual com a R. em 14 de Junho de 1990. (A)
O A. cessou a relação contratual com a R. em 4 de Junho de 1994. (B)
O A. foi admitido como empregado de casino (樓面, 庄荷), recebendo de dez em dez dias da R., desde o início da relação contratual até à data da sua cessação, duas quantias, uma fixa, e outra parte variável em função do dinheiro recebido dos clientes de casinos vulgarmente designado por gorjetas. (C)
As gorjetas eram distribuídas por todos os empregados de casinos da R., e não apenas aos que têm “contacto directo” com clientes nas salas de jogo. (D)
Os empregados que não trabalhavam directamente nas mesas ou os que não lidavam com clientes tinham também direito a receber quota-parte das gorjetas distribuídas. (E)
As gorjetas eram provenientes do dinheiro recebido dos clientes de casinos. (F)
Dependentes, pois, do espírito de generosidade desses mesmos clientes. (G)
Pelo que o rendimento dos trabalhadores da R. tinha uma componente quantitativamente incerta. (H)
O A. como empregado de casino, foi expressamente avisado pela R. que era proibido guardar com quaisquer gorjetas entregues pelos clientes de casinos. (I)
O A. prestou serviços em turnos, conforme os horários fixados pela R.(J)
O A. tinha direito a pedir dias de dispensa ao serviço, mas não eram remunerados, quer com rendimento diário fixo, quer com gorjetas correspondentes. (L)
As gorjetas oferecidas a cada um dos seus trabalhadores pelos seus clientes eram reunidas e contabilizadas diariamente pela seguinte composição de indivíduos: um funcionário do Departamento de Inspecção de Jogos de Fortuna ou Azar, um membro do departamento de tesouraria da R., um “floor manager” (gerente do andar) e trabalhadores das mesas de jogo, e depois distribuídas, de dez em dez dias, por todos os trabalhadores dos casinos da R. (M)
A composição do rendimento a que se alude na alínea C) da matéria de facto assente foi acordada através de acordo verbal celebrado entre A. e R. (N)
O A. recebia como rendimento fixo, no valor HKD$10,00 por dia, desde o início da relação contratual até à data da sua cessação. (1º e 2º)
As gorjetas eram geridas pela R., segundo os critérios adoptados por esta. (5º)
Durante o período em que prestava serviço à R., o A. recebeu nos anos de 1990 a 1994 (doe, n.º 1 junto com a p.i.), os seguintes rendimentos:
a) 1990 =32.285,00;
b) 1991 =91.892,00;
c) 1992 = 122.160,00;
d) 1993 = 134.501,00;
e) 1994 =45.607,00. (8º)
Ficou acordado que o A. tinha direito a receber gorjetas conforme o método vigente adoptado pela R. (9º)
Aquando do início da relação contratual, o A. aceitou o rendimento fixo como o rendimento garantido pela sua entidade patronal ora R. dado que o A. tinha a perspectiva que as gorjetas também faziam parte do seu rendimento. (10º)
Tanto a R., como o A., tinham perfeita consciência que quer a parte fixa quer a parte variável faziam parte do seu rendimento. (11º)
O pagamento do rendimento variável foi regular e periodicamente cumprido pela R. e o A. sempre teve a expectativa do seu rebebimento. (12º)
Os trabalhadores (incluindo o A.) recebiam quantitativo diferente das gorjetas fixado previamente pela R., consoante a respectiva categoria profissional e tempo de serviço. (13º)
Durante a vigência da relação contratual, nunca o A. foi dispensado pela R. de um dia de descanso por cada semana de serviço prestado. (14º)
Nem a R. pagou ao A. qualquer compensação pecuniária adicional pelo serviço prestado nesses dias. (15º)
Nem lhe concedeu outro dia de descanso. (16º)
Durante a vigência da relação contratual, nunca o A. foi dispensado pela R. de seis dias de descanso por cada ano de serviço prestado. (17º)
Nem a R. pagou ao A. qualquer compensação pecuniária adicional pelo serviço prestado nesses dias. (18º)
Durante a vigência da relação contratual, nunca o A. foi dispensado pela R. de dias de descanso correspondentes aos feriados obrigatórios, quer remunerados quer não remunerados. (19º)
Nem a R. pagou ao A. qualquer compensação pecuniária adicional pelo serviço prestado nesses dias. (20º)
Até ao momento, a R. ainda não procedeu ao pagamento das quantias em divida ao A. referentes aos dias de descanso semanal, descanso anual e feriados obrigatórios não gozados. (21º)
Antes da entrada do A. ao serviço da R., aquele foi ínformado pela R. que as gorjetas entregues pelos clientes aos trabalhadores não eram para seu beneficio exclusivo, mas para todos os que naquela organização prestavam serviço. (23º e 23º)
Aquando da contratação do A. pela R., esta propunha o seguinte:
1. O rendimento seria pago à razão diária, mas apenas pelos dias em que fosse efectivamente prestado trabalho;
2. Caso pretendesse gozar dias de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios, tal não lhe era negado, simplesmente esses dias não seriam pagos. (24º)
O A. aceitou essas condições de trabalho. (25º)
O A. era livre de pedir o gozo de dias de descanso sempre que assim o entendesse, desde que tal gozo não pusesse em causa o funcionamento da empresa da R. e que fosse autorizado pela mesma. (26º)
***
III- O Direito
Discute-se em 1º lugar se as gorjetas devem ou não fazer parte do salário. A sentença recorrida considerou que não e é dela que ora vem interposto o presente recurso.
Vejamos.
O recorrente começou a trabalhar para a recorrida como empregado do casino, recebendo como contrapartida diária uma quantia fixa, desde o início até á cessação da relação laboral. Para além disso, recebia uma quantia variável em função de gorjetas recebidas dos clientes do casino, que a recorrida reunia, contabilizava e posteriormente distribuía por todos os seus empregados. E tanto a parte fixa, como a variável, haviam sido acordadas verbalmente entre recorrente e recorrido.
Ora, tal como o TSI tem defendido, o contrato em causa é de trabalho, porque reúne todas as características próprias deste.
Socorramo-nos do aresto proferido neste TSI de 19/03/2009, Proc. n. 690/2007:
“Em face do artigo 1079.º do Código Civil, artigos 25º e 27º do anterior RJRL - cfr. artigos 1º, 4), 9º, 2), 57º da actual LRT, Lei 7/2008, de 12 de Agosto, em princípio não aplicável aos contratos findos, face à redacção do disposto no art. 93º -, art. 23°, n.º 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 7º do Pacto sobre Direitos Económicos Sociais e Culturais e pela Convenção da OIT n.º 131, direitos que por essa via não deixam de ser tutelados pela própria Lei Básica no seu artigo 40º, decorre, face à factualidade apurada, que parece não restarem quaisquer dúvidas de que nos encontramos perante um verdadeiro e puro contrato de trabalho entre a autora e a ré, em que esta, mediante uma retribuição, sob autoridade, orientações e instruções daquela, começou a trabalhar na área de actividade ligada à exploração de jogos de fortuna ou azar”.
Concordamos com a posição e nada mais temos a acrescentar-lhe.
No que se refere ao valor do salário, pergunta-se: Será que ele apenas é constituído pela parte fixa ou também englobará a parte variável em resultado das gorjetas?
Também neste ponto estamos de acordo com a posição deste TSI, no sentido de que as gorjetas não foram sendo atribuídas a título de mera liberalidade. A liberalidade, em princípio, para assim ser entendida, não deveria ter sido atribuída com carácter de regularidade. E o que está demonstrado nos autos é, precisamente, o contrário.
Depois, não eram gorjetas que o trabalhador do casino guardava para si vindas directamente do cliente apostador. Se assim fosse, poderia dizer-se que o empregador a elas era totalmente alheio, que nenhuma interferência exercia nem na sua distribuição, nem no seu quantitativo e que, portanto, apenas pagava ao seu subordinado o valor remuneratório previamente determinado. Mas não. Eram somas de dinheiro que o trabalhador recebia, sim, mas que tinha que entregar à sua entidade patronal, de quem, posteriormente, apenas recebia uma parte. Locupletamento à custa alheia seria a situação se, tendo o jogador entregue pessoalmente o dinheiro ao trabalhador, a entidade patronal dela, sem mais, se apropriasse totalmente. Mais, haveria aí uma manifesta superioridade de parte a roçar a ilicitude se, contra a vontade do empregado, este fosse obrigado a abrir mão daquilo que o jogador voluntariamente lhe tinha dado. Nenhuma relação laboral assente numa base lícita toleraria tal atitude de ingerência na vida do trabalhador por parte do empregador se não tivesse havido entre ambos um acordo que permitisse a distribuição das gorjetas, que não haviam sido dadas a este, mas àquele. Só um modelo de distribuição pré-determinado confere licitude à acção do empregador. Mas, ao mesmo tempo que assim acontece, não podemos deixar de pensar que, afinal, a entidade empregadora tinha alguma margem de superioridade nessa relação, pois era ela quem geria o dinheiro e, posteriormente, o distribuía segundo um esquema para o qual nenhuma contribuição o trabalhador dera. Ou seja, há aqui assim uma atitude que é própria da supremacia do empregador e que revela bem que este não era um simples “guardador” ou mero “depositário” do dinheiro proveniente das gorjetas.
De resto, mal se compreenderia que qualquer trabalhador aceitasse trabalhar por tão poucas patacas diárias (a parte fixa), se não soubesse que, a elas, acresceria uma quantia bem mais razoável em resultado da distribuição da soma de todas as gorjetas recebidas por si e pelos restantes colegas do casino. Se o salário tem uma função social, que visa conferir dignidade de vida ao trabalhador e ao seu agregado familiar, e de que o empregador dos tempos modernos já não pode alhear-se, então parece que esta entrega permanente ao trabalhador de dinheiro recebido do jogador não pode deixar de ter um sentido remuneratório.
E neste quadro, todos – jogadores, trabalhadores e empregador - ficam bem. Os primeiros, porque satisfeitos, cumprem o seu desejo de generosidade e altruísmo (mas é questão que aqui não tem valor jurídico); os segundos, porque, ao cabo e ao resto, vêem devidamente compensado o resultado do seu trabalho; e o último, porque vê feliz e empenhado o seu empregado, a quem vai pagar com dinheiro que nem sequer sai do seu bolso.
E, já agora, não deixaria de ser contraditório e injusto, e por isso mal se perceberia, que a reclamada “unidade do sistema” consentisse que, para efeito de salário, a gorjeta assim distribuída ficasse de fora do conceito, enquanto para efeito tributário já passasse a ser considerada como “rendimento do trabalho variável” (cfr. art. 2º, Lei n. 2/78/M, de 25 de Fevereiro).
Tudo isso, para concluir que a composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
É para nós, portanto, questão ultrapassada a de que o salário integra uma parte fixa e outra variável. Problema é como calculá-lo: se ao dia, se ao mês e qual o seu valor.
Verdade que o trabalhador recebia uma quantia fixa diária. Verdade também que nos dias em que não trabalhava não recebia remuneração. Todavia, a ausência de remuneração nesses dias não advém de qualquer acordo prévio.
Aliás, a questão está consolidada neste TSI em termos tais que deles não somos capazes de divergir. Veja-se, por exemplo, o que foi dito no Ac. de 14/09, no Rec. N. 407/2006:
“…a “quota-parte” de “gorjetas” a ser distribuída ao Autor, em montante definido unilateralmente pela Ré, integra precisamente o salário mensal do Autor, pois caso contrário e vistas as coisas à luz de um homem médio colocado na situação concreta do ora Autor, ninguém estaria disposto a trabalhar por conta da Ré em tantos anos seguidos nos seus casinos em horários de trabalho por esta fixados…ou seja, em horários de turnos necessariamente árduos para qualquer pessoa humana, se tivessem de ser cumpridos continuadamente em anos seguidos, sabendo entretanto, de antemão, que a prestação fixa do seu salário era de valor muito reduzido”.
E também o Ac. de 15/07/2010, Proc. n. 928/2010:
“…o qual o trabalhador estava obrigado a trabalhar por turnos de seguinte forma:
1º e 6º turnos: das 07h00 às 11h00, e das 03h00 às 07h00;
3º e 5º turnos: das 15h00 às 19h00, e das 23h00 às 03h00 do dia seguinte;
2º e 4º turnos: das 11h00 às 15h00, e das 19h00 às 23h00
Como se sabe, é por imposição legal e pelos termos do contrato de concessão para exploração dos jogos de fortuna e azar que os casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas. Ora, se é compreensível e justificável a fixação dos turnos, nos termos que vimos supra, pela entidade patronal para fazer face à necessidade de assegurar o funcionamento contínuo legalmente imposto dos seus casinos, já custa perceber como é quê é possível os seus trabalhadores afectados aos casinos, em vez de auferirem um salário mensal, que é única forma de pagamento conciliável com a organização dos turnos durante 24 horas para assegurar a continuidade do funcionamento dos casinos, auferirem antes um salário diário determinado em função do número de dias de trabalho em que quis trabalhar e efectivamente prestou serviço. Na verdade, basta dar uma vista de olhos aos turnos fixados e à forma como os turnos estão organizados e distribuídos durante as 24 horas, em especial o 5º turno que se inicia às 23h00 num dia e termina às 03h00 de madrugada no dia seguinte, já se apercebe da impossibilidade prática de determinar o período de trabalho diário para efeitos de cálculo do alegado salário diário”.
Assim sendo, tal como este TSI tem admitido em casos similares, é de considerar que o salário era mensal, para cujo apuramento médio diário entrará o valor conjunto da parte fixa e da variável, tal como feito nos autos.
Neste sentido, por recentes, vejam-se os acórdãos proferidos nos Processos nºs 780/2007, de 31/03/2011, 423/2008, de 23/06/2011, 924/2010, de 20/10/2011, por exemplo.
Significa isto que a sentença não pode manter-se e deverá ser revogada.
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Dito isto, avancemos para a atribuição da indemnização, cientes agora de que o valor médio remuneratório não é aquele que a sentença considerou (limitando-o à parte fixa do salário), mas o que resulta da soma das componentes fixa e variável (gorjetas) que o autor da acção recebia mensalmente, e tendo presente, por outro lado, que a relação laboral se desenvolveu somente no âmbito do DL nº 24/89/M.
a) Descanso semanal
Na vigência do DL n. 24/89/M
A sentença entendeu que o factor multiplicador era o 1 na fórmula AxBx1 (em que A é o número de dias vencidos e não gozados e B o valor do salário diário), enquanto o autor entende que deve ser o factor 2.
E tem razão o recorrente.
Com efeito, vale aqui o disposto no art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a).
Assim:
N.1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
N.4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
N.6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Ora, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.6, al. a)).
Numa 1ª perspectiva, se o empregador pagou o devido (pagou o dia de descanso), falta pagar o prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Numa 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda:
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.1);
Portanto, a fórmula será sempre: AxBx2, e não x1, como concluiu a sentença recorrida.
Assim sendo, ao rendimento anual consignado na resposta ao quesito 8º, temos que os valores do salário médio diário são de MOP$ 160,62, 255,25, 339,33, 373,61 e 294,23, para os anos de 1990, 1991, 1992, 1993 e 1994, respectivamente.
De modo que, a este título, a indemnização a atribuir ascende a MOP$ 122.953,84.
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b) Descanso anual
O recorrente não dirigiu a sua atenção à fórmula de cálculo adoptada na 1ª instância, pelo que temos que considerar que a aceita.
Assim, porque não faz parte do objecto do recurso, também nós teremos que acolher o factor 3 utilizado na sentença recorrida (art. 589º, nº4, do CPC).
A nossa tarefa é, pois, unicamente a de fazer incluir o valor médio diário auferido naqueles anos na fórmula, seguindo quanto ao mais o que vem contido no mapa de fls. 22 e 23 da sentença.
E assim feito, alcançamos o resultado indemnizatório a este título de MOP$ 21.762,00.
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c) Feriados obrigatórios
O recorrente não dirigiu a sua atenção à fórmula de cálculo adoptada na 1ª instância, pelo que temos que considerar que a aceita.
Assim, porque não faz parte do objecto do recurso, também nós teremos que acolher o factor 2 utilizado na sentença recorrida (art. 589º, nº4, do CPC).
A nossa tarefa é, pois, unicamente a de fazer incluir o valor médio diário auferido naqueles anos na fórmula, seguindo quanto ao mais o que vem contido no mapa de fls. 24 e 25 da sentença.
E assim feito, alcançamos o resultado indemnizatório a este título de MOP$ 14.881,82.
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Em suma, o valor total monta a MOP$.159.597,66.
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IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em conceder provimento parcial ao recurso interposto e, em consequência disso, revogar a sentença recorrida e condenar a STDM a pagar ao recorrente a quantia indemnizatória de MOP$.159.597,66, acrescida de juros legais calculados pela forma decidida pelo TUI no seu acórdão de 2/03/2011, no processo nº 69/2010.
Custas por recorrente e recorrido em ambas as instâncias na proporção do decaimento.
TSI, 24 / 11 / 2011
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong (Com declaração de voto)
Choi Mou Pan
Processo nº 42/2010
Declaração de voto
Subscrevo o Acórdão antecedente à excepção da parte que diz respeito à existência dos direitos do trabalhador à compensação e aos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios, em tudo quanto difere do afirmado, concluído e decidido, nomeadamente, nos Acórdãos por mim relatados e tirados em 27MAIO2010, 03JUN2010 e 27MAIO2010, nos processos nºs 429/2009, 466/2009 e 410/2009, respectivamente.
RAEM, 24NOV2011
O juiz adjunto
Lai Kin Hong
1 Despacho Normativo n.º 24/89 que revogou o Despacho Normativo n.º 82/85, de 28 de Agosto junto à Contestação.
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