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Processo nº 212/2010
(Recurso cível e laboral)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 01 de Dezembro de 2011
Descritores:
-Condomínio
-Função do administrador
-Responsabilidade do administrador
SUMÁRIO:
I- Porque a cobrança das receitas e o pagamento das despesas é função que cabe ao administrador de condomínio, é sua a responsabilidade perante os credores (v.g. os fornecedores de água, de electricidade). Se o administrador, nessa tarefa, sentir que as receitas falham por relapsia dos condóminos no cumprimento das suas obrigações, resta-lhe, no quadro de uma boa gestão, accionar em juízo os condóminos faltosos.
II- E se o administrador paga despesas de electricidade (por exemplo) do seu bolso, sem ter recebido as prestações dos condóminos, diz-se que fica subrogado nos direitos do respectivo credor (fornecedor de energia)1
III- Mas, da mesma maneira que o administrador, enquanto órgão executivo do condomínio, pode agir em juízo contra condóminos e contra terceiros, assim também pode ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns do prédio (art. 1359º do CC).
IV- Se ficar provado que um ex-administrador não pagou as despesas de água e electricidade porque os condóminos não efectuaram as suas prestações de condomínio periódicas, não será responsável, por ausência de culpa, perante a nova administração em acção proposta contra si.





Proc.Nº212/2010
(Recurso cível e laboral)

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM


I- Relatório

A “Comissão Executiva da Assembleia Geral do Condomínio do Edifício XXX”, intentou acção de condenação sob a forma de processo ordinário contra “Companhia de Gestão de Propriedade B, Limitada” e contra “Comissão da Administração do Condomínio XXX”, todos com os devidos sinais dos autos.

A seu tempo foi a acção julgada improcedente por sentença datada de 29/07/2009.

É dessa sentença que agora a autora da acção recorre, em cujas alegações formula as seguintes conclusões:
I. Ao abrigo do estipulado no artigo 1327º do Código Civil, estando o Edifício sub judice constituído em propriedade horizontal, a administração das partes comuns abrange os actos tendentes a promover e disciplinar o uso, a fruição e o seu melhoramento, bem como os demais actos que caibam nas atribuições dos órgãos do condomínio.
II. Tendo as 2a R. sido eleita para administrar o condomínio, e celebrado um contrato de prestação de serviços com a 1a R., tem a mesma de ser considerada como um órgão do condomínio.
III. Como órgão executivo do condomínio, com funções delegadas pela Assembleia Geral, as RR. tinham obrigação de suportar todos os encargos de conservação e fruição, tal como reza o artigo 1332º do Código Civil.
IV. Errou a Sentença recorrida ao ter considerado que essas despesas deveriam ser suportadas pelos condóminos, na medida em que, tendo as RR. mandato e consequente obrigação legal de proceder ao pagamento de tais despesas, a omissão da prática de actos faz com que tivessem incorrido em responsabilidade civil contratual, pelos prejuízos causados à A., aqui Recorrente.
V. A norma contida no artigo 1332º não se esgota nela mesma, isto é, as obrigações são, efectivamente dos condóminos, mas a obrigação de pagamento cabe à administração que, em caso de não dispor de meios, deveria ter pedido a demissão das funções para que foi eleita ou, no caso da 1a. Recorrente, rescindido o contrato de prestação de serviços que celebrou.
VI. Tal não obsta a que a obrigação não existisse e que as RR. não devessem ressarcir os prejuízos causados à ora Recorrente pela omissão da prática de actos.
VII. Igualmente, considera a Recorrente que nenhum dos factos dados como não provados, em face. do dado como provado, possa pôr em causa a actuação ilegal das RR. e os prejuízos que causaram à Recorrente e, em última análise, aos condóminos do Edifício sub judice.
VIII. Dessa forma, a Sentença recorrida deveria ter concluído, tendo em conta toda a factualidade dada como provada que as RR. violaram culposamente as obrigações inerentes à sua função de administrar o condomínio do Edifício XXX, constantes do nº 1 do artigo 1357º do Código Civil, porquanto não foram prestadas quaisquer contas, não efectuaram o seguro do prédio contra o risco de incêndio, não efectuaram quaisquer despesas de condomínio - apesar de terem cobrado receitas dos condóminos - não realizaram actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns, nem nenhuma das funções que lhe estão conferidas por lei.
IX. Ao abrigo do nº 1 do artigo 477º do Código Civil, aquele que viola, com dolo ou mera culpa, ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesse alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
X. Na mesma linha, a conduta das RR., independentemente dos factos desconsiderados pelo Tribunal, não conduziu apenas à degradação das partes comuns do edifício, como pôs em causa o bem-estar dos condóminos e, bem assim, e por falta de manutenção apenas imputável às RR. contribuiu para a destruição de todos os equipamentos comuns.
XI. Deveria o Mmo. Juiz a quo, ter considerado como totalmente preenchidos os requisitos previstos no número 1 do artigo 477º do Código Civil.
XII. Devendo ter condenado as RR., ao abrigo do disposto no artigo 556º do Código Civil a reparar a situação que existia anteriormente, até por, nos termos do artigo 490º do Código Civil, serem solidariamente responsáveis pelos prejuízos e danos causados aos condóminos.
XIII. Finalmente, ainda que tivesse considerado que a conduta das RR. não configurava dolo ou mera culpa, ao abrigo do artigo 478º do Código Civil, as simples omissões dão lugar à reparação dos danos, quando independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido.
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Não houve resposta ao recurso.
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Cumpre decidir.
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II- Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
A) A A. é uma comissão de condóminos eleita na reunião da Assembleia Geral, convocada pelos condóminos do Edifício XXX, que teve lugar no dia 24 de Dezembro de 2005.
B) De acordo com a acta da Assembleia Geral dos Condomínios acima referida, a A. foi eleita para administrar as partes comuns do Edifício XXX e, bem assim, para executar as deliberações tomadas por aquela e exercer as funções que lhe estão legalmente confinadas.
C) Reunião essa que contou com a presença de 526 condóminos, representando cerca de 38% do valor total do condomínio XXX e em que foi deliberado, por unanimidade, proceder ao voto pelo método de “braço no ar”.
D) A 2a R. foi eleita pelos condomínios Assembleia Geral realizada no dia 29 de Novembro de 2003, para exercer as funções de administração do Edifício acima mencionado, tendo, para o efeito, contratado a 1a R. para prestar todos os serviços de gestão das partes comuns do condomínio, no dia 12 de Dezembro de 2003.
E) A legalidade da Assembleia Geral realizada no dia 29 de Novembro ou a legitimidade da 2a R. para contratar a 1a R., desde 12 de Dezembro de 2003 é objecto de uma outra acção, que corre termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Base sob o número de processo CV2-04-0032-CAO.
De base instrutória
1. A 1a R., durante o período em que teve a seu cargo de administração, não procedeu, desde o final de Maio de 2005, ao pagamento das despesas de electricidade das partes comuns o que veio a pôr em causa, em várias ocasiões, o fornecimento de electricidade por parte da Companhia de Electricidade de Macau - CEM, S.A., ao condomínio do aludido edifício.
2. A quantia em dívida àquela Companhia, até Maio de 2006, é de MOP$1,878,940.00.
3. Já no que diz respeito às despesas com o abastecimento do água, por parte da Sociedade de Abastecimento de Águas de Macau, S.A.R.L., às partes comuns dos 14 blocos, estas ascendem ao montante de MOP$18,657.59.
4. Durante o período em que teve a seu cargo a administração das partes comuns, a 2a R. não procedeu à reparação e à manutenção das partes comuns do Edifício e dos equipamentos aí instalados, como sejam os portões de cada um dos blocos, intercomunicadores, bombas de água, sistemas de iluminação e dos equipamentos de fornecimento de água e de electricidade, vestíbulos, equipamentos de vigilância, ascensores e outros equipamentos, como sejam as bocas de incêndio, fundamentais para manter a segurança dos condóminos.
5. Para regularizar essa situação, a A. procedeu a obras urgentes de reparação, substituição e melhoramento dos referidos equipamentos e partes comuns.
6. Facto que fará incorrer a A. em despesas, que ascendem a MOP$403,157.34.
7. Durante todo o período em que teve a seu cargo a administração das partes comuns, a 1a R., não procedeu à retirada diária do lixo durante uma semana e bem assim, mantinha - nem sempre diariamente - apenas um turno de guardas à porta de cada bloco, quando, por exemplo, a administração anterior dispunha de quatro turnos.
8. A 1a R. não tirou o lixo durante uma semana.
9. Durante esse semana causou mal-estar aos condóminos.
10. A administração das partes comuns pelas RR. cessou apenas no dia 21 de Maio de 2006.
11. As RR. e, em especial, a aqui 1a R., não preparou quaisquer contas e não efectuou o seguro do prédio contra o risco de incêndio.
12. A maior parte dos condóminos do prédio não pagaram os condomínios mensais à 1a R..
13. Por causa deste motivo, as RR. eram privadas dos meios financeiros e indispensáveis para fazer face às despesas relacionadas com a electricidade e a água das partes comuns.
14. Mesmo assim, a 1a R. procedeu ao pagamento de algumas das referidas despesas.
Nos termos do art. 629º, nº1, al.a), do CPC, consigna-se ainda o seguinte dado de facto obtido da cópia extraída do acórdão proferido neste TSI em 4/12/2008 no Recurso nº 122/2007, já transitado em julgado:
15. XXX, XXX, XXX, XXX e XXX intentaram acção declarativa no TJB contra a “Comissão da Administração do Condomínio XXX” e contra “Companhia de Gestão de Propriedade B Limitada”, rés no presente processo, vindo na oportunidade a ser proferida sentença que, em sede de recurso jurisdicional, foi revogada (doc. fls. 233/245);
16. Em consequência, o TSI anulou a deliberação de 29/11/2003 referida em D) e E) supra.
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III- O Direito
1. Colhe-se dos autos que a 2ª ré foi a Administração eleita pela Assembleia Geral de Condomínio realizada no dia 29/11/2003 referente ao edifício XXX e que a 1ª ré é a empresa contratada por aquela para a respectiva administração (mas a deliberação que a elegeu foi anulada pelo Ac. do TSI acima referido).
Também se apurou que a 1ª ré deixou de pagar largas somas de dinheiro relativas a despesas do condomínio (electricidade e abastecimento de água).
Em razão disso, a autora, eleita em Assembleia Geral de condóminos no dia 24/12/2005, vem tentar obter o pagamento daquelas despesas (até ao momento ainda não pagas aos credores) e também dos encargos das obras de reparação, substituição e melhoramento dos equipamentos e partes comuns do edifício que considera necessário efectuar, em acção intentada contra a Comissão da Administração eleita em 2003 e contra o terceiro administrador (art. 1356º do CC).
Resulta, por outro lado, que a autora, designada Comissão Executiva da Assembleia Geral de Condomínio foi eleita para exonerar a Administração anterior eleita em 2003, o que tudo parece conformar-se com os arts. 1344º, 1355º e 1368º do CC (ver doc. traduzido a fls. 102 a 105 e 113 a 114 do apenso da Providência Cautelar).
Entende a autora – cuja legitimidade alicerça no art. 1330º, al. e), do CC - que a 1ª ré não havia cumprido as suas obrigações definidas na lei (art. 1357º do CC). E por achar que esse incumprimento é culposo, acha-se no direito de peticionar uma indemnização pelos prejuízos e danos resultantes da alegada violação, ao abrigo dos arts. 477º e 556º, ambos do do CC, computados em Mop$ 3.156.647,59.
A sentença, no entanto, considerou, basicamente, que:
a) - São obrigações dos condóminos o pagamento dos encargos a que fiquem sujeitos e das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do condomínio em proporção do valor das suas fracções, tais como as referentes a água e electricidade, entre outras legalmente previstas (arts. 1331º, al. d) e 1332º do CC).
b) Não ficou provado que as despesas alusivas aos consumos de água e electricidade respeitantes às partes comuns tivessem sido transferidas para a 1ª ou 2ª rés.
c) Não ficou provado que os condóminos tivessem pago já a parte que a cada um coubesse nos encargos e despesas referidos;
d) Ficou provado, diferentemente, que os condóminos, na sua maioria, não pagaram os valores do condomínio à 1ª ré, razão pela qual as rés não pagaram as despesas de electricidade e água das partes comuns.
Por esta razão, entendeu o tribunal “ a quo” que as rés, por não terem recebido a contribuição mensal de cada um dos condóminos, não podiam efectuar o pagamento das referidas despesas. Ou seja, não teriam violado as suas obrigações contratuais, nem os direitos e interesses dos condóminos.
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2. Vejamos.
Enquanto o art. 1430ºdo CC de 1966 dispunha que a administração das partes comuns do edifício competia à assembleia de condóminos e a um administrador, o art. 1435º prescrevia que o segundo (administrador) devia ser eleito e exonerado pela primeira (assembleia dos condóminos). Mas o segundo preceito também permitia que se a assembleia o não elegesse, ele poderia ser nomeado pelo tribunal a requerimento de qualquer dos condóminos.
Dá para inferir, pois, que a lei exigia que o cargo de administrador era não só necessário, como implicava uma investidura formal, seja através de deliberação electiva pela assembleia, seja através de uma nomeação judicial.
Com a Lei nº 25/96/M, de 9/09 foram revogadas as disposições do Código atinentes a esta matéria, mas a exigência a que acima nos referimos passou para o corpo geral do diploma, nomeadamente para o art. 22º e 31º. E a verdade é que este diploma chega a considerar não escritas as cláusulas de quaisquer contratos, subscritos pelos condóminos, das quais possa resultar o seu consentimento ao exercício da administração por entidade não eleita pela assembleia de condóminos ou nomeada pelo tribunal, bem como a cláusula que estipule a renovação automática da prestação de serviços de administração de condomínio e a reputar nulos os acordos de transmissão da administração do condomínio celebrados sem o consentimento da assembleia (art. 32º).
Surgiu, entretanto, o C.C. actualmente vigente, que apresenta dois tipos de administração: uma, simples; outra, complexa. Presumindo que a situação dos autos encaixe na primeira, deparamo-nos à mesma com a necessidade de órgãos formais de administração: a assembleia-geral de condomínio (órgão de natureza deliberativa) e a administração (órgão de natureza executiva): art. 1329º.
Como se vê, a sucessão de regimes não trouxe alteração de monta e em todos eles o exercício da administração obriga à existência de órgãos próprios dotados de legitimação formal.
No caso, o órgão executivo primitivo transferiu para a 1ª ré a administração do condomínio do prédio, ficando a partir de então responsável pelo condomínio, tal como o permite o art. 1356º do CC.
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3. Como é sabido, uma das obrigações dos condóminos é o pagamento dos encargos a que estão sujeitos para conservação e fruição das partes comuns (arts. 1331º, al. d) e 1332º do C.C.). E também certo é que tais encargos, se não satisfeitos pelo obrigado, geram uma dívida que, verificados certos condicionalismos, pode levar à produção de um título executivo (art. 1339º do C.C.).
E porque são encargos, por outro lado, conexos com a coisa e por causa dela, diz-se que as obrigações que decorrem da relação do titular do direito real com o bem são propter rem ou ob rem2. A tal ponto isto é assim que só é obrigado quem for titular do direito real, a menos que a ele renuncie, e que a sucessão nesse direito implica uma sucessão na obrigação e, portanto, no débito.
Mas também o administrador tem funções bem definidas. São as do art. 1357º do CC.
E entre elas, está a de cobrar as receitas e efectuar as despesas de condomínio (nº1, al. d)) e exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas (nº1, al. e)). Ou seja, quando o administrador é eleito, é-o para cumprir e fazer cumprir a lei e o regulamento do condomínio (art. 1340º do CC), o que, quando necessário, passa por impor aos condóminos que satisfaçam os seus deveres e cumpram os seus encargos, levando-os a tribunal se tal for preciso (art. 1357º, nº1, al. i), CC).
Portanto, a cobrança das receitas e o pagamento das despesas é função que cabe ao administrador. Se o administrador, nessa tarefa, sentir que as receitas falham por relapsia dos condóminos no cumprimento das suas obrigações, resta-lhe, no quadro de uma boa gestão, accionar em juízo os condóminos faltosos.
E se o administrador paga despesas de electricidade (por exemplo) do seu bolso, sem ter recebido as prestações dos condóminos, diz-se que fica subrogado nos direitos do respectivo credor (fornecedor de energia)3
De qualquer modo, em primeira linha, a responsabilidade do administrador é assumida directamente perante os credores do condomínio: os fornecedores de água, de electricidade, etc. São eles, em princípio, quem tem legitimidade para accionar o administrador com vista a obterem judicialmente o pagamento do que voluntariamente por ele não tiver sido prestado, enquanto representante do condomínio4.
Mas, por outro lado, da mesma maneira que o administrador, enquanto órgão executivo do condomínio, pode agir em juízo contra condóminos e contra terceiros, assim também pode ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns do prédio (art. 1359º do CC)5.
E nesse sentido, parece-nos nenhum obstáculo existir que a acção possa ser proposta pelo condomínio (representada por uma comissão de condomínio que exonera a aqui 1ª ré) contra a administração anterior6. Mas, para isso, seria preciso que se provasse que a 1ª ré chegou a receber a prestação regular dos condóminos e que a nova administração tivesse cumprido a obrigação, em vez do 1º administrador. Nessa hipótese, a administração anterior estaria a locupletar-se indevidamente através da apropriação de dinheiro que lhe não pertencia. Ora, isso é que o não está provado, uma vez que resulta dos autos que a maior parte dos condóminos do prédio não pagou o valor do condomínio mensal que a cada um cumpria (facto 12º da base instrutória). E, por outro lado, também não se provou que a nova administração tivesse pago a importância devida com as despesas de electricidade e água. Isto quer dizer que a causa do não pagamento dessas despesas não procederá de culpa da 1ª ré, antes de deveu a atitude de não cumprimento dos deveres dos próprios condóminos.
De resto, a própria lei determina que o administrador deva prestar contas (art. 1357º, nº1, al. b), do CC)7, para o que existe, na falta de uma prestação espontânea perante a assembleia de condomínio, uma forma de processo especial (ver art. 879º e sgs. do CPC). Portanto, se há neste caso dúvidas sobre o que realmente a 1º ré recebeu, pode a actual administração socorrer-se deste mecanismo legal.
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E se isto se diz das despesas feitas e alegadamente não pagas pelo anterior administrador, do mesmo modo deve dizer-se das despesas que será necessário efectuar para dotar as partes e equipamentos comuns do prédio da dignidade e da eficácia que deles se espera.
Entendendo o novo administrador dever fazer obras com esse objectivo – mesmo que sejam obras que a anterior administração poderia e deveria ter feito – cremos que sobre si impende agora a respectiva obrigação funcional, assumindo o pagamento dos encargos necessários, embora fazendo-os recair sobre cada um dos condóminos na proporção das suas respectivas quotas.
E, repete-se, ainda que se aceite a responsabilidade civil do administrador pelos danos que cause aos condóminos no exercício da sua actividade, nomeadamente quando exceda os limites das suas atribuições, ou não use, ou use indevidamente, os poderes-deveres que a lei confere8, a verdade é que a prova feita foi no sentido de que as RR não pagaram certas despesas relacionadas com facturas de água e electricidade por terem sido privadas dos meios financeiros indispensáveis (facto 13 da Base Instrutória) em virtude da falta de pagamento das contribuições mensais dos condóminos (facto 12º da Base Instrutório). Ora isto revela a ausência de culpa.
Ausência de culpa que se estende à própria omissão (art. 479º do CC) invocada pela recorrente a propósito, quer do não pagamento das despesas acima aludidas, quer da não realização de obras de conservação nas partes comuns degradadas.

Em suma, não se têm por violadas as normas dos arts. 477º, nº1, 478º, 490º e 556º do CC, o que vale por dizer que a sentença da 1ª instância deve manter-se.
***
IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
TSI, 01 / 12 / 2011
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
1 Neste sentido, Ac. RP, de 8/03/1993, Proc. nº JTRP00008382.ITIJ.Net.
2 Antunes Varela, in Obrigações, pag. 151; Menezes Cordeiro, “Direitos Reais”, pag.366-367; Henrique Mesquita, in “A Propriedade Horizontal no Código Civil Português, RDES, XXIII, pag. 130; Ac. do STJ de 17/04/2007, Proc. nº 07B577; STJ, de 2/03/2010, Proc. nº 5662/07.5YYPRT-A.S1; STJ, de 14/09/2010, Proc. nº 4955/07.6TVLSB.
3 Neste sentido, Ac. RP, de 8/03/1993, Proc. nº JTRP00008382.ITIJ.Net.
4 Neste sentido, Ac. RL, de 25/09/1997, Proc. nº JTRL00015218.ITIJ.Net
5 Sobre o assunto, ver Abílio Neto, in Manual da Propriedade Horizontal, 3ª ed., pags. 373-378.
6 Neste sentido, Ac. da RL, de 18/06/1991, Proc. nº JTR00013284.ITIJ.Net.
7 Note-se, aliás, que ao administrador são aplicáveis, por analogia, as mesmas regras dos administradores de sociedades e, portanto, também as regras do mandato (apud, Henrique Mesquita, in DRES , 23º, pag. 132 e 133), o que significa que, até por este instituto, uma das suas obrigações sempre seria prestar contas (art. 1087º, al. d), do CC).
8 Neste sentido, Abílio Neto, ob. cit. pag. 363.
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