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Processo n.º170/2011
(Rcurso cível e laboral)

Data : 1/Dezembro/2011

ASSUNTOS:
    - Marcas
    - Confundilidade
    

SUMÁRIO:
É apodíptica a confundibilidade entre a marca “B” e “F B” para a mesma categoria de produtos.
    
O Relator,
  

João Gil de Oliveira



Processo n.º 170/2011
(Recurso Civil e Laboral)
Data: 1/Dezembro/2011

Recorrente: A

Recorrida: B
    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
 A, vem recorrer da sentença que confirmou o despacho de recusa de registo de marca por si requerido, alegando, em síntese:
    1. A marca da Recorrente é muito famosa e conhecida no mercado internacional de artigos de luxo, e registar a mesma não vai causar concorrência desleal, prevista no art. 9º do RJPI.
    2. Os consumidores dos artigos de luxo não são consumidores médios, mas sim consumidores especiais, pois eles prestam mais atenção nas marcas dos produtos, Qualquer divergência nas marcas dos artigos de luxo pode chamar atenção deles.
    3. Pelo exposto, a Recorrente não vai obter vantagem alguma se tiver a marca em causa registada, pois ela já tem clientela fixa e não há necessidade de fazer concorrência desleal.
    4. A marca da Recorrente é composta por palavras “F ” e “B ”, das quais a palavra “F ” é predominante, pois esta é um elemento distintivo que permite os consumidores de artigo de luxo distinguir facilmente os produtos da Recorrente dos produtos de outros, e a palavra “B ” é apenas um apelido comum italiano que pode ser usado por qualquer pessoa, e ninguém pode ter uso exclusivo sobre esse palavra.
     5. Para os consumidores dos artigos de luxo, o que é importante é comprar produtos de “F ” ou “G ” ou “M ”, e não “B ”, pois são os termos de “F ”, “G ” e “M ” que distinguem uns aos outros.
    6. A relação familiar entre XXX, F e G é conhecida pelos consumidores de artigos de luxo, que é um facto objectivo e não pode ser negado por ninguém.
    7. As marcas registanda e registada em Macau encontram-se registadas em vários países, incluindo Portugal e a China. Isto quer dizer que os examinadores dos vários países acham que não existe susceptibilidade de confusão entre as marcas registada e registanda, e por isso, concedem os registos das respectivas marcas.
    8. Na área de apreciação das marcas, todos os examinadores dos diferentes países devem ter “senso comum” e devem seguir um critério comum de ponderação da susceptibilidade de confusão quando estão a apreciar se uma marca é confundível com outra.
    9. No presente caso, acontece que os examinadores das marcas dos outros países acham que não há confundibilidade entre a marca registanda e a registada, mas o examinador das marcas de Macau, bem como o Juiz a quo acham que há.
    10. É difícil imaginar que perante as mesmas marcas, os consumidores de Macau se confundem facilmente com as origens dos produtos diferentes, enquanto os consumidores da China e da Europa conseguem distinguir.
    11. A decisão do Tribunal a quo deve ser revogada e deve ser concedido o registo à marca registanda da Recorrente.
    A Direcção dos Serviços de Economia da Região Administrativa Especial de Macau, contra alega, defendendo, em suma, a bondade do decidido.
    
B, parte contrária, responde, dizendo em síntese conclusiva:
    1ª. A Recorrente não fez prova de que tem a sua marca nominativa (que consiste em F B ) registada em vários países do mundo nem que contribuiu para a notoriedade e prestígio internacional de que gozam as marcas B e M B (ambas da titularidade da Recorrida), para assinalar produtos da classe 14ª que consta da lista de produtos que entregou na DSE quando solicitou em Macau o seu registo.
    2ª. A Recorrente apresentou documentos com a sua p.i. que, por si só, contrariam os factos por si alegados.
    3ª. Do documento junto sob o nº 6 com a p.i., conclui-se que a titular do registo internacional da marca nominativa sob o nº 499665 e que consiste em F B, é a empresa D B, XXX, com sede em XXXXX, portanto, uma empresa diferente da Reclamante, que tem como denominação social “A”, com sede em XXXXX, destinando-se tal marca a assinalar produtos das classes 3ª, 18ª, 25ª.
    4ª. No que se refere ao registo internacional sob o nº 501995, trata-se de um registo em favor da Recorrente, para assinalar produtos integrados nas classes 8ª (prataria, baixelas) e 14ª (bijutaria e artigos em prata ou com banho de prata).
    5ª. Não se pode afirmar, como o faz a Recorrente, que a marca F B co-existe com a marca B da Recorrida, para assinalar os mesmos produtos, pois a bijutaria que indica como sendo os produtos que assinala com a referida marca internacional que tomou o nº 501995 não se enquadra no conceito de alta joalharia e alta relojoaria como é, conhecida no mercado internacional, a ”B JEWELRY”, produzida e comercializada pela Recorrida, “B HOLDING XXX”.
    6ª. No que se refere à marca registada na WIPO, em favor da Recorrente com o nº 608115, constata-se que, com a marca nominativa F B, a Recorrente assinala produtos integrados na classe 16ª.;
    7ª. F B , enquanto pessoa individual que tem um nome de baptismo, pode criar livremente uma marca sua, usando o seu próprio nome; porém, não pode ser reconhecido o direito da Recorrida a usar uma marca para assinalar produtos com os quais não tem qualquer ligação, pois não os produz nem comercializa, não os publicita nem nada fez para que pudessem alcançar o prestígio internacional que alcançaram os produtos da Recorrida.
    8ª. Tal como bem fundamentou o douto Tribunal recorrido, dos autos não resultaram provados factos quanto à relação familiar entre os titulares de marcas que integram a expressão B, nem quanto à aquisição por sucessão, por parte da Recorrente – cuja denominação social é XXX– do direito de uso do nome B.
    9ª. Vir a Recorrente, em sede de recurso, alegar e requerer que seja considerado um facto notório as relações familiares entre três pessoas de nacionalidade italiana, cujo apelido é B, é um pedido que não pode merecer provimento da parte dessa Alta Instância.
    10ª. A marca registada da Recorrida integra o sinal B que, para além de se tratar de um apelido de família, é a firma ou nome social da B HOLDING XXX., uma sociedade comercial e industrial, aqui Recorrida.
    11ª. Dúvidas não existem de que, comparando a marca registanda F B com a marca registada B, existe o risco de serem associadas – criando uma situação de confusão junto dos consumidores e potenciando a prática de actos de concorrência desleal – porque há identidade, ainda que parcial, nominativa, fonética e gráfica.
    12ª. Dizem as regras da experiência comum que, sendo F um nome próprio masculino (usado em várias línguas) e B um apelido italiano, é indiscutível que o que imprime carácter distintivo numa marca composta por F B é o apelido (B ) e não o nome próprio (F ).
   
Nestes termos requer seja considerado improcedente o recurso jurisdicional e, consequentemente, porque não existem quaisquer outras razões legais que o impeçam, seja mantida a douta sentença recorrida que, por sua vez, manteve o despacho da DSE de 5 de Maio de 2009 que recusou o pedido de registo da marca nominativa que consiste em F B com o nº N/38465 e se destina a assinalar produtos da classe 14.ª
    Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS

Resulta dos autos a seguinte factualidade pertinente:
Em 09/09/2008, a recorrente “A.”, requereu o registo da marca nº N/38465.
A marca N/38465 consiste em duas palavras “F B ”.
Marca esta que fez registar noutros países.
A marca registanda destina-se a assinalar produtos incluídos na classe 14ª: caixas em metais preciosos para joalharia; colares; brincos; anéis; pulseiras; broches; alfinetes; pendentes; botões de punho; diamantes; corais; pérolas; ametistas; esmeraldas; safiras; rubis; ágatas; quartzos; topázios; relógios de pulso; correias de relógios; estojos para relógios; fivelas para relógios; movimentos para relógios; correias para relógios; relógios; relógios de mesa; relógios despertadores; produtos em metais preciosas; produtos em prata.
O pedido de registo foi publicado no BORAEM, nº 49 – II Série, de 03/12/2008.
A recorrida B HOLDING XXX é titular do registo de marca nº N/34099 e que consiste em palavra “B”.
A marca da recorrida assinala produtos incluídos na classe 14ª quais sejam, caixas em metais preciosos para joalharia; colares; brincos; anéis; pulseiras; broches; alfinetes; pendentes; botões de punho; diamantes; corais; pérolas; ametistas; esmeraldas; safiras; rubis; ágatas; quartzos; relógios de pulso.
    
    III - FUNDAMENTOS
    1. O objecto do presente recurso passa fundamentalmente pela seguinte questão:
    A requerente A pretende efectuar o registo da marca “F B ” , sendo que B Holding XXX registou anteriormente neste ordenamento a marca “B ”.
    Em face da anterioridade e prioridade deste registo foi a pretensão da ora recorrente rejeitado, propugnando ela pela não confundibilidade, já que se trata de uma marca com dois nomes e ainda por ser uma marca notória com registo efectuado noutros países, merecendo a protecção do âmbito da Convenção de Paris.

Há, no entanto, uma questão prévia e se prende com a junção de oito documentos com a alegação de recurso que importa conhecer.

2. Questão prévia
A recorrente, para demonstrar ser titular de uma marca que se encontra registada em vários países e que goza de grande notoriedade e de que foi composta com recurso a um nome de pessoa que a si está ligada por laços familiares, juntou com as suas alegações de recurso oito (8) documentos.
Não pode, porém, a Recorrente juntar tais documentos, nesta fase do processo, face ao disposto no artigo 616º, n.º 1 e 451º do CPC, não se explicando as razões por que só agora se procede a essa junção, ou sequer em que medida tal junção se mostra necessária perante o julgamento proferido em primeira instância.
A pretensão da recorrente no sentido de evidenciar tal notoriedade não pode ter resultado apenas por ter sido surpreendida com o julgamento e decisão ora recorrida, pois não podia ignorar que tal qualidade devia ser um dos argumentos para fazer registar tal marca.
Na verdade, a parte já conhecia ou devia conhecer a necessidade da sua apresentação para prova de tal facto, não sendo possível, uma vez confrontada com decisão desfavorável por virtude dessa omissão, vir agora juntar esses documentos.
Donde, sem necessidade de entrar na apreciação do valor probatório desses documentos, ou sequer do seu conteúdo probatório, não se terão os mesmos por relevantes na apreciação do presente recurso.

2. Entramos assim na questão fulcral que passa por saber se as duas marcas “F B ” ou “B ” se confundem.
E para esta análise não é necessária grande elucubração, bastando aplear à regras elementares do bom senso.
E sobre isto, se podemos dizer que essas expressões não são iguais – é óbvio que uma tem a mais a palavra “F ” -, não deixa de ser menos óbvio que numa perspectiva comercial e do consumidor, tais expressões, enquanto marcas são muito confundíveis, quando se trate do mesmo tipo de actividade e de produtos comerciais.
Vamos dar um exemplo. Imaginemos que estamos no domínio automóvel: então não se confundiria o consumidor posto perante um “Mercedes” ou um “Mercedes Benz”; no domínio da moda, não se confundiria o consumidor entre um “Giorgio Armani” e um “Armani”?
Temos para nós que esta constatação é apodípica, de nada valendo invocar-se que o o nome é que marca, é que é impressivo e que o apelido “B ” é muito comum em Itália.
Mesmo admitindo que assim fosse, o certo é que não estamos em Itália, antes em paragens, com uma escrita diferente, em que os nomes latinos são facilmente confundíveis, não sendo difícil configurar que fosse até o elemento mais forte, pela carga fonética e pela força do apelido o que o consumidor retivesse mais facilmente.
Acresce que, mesmo numa óptica da cultura ocidental, o que marca uma dada actividade prosseguida em termos familiares não deixa de ser o apelido, não colhendo o argumento de que dado apelido é muito comum, pois que se o é, os nomes, em princípio, não o serão menos, José, João, Manuel, Frederico, Mário, etc., etc.
   Fica, pois, arredado o argumento que passaria pela não confundibilidade dessas marcas.
   
   3. Pretende-se ainda se dê como por provado que a marca nominativa que consiste em F B , para assinalar produtos da classe 14ª é uma marca famosa no mercado internacional pelo que não poderia dar-se como verificado o fundamento de recusa previsto no art.º 9º, alínea e), do RJPI, qual seja, o da susceptibilidade de vir a cometer actos de concorrência desleal.
   Tal marca assinalaria produtos que se destinam a uma clientela fixa, razão por que não poderão ser aplicados critérios como “consumidor médio”, para avaliar da susceptibilidade de haver confusão quando tal marca F B ” é aferida pela marca registada da recorrida “B ”.
   E seria um facto notório as relações familiares existentes entre XXX, F e G.
Sobre isto dir-se-á tão somente que toda essa alegação careceria de ser comprovada.
A recorrente não fez prova de que se trata de uma marca notória, que tem a sua marca nominativa “F B ” registada em vários países do mundo, nem que contribuiu para a notoriedade e prestígio internacional de que gozam as marcas “B ” e “M B ”, ambas da titularidade da recorrida, para assinalar produtos da classe 14ª que consta da lista de produtos que entregou na DSE quando solicitou em Macau o seu registo.

4. Na verdade, analisando os documentos juntos com a petição inicial, constata-se que do documento junto sob o nº 6 com a p.i., que a titular do registo internacional da marca nominativa sob o nº 499665 e que consiste em F B , é a empresa XXX, com sede em XXX, portanto,trata-se de uma empresa diferente da recorrente, que tem como denominação social “A”, com sede em XXX, destinando-se tal marca a assinalar produtos das classes 3ª, 18ª, 25ª.
Já no que se refere ao registo internacional sob o nº 501995 (doc. nº 7, junto com a p.i. pela Recorrente), é verdade que se trata de um registo em favor da recorrente, para assinalar produtos integrados nas classes 8ª (prataria, baixelas) e 14ª (bijutaria e artigos em prata ou com banho de prata), mas daí não se retira a notoriedade pretendida no domínio da alta joalharia e relojoaria, como se pretende.
E do facto de tal marca conviver noutras paragens com outras marcas com um mesmo nome, pelo menos, compondo parcialmente a sua marca, em particular com a “B JEWELRY”, tal não significa que o mesmo tenha aqui de acontecer, visto até o circunstancialismo próprio deste ordenamento territorial.

5. Dúvidas não existem de que se verificam os requisitos da confundibilidade, da prioridade da marca registada e da identidade dos produtos a que se destinam as marcas em confronto.
Somos, assim, a sufragar o entendimento vertido na sentença recorrida, enquanto disse:
   «A marca é um sinal distintivo que serve para diferenciar a origem empresarial do produto ou serviço proposto ao consumidor. (Carlos Olavo, in Propriedade Industrial Vol I, pág 71)
   Nas palavras do Ilustre mestre Ferrer Correria, a marca é um sinal distintivo de mercadorias, produtos e serviços e a permitir a sua diferenciação de outros da mesma espécie.
   Vigora, quanto à constituição da marca, o princípio de liberdade.
   Como se sabe, a marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais nominativos, figurativos ou emblemáticos, ou por uma e outra coisa conjuntamente.
   A lei estabelece várias restrições à composição livre de marca, entre as quais o princípio de novidade e especificidade.
   Consagram-se esses princípios no artº 215º, do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, que doravante designado por RJPI;’
   “1. A marca registada considera-se reproduzida ou limitada, no todo ou me parte, por outra, quando, cumulativamente: a) a marca registada tiver prioridade; b) sejam ambas destinada a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins; c) tenham tal semelhança gráfica, nominativa, figurativa ou fonética com outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão ou que compreende um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.
   2. Considera-se reprodução ou imitação parcial de marca, a utilização de certa denominação de fantasia que faça parte de Marca alheia anteriormente registada, ou somente do aspecto exterior do pacote ou invólucro com as respectivas cores e disposição de dizeres, medalhas e recompensas, de modo que pessoas analfabetas os não possam distinguir de outras adoptadas por possuidor de marcas legitimamente utilizadas.”
   Portanto, há reprodução total ou parcial se se verifica os seguintes requisitos: i) a prioridade da marca imitada; ii) a identidade ou afinidade manifesta dos produtos ou serviços marcados; iii) a semelhança figurativa, nominativa ou fonética com outra marca já registada; iv) a semelhança que permita a indução em erro o consumidor.
   No que concerne aos primeiros dois requisitos, não sofre qualquer dúvida que se verificam, visto que a marca N/34099 já se encontra registado na RAEM e que as provimento ao recurso interposto pela recorrente A , mantendo assim o despacho recorrido.»

Sem necessidade de outros desenvolvimentos, somos a decidir pela improcedência do recurso.

    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
    Custas pela recorrente.
Macau, 1 de Dezembro de 2011,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
170/2011 13/13