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Processo n. 525/2010
Recurso Contencioso
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 23 de Junho de 2011
Descritores: Legitimidade activa
Satisfação da pretensão


SUMÁRIO

Se o administrado formula uma pretensão ao abrigo de uma determinada lei, sem especificar o momento a partir do qual pretende a retroacção dos efeitos, nem por isso perde legitimidade activa para recorrer do despacho que a defere, se este, na óptica do recorrente, ficou aquém da vinculação legal emergente da lei e se, no contrato posteriormente assinado, o interessado apôs uma declaração expressa de reserva dos direitos que lhe assistem de fazer retroagir a actualização remuneratória a data diferente daquela que do despacho resulta.





Proc. N. 525/2010
Recorrente: A
Entidade recorrida: Chefe do Executivo da RAEM

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I- Interposto recurso contencioso por A do despacho do Ex.mo Chefe do Executivo da RAEM de 22/02/2010 – proferido no âmbito de um pedido de actualização salarial com efeitos retroactivos a 1 de Julho de 2007 – veio a entidade recorrida na sua peça contestatória invocar a ilegitimidade do recorrente com o argumento de que o pedido deste - no sentido da celebração de novo contrato de acordo com o Regime da Carreira de Enfermagem reposicionando-o no 4º escalão de enfermeiro-graduado, de acordo com a Lei n. 18/2009 - acabaria por ser aceite pelo despacho impugnado,o que fora posteriormente averbado ao contrato individual de trabalho em 19/05/2010. Assim, deferida a pretensão, faltar-lhe-ia legitimidade para contra o despacho se insurgir, nos termos do art. 33º do CPAC.
O recorrente pronunciou-se sobre a excepção, defendendo a sua improcedência, em termos que aqui se dão por reproduzidos (fls. 144 e sgs.).
Também, o digno Magistrado do MP acabou por opinar no mesmo sentido (fls. 140-141).
Cumpre decidir.
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II- Pressupostos processuais
O Tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e a entidade recorrida goza de legitimidade passiva.
Disporá o recorrente de legitimidade activa? É o que veremos, após a selecção da factualidade mais relevante para o conhecimento da excepção.

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III- Os factos
1- O recorrente, enfermeiro, que tinha iniciado funções nos Serviços de Saúde de Macau em 1 de Agosto de 1995,
2- Em 7 de Agosto de 2009, pediu ao Director dos Serviços de Saúde se dignasse “” …recolocá-lo no último escalão do grau II aquando da entrada em vigor da nova carreira de enfermagem aprovada a 4 de Agosto de 2009, dados os anos de serviço de tomada de posse como enfermeiro graduado em Portugal…”(fls. 5 do ap[enso].
3- E em 21 do mesmo mês e ano voltou a requerer à mesma entidade a celebração de novo contrato de acordo com o novo regime da carreira de enfermagem, Lei n. 18/2009, de 17/8/20089., reposicionando-o no 4º escalão de enfermeiro graduado (fls. 7 do p.a.).
4- Em 22 de Fevereiro de 2010 despachou, na sequência de parecer do Ex.mo Director dos Serviços “ Concordo a ratificação”(fls. 28 dos autos).
5- O referido parecer tinha recaído sobre proposta n. 187/PP/DP/2010, que propunha a actualização salarial (índice 495, escalão 3º) por averbamento ao contrato com referência à nova carreira de enfermagem (fls. 28/31 dos autos).
6- O interessado foi notificado em 26/02/2010 para, caso não tivesse nada a opor à revisão decorrente do despacho de 22/02/2010, manifestar a sua vontade à Divisão de Pessoal até ao dia 10/03/2010 com vista aos trâmites posteriores (fls. 22 do p.a.).
7- Por ofício de 2/03/2010 foi o recorrente de novo notificado dando-lhe conhecimento de que o regime das carreiras não é aplicável aos trabalhadores recrutados ao exterior que tinham sido contratados ao abrigo do art. 99º da Lei Básica, ou seja, a Lei n. 18/2009, dando-lhe ainda conta da alteração da cláusula 4ª do seu contrato individual de trabalho (fls. 27 e 28 do p.a.)
8- Com esta notificação foi junta a alteração contratual, ficando ainda definido que a produção de efeitos se reportava a 18 de Agosto de 2009 (fls. 25 e 26 do p.a.)
9- Deste despacho e proposta foi o recorrente notificado por ofício de 7 de Maio de 2010 (fls. 27 dos autos).
10- O Ex.mo Chefe do Executivo autorizou em 27 de Abril de 2010 a alteração das cláusulas do averbamento ao contrato nos termos propostos (anterior proposta referida em 5 supra e Proposta 313/PP/DP/2010 (fls. 101 do p.a.).
11- E o averbamento foi efectuado, tendo ficado estabelecido na cláusula 4ª que a remuneração corresponderia à categoria de enfermeiro-graduado, 3º escalão, índice 495, segundo o disposto no Anexo I, da Lei n. 18/2009, de 17 de Agosto (f;s. 107 do p.a).
12- E na cláusula 19 ficou definido que os efeitos decorrentes do índice referido na cláusula 4ª do averbamento retroagiriam a 18 de Agosto de 2009 e incidiam sobre o vencimento (fls. 112 do p.a).
13- Contudo, após a assinatura do averbamento o recorrente incluiu uma declaração do seguinte teor: “Assino o presente averbamento ao meu contrato individual de trabalho com a reserva dos direitos que me assistam de fazer retroagir a actualização da minha remuneração a 1 de Julho de 2007”(fls. 112 do p.a.).
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IV- Apreciando
Segundo a contestação do Ex.mo recorrido, o recorrente não teria legitimidade porque a sua pretensão formulada em 21 de Agosto de 2009 havia sido satisfeita. Todavia, esta afirmação carece, de pronto, de uma correcção. Na verdade, o pedido do recorrente tinha em vista aplicação ao seu caso do Novo Regime da Carreira de Enfermagem decorrente da Lei n. 18/2009, de 17/08/2009 (1ª parte) e ainda a sua colocação no 4º escalão de enfermeiro-graduado (2ª parte). Como se vê, uma pretensão com duas vertentes.
Vistas as coisas deste modo, não é verdade que o despacho do Ex.mo Chefe do Executivo tivesse respondido com satisfação plena às aspirações do interessado recorrente. Na verdade, ele permaneceu no escalão 3º, embora com subida de índice salarial. Portanto, aqui fica a precisão deste particularismo.
Mas, não estando ele em causa aqui, passemos ao outro aspecto, esse sim, o único que verdadeiramente vem posto em litígio na presente impugnação contenciosa, e que é concernente à amplitude da aplicação da lei à situação funcional do recorrente: ou seja, saber se os efeitos da alteração contratual se deveriam reportar a 1 de Julho de 2007 (tese do recorrente) ou a 18 de Agosto de 2009 (como foi decidido e, posteriormente, clausulado).
Pergunta-se: a divergência de amplitude de efeitos pode ser discutida nestes autos? Será que o requerimento de 21 de Agosto pode servir de travão à discussão jurisdicional no que respeita à matéria nele incluída? Vamos ver.
É verdade que tal requerimento visava a aplicação doa Lei 18/2009, o que foi satisfeito. Todavia, ainda que ele não expresse a extensão da sua eficácia temporal, isto é, embora o recorrente não incluísse o momento a partir do qual a alteração devia produzir efeitos, isso não quer dizer que o seu autor tivesse deixado à entidade competente o livre arbítrio de o decidir a seu modo ou como o achasse conveniente. Isto é, com tal pretensão, não se pode dizer que o recorrente reconhecesse à entidade competente o poder de encontrar a melhor solução possível, a qual assim ficaria, quanto a esse aspecto, ao critério pessoal e discricionário desta. Simplesmente, deixou que a entidade competente aplicasse a lei de acordo com os aspectos vinculados que dela emergem. Efectivamente, o que importará ver, afinal, é se a lei, realmente, fixa esses critérios de vinculação. E na hipótese afirmativa, então o facto de o recorrente os não ter mencionado não podem servir de obstáculo à sua observância pelo Ex.mo Chefe do Executivo.
Quer isto dizer, portanto, que a omissão dessa parte pretensiva não abre a possibilidade de a entidade administrativa decidir menos do que a lei determina (se tal for o caso, evidentemente, coisa que por ora não estamos em condição de dizer). E por tal motivo, não está o recorrente impossibilitado de discutir no tribunal se a decisão foi ou não legal, se ficou aquém do que devia e do que era vinculação legal.
Claro que a posterior assinatura da alteração ao contrato baseado num despacho restritivo na amplitude de efeitos podia ser fatal aos interesses do recorrente, na medida em que se podia dizer que com o seu gesto o recorrente mostrou aceitar o acto qua tale, o que o impediria de recorrer ao tribunal para o discutir (art. 34º, do CPAC).
Sucede, porém, que o recorrente apôs uma declaração de reserva no próprio averbamento contratual. Disse que tal assinatura não o impediria de discutir os direitos que porventura lhe assistissem quanto, precisamente, à retroacção dos efeitos remuneratórios a 1 de Julho de 2007. Com esta declaração, o recorrente salvou o perigo que decorreria da aplicação ao seu caso da norma do citado art. 34º.
Assim sendo, para discutir este específico ponto, não perdeu o recorrente a sua legitimidade activa - em virtude de se considerar titular de um direito que terá sido afectado, em sua óptica, pelo acto impugnado - e cujo sucesso contencioso final lhe dará a tutela que de momento sente faltar-lhe (art. 33º, al.a), do CPAC).
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V- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em:
- Julgar improcedente a excepção deduzida de ilegitimidade do recorrente, determinando-se, em consequência, o prosseguimento dos autos;
- Determinar, porque o processo está em condições de se conhecer do mérito, a notificação das partes para apresentações de alegações (arts. 63º, n.1 e 2, do CPAC).
Sem custas.
Notifique.
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TSI, 23 de Junho de 2011.

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José Cândido de Pinho
(Relator)

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Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)

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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
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Vitor Manuel Carvalho Coelho
(Magistrado do M.oP.o) (Presente)