Processo nº 83/2010
(Recurso civil e laboral)
Data: 24/Novembro/2011
Assuntos:
- Laboratório de Engenharia Civil de Macau
- Regime laboral aplicável no caso de rescisão sem justa causa de trabalhador do LECM
SUMÁRIO:
Se um dado trabalhador viu o seu contrato de trabalho rescindido, sem indicação de qualquer fundamento, incompreensivelmente alguns dias antes do termo do respectivo contrato, ainda que na comunicação rescisória se aluda a um motivo de caducidade, mas não se concretize nem vislumbre qual a causa de tal caducidade, o regime compensatório de tal rescisão não pode ser o do Regime Jurídico da Relações Laborais gerais, mas sim o regime do Laboratório de Engenharia Civil de Macau.
O Relator,
João Gil de Oliveira
Processo n.º 83/2010
(Recurso Civil e Laboral)
Data: 24/Novembro/2011
Recorrente: A
Recorrido: Laboratório de Engenharia Civil de Macau
(澳門土木工程實驗室)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
A, notificado da sentença que concluiu "(…) pela inaplicabilidade dos artigos 48°/ - e) e 52° do LECM (…)”, e julgou improcedente a pretensão do Autor formulada nos autos" relativa ao pagamento da indemnização por rescisão do contrato de trabalho levada a cabo pela entidade patronal, o Laboratório de Engenharia Civil de Macau, inconformado com a mesma, vem recorrer, alegando, em síntese:
1.º O objecto do presente recurso prende-se no essencial com a incorrecta interpretação dos respectivos normativos aplicáveis resultante da sentença em causa, quer quanto aos efeitos da cessação do contrato individual de trabalho por declaração unilateral do empregador, assim como uma manifesta violação do princípio do tratamento mais favorável do trabalhador;
2.º De facto, não obstante vigorar no ordenamento jurídico da R.A.E.M. o princípio da consensual idade e da liberdade contratual, em caso de concorrência de normas, como ocorreu no caso sub judicie, prevalece o princípio especial do tratamento mais favorável do trabalhador, previsto de forma expressa nos artigos 5º e 6º ambos do R.J.R.T.M.;
3.º Isto é, qualquer contrato de trabalho ou acordo, ainda que disponha de modo diferente do estabelecido no R.J.R.T.M., deve obedecer aos condicionalismos mínimos resultantes do mesmo, ou de normas convencionais, de regulamentos de empresa ou de usos, desde que da sua aplicação não resulte condições de trabalho menos favoráveis para os trabalhadores;
4.º Ora, acontece que, na interpetação das normas aplicáveis, se deveria ter recorrido ao favor laboratoris, contudo, a verdade é que a sentença é abusltamente omissa quanto a esse princípio orientador do direi to laboral, expressamente previsto nos artigos 5º e 6º ambos do R.J.R.T.M.;
5.° Acresce que, em face da redacção das normas do E.P. do Réu, nomeadamente do artigo 48.°, não podemos deixar de discordar com a interpretação resultante da sentença, porquanto face à matéria de facto dada como assente, desde logo é curial concluir que, não estamos no domínio da cessação do contrato por: i) mútuo acordo; ii) caducidade; ou por iv) por rescisão da iniciativa do trabalhador; nem estamos na presença iii) de uma declaração unilateral de rescisão fundada em justa causa, como facilmente se extrai do documento a fls. 34 dos autos;
6.° Por conseguinte, em termos de formas regularmente admissíveis de cessação do contrato individual de trabalho (leia-se E.P. do Réu.), restava ao Tribunal "a quo" a alínea e) do artigo 48.° do E.P. respeitante à rescisão devidamente fundamentada, nomeadamente com base em encerramento de secções ou redução de pessoal determinada por motivos estruturais, tecnológicos ou conjunturais;
7.° Ao admitir, como resulta da sentença em crise que o não cumprimento das respectivas obrigações legais e regulamentares (inaplicabalidade da a alínea e) do artigo 48.° do E.P.), poderá funcionar a favor do empregador não cumpridor, consubstancia uma incorrecta interpretação dos respectivos normativos aplicáveis, designadamente dos artigos artigos 48.° a 52.° do E.P., para além do princípio do tratamento mais favorável decorrente dos artigos 5.° e 6.° ambos do R.J.R.T.M.;
8.º Facto que constitui uma interpretação perfeitamente desadequada, e contrária ao Direito, com graves prejuízos para os interesses dos trabalhadores e em manifesta violação dos artigos 48.º a 52.º do E.P., para além dos artigos 5.º e 6.º ambos do R.J.R.T.M., que aqui se suscita para os devidos efeitos legais, designadamente para determinar a nulidade da sentença recorrida, e que aqui se invoca para os devidos efeitos legais;
9.º Por outro lado, mas mesmo que assim não seja, o que se admite sem conceder, de facto, a tese que se extrai da decisão aqui impetrada, revela contornos quase kafkianos;
10.º Assim, o empregador, Réu nos autos, que não pretenda rescindir (resolver) o contrato de trabalho com justa causa (nos termos da alínea c) do artigo 48.º do E.P.), por que sabe não existir e, nesse caso fará incorrê-lo na obrigação de pagar a indemnização ao trabalhador pelos danos emergentes - artigo 52.º do E.P. ), para não se sujeitar a essa obrigação, lança mão de uma rescisão unilateral sem fundamento;
11.º E, em consequência, o trabalhador, Autor perante dois regimes potencialmente aplicáveis, o que decorre do regime convencional - E.P. do Réu (mais favorável), e o regime legal (menos favorável), é-lhe reconhecido direito ao regime menos favorável;
12.º Em manifesta oposição ao critério especial de interpretação constante dos artigos 5.º e 6.º ambos do R.J.R.T.M. e defendido pela doutrina e jurisprudência;
13.º Tal tese, salvo o devido respeito, não faria qualquer sentido, seria no mínimo paradoxal, além de constituir um inadmissível e insustentável "venir contra factum proprium" com manifesto prejuízo para o trabalhador de boa-fé, aqui Recorrente;
14.º Ora, o Tribunal "a quo" ao não se pronunciar e extrair as necessárias consequências do incumprimento das respectivas obrigações legais por parte do Réu, que obviamente deveria conhecer, salvo o devido respeito por melhor opinião, violou o disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 571.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 43.º do C.P.T.M., o que é susceptível de determinar a nulidade da sentença recorrida, que aqui se invoca para os devidos efeitos legais.
15.º Por último, cumpre ainda referir que mesmo que assim não seja, o que se admite como hipotético, recorrendo a uma interpretação sistemática do regime regulamentar (E.P.), o sentido da sentença nem sequer respeita o princípio da igualdade;
16.º Porquanto, se o empregador, leia-se o Réu, tem de pagar uma indemnização pelos danos emergentes por rescisão do contrato sem justa causa nos termos do artigo 52.º do E.P. (alíneas b), c) e d) do artigo 49º do E.P. do Réu), no caso de rescindir um contrato individual de trabalho sem qualquer fundamento, não faz sentido que a norma aplicável seja a que resulta do n.º 4 do artigo 47º do R.J.R.T.M.;
17.° Pois, não se afigura adequado nem proporcional, além de configurar uma violação do princípio da igualdade, resultante do artigo 4.° do R.J.R.T.M.
18.° Ora, o Tribunal "a quo" ao não se pronunciar sobre esta desproporção na aplicação do direito, que manifestamente deveria conhecer , salvo o devido respeito por melhor opinião, violou o disposto na alínea d) do n.° 1 do artigo 571.º do Código de Processo Civil., aplicável ex vi artigo 43.º do C.P.T.M., o que é susceptível de determinar a nu1.idade da sentença recorrida, que desde já se invoca para os devidos efeitos legais.
19.° Pelo que, a douta decisão recorrida ao decidir dessa forma, salvo o devido respeito e melhor opinião, interpretou de forma incorrecta o disposto nos artigos 11.º, 12.º, 48.° a 52.º, todos do E.P. do Réu, assim como dos artigos 4.°, 5.°, 6.°, 43.°, 44.°, 47.° todos do R.J.R.T.M. e da alínea d) do n.º 1 do artigo 571.° do Código de Processo Civil., aplicável ex vi artigo 43.° do C.P.T.M.
Pelo exposto, entende que deve ser dado provimento ao presente recurso.
LABORATÓRIO DE ENGENHARIA CIVIL DE MACAU, réu na acção e ora recorrido, contra alega, dizendo:
1. Ao contrário do alegado pelo Recorrente, em caso algum a douta sentença se revela incorrecta ou violadora do princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador;
2. Com efeito, tal qual ficou demonstrado nos presentes autos, o verdadeiro e único facto extintivo do contrato de trabalho celebrado entre o Recorrido e o Recorrente residiu na vontade unilateral demonstrada e expressa pela Recorrido, em não "renovar" a relação laboral que mantinha com o Recorrente;
3. Assim, foi o comportamento declarativo do Recorrido em pretender a não continuidade da relação de trabalho que o unia ao Recorrente que conduziu à efectiva caducidade daquela mesma relação laboral;
4. Tratou-se, assim, da manifestação do exercício de um direito potestativo extintivo, recitus do livre exercício de denúncia unilateral por iniciativa do empregador, in casu do Recorrido, tal qual o mesmo está previsto e regulado no art. 47.° do Regime Jurídico das Relações de Trabalho de Macau - Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril;
5. Todo o raciocínio expendido pelo Recorrente assenta numa falácia: a de que existiria mais do que uma norma aplicável à situação jurídica sub judice e que tal justificaria o recurso ao favor laboratoris aquando da sua concreta interpretação;
6. Certo é que, tal qual doutamente concluiu o Tribunal Judicial de Base após cuidada análise dos normativos em presença -, não existe qualquer confronto ou concorrência de normas, desde logo porque a norma cuja aplicação o Recorrente quer ver aplicada não poderá ser chamada aos presentes autos por manifesta falta de verificação dos seus respectivos pressupostos;
7. Na verdade, a alínea e) do artigo 48.° do Estatuto de Pessoal do LECM, consagra uma forma de cessação da relação de trabalho baseada em «causas objectivas», que devem seguir uma tramitação própria muito diversa da traçada para os casos de cessação do contrato por livre iniciativa do empregador, isto é, por denúncia unilateral;
8. Assim, ao contrário do alegado pelo Recorrente, em caso algum poderiam ter sido aplicados aos presentes autos o disposto nos artigos 48.º e 52.º do LECM, pelo que doutamente foi julgada improcedente a pretensão formulada pelo Autor, ora Recorrente;
9. Em suma, a comunicação proferida a 19 de Maio de 2005 consubstanciou a vontade unilateral do Recorrido em pôr fim ao contrato de trabalho que o unia ao Recorrente e, neste sentido, representou o exercício de um direito de denúncia unilateral por parte do Recorrido, que consequentemente conduziu à caducidade do contrato de trabalho do Recorrente.
Ao que se diz, acresce que,
10. Não se alcançam os motivos ou razões pelas quais o Recorrente qualifica a douta decisão como reveladora de “contornos quase kafkianos” e, bem assim, como “violadora do princípio da igualdade”;
11. Desde logo, porque não é verdade que o Recorrente não tenha percebido as razões ou motivos do «Processo» que conduziu à cessação da sua relação de trabalho com o Recorrido;
12. E, por outro lado, porque em caso algum se demonstrou provada a existência de uma qualquer violação ao princípio da igualdade, matéria essa que, aliás, e com o devido respeito, não foi sequer anteriormente alegada pelo Recorrido, pelo que jamais poderá ser apreciada em sede de recurso;
13. Neste sentido, não existe qualquer insuficiência de fundamentação, podendo com naturalidade alcançar-se perfeitamente as razões de facto e de Direito que conduziram à douta decisão;
14. A fundamentação por parte do Tribunal a quo mostra-se clara, expressa, suficiente e, portanto, não merece qualquer reparo ou censura.
Nestes termos, conclui, deve o recurso ser julgado improcedente.
Foram colhidos os vistos legais.
II - FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
“Da Matéria de Facto Assente:
- A 28 de Abril de 1989, o Réu e o Autor acordaram que este passaria a exercer a actividade como Chefe de Departamento, exercendo funções que, no âmbito da estrutura interna do LECM lhe sejam atribuídas, tudo nos termos constantes do documento de fls. 13 e 14, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (alínea A da Especificação).
- A 22 de Setembro de 1999, o Réu e o Autor acordaram que este passaria a exercer a actividade como Chefe de Departamento, exercendo funções que, no âmbito da estrutura interna do LECM lhe sejam atribuídas, tudo nos termos constantes do documento de fls. 82 e 92, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (alínea B da Especificação).
- O Autor foi trabalhador do Laboratório de Engenharia Civil de Macau, ora Réu, entre 1 de Setembro de 1988 e 24 de Agosto de 2005 (alínea C da Especificação).
- O Réu é uma pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, de natureza associativa, com autonomia técnica e financeira e património próprio, tendo sido constituído por escritura pública de 21 de Julho de 1988, lavrada a fls. 16 e ss. do Livro de Notas n.º 265, Da Direcção dos Serviços de Finanças de Macau, publicado no Boletim Oficial de Macau n° 30 de 25 de Julho de 1988 (alínea D da Especificação).
- Em 12 de Julho de 2005, o Autor endereçou ao Réu um memo onde requeria que lhe fossem processados os abonos a que tinha direito, quer nos termos do contrato quer nos termos da lei (alínea E da Especificação).
- O que veio a merecer aprovação e despacho favorável da Direcção em reunião de 13 de Julho de 2005, tendo sido ordenado o pagamento dos referidos abonos (alínea F da Especificação).
- A 26 de Agosto de 2005 o Autor dirigiu ao Réu a carta junta aos autos a fls. 40 a 42, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (alínea G da Especificação).
- A 23 de Setembro dê 2005 o Réu remeteu ao Autor a carta junta aos autos a fls. 47 a 48, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e cuja tradução se encontra a fls. 130-131 (alínea H da Especificação).
- O Autor remeteu ao Réu, a 17 de Outubro de 2005, a carta junta aos autos a fls. 50 a 52, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (alínea I da Especificação).
- O Réu emitiu o recibo de fls. 45, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (alínea J da Especificação).
- A 29 de Novembro de 2005, o Réu remeteu ao Autor a carta junta aos autos a fls. 54 a 55, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, e cuja tradução se encontra a fls. 136 (alínea L da Especificação).
- A 19 de Maio de 2005 o réu decidiu pôr termo, unilateralmente, ao acordo celebrado com o Autor, com efeitos a partir de 25 de Agosto de 2005, arguindo a caducidade deste (alínea M da Especificação).
*
Da Base Instrutória:
- Facto que comunicou ao Autor em 20 de Maio de 2005 (resposta ao quesito 2º).
- O acordo referido em B) visou substituir o acordo referido em A) (resposta ao quesito 3º). “
III - FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso passa fundamentalmente por saber qual o regime jurídico aplicável à relação laboral em presença: se o o Estatuto do Pessoal do Laboratório de Engenharia Civil de Macau (EPLECM) se o Regime Jurídico da Relações Laborais de Macau, (RJRLM) aprovado pelo Dec.- Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
2. Depois de rebuscada interpretação, a Mmo Juiz a quo concluiu pela inaplicabilidade do EP do LECM, baseando-se na seguinte linha argumentativa:
"Assim, a rescisão do contrato por iniciativa da LECM com ou sem justa causa, é regido pelo contrato individual de trabalho e pelo EP do LECM, quando haja omissões, recorre-se ao regime do D.L. n.º 24/89/M, de 3 de Abril, salvo naquelas situações especiais que o próprio EP do LECM prevê, tal como o artigo 48° / e) que é uma norma especial, que não pode ser chamada para a situação dos autos porque não estão verificados os respectivos pressupostos.
Pelo que, concluindo-se pela inaplicabilidade dos artigos 48°/ e) e 52° da LECM por razões acima referidas, é de julgar improcedente a pretensão formulada nestes autos”.
3. Cremos que a interpretação dos regimes aplicáveis se afigura mais simples e linear, não sendo necessário recorrer a uma rebuscada interpretação como se fez na douta sentença recorrida.
Atentemos na normas pertinentes do EPLECM:
Dispõe o artigo 11º:
(Direitos dos trabalhadores)
São direitos dos trabalhadores do LECM:
a)Exercerem as funções para que tenham sido contratados;
b)Usufruírem dos direitos previstos nos respectivos contratos e no presente Estatuto;
c)Não serem despedidos, salvo disposto no presente Estatuto e nas disposições legais aplicáveis;
(...)
O artigo 48.º:
(Cessação)
O contrato de trabalho cessa:
a) Por mútuo acordo entre as partes, mediante documento escrito e assinado;
b) Por caducidade;
c) Por rescisão da iniciativa de qualquer das partes fundada em justa causa;
d) Por rescisão da iniciativa do trabalhador;
e) Por rescisão da iniciativa do LECM, devidamente fundamentada, nomeadamente com base em encerramento de secções ou redução de pessoal determinada por motivos estruturais, tecnológicos ou conjunturais.
O artigo 49.º:
(Rescisão fundada em justa causa)
1. A rescisão por iniciativa do LECM fundada em justa causa deve obedecer a tramitação prevista no Capitulo VIII.
2. Ajusta causa da rescisão por iniciativa do trabalhador pode ocorrer nas seguintes situações:
a) Necessidade de cumprir obrigações legais incompatíveis com a continuação ao serviço;
b) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição, na forma devida;
c) Violação culposa das garantias legais e convencionais do trabalhador;
d) Falta culposa das condições de higiene e segurança no trabalho.
O artigo 50º:
(Rescisão por iniciativa do trabalhador)
1. O trabalhador tem direito de rescindir o contrato de trabalho unilateralmente e sem necessidade de invocação de motivos, desde que o comunique por escrito e com a antecedência mínima de um mês ou dois meses, consoante tenha até dois ou mais anos de serviço, respectivamente.
2. A falta de cumprimento total ou parcial do prazo de aviso prévio referido no número anterior faz incorrer o trabalhador na obrigação de pagar, a título de indemnização, o valor da retribuição correspondente ao período de aviso prévio em falta.
3. Se a falta de cumprimento do prazo de aviso prévio der lugar a danos superiores ao montante referido no número anterior, devem os mesmos ser pedidos na competente acção de indemnização.
O artigo 51.º:
(Rescisão por iniciativa do LECM)
1. A rescisão do contrato de trabalho por iniciativa do LECM ao abrigo da alínea e) do artigo 48°, deve ser comunicada por escrito, com aviso prévio de sessenta dias.
2. Durante um ano a contar da data de rescisão, o trabalhador beneficia de preferência nas admissões que eventualmente se venham a verificar para a sua categoria, caso não tenha havido lugar a reconversão profissional.
O artigo 52.º:
(Indemnização)
A cessação do contrato de trabalho efectuada nos termos da alínea e) do artigo 48 ° ou das alíneas b ) , c) e d) do artigo 49 ° confere ao trabalhador direito a uma indemnização pelos danos daí emergentes, correspondente a um mês de retribuição mensal efectiva por cada fracção ou ano de serviço, que nunca poderá ser inferior a dois meses de retribuição.
4. Como resulta dos factos considerados como provados e relevantes para a decisão da presente demanda, parece pacífico estarmos perante uma decisão do empregador em pôr termo, unilateralmente, ao contrato de trabalho, celebrado com o trabalhador em 28 de Abril de 1988, com efeitos a partir de 25 de Agosto de 2005, arguindo a caducidade deste (alíneas A e M da Especificação).
Importa atentar num facto que se afigura muito relevante que constitui o motivo da cessação do contrato. Muito embora se tenha invocado a caducidade, é óbvio que não foi essa a causa jurídica de tal cessação.
A noção normal de caducidade implica a extinção ipso jure de um negócio jurídico como consequência de um facto a que a lei atribui esse efeito.
A caducidade configura uma forma de cessação de relações jurídicas laborais em consequência de um determinado facto ou acontecimento ao qual a lei confere reconhece tal poder1.
Desde logo, a cessação do contrato não se verificou no terminus do contrato, mas sim alguns dias antes.
Não se vislumbra qualquer outro facto que pudesse integrar tal causa de cessação contratual.
Acresce que nos casos de caducidade, o empregador deveria proceder tão somente, eventualmente, ao pagamento das retribuições a que o trabalhador teria direito desde a declaração de vontade do empregador até ao termo certo ou incerto contratualmente estipulado.
Mais, o aviso prévio foi enviado pelo empregador ao trabalhador, com mais de noventa dias de antecedência, ou seja, o prazo mínimo regulamentar de sessenta dias está claramente preenchido (cfr. alínea M da Especificação - A 19 de Maio de 2005, o Réu decidiu pôr termo, unilateralmente ao acordo celebrado com o Autor, com efeitos a partir de 25 de Agosto de 2005, arguindo a caducidade deste).
Para além de que a lei de Macau, embora preveja pontualmente causas concretas de cessação da relação laboral (tarefas concretas, ocasionais e sazonais, prazo curto), não fixa a caducidade como uma causa genérica de cessação do contrato individual de trabalho.2
Aliás, se assim fosse - isto é, se a causa de cessação tivesse sido realmente a caducidade -, não haveria lugar a qualquer indemnização e o certo é que a entidade patronal entendeu ser sua obrigação indemnizar o trabalhador, só que o fez pelo diploma mais favorável para si e menos favorável para o trabalhador.
6. A este propósito, o recorrente vem levantar um conflito de normas, defendendo que houve violação do tratamento mais favorável que deve ser concedido ao trabalhador porquanto não obstante vigorar no ordenamento jurídico da R.A.E.M. o princípio da consensualidade e da liberdade contratual, resultante da l.ª parte do artigo 1.º e da 1.ª parte do artigo 6.°, ambos do Decreto - Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril (“R.J.R.T.M.”), aplicáveis ao caso sub judice, em caso de concorrência de normas, prevalece o princípio especial do tratamento mais favorável do trabalhador, previsto de forma expressa nos artigos 5.º e 6.º ambos do R.J.R.T.M, mas sem fundamento para tal, pela razão simples de que se entende quea a situação está contemplada no referido EPLECM.
O que ressalta é que em 19 de Maio de 2005,o réu decidiu pôr termo, unilateralmente, ao acordo celebrado com o Autor, cessação esta que se configura como sendo sem justa causa ou, pelo menos, nenhuma foi invocada, tal como resulta da matéria provada e documentação junta aos autos.
7. Afastada a caducidade como causa de cessação do contrato de trabalho dos autos, perante a previsão do artigo 48º do EPLECM, o que temos é uma rescisão da iniciativa do LECM, não devidamente fundamentada.
É certo que a rescisão por iniciativa do empregador não está qua tale contemplada expressamente naquele estatuto, mas não se pode deixar de integrar a situação no regime do artigo 52º supra citadado por duas ordens de razões:
Em primeiro lugar a alínea e) do artigo 48º, a propósito da rescisão por iniciativa do LECM, usa o advérbio nomeadamente, o que significa que haverá outras razões, comunicadas ou não ao trabalhador, sendo este último caso a situação dos autos.
Por qualquer razão o empregador quis fazer cessar o contrato, só que a não comunicou ao trabalhador.
Em segundo lugar, a considerar que uma causa de cessação ou rescisão sem justa causa, seguramente menos justificada do que as situações expressamente referidas na citada alínea e) seria menos compensada do que as ali previstas.
Na verdade, tal como diz o recorrente, admitamos que o empregador não pretende rescindir (resolver) o contrato de trabalho com justa causa (nos termos da alínea c) do artigo 48.º do EPLECM, porque sabe não existir que, nesse caso, incorrerá na obrigação de pagar a indemnização ao trabalhador pelos danos emergentes - artigo 52.º do EPLECM. Para não se sujeitar a essa obrigação, lança mão de uma rescisão unilateral sem fundamento e, em consequência, o trabalhador perante dois regimes potencialmente aplicáveis, o que decorre do regime convencional (mais favorável) e o regime legal (menos favorável), é-lhe reconhecido direito ao regime menos favorável.
Ora isso não pode ser, por manifestamente injusto, afrontando as regras da boa-fé.
8. Mostra-se evidente que não estamos na presença de uma declaração unilateral de rescisão fundada em justa causa, como facilmente se extrai do documento a fls. 34 dos autos, não podendo a indemnização devida - e que a entidade empregadora não deixa de reconhecer - dever ser calculada em face do EPLECM e não em face do RJRL, como aquela pretende, não estando em causa a escolha de um regime, mas sim a interpretação daquele que se configura como aplicável ao caso.
Defende o Mmo Juiz do Tribunal a quo que, para se accionar a norma da al. e) do artigo 48º do EPLECM é necessário preencher certos requisitos e que os mesmos não estariam reunidos neste caso, e que o ónus da prova caberia ao réu.
Não se alcança facilmente o que se pretende com esta asserção.
Se com isso se pretende dizer que o ónus de uma justa causa pertencia ao empregador, o certo é que ela não se enuncia nem anuncia. Aliás, repete-se, o empregador acha que tem de pagar uma indemnização, repete-se, só que o pretende fazer pelo através do RJRL.
O certo é que o empregador não fundamentou como resulta da alínea e) do artigo 48.º do EPLECM a cessação do contrato de trabalho, como deveria., tendo presente o disposto na alínea c) do artigo 11.º, não podendo ser beneficiado por incorrer numa situação manifestamente mais gravosa e a que ele próprio deu origem do que em relação a uma situação em dissesse quais as razões da cessação do contrato.
9. A todas as razões acima aduzidas não se deixa ainda de acrescentar uma outra.
Não se vê motivo para o empregador ter de indemnizar o trabalhador até em situações de rescisão por justa causa, por iniciativa deste – cfr. art. 52º e 49º, b), c) e d) do EPLECM e já o não fazer nas situações em que nem sequer informe sobre a causa, o que tem de se ter como uma rescisão sem justa causa e ainda mais grave.
Haveria aqui uma manifesta desproporção entre a indemnização por uma situação que a justificaria em termos de conduta culposa e censurável da sua parte e uma situação em que, não menos grave a sua conduta, depedimento sem razão ou nem sequer comunicada, ficaria sem compensação do mesmo calibre.
10. Ora, estamos por uma incorrecta interpretação da lei e do regime aplicável ao caso, o que determinará a revogação da sentença no sentido da pretensão do autor, devendo os juros serem pagos somente a partir da presente data, visto o Ac. Uniformizador do TUI, proc. 69/2010 de 2/3/2011.
IV - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao recurso, e, revogando a decisão recorrida, condena-se o réu a pagar ao autor a quantia de MOP$771,438,70, setecentos e setenta e um mil quatrocentos e trinta e oito patacas e setenta cêntimos (MOP$45,430,00 x o período correspondente a 16 anos 11 meses e 24 dias), quantia peticionada nos autos com correspondência ao tempo de serviço efectivamente prestado, acrescida dos respectivos juros a partir da presente data até efectivo pagamento.
Custas pela ré, ora recorrida
Macau, 24 de Novembro de 2011,
_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Relator)
_________________________
Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
_________________________
José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 - Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, 2.ª Edição, 1996, 460
2 - Ac. do TSJ de Macau, proc. 1081, de 15/6/1999
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83/2010 1/19