Processo n.º 73/2011
(Rcurso cível e laboral)
Data : 1/Dezembro/2011
ASSUNTOS:
- Marcas
- Carácter distintivo
- Sinal usual
SUMÁRIO:
1. A marca é um sinal distintivo de produtos ou serviços propostos ao consumidor.
2. A marca traduz-se num sinal apto a diferenciar os produtos ou serviços, distinguindo-os de outros da mesma espécie, possibilitando assim a identificação ou individualização do objecto da prestação colocado no mercado.
3. A palavra B trata-se de uma palavra que não existe, qua tale, com significado próprio, resultando de uma composição entre duas outras, internet e entrepreneur. Trata-se de uma palavra que não tem qualquer significado no léxico da língua inglesa e essa composição parece não estar excluída da liberdade que deve ser concedida aos empreendedores, não se vislumbrando que seja usual.
O Relator,
João Gil de Oliveira
Processo n.º 73/2011
(Recurso Civil e Laboral)
Data: 1/Dezembro/2011
Recorrente: A Limited
Recorrida: Direcção dos Serviços de Economia (經濟局)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
A, LIMITED recorre do despacho saneador proferido, em 6 de Outubro de 2010, que, conhecendo do mérito da causa, julgou o recurso judicial por si interposto improcedente e, em consequência, manteve o(s) despacho(s) da Exm.ª Senhora Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual dos Serviços de Economia, de 26 de Abril de 2010, através do(s) qual(ais) foi recusado o registo da marca que consiste em “B” e que tomou os n.ºs N/42996 (para a classe 35.ª), N/42997 (para a classe 38.ª), N/42998 (para a classe 41.ª) e N/42999 (para a classe 42.ª), por si requerido.
Alega fundamentalmente e em síntese:
1.ª Sinais usuais, segundo a Doutrina, não diferem dos sinais que possam servir no comércio para designar a espécie, lugar e tempo, qualidade, quantidade, destino, valor ou qualquer outra característica do produto ou serviço, sendo que a diferença reside no facto de já terem tido capacidade distintiva mas que a perderam, tomando-se usuais no comércio.
2.ª O art. 199.°, n.º 1, alínea c), do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, embora referindo apenas a qualificação jurídica de elemento usual, acabou por acolher o conceito doutrinário de sinal usual.
3.ª O Regime Jurídico da Propriedade Industrial consagrou o princípio da proibição do registo de marca composta exclusivamente por sinais que se tenham tomado usuais na linguagem corrente mas, simultaneamente, consagrou o princípio do "secondary meaning", segundo o qual um sinal originariamente privado de capacidade distintiva pode converter-se num sinal distintivo de produtos ou serviços, sendo passível de protecção legal e, portanto, sendo registável como marca.
4.ª Assim, mesmo que se entendesse que se estava perante um sinal que se tenha tomado usual na linguagem corrente, não poderia ser entendido, linearmente, que se estava perante um sinal insusceptível de ser protegido como marca, como se deixou consignado na douta sentença recorrida, lá onde se lê que o facto de não ter capacidade distintiva, por ser um nome que se tomou usual no comércio cibernético, o facto da Recorrente ter usado esse sinal toma-o susceptível de protecção.
5.ª Os sinais usuais, na verdade, têm a particularidade de poderem perder a capacidade de poderem ser usados em exclusivo mas, simultaneamente, tal proibição desaparece quando readquirem o carácter distintivo como consequência do uso feito no mercado por algum interessado.
6.ª A marca B, embora seja sugestiva, é uma marca que goza de capacidade distintiva e pertence ao grupo das marcas registadas na área específica do comércio electrónico, onde, efectivamente, há uma tendência para se usarem sinais sugestivos, de que são exemplos as marcas "C" "D" "E" "F".
7.ª O princípio da territorialidade esgota-se (i) no facto de se exigir o registo de marcas na RAEM, pois de contrário elas não podem merecer qualquer protecção (com a excepção das marcas notórias e as marcas de prestígio) e (ii) no facto de não se poder considerar registável um sinal em Macau se razões muito específicas assim exigirem.
8.ª No que se refere às restrições previstas no art. 6.° quinquies da Convenção de Paris, que na alínea A) estipula que qualquer marca regularmente registada num país da União deve ser protegida, nomeadamente, a restrição prevista na B) 2.°, deve entender-se que esta norma, exije que os sinais que se tenham tomado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio, o sejam assim, no país em que a protecção é requerida.
9.ª Sendo a RAEM membro da Organização Mundial do Comércio e sendo signatária do Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relativos ao comércio, está vinculada a acompanhar os mecanismos de protecção dos direitos de propriedade industrial adoptados nos outros países membros, razão por que deve ser concebível que uma marca estando registada em vários países da União possa, desde logo, merecer protecção em Macau, desde que requerido o respectivo registo.
10.ª A internacionalização dos mercados determinou a necessidade de internacionalizar as regras de propriedade industrial, impondo que a protecção dos direitos privativos ultrapasse os limites geográficos de um determinado país ou território, utilizando-se várias modalidades que correspondem à evolução do fenómeno dessa internacionalização, sendo que uma dessas modalidades é o reconhecimento mútuo.
11.ª Tem-se como pacífico que, só, em casos pontuais, se concebe que uma determinada marca possa ser protegida num país e ser considerada insusceptível de protecção na RAEM, de que são exemplos paradigmáticos, marcas que contenham o vocábulo "CASINO" (só susceptíveis de ser concedidas a operadoras do jogo na RAEM) e a marca que consiste em "PSP" da reputadíssima empresa G, que teve que ser recusada, porque, na RAEM, PSP é a sigla da Polícia de Segurança Pública.
12.ª A douta decisão recorrida violou as normas do art. 214.°, n.º 2, alínea a), do RJPI e do art. 199.° do mesmo diploma legal, porquanto, não deviam ser aplicadas ao caso em apreciação e a norma do art. 6.° quinquies B) 2.°, por dela ter feito uma interpretação não conforme com o pensamento legislativo, fazendo descaso do facto de, na referida norma, se exigir que os sinais que são insusceptíveis de ser protegidos são os que se tomaram usuais na RAEM.
TERMOS EM QUE, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada que seja a douta decisão recorrida, devem os despachos da DSE que recusaram a marca nominativa que consiste em “B” e que tomou os n.ºs N/42996 (para a classe 35.ª), N/42997 (para a classe 38.ª), N/42998 (para a classe 41.ª) e N/42999 (para a classe 42.ª), ser, igualmente, revogados e concedidos os respectivos registos.
A Direcção dos Serviços de Economia da Região Administrativa Especial de Macau, na pessoa do seu Director, Sou Tim Peng, Entidade Recorrida, contra alega, em suma, defendendo a bondade do decidido pelo TJB, salientando que tratando-se de uma expressão de uso corrente no comércio cibernético face ao disposto na al. a) do n.º 1 do art. 199º do RJPI, não pode o mesmo ser susceptível de protecção.
Foram colhidos os vistos legais.
II - FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
a) Em 15/05/2009 a Recorrente requereu o registo da marca N/42998 para a classe de produtos/serviços n.º 41 qual consiste em “B”.
b) Em 15/05/2009 a Recorrente requereu o registo da marca N/42997 para a classe de prdutos/serviços n.º 38 qual consiste em “B”.
c) Em 15/05/2009 a Recorrente requereu o registo da marca N/42996 para a classe de produtos/serviços n.º 35 qual consiste em “B”.
d) Em 15/05/2009 a Recorrente requereu o registo da marca N/42999 para a classe de produtos/serviços n.º 42 qual consiste em “B”.
e) O pedido de registo das marcas referidas nas als. a) a d) d foi publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau (BORAEM), II Série, de 05/08/2009.
f) Por despacho de 26/04/2010 proferido a fls. 12, 15 e 16 dos respectivos autos de Processo Administrativo apensos, da Exma. Senhora Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual dos Serviços de Economia da RAEM, foi recusado o pedido de registo das marcas referidas nas als. A) a d) com base nos fundamentos constantes da informação da Sra. Técnica Superior da Direcção dos Serviços de Economia, cujo teor consta de fls. 112/14, 16/18 e 15/17, respectivamente, dos mesmos autos de Processo Administrativo e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
g) Os Despachos referidos na alínea anterior foram publicados no Boletim Oficial da RAEM, II Série, de 19/05/2010.
h) Em 21/06/2010 (segunda-feira) foi apresentado neste tribunal o presente recurso – cfr. fls. 2 -.
i) A Recorrente em 22/03/20101 obteve o registo da marca n.º 008277361 constituído por “B” na OHIM – Office For Harmonization In the International market – cfr. fls. 23.
j) A Recorrente em 09/10/2009 obteve o registo da marca n.º 5272678 constituído por “B” no Japanese Patente Office – cfr. fls. 83.
k) A Recorrente em 11/05/2011 obteve o registo da marca n.º 1104340 constituída por “B” no Instituto Mexicano da Propriedade Industrial – cfr. fls. 86.
l) A Recorrente obteve o registo da marca n.º 00155858 constituído por “B” no Registo da Propriedade Industrial da Republica do Peru – cfr. fls. 95.
III - FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso passa pela análise das seguintes questões, tal como colocadas pela recorrente:
- Imputa a recorrente à decisão recorrida um vício de violação da lei substantiva consistente em erro de interpretação. O Tribunal a quo, para decidir, fez uma incorrecta aplicação das normas dos artigos 214.°, n.º 2, alínea a), do Dec- Lei n.º 97/99/M, de 13 de Dez. (RJPI) e uma interpretação com um sentido que o respectivo texto não comporta - por não ter correspondência com o pensamento legislativo - da norma do art. 199.° do mesmo diploma legal, o que se diz com a ressalva do respeito devido que é muito.
- Imputa-se, também, à douta decisão recorrida uma outra violação da lei substantiva por má interpretação da Convenção de Paris, designadamente, da norma constante do art. 6.° quinquies B) 2.°.
2. O despacho de recusa da marca da recorrente - com argumentação reforçada na sentença recorrida - invoca o facto de se tratar de um sinal que se tomou muito popular no que respeita à Internet e ao incorporar este sinal na marca registanda, a recorrente acaba por não apresentar a registo uma marca com eficácia distintiva, até porque "não lhe deu uma forma gráfica de modo a fazê-la adquirir essa eficácia distintiva".
Em vista do vício de violação de lei em que se terá traduzido o acto de recusa do registo da marca solicitada, em vista da posição assumida na douta sentença que sufragou tal entendimento da DSE, enquanto se considerou não existir carácter distintivo na marca registanda, atentemos nas normas pertinentes do Dec- Lei n.º 97/99/M, de 13 de Dez. (diploma que aprovou RJPI – Regime Jurídico da Propriedade Industrial)).
Dispõe o artigo 199º do RJPI:
(Excepções e limitações à protecção)
1. Não são susceptíveis de protecção:
a) Os sinais constituídos exclusivamente pela forma imposta pela própria natureza do produto, pela forma do produto necessária à obtenção de um resultado técnico ou pela forma que confira um valor substancial ao produto;
b) Os sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos;
c) Os sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio;
d) As cores, salvo se forem combinadas entre si ou com gráficos, dizeres ou outros elementos por forma peculiar e distintiva.
2. Os elementos genéricos referidos nas alíneas b) e c) do número anterior que entrem na composição de uma marca não são considerados de utilização exclusiva do requerente, excepto quando na prática comercial os sinais tiverem adquirido eficácia distintiva.
3. A pedido do requerente ou de reclamante, a DSE indica, no despacho de concessão, quais os elementos constitutivos da marca que não ficam de utilização exclusiva do requerente.
E o artigo 214º:
(Fundamentos de recusa do registo de marca)
1. O registo de marca é recusado quando:
a) Se verifique qualquer dos fundamentos gerais de recusa da concessão de direitos de propriedade industrial previstos no n.º 1 do artigo 9.º;
b) A marca constitua, no todo em parte essencial, reprodução, imitação ou tradução de outra notoriamente conhecida em Macau, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins e com ela possa confundir-se, ou que esses produtos possam estabelecer ligação com o proprietário da marca notória;
c) A marca, ainda que destinada a produtos ou serviços sem afinidade, constitua reprodução, imitação ou tradução de uma marca anterior que goze de prestígio em Macau, e sempre que a utilização da marca posterior procure tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca ou possa prejudicá-los.
2. O pedido de registo também é recusado sempre que a marca ou algum dos seus elementos contenha:
a) Sinais que sejam susceptíveis de induzir em erro o público, nomeadamente sobre a natureza, qualidades, utilidade ou proveniência geográfica do produto ou serviço a que a marca se destina;
b) Reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem, para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor, ou que compreenda o risco de associação com a marca registada;
c) Medalhas de fantasia ou desenhos susceptíveis de confusão com as condecorações oficiais ou com as medalhas e recompensas concedidas em concursos e exposições oficiais;
d) Brasões ou insígnias heráldicas, medalhas, condecorações, apelidos, títulos e distinções honoríficas a que o requerente não tenha direito, ou, quando o tenha, se daí resultar o desrespeito e o desprestígio de semelhante sinal;
e) A firma, nome ou insígnia de estabelecimento, ou apenas parte característica dos mesmos, que não pertençam ao requerente ou que o mesmo não esteja autorizado a utilizar, se for susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão;
f) Sinais que constituam infracção de direitos de autor ou de propriedade industrial.
3. O facto de a marca ser constituída exclusivamente por sinais ou indicações referidos nas alíneas b) e c) do n.° 1 do artigo 199.º não constitui fundamento de recusa se aquela tiver adquirido carácter distintivo.
4. O interessado na recusa do registo da marca a que se refere a alínea b) do n.º 1 só pode intervir no respectivo processo quando prove já ter requerido em Macau o respectivo registo ou o faça simultaneamente com o pedido de recusa.
5. O interessado na recusa do registo da marca a que se refere a alínea c) do n.º 1 só pode intervir no respectivo processo quando prove já ter requerido em Macau o respectivo registo para os produtos ou serviços que lhe deram grande prestígio, ou o faça simultaneamente com a reclamação.
3. Resulta assim do n.º 1 do art. 214.°que o pedido de registo é recusado quando se verifique qualquer dos fundamentos gerais de recusa da concessão de direitos de propriedade industrial previstos no n.º 1 do art. 9.º" que, por sua vez, na alínea a) do n.º 1 do citado art. 9º alude ao facto do "objecto não ser susceptível de protecção", o que nos remete para o art. 199.°, designadamente, para a alínea c) do n.° 1, que estabelece que não são susceptíveis de protecção "os sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comercio”.
Este fundamento de recusa visa, antes de mais, proteger os consumidores, que não podem ser induzidos em erro quando se propõem adquirir um serviço e/ou um produto e, por outro lado, pretende-se que não seja atribuído o exclusivo a alguém, de sinais, cuja livre disponibilidade é necessária para que os empresários actuem eficientemente no mercado, tendo, pois, sempre em vista a protecção dos consumidores.
É assim que surge a insusceptibilidade de protecção dos sinais usuais.
Por isso, a DSE, tal como o Mmo Juiz a quo, denegaram a pretensão da requerente, ora recorrente
4. Importa apurar se estamos perante um sinal usual, sendo certo que a marca não pode deixar de ter carácter distintivo.
A marca é um sinal distintivo de produtos ou serviços propostos ao consumidor.1
É essa noção para que aponta o Regime Jurídico da Propriedade Industrial, doravante designado por RJPI, no seu artigo 197º, ao prescrever que “só podem ser objecto de protecção ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.”
Traduz-se, pois, a marca num sinal apto a diferenciar os produtos ou serviços, distinguindo-os de outros da mesma espécie, possibilitando assim a identificação ou individualização do objecto da prestação colocado no mercado. A partir de tal conceito, enquanto fenómeno sócio-económico, retirar-se-ão as sua funções e, assim, desde logo, se alcança a primordial função distintiva relativamente ao seu objecto.
Nesta função divisam-se duas vertentes: uma, que se traduz na diferenciação, na destrinça em relação aos outros produtos da concorrência; a outra, qual seja a da individualização por referência a uma origem, à sua proveniência, à fonte da sua produção.2
Serve ainda a marca para sugerir o produto e angariar clientela. Procura-se através dela, cativar o consumidor por via de uma fórmula que seja apelativa e convide ao consumo.
Pode até constituir uma garantia3, procurando-se assim atestar a qualidade ou a excelência do produto oferecido, bastando pensar nas denominadas “marcas de grande prestígio”.
Daqui decorre que a marca, como sinal distintivo, deve, acima de tudo, ser dotada de eficácia ou capacidade distintiva.
Embora marcada pelo princípio da liberdade, a composição da marca sofre excepções de variada ordem, sejam elas de natureza intrínseca, tais como as que decorrem do artigo 199º, nº1 do RJPI, v.g. a própria designação do produto, as suas qualidades, a proveniência geográfica, as cores, ou de natureza extrínseca, quando resultem da necessidade de respeitar direitos anteriores, situações previstas nas alíneas b) a f) do artigo 214º do citado diploma, v.g. marcas anteriormente registadas, medalhas, brasões, firma a que o requerente não tenha direito ou sinais que constituam infracção de direitos de autor ou de propriedade industrial.
Os interessados no registo de uma marca não podem deixar de gozar, na sua constituição, de uma grande liberdade que terá, contudo, como limite a margem de manobra e de iniciativa que os outros operadores do mercado não podem perder através do registo de uma "marca" de tal forma genérica e abrangente de atributos ou qualidades comuns que restrinjam uma livre e sã concorrência.
Um sinal, para poder ser registado, como marca, como já se disse, deve possuir a necessária eficácia ou capacidade distintiva, não sendo admissíveis o que a doutrina designa normalmente como sinais descritivos, tais como denominações genéricas que identificam os produtos ou os serviços, expressões necessárias para indicação das suas qualidades ou funções e que, em virtude do seu uso generalizado, como elementos da linguagem comum, não devem poder ser monopolizados. E não fosse este o entendimento unânime na doutrina e na Jurisprudência,4 o disposto no nº 1, al. a) e b) do artigo 199º supra-citado não deixa de ser claro: “ Não são susceptíveis de protecção: a) Os sinais constituídos exclusivamente pela forma imposta pela própria natureza do produto, pela forma do produto necessária à obtenção de um resultado técnico ou pela forma que confira um valor substancial ao produto; b) Os sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos;”
Donde decorre, importando reter, com eventual incidência sobre o caso sub judice, a conclusão de que o registo de uma marca tem como restrição o não ter, ela própria, carácter distintivo.
6. Pensamos que é desta característica, que toda a marca deve ter, que decorre a proibição de uma marca que corresponda a um sinal ou indicação que se tenham tornado usual na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio.
Distinguem-se várias espécies de sinais usuais: os sinais usuais verbais ou figurativos indicadores dos produtos ou serviços, dando como exemplos clássicos H, I, J, K, Imperial e, no caso de sinais figurativos, as figuras da lebre para artigos de caça, do peixe para artigos de pesca, da tesoura para artigos de barbearia, das flores para artigos de perfumaria, da vaca para produtos derivados do leite; os sinais usuais descritivos de um género ou de diferentes géneros de produtos ou serviços, como, por exemplo, as marcas figurativas descritivas de origem dos produtos "L" e "M" ou das marcas N para tabaco; os sinais usuais banais esvaziados de conteúdo diferenciador e descritivo pelo uso generalizado e indiscriminado em relação a qualquer tipo de produto ou serviço, como por exemplo O, P, Q, R, S.
Pode acontecer que certos sinais se tornaram usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio depois de perderem o seu originário significado distintivo, deixando de ser sinais que descrevem produtos ou serviços, para passarem a promover ou publicitar produtos ou serviços.
Ou pode até acontecer que já tenham tido carácter distintivo, mas depois, dada a sua força distintiva, acabaram por se expandir de tal modo entre os consumidores que se tomaram usuais no comércio.5
7. Perante isto não cremos que a palavra B se contenha numa dessas categorias.
Trata-se de uma palavra que não existe, qua tale, com significado próprio, resultando de uma composição entre duas outras, internet e entrepreneur. Trata-se de uma palavra que não tem qualquer significado no léxico da língua inglesa e essa composição parece não estar excluída da liberdade que deve ser concedida aos empreendedores, não se vislumbrando que seja usual.
Não é por se ter feito uma qualquer busca e se encontrar essa composição incluída neste ou naquele endereço que se pode dizer que é uma expressão usual. Sem que se simpatize com a força ou os termos sequer do argumento, também se pode dizer que se formos ao Google e fizermos a pesquisa não nos aparece nenhum resultado autónomo para essa palavra, o que nos aparece é a palavra entrepreneur.
Não está demonstrado de modo algum que seja uma palavra usual ou muito popular como se pretende e não deixa de se apresentar com a característica que uma marca deve ter, um sinal, palavra singular e até, diríamos, pouco usual, com capacidade distintiva, associada a uma actividade de alguém que se pretende empreendedor de produtos ou serviços via internet.
Não será com certeza por a palavra conter a expressão net que se pode considerar estarmos perante uma expressão muito usual.
8. Como acima já se disse, tem que se tomar em consideração que a lei - art. 199.°, n.º 2, do RJPI - só considera insusceptíveis de protecção as marcas que integrem, sinais que não tiverem adquirido eficácia distintiva pelo uso que dela é feito pela recorrente, mesmo que se trate de sinais descritivos e usuais.
Também, face ao que dispõe o art. 214.°, n.º 3, do RJPI -"O facto de a marca ser constituída exclusivamente por sinais ou indicações referidas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 199.º não constitui fundamento de recusa se aquela tiver adquirido carácter distintivo" -, uma expressão construída com uma determinada finalidade, não deixará de adquirir tal carácter ditintivo se tiver um sentido conotativo destinado a autonomizar uma dada actividade ligada até a uma dada finalidade, ou seja pretende-se que a expressão delineada seja associada a determinadas actividades que se não deixam de ligar a um modus operandi, não usurpando esse domínio e deixando margem a que outros associem uma dada actividade àquele domínio comunicacional.
Na verdade, sublinha-se, entende-se que tal expressão tem um significado arbitrário, não concreto, ainda que conotativamente ligado à internet.
O sinal “B” não é genérico, não se tomou usual no comércio, não é descritivo; a marca nominativa B é uma marca arbitrária e, embora sugestiva, trata-se de uma marca com capacidade distintiva e é diferente da expressão B que a ser pedida pela recorrente, poderia ser recusada com fundamento no facto de ser descritiva, na medida em que tal expressão designa o tipo de actividade que aquela pretende proporcionar a todos quantos pretendam ser empresários através da Internet.
9. Desta forma fica prejudicado o conhecimento da questão relativa ao princípio da territorialidade, ou seja de que o ordenamento da RAEM é livre para conceder ou denegar o registo das marcas, pese embora com as limitações da adesão à Convenção de Paris.
Não se deixa, contudo, de fazer, a este propósito, uma breve referência.
Conforme se deu por provado, as marcas aqui em apreciação encontram-se registadas na União Europeia; no Japão; no México e no Peru.
É verdade que tal não significa que o registo aqui tenha de ser feito automaticamente, mas tal facto não deixará de constituir motivo de reflexão para ponderar melhor os fundamentos do indeferimento.
O Tribunal a quo interpretou o art. 6.º - quinquies B) da Convenção de Paris, sem tomar em consideração o que prescreve a alínea A)-l Qualquer marca de fábrica ou de comércio regularmente registada no país de origem será admitida a registo e como tal protegida nos outros países da União, com as restrições a seguir indicadas. Estes países poderão, antes de procederem ao registo definitivo, exigir a junção de um certificado do registo no país de origem, passado pela autoridade competente. Não será exigida qualquer legalização deste certificado.
No que se refere às mencionadas restrições, nomeadamente, a prevista na B) 2.°, interessa dizer que tal norma, exige que os sinais que se tenham tomado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio o sejam no país em que a protecção é requerida ("B) - (...) 2.º Quando forem desprovidas de qualquer carácter distintivo ou então exclusivamente compostas por sinais ou indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, o lugar de origem dos produtos ou a época da produção, ou que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio do país em que a protecção é requerida .
Ora, não se mostra nos autos que a expressão B se tenha tornado usual na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio da RAEM, ou melhor explicitado, pelos eventuais empresários da Internet da RAEM.
A internacionalização dos mercados determinou a necessidade de internacionalizar as regras de propriedade industrial, impondo que a protecção dos direitos privativos ultrapasse os limites geográficos de um determinado país ou território, utilizando-se várias modalidades que correspondem à evolução do fenómeno dessa internacionalização, sendo que uma dessas modalidades é o reconhecimento mútuo.
Assim, tem-se como pacífico que, embora possa ocorrer qualquer fundamento de recusa do registo em Macau, essa recusa terá de ser fundada na lei interna ou em circunstancialismo de direito local que a tal se oponha e não seja afastado pelo direito convencional.
Assim se conclui em não vislumbrar fundamento de recusa para ser concedida a marca registanda aqui em apreciação, para assinalar serviços integrados nas classes 35.ª, 38.ª, 41.ª e 43.ª.
Donde o presente recurso não deixar de ser julgado procedente.
IV - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida, determinando-se que seja concedido o registo da marca “B” que tomou os n.ºs N/42996 (para a classe 35ª), N/42997 (para a classe 38ª), N/42998 (para a classe 41ª) e N/42999 (para a classe 42ª).
Sem custas por não serem devidas.
Macau, 1 de Dezembro de 2011,
_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Relator)
_________________________
Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
_________________________
José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 - Carlos Olavo, in Propriedade Industrial, 1977, pág.37
2 - António Corte Real Cruz, in Dto Industrial I, 2001, pág.81
3 - Oliveira Ascensão, in Dto Comercial II, Dto Industrial, 1988, pág.142; contra, Carlos Olavo, ob. cit. pág. 39
4 - cfr. Pinto Coelho in Lições de Dto Comercial, I, pág. 443 e Ferrer Correia, in Lições de Dto Comercial, 1973, pág..312; Ac STJ de 14/11/79 in BMJ 291,250, de 16/11/93 e 12/12/92 in www. dgsi. pt,;Ac. TSJ, CJ1998, II, pág.110 e TSI, proc. 94/2001 de 21/6/01
5 - Couto Gonçalves, Função distintiva da Marca, Almedina, 1999, 81
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