Processo nº 511/2010
(Recurso contencioso)
Data: 7/Dezembro/2011
Assuntos:
- Legitimidade activa
- Princípio da igualdade
SUMÁRIO:
1. Não obstante ter sido parcialmente contemplada a pretensão do recorrente em ver garantidos parte dos retroactivos de uma restruturação de carreiras e remunerações para os enfermeiros, continua ele, enquanto enfermeiro contratado, a ter legitimidade activa para o recurso de um acto que não contemplou plenamente o seu desiderato, pretendendo a contemplação dos retroactivos, tal como para os enfermeiros do quadro, para mais se apôs uma declaração de reserva no próprio averbamento contratual, dizendo que tal assinatura não o impediria de discutir os direitos que porventura lhe assistissem quanto, precisamente, à retroacção dos efeitos remuneratórios a 1 de Julho de 2007. Com essa declaração, o recorrente salvou o perigo que decorreria da aplicação ao seu caso da norma do citado art. 34º da Lei nº 18/2009, de 18 de Agosto (Estabelece o regime jurídico da carreira de enfermagem).
2. O legislador ordinário pode introduzir discriminações positivas ou negativas, desde que nas situações de facto encontre razão séria e não arbitrária para diferenciar o tratamento. Desde que haja fundamento material bastante, sério, razoável e legítimo que não perigue com situações em que as condições objectivas imponham igualdade de regulação, a discriminação na criação da lei não é necessariamente violadora do princípio da igualdade.
3. O legislador pode querer diferenciar o regime remuneratório de um enfermeiro do quadro em relação a um enfermeiro contratado, sem que essa diferenciação ponha em causa o princípio da igualdade, enquanto princípio geral de direito, juridicamente relevante, impositivo de uma não discriminação.
O Relator,
João Gil de Oliveira
Processo n.º 511/2010
(Recurso Contencioso)
Data : 7 de Dezembro de 2011
Recorrente: A
Recorrido: O Chefe do Executivo da R.A.E.M.
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
A, melhor identificado nos autos, vem interpor recurso contencioso do despacho de sua Excelência, o Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau, de 22 de Fevereiro de 2010 – proferido no âmbito do pedido de actualização salarial, com efeitos retroactivos a 1 de Julho de 2007 -, unicamente na parte em que recusou, por exclusão, a actualização salarial ou produção de efeitos retroactivos no período compreendido entre 1 de Julho de 2007 e 17 de Agosto de 2009, o que faz, alegando, em síntese conclusiva:
I. As valorizações indiciárias dos enfermeiros, decorrentes das transições de quadro e de quaisquer alterações contratuais, nos termos do regime da carreira de enfermagem aprovado pela Lei nº 18/2009, de 17 de Agosto, retroagem a 1 de Julho de 2007, independentemente da natureza do vínculo contratual do trabalhador;
II. Visa a paridade-igualdade salarial entre o trabalhador com contrato individual de trabalho e os demais trabalhadores da Administração Pública, a cláusula incluída no contrato de trabalho individual celebrado entre aquele e a Administração Pública, nos termos da qual se prescreve que《a remuneração mensal será actualizada na mesma proporção que o forem os vencimentos da Administração Pública de Macau》;
III. A igualdade perante a lei prevista no artigo 25º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau implica que não possa haver qualquer discriminação salarial em razão do vínculo laboral dos trabalhadores, apenas podendo ser atendidas situações, nesta matéria, em função da sua experiência, antiguidade ou mérito;
IV. Não obstante a inexist6encia de norma no ETAPM que consagre expressamente o princípio da paridade-igualdade salarial entre os funcionários públicos, tal não significa que esse princípio não esteja consagrado;’
V. Não sendo permitido que funcionários com a mesma categoria, escalão e índice remuneratório, aufiram diferentes vencimentos, está indirectamnte consignado naquele Estatuto o princípio da paridade-igualdade salarial entre os diversos trabalhadores das Administração Pública, independentemente da natureza do seu vínculo;
VI. A atribuição de efeitos retroactivos diferenciados aos vencimentos dos funcionários públicos, em função da natureza do seu vínculo, é legalmente inadmissível, por tal implicar uma derrogação do princípio de que ao desempenho e uma mesma determinada função ou cargo corresponde a remuneração prevista na tabela indiciária;
VII. O Estado-Legislador não pode impôr às entidades patronais mais deveres do que impõe a si próprio enquanto Estado-Administração (empregador), ou exigir-lhes um comportamento mais oneroso;
VIII. O princípio “trabalho igual-salário igual” previsto no nº 2 do artigo 57º da Lei das Relações de Trabalho aplica-se mesmo nas relações jurídicas de emprego público.
IX. Viola os artigos 2º de 3º da Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho sobre a Discriminação em Matéria de Emprego e Profissão, o despacho que faz retroagir a valorização indiciária de um trabalhador com uma determinada categoria e escalão a uma data diferente daquela aplicável a outro trabalhador com a mesma categoria e escalão.
X. Viola o artigo 7º do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, o despacho que faz retroagir a valorização indiciária de um trabalhador com uma determinada categoria e escalão;
XI. Padece do vício de falta de fundamentação, por violação do disposto na alínea e) do nº 1 do artigo 113º; na alínea a) do nº 1 do artigo 114º; e, nos nºs 1 e 2 do artigo 115º do CPA de Macau, o despacho que manifesta concord6encia com a proposta para a qual remete, se essa proposta não contém os motivos, causas ou pressupostos da decisão que não fez retroagir a actualização salarial do trabalhador com contrato individual de trabalho à data a que alude a norma transitória do respectivo regime laboral para os demais trabalhadores do quadro, contratados além do quadro ou assalariados;
XII. A fundamentação por remissão obriga a que a informação, parecer ou proposta para que se remete contenha as razões de facto e de direito, ainda que de forma sucinta, mas que as contenha, de modo a que se perceba por que se decidiu naquele sentido;
XIII. A omissão, obscuridade e insuficiência da fundamentação do acto valem como falta de fundamentação; e a falta de fundamentação inquina o acto de ilegalidade, o que determina a sua anulabilidade.
XIV. Enferma do vício de violação de lei, por preterição do disposto no artigo 25º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau; nos artigos 174º e 175º do ETAPM (aplicáveis ex vi do disposto no nº 3 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 60/92/M, de 24 de Agosto, e da cláusula 18ª do contrato individual de trabalho); no nº 2 do artigo 57º da Lei nº 7/2008, de 18 de Agosto; no artigo 4º do contrato individual de trabalho celebrado entre o Recorrente e os SSM; nos artigos 2º e 3º da Convenção nº 111 da OIT; e, no artigo 7º do Pacto internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, o despacho do Chefe do Executivo que faz retroagir a valorização indiciária de trabalhador com contrato individual de trabalho a data diferente daquela a que alude o nº 2 do artigo 40º da Lei nº 18/2009, de 17 de Agosto.
TERMOS EM QUE, contando com o muito douto suprimento desse Tribunal, deve o presente recurso ser julgado procedente, anulando-se, pelas apontadas ilegalidades, resultantes dos indicados vícios, o acto recorrido, com todas as consequências legais.
Mais requer ainda a V. Exa. se digna ordenar a citação de Sua Excelência, o Chefe do Executivo da RAEM, com domicílio em Macau, na Avenida da Praia Grande – Sede do Governo da RAEM, para contestar, querendo, e enviar o respectivo processo administrativo existente junto dos Serviços de Saúde de Macau, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 55º do CPAC.
Factos que o Recorrente considera provados: Todos, conforme prova documental constante do respectivo processo administrativo.
O Exmo Senhor Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau, contesta, em síntese:
I - O Recorrente assenta o seu recurso contencioso na questão de que o acto recorrido é inválido por padecer do vício de "violação de lei" e do vício de "falta de fundamentação".
II - Mas o que logo ressalta da leitura do pedido do Recorrente é a falta de legitimidade activa em recorrer do acto administrativo nos moldes em que o faz.
III - Como aqui se expôs o Recorrente requereu a autorização para ser colocado no 4.° escalão de Enfermeiro Chefe e, após impossibilidade de acordo na celebração de um novo contrato individual de trabalho, a Administração deferiu o seu pedido concedendo-lhe, por averbamento ao contrato já existente entre ambos e tendo em consideração a necessidade de serviço e o principio "salário igual para trabalho igual", a actualização do escalão, atribuindo a este acto administrativo efeito retroactivo à data de 18 de Julho de 2009.
IV - Ou seja, o acto recorrido não lesou os direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos do Recorrente.
V - Por outro lado, também o Recorrente não irá obter com o provimento do presente Recurso um beneficio imediato e directo.
VI - Ora o presente recurso contencioso, ou o seu provimento, não é o meio, nem sequer um caminho alternativo, para ao Requerente ser proposto um novo averbamento ao seu contrato individual de trabalho que contemple as sua pretensões.
VII - A consequência directa que o Recorrente obtém pelo provimento do presente recurso é, única e exclusivamente, a anulação ou declaração de nulidade do despacho que autorizou a proposta para o averbamento ao contrato individual de trabalho, assinado pelo próprio no dia 19 de Maio de 2010, e respectivas consequências legais (que não passam necessariamente por um novo averbamento!)
VIII - Caso o presente recurso tenha provimento o acto administrativo que alegadamente «recusou» a sugestão do Recorrente e que aprovou as decisões que lhe foram favoráveis será no todo anulado ou declarado nulo e juridicamente o Recorrente nada irá lucrar com a sua anulação.
VIX - Perante o facto de com o provimento do presente recurso contencioso o Recorrente também não obter nenhum beneficio, e muito menos imediato, se deverá concluir pela sua falta de legitimidade activa em recorrer contenciosamente do acto recorrido por não satisfazer os requisitos do artigo 33.º do CPAC, com as devidas consequências legais.
X - Também ao Recorrente não assiste razão quando invoca o vício de "violação de lei" do despacho recorrido com base no argumento de má interpretação e aplicação das normas vigentes na RAEM, por este não ter retroagido os seus efeitos a 1 de Julho de 2007, de acordo com o disposto no artigo 40.° da Lei n.º 18/2009.
XI - Ora, o Recorrente foi contratado ao abrigo de um contrato individual de trabalho celebrado entre o própria e a Administração, e que é regido pelas cláusulas nele contidas, aceites por ambas as partes.
XII - E o legislador foi muito claro ao excluir este tipo de provimento tanto no regime das carreiras dos trabalhadores dos serviços públicos (cfr. alínea 3 do n.º 4 e n.º 5 do artigo n.º 1 da Lei n.º 14/2009) como no regime especial da carreira de enfermagem (cfr. n.º 1 do artigo 36.° da Lei n.º 18/2009).
XIII - Acresce que, mesmo que se argumente pela aplicabilidade das leis supra referidas ao ora Recorrente, o n.º 2 do artigo 40.° da Lei n.º 18/2009 é uma disposição excepcional que define como requisitos essenciais a forma de provimento dos trabalhadores e a transição destes para a (nova) carreira de enfermagem, requisitos estes que o ora Recorrente não cumpre.
XIV - Pelo que o disposto no n.º 2 do artigo 40.° da Lei n.º 18/2009 não é (nem pode ser) aplicável à situação jurídico-laboral do Recorrente.
XV - O carácter privativo da relação jurídico-laboral estabelecida entre o Recorrente e a Administração distingue-a com os dos seus colegas providos em regime de nomeação provisória ou definitiva, nomeação em comissão de serviço, contrato além do quadro ou contrato de assalariamento.
XVI - Mesmo aplicando os cânones interpretativos do direito civil concluímos que a aplicação da Lei n.º 18/2009 à relação jurídico-laboral do ora Recorrente, com efeitos retroactivos, só seria possível por acordo mútuo entre este e a Administração, em respeito aos princípios da não retroactividade da lei, da legalidade, igualdade e confiança consagrados no artigo 11.° do Código Civil de Macau e nos artigos 3.°, 5.° e 8.° do Código de Procedimento Administrativo de Macau.
XVII - Pelo exposto, o vício de "violação de lei" alegado pelo Recorrente ao despacho ora em discussão deve naufragar por falta de sustentabilidade de fundamento legal.
XVIII - Em relação ao vício de "falta de fundamentação" versado no pedido do Recorrente também se conclui, por tudo o aqui articulado, que não assiste lhe razão.
XIX - O Recorrente não pôde deixar de perceber as razões porque lhe foi concedido a referida actualização do escalão da categoria de enfermeiro graduado como, inclusive, de compreender os fundamentos pelos quais se decidiu retroagir os efeitos dessa actualização a 18 de Julho de 2009.
XX - Acresce que a referida proposta foi aceite pele próprio Recorrente e já averbada ao seu contrato individual de trabalho.
XXI - Pelo que o ora Recorrido só pode concluir que o Recorrente compreendeu toda a fundamentação do despacho recorrido não tendo, apenas, concordado com todo o seu conteúdo.
XXII - Caso contrário teria dificuldade em discordar da decisão administrativa, por não compreender os seus fundamentos, e mais ainda em desenvolver extensivamente um pedido com base em argumentos distintos além do vício de "falta de fundamentação" como acabou por o fazer.
XXIII - Por tudo o versado neste articulado se contesta o pedido do ora Recorrente por o acto administrativo não padecer de nenhuma ilegalidade ou de qualquer vício de "violação de lei" ou vício de "falta de fundamentação".
Pelo que,
Face ao exposto, e contando com o muito douto suprimento desse Tribunal, deve o presente recurso contencioso ser indeferido por falta de legitimidade activa do Recorrente ou, se assim não entender-se, Deve-se decidir pela improcedência dos vícios invocados pelo Recorrente, e consequente improcedência do presente recurso, mantendo-se o acto recorrido com as legais consequências,
O recorrente, diz, em sede de alegações facultativas:
I. Tendo legalmente o dever de decidir, de modo a que seja atingida a verdade material ou real, a Administração pode lançar mão de todos os meios em direito permitidos necessários á instrução do procedimento (cfr. artigos 85.º e ss. do CPA de Macau), uma vez que goza do princípio do inquisitório ou da oficialidade a que se reporta o artigo 59.° do referido Código, ainda que o procedimento tenha sido da iniciativa dos particulares;
II. Este princípio do inquisitório - que não significa a desvalorização do dever de participação e colaboração dos interessados -, determina a escolha das diligências instrutoras menos onerosas para o interessado quando seja possível atingir o mesmo objectivo de diversas formas e permite lançar mão do chamado princípio da disponibilidade relativa do procedimento administrativo, nos termos do qual a Administração pode e deve tomar uma decisão mais ampla ou diferente da solicitada pelo requerente, levando nomeadamente em conta o princípio da economia procedimental;
III. Não é de exigir aos particulares que se dirijam à Administração um domínio perfeito da linguagem jurídica ou técnica que se mostre apropriada ao caso tratado, antes incumbindo à Administração o dever - que perpassa pelos artigos 76.°, n.º 1, alínea c), e 78.° n.º 2, ambos do dito Código - de, partindo das expressões comuns usadas pelo interessado, ascender ao sentido especial que nelas esteja indubitavelmente implicado;
IV. Têm legitimidade para pedir a anulação do acto administrativo, não só aqueles que sejam titulares de um direito (subjectivo), mas também quem, não sendo titular de uma posição jurídica substantiva, tenha, no entanto, um interesse legalmente protegido e que tenha sido lesado pelo acto recorrido, bem como aquele que alegue um interesse directo, pessoal e legítimo;
V. «Interessado para efeitos de legitimidade activa, é todo aquele que espera obter da anulação do acto impugnado um certo benefício e se encontra em condições de o poder receber, devendo o seu interesse ser directo, ou seja, de repercussão imediata nele interessado; pessoal quando a repercussão da anulação se projecta na sua própria esfera jurídica; e ainda legítimo quando é protegido pela ordem jurídica como interesse dele interessado recorrente.»;
VI. O Recorrido reconheceu já a desigualdade gerada pela solução legislativa, ao fazer retroagir as valorizações indiciárias de todo o pessoal do Instituto Politécnico de Macau a 1 de Julho de 2007, sem qualquer restrição ou discriminação em função do respectivo vínculo de recrutamento;
VII. Numa óptica estritamente de economia processual, não se vislumbra que utilidade teria considerar-se o Recorrente parte ilegítima nesta lide;
VIII. Por outro lado, saber se o interesse do particular vai, ou não, contra a Lei, não é questão de ilegitimidade. É questão de mérito;
IX. O Recorrente tem um interesse directo, pessoal e legítimo no provimento deste recurso, pois só assim poderá o director dos SSM propor-lhe um averbamento ao seu contrato individual de trabalho que preveja uma valorização indiciária retroactiva (a 1 de Julho de 2007);
X. As valorizações indiciárias dos enfermeiros, decorrentes das transições de quadro e de quaisquer alterações contratuais, nos termos do regime da carreira de enfermagem aprovado pela Lei n.º 18/2009, de 17 de Agosto, retroagem a 1 de Julho de 2007, independentemente da natureza do vínculo contratual do trabalhador;
XI. Visa a paridade-igualdade salarial entre o trabalhador com contrato individual de trabalho e os demais trabalhadores da Administração Pública, a cláusula incluída no contrato de trabalho individual celebrado entre aquele e a Administração Pública, nos termos da qual se prescreve que «a remuneração mensal será actualizada na mesma proporção que o forem os vencimentos da Administração Pública de Macau»;
XII. A igualdade perante a lei prevista no artigo 25.° da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau implica que não possa haver qualquer discriminação salarial em razão do vínculo laboral dos trabalhadores, apenas podendo ser atendidas situações, nesta matéria, em função da sua experiência, antiguidade ou mérito;
XIII. Não obstante a inexistência de norma no ETAPM que consagre expressamente o princípio da paridade-igualdade salarial entre os funcionários públicos, tal não significa que esse princípio não esteja consagrado;
XIV. Não sendo permitido que funcionários com a mesma categoria, escalão e índice remuneratório, aufiram diferentes vencimentos, está indirectamente consignado naquele Estatuto o princípio da paridade-igualdade salarial entre os diversos trabalhadores da Administração Pública, independentemente da natureza do seu vínculo;
XV. A atribuição de efeitos retroactivos diferenciados aos vencimentos dos funcionários públicos, em função da natureza do seu vínculo, é legalmente inadmissível, por tal implicar uma derrogação do princípio de que ao desempenho de uma mesma determinada função ou cargo corresponde a remuneração prevista na tabela indiciária;
XVI. O Estado-Legislador não pode impôr às entidades patronais deveres mais gravosos do que impõe a si próprio enquanto Estado-Administração (i.e., empregador), ou exigir-lhes um comportamento mais oneroso;
XVII. O princípio "trabalho igual-salário igual" previsto no n.º 2 do artigo 57.° da Lei das Relações de Trabalho aplica-se mesmo nas relações jurídicas de emprego público;
XVIII. Viola os artigos 2.° e 3.° da Convenção n.º 111 da Organização Internacional do Trabalho sobre a Discriminação em Matéria de Emprego e Profissão, o despacho que faz retroagir a valorização indiciária de um trabalhador com uma determinada categoria e escalão a uma data diferente daquela aplicável a outro trabalhador com a mesma categoria e escalão;
XIX. Viola o artigo 7.° do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, o despacho que faz retroagir a valorização indiciária de um trabalhador com uma determinada categoria e escalão a uma data diferente daquela aplicável a outro trabalhador com a mesma categoria e escalão;
XX. Padece do vício de falta de fundamentação, por violação do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 113.°; na alínea a) do n.º 1 do artigo 114.°; e, nos n.º 1 e 2 do artigo 115.° do CPA de Macau, o despacho que manifesta concordância com a proposta para a qual remete, se essa proposta não contém os motivos, causas ou pressupostos da decisão que não fez retroagir a actualização salarial do trabalhador com contrato individual de trabalho à data a que alude a norma transitória do respectivo regime laboral para os demais trabalhadores do quadro, contratados além do quadro ou assalariados;
XXI. A fundamentação por remissão obriga a que a informação, parecer ou proposta para que se remete contenha as razões de facto e de direito, ainda que de forma sucinta, mas que as contenha, de modo a que se perceba por que se decidiu naquele sentido;
XXII. A omissão, obscuridade e insuficiência da fundamentação do acto valem como falta de fundamentação; e a falta de fundamentação inquina o acto de ilegalidade, o que determina a sua anulabilidade;
XXIII. Os termos e condições contratuais, bem como as regalias e direitos constantes do contrato individual de trabalho do Recorrente não são de molde a justificar a não retroactividade indiciária - e a desigualdade salarial daí decorrente -, no período compreendido entre 1 de Julho de 2007 e 18 de Agosto de 2009;
XXIV. Não se justifica qualquer diferenciação indiciária no período de 1 de Julho de 2007 a 18 de Agosto de 2009, entre os enfermeiros do quadro, além do quadro e assalariados, por um lado, e os enfermeiros com contrato individual de trabalho, por outro, com a mesma categoria e escalão, quando os próprios Serviços de Saúde de Macau fazem equiparar ab initio a remuneração destes à daqueles;
XXV. Enferma do vício de violação de lei, por preterição do disposto no artigo 25.° da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau; nos artigos 174.° e 175.° do ETAPM (aplicáveis ex vi do disposto no n.º 3 do artigo 1.° do Decreto-Lei n.º 60/92/M, de 24 de Agosto, e da cláusula 18.a do contrato individual de trabalho); no n.º 2 do artigo 57.° da Lei n.º 7/2008, de 18 de Agosto; no artigo 4.° do contrato individual de trabalho celebrado entre a Recorrente e os SSM; nos artigos 2.° e 3.° da Convenção n.º 111 da OIT; e, no artigo 7.° do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, o despacho do Chefe do Executivo que faz retroagir a valorização indiciária de trabalhador com contrato individual de trabalho a data diferente daquela a que alude o n.º 2 do artigo 40.° da Lei n.º 18/2009, de 17 de Agosto.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, anulando-se, pelas apontadas ilegalidades, resultantes dos indicados vícios, o acto recorrido, com todas as consequências legais, com o que se fará JUSTIÇA.
E a entidade recorrida, conclui as suas alegações facultativas, dizendo:
I - O Recorrente, a 18 de Agosto de 2009, veio somente requerer, «de acordo com o n.º 2 e o n.º 3 do artigo 36.0 da Lei n.º 18/2009 publicada no B.O. n.º 33 de 17/08/2009, o acesso ao 4.° escalão da categoria de Enfermeiro Chefe».
II - O despacho ora recorrido abordou a questão da não aplicabilidade da Lei n.º 18/2009 à situação concreta do Recorrente, tendo proposto alternativamente uma solução que se enquadrasse na vontade do Recorrente e do Recorrido.
III - O Recorrente vem agora definir o objecto do presente recurso no despacho do Recorrido, o de 22 de Fevereiro ode 2010, nomeadamente «na parte em que recusou, por exclusão, a actualização salarial ou produção de efeitos retroactivos no período compreendido entre 1 de Julho de 2007 e 17 de Agosto de 2009», acrescentando que tal "recusa por exclusão" é contra a lei e não fundamentada.
IV - Ora, salvo melhor entendimento, pela leitura das suas peças processuais, retira-se que efectivamente o que pretende é que o Tribunal se pronuncie sobre o tema da aplicabilidade/legalidade do artigo 40.° da Lei n.º 01812009 que, como admite, nada o impede de vir mais tarde suscitar esta questão.
V - Mas, o que logo ressalta da leitura do pedido do Recorrente é a falta de legitimidade activa desta em recorrer do acto administrativo nos moldes em que o faz.
VI - Como aqui se expôs a Administração, após impossibilidade de acordo na celebração de um novo contrato individual de trabalho com o Recorrente, deferiu o seu pedido concedendo, por averbamento ao contrato já existente entre ambos e tendo em consideração a necessidade de serviço e o princípio "salário igual para trabalho igual", a actualização do escalão, posicionando-o no 4.° escalão de enfermeiro-especialista, atribuindo a este acto administrativo efeito retroactivo à data de 18 de Agosto de 2009.
VII - Ou seja, o acto recorrido não lesou os direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos do Recorrente, ao invés autorizou que, por mútuo acordo entre as partes, se produzissem os efeitos requeridos a 18 de Agosto de 2009.
VIII - Na verdade, o despacho recorrido autorizou propor mais efeitos do que aqueles requeridos pelo Recorrente, tudo de acordo com o principio da legalidade, o principio da colaboração entre a administração e os particulares e do principio da decisão.
IX - No entanto, alegando a sua legitimidade em interpor o presente recurso, acresce o Recorrente que tem um interesse directo, pessoal e legítimo no provimento do recurso contencioso pois, alegadamente, «só assim poderá o director dos Serviços de Saúde propor-lhe um averbamento» de acordo com aquilo que pretende, ou seja, com efeitos retroactivos a 1 de Julho de 2007.
X - Ora o presente recurso contencioso, ou o seu provimento, não é o meio, nem sequer um caminho alternativo, para ao Recorrente ser proposto um novo averbamento ao seu contrato individual de trabalho que contemple as sua pretensões.
XI - A consequência directa que o Recorrente obtém pelo provimento do presente recurso é, única e exclusivamente, a anulação ou declaração de nulidade do despacho que autorizou a proposta para o averbamento ao contrato individual de trabalho, assinado pelo Recorrente no dia 19 de Maio de 2010, e respectivas consequências legais (que não passam necessariamente por um novo averbamento!)
XII - Caso o presente recurso tenha provimento o acto administrativo que alegadamente «recusou» a proposta do Recorrente e que aprovou as decisões que lhe foram favoráveis será no todo anulado. ou declarado nulo e juridicamente o Recorrente nada irá lucrar.
XIII - Perante o facto de com o provimento do presente recurso contencioso o Recorrente não obter nenhum beneficio, e muito menos imediato, se conclui pela ilegitimidade activa desta em recorrer contenciosamente do acto recorrido, de acordo com o disposto no artigo 33.º do CPAC.
XIV - Também ao Recorrente não assiste razão quando invoca o vício de "violação de lei" ao acto recorrido com base no argumento de má interpretação e aplicação das normas vigentes na RAEM por este não ter retroagido os seus efeitos a 1 de Julho de 2007 de acordo com o disposto no artigo 40.° da Lei n.º 18/2009.
XV - Ora, o Recorrente foi contratado ao abrigo de um contrato individual de trabalho, celebrado entre o própria e a Administração, que é regido pelas cláusulas nele contidas que foram aceites por ambas as partes.
XVI - E o legislador foi muito claro ao excluir este tipo de provimento tanto no regime das carreiras dos trabalhadores dos serviços públicos (cfr. alínea 3 do n.º 4 e n.º 5 do artigo n.º 1 da Lei n.º 14/2009) como no regime especial da carreira de enfermagem (cfr. n.º 1 dó artigo 36.° da Lei n.º 18/2009).
XVII - Acresce que, .mesmo que se argumente pela aplicabilidade das leis supra referidas ao ora Recorrente, o n.º 2 do artigo 40.° da Lei n.º 18/2009 é uma disposição excepcional que define como requisitos essenciais a forma de 'provimento dos trabalhadores e a transição destes para a (nova) carreira de enfermagem, requisitos que o Recorrente não cumpre.
XVIII - Pelo que o disposto no n.º 2 do artigo 40.° da Lei n.º 18/2009 não é (nem pode ser) aplicável à situação jurídico-laboral do ora Recorrente.
XIX - O carácter privativo da relação jurídico-laboral estabelecida entre o Recorrente e a Administração distingue-o com os dos seus colegas providos em regime de nomeação provisória ou definitiva, nomeação em comissão de serviço, contrato além do quadro ou contrato de assalariamento.
XX - Mesmo aplicando os cânones interpretativos do direito civil concluímos que a aplicação da Lei n.º 18/2009 à relação jurídico-laboral do Recorrente com efeitos retroactivos, só seria possível por acordo mútuo entre este e a Administração, em respeito aos princípios da não retroactividade da lei, da legalidade, igualdade e confiança consagrados no artigo 11.° do Código Civil de Macau e nos artigos 3.°, 5.° e 8.° do Código de Procedimento Administrativo de Macau.
XXI - Pelo exposto, o vício de ''violação de lei" alegado pelo Recorrente ao despacho ora em discussão deve naufragar por falta de sustentabilidade de fundamento legal.
XXII - Em relação ao vício de "falta de fundamentação" descrito pelo Recorrente também se conclui, por tudo o aqui articulado, que não assiste-lhe razão.
XXIII - O despacho que aqui está em apreço concordou com os fundamentos dos pareceres em anexo ao próprio despacho e que, de forma prática, directa e clara fundamentaram a decisão de autorizar a proposta de actualização do escalão profissional do Recorrente, por averbamento ao contrato individual de trabalho, com efeito retroactivo a 18 de Agosto de 2009, e sob o vencimento global do Recorrente.
XXIV - Mesmo que se admita que não extensivamente, o despacho do Recorrido fundamentou a recusa da proposta do Recorrente de um modo inequívoco, possibilitando que este tenha compreendido os motivos e razão de direito da respectiva decisão.
XXV - O Recorrente não pôde deixar de perceber as razões porque lhe foi concedido a referida actualização do escalão da categoria de enfermeiro especialista como, inclusive, de compreender os fundamentos pelos quais se decidiu retroagir os efeitos dessa actualização a 18 de Agosto de 2009.
XXVI - Inclusive, a referida proposta foi aceite pelo próprio Recorrente e já averbada ao seu contrato individual de trabalho.
XXVII - Pelo que o ora Recorrido só pode concluir que o Recorrente compreendeu toda a fundamentação do despacho recorrido não tendo, apenas, concordado com todo o seu conteúdo.
XXVIII - Caso contrário, teria dificuldade em discordar da decisão administrativa por não compreender os seus fundamentos, e mais ainda em desenvolver extensivamente um pedido com base em argumentos distintos além do vício de "falta de fundamentação" como acabou por o fazer.
XXIX - Por tudo o aqui versado, se contesta o pedido do ora Recorrente, por o acto administrativo não padecer de nenhuma ilegalidade ou de qualquer vício de "violação de lei" ou vício de "falta de fundamentação".
Pelo que,
Face ao exposto, e contando com o muito douto suprimento deste Tribunal, deve o presente recurso contencioso ser indeferido por falta de legitimidade activa do Recorrente ou, se assim não entender-se, Deve-se decidir pela improcedência dos vícios invocados pelo Recorrente, e consequente improcedência do presente recurso, mantendo-se o acto recorrido com as legais consequências,
E assim se fará, Justiça.
O Digno Magistrado do MP emite o seguinte douto parecer:
Vem A impugnar o despacho do Chefe do Executivo de 22/2/10 que, na sequência de pedido da recorrente no sentido de autorização do posicionamento do mesmo no 4° escalão de enfermeiro-chefe, de acordo com os nºs 2 e 3 do art° 36° da Lei 18/2009, autorizou a actualização do escalão, por averbamento ao contrato, com efeitos retroactivos à data de entrada em vigor daquela Lei, ou seja, 18/8/09, recusando, por exclusão, a actualização salarial ou produção de efeitos retroactivos no período compreendido entre 1/7/07 e 17/8/09, assacando-lhe vício de forma por falta de fundamentação e violação de lei, por afronta da igualdade plasmada no art° 25° LBRAEM, bem como de dispositivos vários, quer do ETAPM, quer da Convenção da O.I.T., quer do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, esgrimindo, no essencial, ao que apreendemos, com a ilegalidade da diferenciação no tratamento do seu caso relativamente a colegas com vínculo na Administração Pública, para os quais a actualização salarial produziu efeitos retroactivos a 1/7/07, nos termos do art° 40° da Lei referida, batendo-se, assim, pela aplicação do princípio "trabalho igual - salário igual", não discriminação em matéria de emprego e profissão, o que, a seu ver, sucederá com o despacho em causa ao fazer retroagir a valorização indiciaria de um trabalhador com determinada categoria e escalão a uma data diferente da aplicável a outro trabalhador com a mesma categoria e escalão.
Vejamos:
Primeiro que tudo, haverá que escrutinar da eventual ilegitimidade do recorrente, excepção aduzida pela recorrida, com fundamento em que o despacho em questão, tendo autorizado o requerido por aquele, no seu posicionamento na nova carreira de enfermagem, não terá afectado os seus direitos ou interesses legítimos, não detendo o mesmo interesse directo, pessoal e legítimo, já que, para além do deferimento do efectivamente solicitado, do eventual provimento do recurso apenas poderá obter a anulação do despacho que aprovou a decisão que lhe foi favorável, não podendo impor à Administração diferente averbamento contratual relativo à retroactividade dos efeitos de actualização salarial.
Compreendemos a argumentação, mas não a podemos aceitar.
É evidente que o acto sob escrutínio constituiu o culminar, a decisão definitiva e executória do procedimento iniciado com o requerimento formulado pelo recorrente.
É também certo que, em tal requerimento, aquele não aludiu a qualquer pretensão relativa a eventual retroactividade de actualização salarial decorrente do novo posicionamento requerido.
Mas, em boa verdade, o acto em crise também se não limitou a deferir a pretensão da recorrente: conforme clara e expressamente decorre dos pareceres e informações a que anuiu, foi mais além, ficando também decidido que o efeito da actualização do escalão, por averbamento ao contrato, retroage à data de entrada em vigor da Lei 18/2009, ou seja, 18/8/09.
Ora, pese embora o deferimento da pretensão relativamente ao seu posicionamento profissional, nada impedia ou impede que o recorrente, através do mesmo, considerasse e considere ser seu direito o efeito retroactivo da actualização salarial à data que almeja : o requerente não o requereu, mas a entidade recorrida, indo além, fixou-o.
E, não vemos que, para esse sector do acto (a que, a bem da verdade, limita o seu petitório) não assista ao recorrente interesse directo, pessoal e legítimo.
E, não se diga que do eventual provimento do recurso interposto nunca lhe poderão advir resultados benéficos : sendo certo que, em obediência ao sagrado princípio da separação de poderes, não poderá o tribunal, no domínio deste processo, impor à Administração a injunção de diferente averbamento contratual, designadamente relativo à retroactividade da actualização das valorizações indiciárias, não o é menos que, se, porventura, o tribunal anulasse ou anule o acto, nesse específico, com fundamento em eventual ilegalidade no decidido, dando razões ao argumentado pelo interessado, não poderia a Administração deixar de daí retirar as devidas ilações ...
Tudo para frisar que não vemos como possa proceder a excepção aduzida.
Posto isto, em termos de mérito, de substância, cremos não assistir ao recorrente qualquer razão.
Aceita-se que, pese embora este tenha sido contratado ao abrigo de um contrato individual de trabalho celebrado com a Administração, regido pelas sua cláusulas, aceites por ambas as partes, se encontra, de todo o modo, dependente de uma espécie de "regime misto", com sujeição a regras gerais do regime da função pública, designadamente no que respeita às incompatibilidades, avaliações de desempenho e outras, de que, alias, dá conta, além do mais, a cláusula 18ª do seu contrato individual de trabalho ao prever que "Nos casos omissos, o presente contrato rege-se pelas regras gerais vigentes para os trabalhadores da Administração Pública de Macau ".
De todo o modo, esse "regime misto" não invalida que a sua situação seja objectivamente diferente dos colegas providos em regime de nomeação, provisória ou definitiva, em comissão de serviço, contrato além do quadro, contrato de assalariamento, ou contrato de trabalho celebrado com não recrutados ao exterior e que, consequentemente, a lei possa, para os efeitos que entender devidos, contemplar diferentemente tais situações.
Nos termos da al. 3) do n.º 4 do art. 1° da Lei 14/2009, o regime das carreiras não é aplicável aos trabalhadores providos
"3) para servirem como consultores ou em funções técnicas especializadas", menção que, se bem se aferir, corresponde "tout court" ao consignado no 2º parágrafo do art° 99º, LBRAEM e diz directamente respeito as casos de contratação no exterior, como o presente.
Donde, poder-se, desde logo, concluir que o regime da carreira de enfermagem estabelecido pela Lei 18/2009 não é, por si, aplicável ao caso do recorrente.
É claro que tal não invalida que, em termos, designadamente, do princípio "salário igual para trabalho igual", a questão não deva ser equacionada.
O que se regista é que a lei efectivamente, contemplou de forma diversa diferentes situações profissionais, fazendo questão de não enquadrar e integrar no regime da carreira a situação do recorrente.
Neste contexto, o acto ora em escrutínio surge não como consequência directa ou necessária da implementação desse novo regime da carreira de enfermagem, mas como vontade administrativa de, por alguma forma, dar satisfação àquele princípio de "salário igual para trabalho igual", fazendo, no fundo, equiparar a situação do recorrente à dos contratos individuais de trabalho celebrados com não recrutados ao exterior, nos termos do n.º 3 do art. 36º da Lei citada, prevendo os efeitos retroactivos à data de entrada em vigor dessa Lei, sendo certo que coisa diferente seria dificilmente aceitável e, até "contra natura", em termos de contratos individuais de trabalho dado poder até pôr-se a questão de a retroactividade se reportar a data anterior à celebração do contrato em Vigor.
Poderá, porventura, argumentar-se que, desta forma, se não assegura o referido princípio de "salário igual para trabalho igual", dado que para os restantes providos, exercendo funções similares, nos termos do n.° 2 do art. 40°, as valorações indiciárias retroagem a data bastante anterior.
É certo.
Contudo, isso não é problema do acto. É da norma. E, para o escrutínio respectivo mostra-se o presente meio inadequado.
Assim, sendo certo que, relativamente ao despacho em crise, se não divisa a ocorrência da pretendida afronta de qualquer dos normativos assacados, afigurando-se-nos, por outra banda, que do externado por aquele, decorrem, com proficiência, clareza e congruência, os motivos, de facto e de direito em que a decisão se estribou, perfeitamente compreensíveis e assimiláveis pelo cidadão médio, o que não deixou de ocorrer com o recorrente, entendemos que, por não ocorrência de qualquer dos vícios assacados, ou qualquer outro de que cumpra conhecer, não merece provimento o presente recurso.
Foram colhidos os vistos legais.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
1. Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
2. O processo é o próprio e não há nulidades.
3. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária.
4. Da legitimidade activa
Esta questão - a da legitimidade activa - foi já objecto de apreciação em vários processos e por ser tão clara e evidente a sem razão da entidade recorrida ao pugnar pela procedência de tal excepção que nos remetermos para a posição que aí ficou expressa.
A recorrente não deixa de ser a titular da relação controvertida que, como é bem patente, não deixa de resultar da própria divergência que a opõe à Administração, aquela enquanto pugna pela aplicação da referida lei com efeitos retroactivos desde 2007, tal como aconteceu em relação aos enfermeiros do quadro, esta, enquanto decidiu que tal retroactividade não abrange os contratados, tendo aderido apenas a pretensão da interessada no âmbito temporal restrito.
Socorremo-nos ainda aqui de quanto ficou vertido, v.g., no processo n.º 527/2010, de 27/10/2010, deste TSI e que com a devida vénia passamos a transcrever:
“Todavia, o facto de ter sido autorizado o posicionamento do escalão pretendido, não significa que a interessada tivesse com a sua solicitação renunciado aos eventuais direitos que decorressem da aplicação da lei nº 18/2009, de 17/08, de resto invocada por si no requerimento que apresentou. O direito que emana do diploma, se fosse caso disso, haveria de ser aplicado em concreto em toda a sua extensão e não em apenas parte dele.
Ora, o problema que vem colocado nos autos decorre, precisamente, da amplitude na aplicação da lei à situação funcional da recorrente: ou seja, saber se os efeitos da alteração contratual se deveriam reportar a 1 de Julho de 2007 (tese do recorrente) ou a 18 de Agosto de 2009 (como foi decidido e, posteriormente, clausulado).
Pergunta-se: a divergência de incidência temporal de efeitos pode ser discutida nestes autos? Será que o requerimento de (...) [aqui, 18 de Agosto de 2009] pode servir de travão à discussão jurisdicional no que respeita à matéria nele incluída? Vamos ver.
É verdade que tal requerimento visava a aplicação da Lei 18/2009, o que foi satisfeito. Todavia, ainda que ele não expresse a extensão da sua eficácia temporal, isto é, embora a recorrente não incluísse o momento a partir do qual a alteração devia produzir efeitos, isso não quer dizer que ela tivesse deixado à entidade competente o livre arbítrio de o decidir a seu modo ou como o achasse conveniente.
Isto é, com tal pretensão, não se pode dizer que a recorrente reconhecesse à entidade competente o poder de encontrar a melhor solução possível, a qual assim ficaria, quanto a esse aspecto, ao critério pessoal e discricionário desta. Não. Simplesmente, deixou que a entidade competente aplicasse a lei de acordo com os aspectos vinculados que dela emergem. Efectivamente, o que importará ver a final é se a lei, realmente, fixa esses critérios de vinculação. E na hipótese afirmativa, então o facto de a recorrente os não ter mencionado não podem servir de obstáculo à sua observância pelo Ex.mo Chefe do Executivo.
Quer isto dizer, portanto, que a omissão dessa parte pretensiva não abre a possibilidade de a entidade administrativa decidir menos do que a lei determina (se tal for o caso, evidentemente, coisa que por ora não estamos em condição de dizer). E por tal motivo, não está a recorrente impossibilitada de discutir no tribunal se a decisão foi ou não legal, se ficou aquém do que devia e do que era vinculação legal.
Claro que a posterior assinatura da alteração ao contrato baseado num despacho restritivo na amplitude de efeitos podia ser fatal aos interesses do recorrente, na medida em que se podia dizer que com o seu gesto a recorrente mostrou aceitar o acto qua tale, o que o impediria de recorrer ao tribunal para o discutir (art. 34º, do CPAC).
Sucede, porém, que a recorrente apôs uma declaração de reserva no próprio averbamento contratual. Disse que tal assinatura não o impediria de discutir os direitos que porventura lhe assistissem quanto, precisamente, à retroacção dos efeitos remuneratórios a 1 de Julho de 2007. Com esta declaração, a recorrente salvou o perigo que decorreria da aplicação ao seu caso da norma do citado art. 34º.
Assim sendo, para discutir este específico ponto, não perdeu a recorrente a sua legitimidade activa - em virtude de se considerar titular de um direito que terá sido afectado, em sua óptica, pelo acto impugnado - e cujo sucesso contencioso final lhe dará a tutela que de momento sente faltar-lhe (art. 33º, al.a), do CPAC).”
5. A entidade recorrida é dotada de legitimidade “ad causam”.
6. Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
III - FACTOS
Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
O Recorrente iniciou funções nos Serviços de Saúde de Macau em 10 de Janeiro de 1996.
A partir de 1 de Agosto de 1999 foi contratado em regime de contrato individual de trabalho como enfermeiro-especialista, 3º escalão, estando afecto à Unidade de Medicina 3 (Enfermaria) do Centro Hospitalar do Conde de São Januário, dos Serviços de Saúde de Macau.
Tendo o respectivo contrato sido objecto de renovação anual, nomeadamente, nos anos de 2006, 2007, 2008 e 2009.
Ou seja, entre 1 de Julho de 2007 e 17 de Agosto de 2009, o Recorrente encontrava-se a exercer funções de enfermeiro-especialista, 3º escalão, junto dos Serviços de Saúde de Macau.
Em 4 de Agosto de 2009 a Assembleia Legislativa da RAEM aprovou o regime da carreira de enfermagem, publicado no Boletim Oficial em 17 de Agosto de 2009, como Lei nº 18/2009,nos termos do qual《as valorizações indiciárias decorrentes das transições (…) e das alterações (…) retroagem a 1 de Julho de 2007, e incidem, apenas, sobre o vencimento único(…)》.
EM 18 de Agosto de 2009 (dia de entrada em vigor da referida lei), o Recorrente requereu a revisão do seu contrato individual de trabalho, mais concretamente das cláusulas relativas à categoria, escalão e vencimento, com efeitos retroactivos
O Recorrente tomou conhecimento e foi notificado, em 7 de Maio de 2010, através da nota interna nº 1304/NI/DP/2010 (da Divisão de Pessoal dos Serviços de Saúde de Macau), dos despachos de Sua Excelência, o Chefe do Executivo da RAEM, de 22 de Fevereiro e 27 de Abril de 2010, exarados nas propostas nº 188/PP/DP/2010 e nº 313/PP/DP/2010, respectivamente, nos termos dos quais foi, em súmula, autorizada: (i) a actualização do escalão e índice salarial do Recorrente, com efeitos retroactivos《à data da entrada em vigor desta Lei, ou seja, 18 de Agosto de 2009 com referência ao disposto no nº 3 do artigo 36º da Lei nº 18/2009》(cfr. despacho de 22 de Fevereiro de 2010), e (ii) o averbamento por aditamento, de cláusulas contratuais relativas ao subsídio de trabalho por turnos e ao regime de disponibilidade permanente, substituição e formação, com efeitos retroactivos a 18 de Agosto de 2009 (cfr. despacho de 27 de Abril de 2010).
São do teor seguinte as propostas acima referidas:
“Proposta
n.º 188/PP/DP/2010 de 09/02/2010
Assunto : Actualização salarial dos Contratos Indivíduais de Trabalho celebrados com enfermeiros, ao abrigo do artigo 99º da Lei Básica da RAEM
Exmº Senhor Director dos Serviços de Saúde.
Relativamente ao requerimento do enfermeiro-especialista dos Serviços de Saúde, A, 3º escalão, dirigido ao Exmº Director dos Serviços de Saúde, de 18 de Agosto de 2009 (vide Anexo 1), após a leitura analítica do Parecer do Gabinete Jurídico nº 113/GJ/2009 (vide Anexo 2), emitem-se a seguintes informações e recomendações:
1. A, da categoria de enfermeiro-especialista dos Serviços de Saúde, 3º escalão, contratada em regime de contrato individual de trabalho, com o índice 455, a partir do dia 10 de Janeiro de 1996, pediu a actualização salarial, nos termos do disposto na Lei nº 18/2009, citada no anexo supracitado 1;
2. De acordo com a alínea 3) do nº 4 do artigo 1º da Lei nº 14/20091, que entrou em vigor no dia 4 de Agosto de 2009, o regime das carreiras não é aplicável aos trabalhadores recrutados ao exterior, que tenham sido contratados ao abrigo do artigo 99º da Lei Básica, ou seja, a Lei nº 18/2009 também não é aplicável aos enfermeiros recrutados ao exterior pelos Serviços de Saúde e que tenham sido contratados com recurso a contrato individual de trabalho;
3. De harmoria com o Parecer do Gabinete Jurídico nº 113/GJ/2009, aos enfermeiros recrutados ao exterior, os Serviços de Saúde não estão, em princípio, obrigados a celebrar novo contrato, porque não se trata da situação prevista no artigo 36º da Lei nº 18/20092 (vide Anexo 3);
4. No entanto, devido à grave insuficiência de recursos humanos de enfermagem locais, o recrutamento do trabalhador supracitado correspondeu à finalidade de recrutamento ao exterior prevista no Regime de Gestão do Pessoal Contratado ao Exterior, constante da proposta dos Serviços de Saúde nº 459/PP/DP/2009, com vista a suprir a insuficiência dos recursos humanos locais, ou seja, para atrair profissionais, com antiguidade e grande experiência, para afectação à prestação de cuidados de saúde (vide Anexo 4);
5. Na sequência da conclusão das formalidades da transição da maior parte dos enfermeiros dos Serviços de Saúde contratados em regime do quadro, além do quadro e assalariamento, e, perante o trabalhador em causa com 14 anos de permanência no mesmo escalão e conforme o Parecer do Gabinete Jurídico nº 113/GJ/2009, pode ser efectuada a actualização salarial, por averbamento ao contrato com referência à nova careira de enfermagem e respectivos requisitos, tendo em consideração a necessidade e serviços e o princípio “Salário igual para trabalho igual”;
6. Pelo exposto, recomenda-se que possa ser consultado como referência o disposto relacionado com a progressão constante do artigo 12º da Lei nº 18/20093, e que a todos os enfermeiros que não estão no último escalão da sua categoria e que satisfaçam os requisitos da progressão acima mencionada, possa ser efectuada a progressão do escalão actual para o escalão seguinte da categoria de origem, para efeitos de estímulo;
7. De acordo com as informações disponíveis, ao enfermeiro-especialista em causa, A, com 14 anos de permanência no actual escalão da sua categoria e conforme a exigência indicada no ponto anterior, pode ser efectuada a seguinte actualização do escalão da categoria e índice:
Nome
Escalão da categoria de origem
Índice actual
Duração no mesmo escalão
Novo escalão proposto
Novo índice
A
3º escalão de enfermeiro-especialista
455
14 anos
4º escalão de enfermeiro-especialista
540
8. Pode ser efectuada a actualização do escalão, por averbamento ao contrato (vide Anexo 5) e o seu efeito retroage à data da entrada em vigor desta Lei, ou seja, 18 de Agosto de 2009 com referência ao disposto no nº 3 do artigo 36º da Lei nº 18/20094;
9. O contrato de recrutamento e a sua renovação com o trabalhador em causa serão efectuados de acordo com o Regime de Gestão do Pessoal Contratado ao Exterior, constante da proposta dos Serviços de Saúde nº 459/PP/DP/2009, por sua vez, as suas funções estarão sujeitas ao novo regime da carreira de enfermagem, indicada na Lei nº 18/2009;
10. Em caso de obtenção de autorização superior da proposta acima mencionada, venho, por este meio, solicitar a V. Exª se digne submeter a presente proposta ao despacho do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, bem como à aprovação de Sua Excelência, o Chefe do Executivo.
À consideração superior.
O Chefe da Divisão do Pessoal, subst.º,
XXX”
Perante o pedido do recorrente e outros enfermeiros contratados no exterior, relativamente à actualização salarial, após a entrada em vigor da Lei nº 18/2009, foi apresentada a proposta seguinte:
“Proposta
n.º 313/PP/PD/2010 de 29/03/2010
Assunto : Alteração das clásulas do averbamento dos Contratos Individuais de Trabalho celebrados com nove (9) enfermeiros contratados no exterior
Exmº Senhor Director dos Serviços de Saúde,
Em resposta aos requerimentos interpostos pelos 9 enfermeiros contratados no exterior em regime de Contrato Individual de Trabalho, sobre a respectiva actualização salarial após a entrada em vigor da Lei nº 18/2009, a presente divisão emitiu as suas recomendações à cadeia hierárquica através das propostas que constam do Anexo 1.
1. O despacho do Chefe do Executivo, datado de 22 de Fevereiro de 2010 (Anexo I), dá a sua concordância, tomando como referência o novo Regime da Carreira de Enfermagem aprovada pela Lei nº 18/2009, à actualização salarial dos nove enfermeiros acima mencionados, por averbamento ao contrato, retroagindo ao dia 18 de Agosto de 2009;
2. Ao abrigo da cláusula 2 da minuta do referido averbamento autorizada (Anexo 2), a retroactividade da diferença provada pela actualização salarial indicada no ponto anterior incide apenas sobre o pessoal com vencimento único, mas, há a considerar que após a entrada em vigor do Regime da Carreira de Enfermagem do dia 18 de Agosto de 2009, uma parte dos enfermeiros supracitados prestaram serviço de horas extraordinárias e obtiveram o subsídio de trabalho por turnos. Assim, para a definição da parte retroactiva, a presente divisão apresentou o pedido de parecer jurídico (Anexo 3), através da proposta nº 273/PP/DP/2010, de 3 de Março de 2010, sobre a viabilidade de retroactividade da parte da diferença resultante dos trabalhos extraordinários e subsídio de trabalho por turnos, obtidos a partir do dia 18 de Agosto de 2009;
3. O Parecer do Gabinete Jurídico nº 21/GJ/2010 (anexo 4), indica: “… a referida retroactividade determina, por sua própria natureza, a extensão de seus efeitos ao acréscimo de vencimento devido às horas extraordinárias prestadas e ao subsídio de turnos, uma vez que estes dependem, nos termos legais, do vencimento em vigor.”, e “Pelo exposto, a retroactividade estipulada no averbamento ao contrato é extensiva ao acréscimo de vencimento devido às horas extraordinárias prestadas e ao subsídio de turno, tendo os enfermeiros em causa o direito de receber a diferença do referido acréscimo de remuneração e subsídio de turnos decorrentes da retroactividade sobre o vencimento único, a partir de 18 de Agosto de 2009”;
4. Para responder às necessidades dos serviços clínicos, o novo Regime da Carreira de Enfermagem não só inclui o regime de trabalho normal e por turnos, mas também os enfermeiro podem estar sujeitos ao regime de disponibilidade permanente. Considerando a natureza da execução do trabalho dos 9 enfermeiro acima mencionados recrutados em regime de contrato individual de trabalho e os deveres especiais de assegurar a saúde dos cidadãos através da aplicação das medidas necessárias, de longo prazo, o respectivo regime, então, também é aplicável aos nove enfermeiros em causa;
5. Para além disso, com vista a conceder oportunidade de aperfeiçoamento a formação aos enfermeiros recrutados no exterior e elevar os seus conhecimentos profissionais e a qualidade de prestação dos serviços, após o estudo adequado, recomenda-se a oportunidade de formação contínua aos enfermeiros acima mencionados;
6. Nos termos do disposto de substituição no artigo 28º da Lei nº 18/2009, esta situação é aplicável aos enfermeiros contratados no exterior da categoria de enfermeiro-chefe;
6.1. Com base no princípio de imparcialidade, recomenda-se que sejam admitidos a análise e o parecer do Gabinete Jurídico sobre a retroactividade relacionada com o salário, quer dizer, os enfermeiros em causa têm o direito de receber a diferença do referido acréscimo de remuneração e subsídio de turnos decorrentes da retroactividade sobre o vencimento único, a partir de 18 de Agosto de 2008;
6.2. Com referência ao disposto nos artigos 22º, 24º, 26º, 28º e 29º da Lei nº 18/2009, sejam adicionadas as seguintes clausulas do averbamento ao contrato, tais como, o subsídio de trabalho por turnos, o regime de disponibilidade permanente, a substituição e a formação, conforme a categoria do enfermeiro em causa.
6.3. Proceder às alterações adequadas do averbamento ao contrato (Anexo 5).
Em caso de obtenção de autorização superior da proposta acima mencionada, venho, por este meio, solicitar a V. Exª se digne submeter a presente proposta a despacho do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, bem como é aprovação de Sua Excelência, o Chefe do Executivo.
À consideração superior.
O Chefe da Divisão do Pessoal,
(assinatura: vide original)
XXX”
IV - FUNDAMENTOS
1. As questões que são colocadas no presente recurso foram já objecto de decisão neste Tribunal de Segunda Instância em diferentes ocasiões, incidindo esses outros recursos sobre situações em tudo idênticas à do presente caso, sendo que alguns dos juízes signatários não deixaram de intervir ali, razão por que, por economia de meios e de tempo, não deixaremos de nos remeter e dar aqui por reproduzido tudo quanto ali ficou exarado.
As questões que importa conhecer são as seguintes, tal como colocadas pelo recorrente e entidade recorrida:
- Falta de fundamentação;
- Princípio da igualdade;
- Outra violações de lei.
2. Quanto às restantes questões que vêm colocadas estamos em crer que elas foram já tratadas igualmente nos outros casos em que houve intervenção de parte destes juízes, donde sermos igualmente a transcrever quanto se consignou, nomeadamente no processo n.º 520/2010, deste TSI, de 27/10/2011, intercalando as adaptações pertinentes:
“A questão sob litígio nos presentes autos pode facilmente equacionar-se da seguinte maneira:
A(o) recorrente, tendo sido contratada(o) para desempenhar as funções de enfermeiro nos Serviços de Saúde de Macau, tem ou não o direito de ver satisfeita a sua pretensão em que a actualização salarial que decorre da Lei 18/2009, de 17/08/2009 (1ª parte) se lhe aplique e que, por essa via, seja colocada no 4º (3º) escalão com efeitos reportados a 1 de Julho de 2007, e não a 18 de Agosto de 2009 (como foi administrativamente decidido e, posteriormente, clausulado no instrumento contratual)?
A(o) recorrente defende que sim; a entidade recorrida não pensa o mesmo.
Vejamos.
O dissídio em apreço parte da publicação da Lei nº 18/2009, de 18 de Agosto (Estabelece o regime jurídico da carreira de enfermagem). Trata-se de um diploma, cujo âmbito pessoal de aplicação é o dos enfermeiros dos Serviços de Saúde da Região Administrativa Especial de Macau, ainda que, com as devidas adaptações, se aplique também aos enfermeiros de outros serviços e organismos públicos da RAEM (cfr. art. 2º). Não está aí o problema.
A dificuldade reside nas regras de transição previstas no diploma para os enfermeiros do quadro (cfr. art. 31º a 33º) e na eventual extensão de efeitos aos enfermeiros que do quadro não façam parte (arts. 34º e 36º).
Para se ser preciso, é preciso recordar que o caso em mãos começou por ser um problema de ordem subjectiva: Teria o diploma aplicabilidade à situação dos enfermeiros que apenas eram titulares de um contrato individual de trabalho? A Administração Pública, depois de alguma hesitação, resolveu a questão a contento dos interesses da(o) recorrente e foi entendido que o seu reescalonamento se faria segundo as regras ali previstas. Ou seja, a(o) recorrente viu alteradas as cláusulas contratuais relativas à categoria, escalão e vencimento.
Insatisfeita(o), porém, considera que o início dos efeitos se deveria reportar a 1 de Julho de 2007 e não somente a 18 de Agosto de 2009, data da entrada em vigor da lei. Este sim, é o problema a que urge dar solução.
Para tanto, alguns preceitos importa, desde já, transcrever.
O art. 34º dispõe o seguinte:
Artigo 34.º
Efeitos da transição
1. As transições a que se referem os n.os 1 a 3 do artigo 31.º produzem efeitos a partir da data de entrada em vigor da presente lei.
2. A transição a que se refere o n.º 4 do artigo 31.º produz efeitos a partir da data da publicação no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau da autorização do pedido pelo director dos Serviços de Saúde.
3. Para efeitos de progressão e acesso, após a transição, é contado como prestado na carreira, categoria e escalão do quadro o tempo de serviço prestado pelos enfermeiros, sendo igualmente considerada a sua avaliação de desempenho.
E o art. 36º preceitua:
Artigo 36.º
Contratos individuais de trabalho em vigor
1. Os contratos individuais de trabalho celebrados antes da data da entrada em vigor da presente lei e as suas renovações continuam sujeitos à disciplina emergente desses contratos.
2. As partes, por sua iniciativa e mútuo acordo, podem optar por celebrar um novo contrato individual de trabalho regido pela presente lei.
3. A opção referida no número anterior deve ser exercida no prazo de 180 dias a contar da data da entrada em vigor da presente lei, retroagindo os efeitos do novo contrato a essa data.
4. Os contratos referidos no n.º 2 são celebrados tendo por referência o desenvolvimento da carreira constante do anexo I ou no anexo III da presente lei, tendo em conta, respectivamente, as habilitações académicas ou profissionais legalmente exigidas, mantendo os trabalhadores a categoria e escalão anteriormente detidos.
5. Nos casos previstos no n.º 2 o tempo de serviço, para efeitos de progressão e acesso, é contado a partir da data de produção de efeitos dos novos contratos
E o art. 40º reza assim:
Artigo 40.º
Entrada em vigor
1. A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
2. As valorizações indiciárias decorrentes das transições a que se refere o n.º 1 do artigo 34.º e das alterações a que se refere o n.º 1 do artigo 35.º retroagem a 1 de Julho de 2007, e incidem, apenas, sobre o vencimento único, tendo os trabalhadores direito a receber um montante pecuniário equivalente à diferença entre os índices correspondentes à categoria e escalão resultantes da transição e os índices correspondentes à categoria e escalão detidos antes da transição.
A(o) recorrente defende que a sua situação se enquadra no n. º 2 do art. 40º, n.º 2, portanto.
Mas acontece que a retroactividade a 1 de Julho de 2007 da vantagem decorrente da lei, tal como literalmente se colhe do n.º2 do art. 40º, apenas contempla:
a) As transições referidas no art. 34º (ou seja, por remissão expressa, as transições dos enfermeiros do quadro contidas nos nºs 1 a 3 do art. 31º);
b) As alterações a que se refere o nº1, do art. 35º (ou seja, as alterações que se consideram extensivas aos contratados além do quadro e aos assalariados).
Compreende-se a intenção do legislador, se relacionarmos a força prescritiva das normas citadas com a que emana do art. 36º do mesmo articulado legal! É que os contratos individuais de trabalho celebrados e renovados antes da data da entrada em vigor da lei continuam sujeitos à disciplina deles emergente (nº1), a não ser que as partes, por sua iniciativa e mútuo consenso, optem por celebrar um novo contrato individual de trabalho regido já pela lei (nº2).
Daqui resulta que o art. 36º apresenta uma solução pensada para os enfermeiros com contrato individual de trabalho, definindo-lhes uma regra e uma excepção.
A regra vem no número 1: os contratos celebrados antes da entrada em vigor da lei e as renovações também anteriores a essa data mantêm-se incólumes e inalteráveis até ao seu termo. Isto é, o sinalagma que deles emerge não pode ser violado por nenhuma das partes a seu bel talante e, por isso, as cláusulas outorgadas obrigam e sujeitam os contratantes.
A excepção descobre-se no n.º2: as partes contratantes podem afastar a regra, se ambas (o que implica consenso) optarem por um novo contrato individual de trabalho regido por todas as prescrições da lei.
Mas esta excepção abre logo uma dificuldade, que é esta: ao permitir que as partes possam celebrar um novo contrato “regido pela presente lei” será que o legislador quis que da lei se aplicassem somente as normas de regência do direito substantivo ali estabelecidas?
1ª Proposta de solução: Sim. O legislador realmente pensou dessa maneira. Tanto assim é, que no nº 4 estabeleceu que os novos contratos que as partes optassem por celebrar deveriam ter por “referência” o desenvolvimento da carreira constante do anexo I ou no anexo III da lei, tendo em conta, respectivamente, as habilitações académicas ou profissionais legalmente exigidas, mantendo os trabalhadores a categoria e escalão anteriormente detidos. Quer dizer, a lei não foi totalmente “liberal” ao ponto de deixar ao critério dos contratantes a dimensão da posição substantiva dos enfermeiros. Dito por outras palavras, o “regime” da lei só aproveita aos enfermeiros em igual situação à do recorrente nos estritos limites consentidos na lei.
2ª Proposta de solução: Sim. O legislador não deixou que fosse possível a utilização indiferenciada da norma que prevê a entrada em vigor reportada a 1 de Julho de 1007 (art. 40º, nº1), na medida em que essa retroactividade apenas respeita à alteração substantiva e valorativa do direito no que respeita às “transições” dos enfermeiros do quadro (arts. 34º, nº1 e 31º, nºs 1 a 3) e às “alterações” extensivas aos contratados além do quadro e aos assalariados (art. 35º, nº1). Ou seja, deixou de fora da previsão normativa, precisamente os enfermeiros com contrato individual de trabalho.
Por outro lado, o artigo 36º é muito claro sobre este aspecto pontual do eventual aproveitamento optativo das partes do “regime” da lei. Na verdade, o nº3 do artigo textua que:
“A opção referida no número anterior deve ser exercida no prazo de 180 dias a contar da data da entrada em vigor da presente lei, retroagindo os efeitos do novo contrato a essa data”.
Ou seja, o legislador foi claro em definir o marco temporal da extensão, não permitindo que os efeitos da opção retroagissem para além de 18 de Agosto de 2009, data da entrada em vigor do diploma.
E o próprio n.º 5, do mesmo artigo, com vista ao desenvolvimento futuro de efeitos asseverou que “Nos casos previstos no n.º 2 o tempo de serviço, para efeitos de progressão e acesso, é contado a partir da data de produção de efeitos dos novos contratos”, o que se nos afigura bem revelador da determinação do legislador em não dar às partes do novo contrato liberdade na densificação clausulativa, mas confinar os limites da outorga às balizas temporais que ele mesmo definiu.
O que, por outras palavras, significa que a permissão prevista no nº2 não abrange todo o regime da lei, mas somente o regime que a lei deixa aplicar.
3ª Possibilidade de solução? Não há. E se nos é agora permitido refinar as hipóteses, seríamos mesmo tentados a dizer que ambas as propostas se podem fundir numa só, isto é, que as razões de uma andam de braço dado na outra, ao ponto de praticamente servirem de uma só vez para negar qualquer sucesso ao recorrente. Estão ali vertidos os motivos pelas quais, em nossa opinião, a posição defendida no recurso contencioso a respeito da má aplicação da lei não podem colher.
*
E se é assim que pensamos, então nenhum dos fundamentos com que a recorrente ilustra a violação do princípio da igualdade - como seja a invocação da violação do art. 25º da Lei Básica da RAEM, do art. 57º, nº2, da Lei das Relações de Trabalho, dos arts. 2º e 3º da Convenção nº111 da OIT sobre a Discriminação em matéria de emprego e profissão, do art. 7º do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais – ou o da legalidade (ainda que sem expressamente assim o qualificar – como a cláusula 4º do seu contrato individual de trabalho de fls. 68 do apenso ou os arts. 174º e 175º do ETAPM – serve para sustentar a procedência do recurso no qual tanto denodo e brilho depositou.
É que neste caso, se, como pensamos, a Administração não podia satisfazer a pretensão da recorrente porque a lei o não permitia, então a actividade vinculada a que o Ex.mo Chefe do Executivo estava obrigado cumpre a lei e respeita todo e qualquer princípio de legalidade que tivesse que ser observado.
Mas, uma tal solução não ofenderá, no fundo e verdadeiramente, princípios de igualdade?
Atrevemo-nos, mesmo assim, a dizer que não. Porque um tal princípio só faz sentido perante situações exactamente iguais; a diversidade de situações – mesmo que com fortes pontos de contacto – não pode gerar a violação do princípio. É o que a mais representativa jurisprudência local vem defendendo (v.g., Ac. do TUI, de 12/05/2010, Proc. nº 5/2010)5. Ora, basta a circunstância de a situação do recorrente assentar em contrato individual de trabalho para logo se ver que o quadro em que ele se relaciona com a Administração é diferente do quadro de vinculação a que respeitam outras situações como as dos funcionários do quadro ou os assalariados. É uma relação em que, em nossa opinião, a Administração até pode contratualizar com o particular direitos diferentes e até superiores aos que possam resultar de uma relação jurídica própria de um lugar do quadro.
De resto, se o problema aqui fosse de desigualdade - e não nos parece que seja - então, a questão até mudaria de figura para passar a ser uma desigualdade, não na aplicação do direito, mas eventualmente uma desigualdade na criação do direito6.
Ora, como é sabido, o legislador ordinário pode introduzir discriminações positivas ou negativas, desde que nas situações de facto encontre razão séria e não arbitrária para diferenciar o tratamento. Desde que haja fundamento material bastante, sério, razoável e legítimo que não perigue com situações em que as condições objectivas imponham igualdade de regulação, a discriminação na criação da lei não é necessariamente violadora do princípio da igualdade (Pareceres nº 1/76 e 14/78 da Comissão Constitucional; Ac. do STA, de 26/03/98, Rec. nº 42.154; do T.C. nº 767/85, de 6/5/95, Rec. nº 72/84; T.C. nº 204/85, de 13/10/85, Proc. Nº 1/85; T.C. nº 221/90, de 20/06, BMJ nº 398/213, entre outros).
Por isso, é necessário ter presente a razão subjacente em sentido material, para que a igualdade se não confine a um postulado meramente formal.
Para ter pleno sentido prático, a criação de direito igual deve obedecer à previsão das mesmas situações, presentear todos os indivíduos com as mesmas características e a todos conferir os mesmos resultados jurídicos (J. GOMES CANOTILHO in Direito Constitucional, 5ª ed.. 2ª reimpressão, pag. 575; tb. in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, pag.388; JOÃO MARTINS CLARO, in O Princípio da Igualdade, na obra Colectiva «Nos Dez Anos da Constituição», da INCM, pag.35 e sgs).
A violação doo princípio da igualdade só se realiza quando alguém é privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever num quadro de facto igual que devesse justificar uma mesma solução normativam (igualdade na criação do direito) ou administrativa( na aplicação do direito), de que neste segundo caso encontramos eco no art. 5º do C.P.A. ( sobre o princípio, vidé GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, ed. 1992, pag. 574 e sgs). Quer dizer, portanto, que situações iguais têm que merecer iguais soluções e é aí que o princípio da igualdade encontra o seu nuclear fundamento, como é sabido.
Um princípio assim, que se rebela contra o arbítrio e as discriminações, contudo, não impõe absoluta uniformidade do regime jurídico para todos, antes permitindo diversidade de soluções perante justificada diferença de situações( Ac. do STA, de 26/3/98, Rec. nº 42.154; do T.C. nº 433/87, in BMJ nº 371/145).
A proibição do arbítrio constitui um limite externo da liberdade de conformação ou decisão do legislador e só deve considerar-se violado quando não exista o adequado suporte ou fundamento material suficiente para a medida legislativa tomada (Ac. T.C. de 1/12/85, nº 309/85; nº 103/87, de 24/3/87, in BMJ nº 365/318). É por isso que as diferenciações de tratamento às vezes se tornam legítimas se se basearem numa distinção objectiva de situações, se tiverem um fim legítimo segundo o ordenamento constitucional positivo e se se revelarem necessárias, adequadas e proporcionadas à satisfação do seu objectivo (Ac. T.C. - Plenário - nº 40/88, de 11/2/88, BMJ nº 347/156).
Ora, neste caso, terá encontrado o legislador razões sérias para introduzir alguma divergência de soluções no que respeita à extensão temporal dos efeitos da lei e nós não vemos em que medida alguma violação ostensiva da igualdade possa ter advindo dessa opção legislativa.
Em todo o caso, mesmo que estivéssemos perante um caso de desigualdade na criação do direito, então este não seria o meio próprio para contra ela reagir, por se tratar de um meio contencioso orientado para a anulação de um acto administrativo.
Para dizer, portanto, que não podemos sufragar a tese da(o) recorrente quanto a este vício.
*
Falta analisar o vício de forma por falta de fundamentação também suscitado no recurso.
Como é sabido, a fundamentação serve propósitos de auto-controlo, impelindo a Administração a uma autodisciplina na análise e apreciação de cada caso, de forma a que pondere e reflicta bem sobre o assunto pendente e lhe dê o melhor tratamento factual e jurídico.
Mas a fundamentação também visa uma função de altero-controlo, permitindo que o particular administrado fique munido da necessária dose de argumentos com os quais possa atacar a justiça e a legalidade da decisão administrativa. É isto o que está implícito no art. 113º, nº1, al. e), bem como nos arts. 114º, nº1, al. a) e 115º, nºs 1 e 2, do CPA.
Para cumprir este desígnio, o art. 115º permite que se faça a chamada fundamentação por remissão, que visa encaminhar os fundamentos do acto directamente para os fundamentos expostos num texto prévio contido numa informação, num parecer, numa proposta, etc.
Aos olhos da recorrente, o acto em apreço não cumpre o intento da lei. Contudo, se prestarmos atenção ao acto em apreço - recorde-se, do Ex.mo Chefe do Executivo de 22/02/2010 - ele é de concordância com o parecer e proposta nº 187/PP/DP/2010 prévios, nos quais é muito clara e absolutamente compreensível a indicação dos motivos da decisão (para os quais remete), nomeadamente no tocante à retroacção dos efeitos da alteração contratual.
Posição administrativa que viria a ser reiterada na proposta nº 3133/PP/DP/2010 (ver fls. 102 do p.a.) através do despacho “Autorizo”. Obviamente, esta autorização recai sobre o teor dos elementos que foram apresentados ao Ex.mo Chefe do Executivo. Quer dizer, o objecto da autorização só podia ser a alteração contratual nos exactos termos em que lhe estava a ser feita a proposta, que mais uma vez apontava para 18 de Agosto de 2009 a data do início da produção dos efeitos do contrato que iria ser rubricado.
Este é o entendimento que decorre do contexto procedimental acerca da decisão impugnada, que se nos afigura de meridiana compreensão mesmo para o mais comum dos cidadãos. O próprio recorrente colheu essa exacta percepção ao impugnar com a mais perfeita lógica e brilhantismo o seu teor no presente recurso contencioso.
Cremos, pois, não haver falta, nem insuficiente fundamentação.”
As questões que vêm colocadas neste recurso não deixam de estar devidamente tratadas e respondidas no excerto acima transcrito, tendo sido esta a posição unânime deste Tribunal em todas as situações como a presente, relativamente a um tratamento diferente entre os enfermeiros do quadro e os enfermeiros contratados, para estes porventura considerado injusto, mas querido e assumido pela Administração, legítimo, enquanto não violador das normas aplicáveis ou dos princípios, como acima visto e não passível de censura pelo Tribunal que não se pode imiscuir na acção governativa em tudo o que extravase o conhecimento da mera legalidade dos actos - artigo 20º do CPAC.
V - DECISÃO
Nos termos expostos, acordam em:
- Julgar improcedente a excepção deduzida de ilegitimidade do recorrente e, quanto ao fundo,
- em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente com taxa de justiça de 6 Ucs.
Macau, 7 de Dezembro de 2011,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Presente
Victor Manuel Carvalho Coelho
1 Artigo 1º
Objecto e âmbito
4. O regime das carreiras não é aplicável aos trabalhadores providos:
1) (…);
2) (…);
3) Para servirem como consultores ou em funções técnicas especializadas;
2 Conforme o Parecer nº 3/111/2009, de 24 de Julho de 2009 da Comissão Eventual para a Análise de Iniciativas Legislativas Relativas ao Funcionalismo Público: “Este artigo, que prevê o regime dos contratos individuais de trabalho em vigor, foi aditado pelo Governo já na parte final da análise da proposta de lei e tem como propósito equiparar a disciplina dos contratos individuais de trabalho existentes nos serviços de saúde à consagrada para os contratos individuais de trabalho do “Regime das carreiras dos trabalhadores dos serviços públicos.” (vide pág. 22)
3 A progressão nas categorias da carreira de enfermagem depende da permanência de dois anos no escalão imediatamente anterior com avaliação de desempenho não inferior a “Satisfaz”; e, o tempo de permanência no escalão anterior para progressão aos 4º e 5º escalões da categoria de enfermeiro de grau I é de três e quatro anos, respectivamente, com avaliação de desempenho não inferior a “Satisfaz”.
4 A opção referida no número anterior deve ser exercida no prazo de 180 dias a contar da data da entrada em vigor da presente lei, retroagindo os seus efeitos do novo contrato a essa data.
5 No sentido de que a violação da igualdade admite distinções, consoante o caso, ver, por exemplo, o Ac. do Tribunal Constitucional Português de 11/02/1998, Proc. nº ACTC8167, segundo o qual:” O princípio constitucional da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a realização de distinções. Proíbe-lhe, antes, a adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias - desde logo, diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjectivas, como são os indicados exemplificadamente, no n.º 2 do artigo 13.º da Lei Fundamental -, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objectiva e racional. Numa expressão sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio”.
6 O que, até aí, é permitido dentro de certas circunstâncias, tal como decorre do aresto do TC citado. Circunstância admitida em certos casos
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511/2010 50/50