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   ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
   
   I – Relatório
   A interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Secretário para a Segurança, de 11 de Março de 2005, que negou provimento a recurso hierárquico interposto de despacho do Comandante da Polícia de Segurança Pública, que indeferiu pedido de concessão de licença de uso e porte de arma por si formulado.
   Por acórdão de 3 de Novembro de 2005, o Tribunal de Segunda Instância, (TSI) negou provimento ao recurso.
   Inconformado, interpõe o referido A o presente recurso jurisdicional, terminando a respectiva alegação com a formulação das seguintes conclusões:
   I. O Decreto-Lei N.º 77/99/M concede, de facto, à entidade licenciadora certa liberdade de apreciação acerca da conveniência e oportunidade sobre o respectivo deferimento, a qual passa, desde logo, pela apreciação e ponderação do grau de risco existente para a segurança pessoal, vida, integridade física ou protecção do património de cada cidadão, para além, como é óbvio, da ponderação sobre a idoneidade cívica dos interessados.
   II. É, pois, um acto produzido no exercício de poderes discricionários.
   III. Porém, discricionariedade não é sinónimo de arbítrio, pois, constituindo ela, embora, uma peculiar maneira de aplicação de normas jurídicas, encontrando-se, antes, vinculada a regras de competência, ao fim do poder concedido, a variados princípios jurídicos como a igualdade, proporcionalidade, justiça e imparcialidade, a regras processuais e ao dever de fundamentação, sem excepção ao princípio da legalidade, mesma na vertente de reserva de lei.
   IV. De igual forma, o erro sobre os pressupostos de facto subjacentes à decisão é relevante no exercício de poderes discricionários, pois que a livre apreciação pretendida pelo Legislador ao conceder aqueles poderes pressupõe a veracidade dos factos em que a decisão se baseia.
   V. É o que se entende por momento vinculado do acto discricionário - a constatação dos factos realmente ocorridos e/ou relevantes.
   VI. No caso "sub judice", determinadas perguntas relevantes para uma boa decisão não foram feitas, apesar de as mesmas serem parte fulcral do petitório, e argumentação do recorrente.
   VII. Ora, no contexto em apreço, revela-se evidente que, dada a forma como se procedeu à instrução, nomeadamente a forma como as testemunhas foram ouvidas, não as interrogando sobre matéria fulcral para a decisão claramente alegada pelo recorrente, se não tomaram em conta interesses por aqueles introduzidos e que se revelavam necessários a boa decisão.
   VIII. Há, pois, vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto.
   IX. Pelas mesmas razões, há vício de forma pela violação do exercício pleno do direito de defesa do recorrente no procedimento administrativo subjacente à prolacção do despacho recorrido.
   X. Se assim não for entendido, há, ainda, que considerar que há vício de erro nos pressupostos de Direito na medida em que o órgão recorrido na sua decisão impugnada fez uma interpretação jurídica “contra legem" sem qualquer apoio na letra ou no espírito da lei, adicionando requisitos que não constam do elenco legal por forma a desatender a pretensão do peticionante ora recorrente.
   
   A Exm.ª Procuradora-Adjunta emitiu o seguinte parecer:
   Inconformando com o douto Acórdão do Tribunal de Segunda Instância que julgou improcedente o seu recurso contencioso interposto do despacho do Senhor Secretário para a Segurança que, por sua vez, negou provimento ao recurso hierárquico do despacho do Comandante do CPSP, decidindo manter a decisão impugnada de indeferir o pedido de concessão de licença de uso e porte de arma de defesa por si formulado, vem A interpor recurso para este Alto Tribunal de Última Instância, imputando os vícios de erro nos pressupostos de facto e de direito, a violação do princípio de justiça bem como o vício de forma pela violação do exercício pleno do direito de defesa.
   Não nos parece que tem razão.
   Quanto ao erro nos pressupostos de facto, alega o recorrente que os elementos existentes no processo façam a dar como restabelecidos os factos/requisitos necessários e suficientes para o atendimento da sua pretensão petitória de licença e o despacho recorrido se baseou exclusivamente numa situação que não tem correspondência com a realidade.
   Para o efeito, insiste em invocar, essencialmente, que no exercício da sua função, enfrentou dezenas de marginais, alguns deles membros das chamadas seitas, arriscando a sua integridade física e mediatamente a dos seus familiares.
   Nos termos do n.° 1 do art.° 27.º do DL n.° 77/99/M, a licença de uso e porte de arma de defesa pode ser concedida a quem que reúna os seguintes requisitos: a) ser maior; b) demonstrar ter adequada idoneidade moral e civil; c) demonstrar essa necessidade para a sua defesa pessoal ou da sua família, em razão das suas especiais condições de vida ou risco inerente ao exercício da sua actividade profissional; e d) possuir capacidade de manejo de arma de defesa.
   O que está agora em discussão é o preenchimento, ou não, do requisito referido na al. c), ou seja, se o recorrente demonstrou a necessidade de uso e porte de arma de defesa para a sua defesa ou da sua família, "em razão das suas especiais condições de vida ou risco inerente ao exercício da sua actividade profissional".
   Não foi alegada a necessidade oriunda das "especiais condições de vida".
   Resta ver se foi demonstrado nos autos o risco inerente ao exercício da actividade profissional do recorrente.
   Neste aspecto, resulta do despacho recorrido que a entidade ora recorrida considera não provado o facto alegado pelo recorrente de que enfrentou e prendeu dezenas de elementos ligados às seitas, pois que "nenhuma prova desses factos apresentou nem a PSP, entidade que detém toda a documentação respeitante às carreiras dos militarizados da sua corporação, nenhum conhecimento tem desse desempenho espectacular, ...Acresce que o recorrente... era do posto de guarda, do Departamento de Trânsito, e tinha como missão, e mais do que isso não fez, tomar conta das ocorrências nas vias públicas, acidentes de viação e controlo de tráfego nos casos de impedimentos ou engarrafamentos". E "por outro lado, as guias respeitam a processos de transgressões e correccionais derivados de incumprimentos de pagamentos voluntários de multas e acidentes de trânsito, e não de processo de querela, nada provando assim este argumento".
   Daí resulta que a entidade recorrida ponderou os elementos do seu conhecimento, considerando sobretudo a documentação existente na PSP, o tipo e a natureza do serviço ao qual foi destacado o recorrente bem como a natureza e gravidade dos processos em que o recorrente foi chamado para depor como testemunha.
   Não obstante a não inquirição, no processo instrutor, das testemunhas arroladas pelo recorrente sobre a matéria em causa, certo é que estas testemunhas (para além de outros dois) prestaram depoimento no recurso contencioso, do qual o Tribunal a quo extraiu a seguinte facto:
   "Em data não concretamente apurada, provavelmente no ano de 1998, e no âmbito do exercício das suas funções de agente, deslocou-se o ora recorrente às imediações da Discoteca, onde lidou com indivíduos que pareciam ou poderiam pertencer ou estar ligados às seitas ."
   Será que tal facto provado possa alterar a conclusão da entidade recorrida, de tal modo a justificar a verificação do vício alegado pelo recorrente?
   Não nos parece que sim, uma vez que, no nosso entendimento e tal como afirma o Tribunal recorrido, a situação de "lidar com indivíduos que pareciam ou poderiam pertencer ou estar ligados às seitas" constitui apenas uma mera "hipótese", por um lado, e por outro, não resulta do mesmo facto que, com o exercício da sua função, foi posto em risco a integridade física do recorrente e dos seus familiares.
   Invocando o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito, questiona o recorrente a interpretação da entidade recorrida sobre o carácter excepcional da concessão de licença de uso e porte de arma de defesa prevista no art° 27.º do DL n.° 77/99/M.
   Resulta do despacho do Sr. Secretário para a Segurança (que recolheu os fundamentos do despacho do Comandante do CPSP e da informação de 29-6-2004) que a entidade recorrida considera que "não se vislumbra que a exposição ao risco por parte do requerente extravase os limites das possibilidades efectivas de tutela, por parte daqueles a quem está cometida a atribuição da segurança dos cidadãos e seus bens" e não logra a factualidade "em se prevalece o requerente, de atingir o carácter de excepcional, a que, por critério, se deve observar a concessão de uma licença de uso e porte de arma", pelo que indefere o pedido do ora recorrente.
   E acrescenta que "só a ponderação de especiais circunstâncias de cada caso, o órgão competente vai permitir que um cidadão possa portar uma arma de fogo. Essa é a excepcionalidade da situação, porque se não fosse precisa a avaliação pelo órgão competente, a atribuição de licenças de uso e porte de arma seria objectiva, o que traria consequências na convivência social" .
   Ora, não nos parece que tais considerações e entendimento merecem censura.
   Por um lado, a expressão "excepcional" tem que ser interpretada no contexto em que foi inserida, ou seja, em conjugação com extravasamento ou não dos "limites das possibilidades efectivas de tutela, por parte daqueles a quem está cometida a atribuição da segurança dos cidadãos e seus bens".
   Por outro lado e tal como afirma o Tribunal ora recorrido, é o próprio comando do n.° 1 do art.° 27.º do DL n.° 77/99/M que impõe à entidade recorrida uma "avaliação casuística" das situações, ponderando as circunstâncias concretas apuradas em cada caso, nomeadamente "as especiais condições de vida ou risco inerente ao exercício da actividade profissional" do requerente, para chegar a uma conclusão sobre a necessidade de uso e porte de arma de defesa para a sua defesa pessoal ou da sua família.
   E face aos elementos carreados aos autos, cremos que não está demonstrado o "risco" alegado pelo recorrente, elemento justificador da necessidade de uso e porte de arma de defesa.
   Improcede assim o argumento do recorrente.
   Invoca ainda o recorrente a violação do princípio de justiça cujo componente principal é o de igualdade, alegando a concessão de licença de uso e porte de arma de defesa "a todos os aposentados da Polícia de Segurança Pública com uma ou outra excepção".
   Desde logo, é de notar que não consta dos autos que ficou provado o facto alegado pelo recorrente, caindo assim o "pressuposto" do seu argumento.
   E a igualdade de tratamento só é exigida quando estão em causa situações idênticas, o que também não ficou provado, não se sabendo se foi efectivamente concedida a licença a algum aposentado da PSP que se encontrava na mesma situação do recorrente.
   Assim, o que importa saber é que, no caso sub judice, o recorrente não logrou demonstrar, tal como é imposto pela al. c) do n.° 1 do art.° 27.º do DL n.° 77/99/M, o risco inerente ao exercício da sua actividade profissional que justifique a necessidade de uso e porte de arma de defesa para a sua defesa ou da sua família, pelo que não merece censura a decisão de não concessão de licença por si pretendida.
   Finalmente e quanto ao vício de forma pela violação do exercício do direito de defesa, é de reconhecer que, tal como ficou provado nos autos, as testemunhas arroladas pelo recorrente não foram inquiridas no âmbito do procedimento administrativo sobre a matéria alegada quanto ao facto de ter enfrentado e detido membros das chamadas "seitas".
   No entanto, e como atrás referimos, todas estas testemunhas, e mais duas, foram inquiridas em sede do recurso contencioso, nomeadamente sobre a matéria em causa, tendo como resultado apenas que numa determinada ocasião o recorrente "lidou com indivíduos que pareciam ou poderiam pertencer ou estar ligados às seitas". .
   Parece-nos que, com a realização desta diligência, até se pode considerar "sanada" a omissão invocada pelo recorrente pela não inquirição das testemunhas sobre a matéria.
   É verdade que a produção de prova efectuada no âmbito do recurso não visa suprir omissões cometidas no procedimento administrativo.
   Porém, nada impede que, na prática, a inquirição das testemunhas sobre a mesma matéria, omitida na fase anterior, faça tornar inútil a repetição da mesma diligência, que deveria acontecer se não houvesse produção da prova no âmbito do recurso, até porque não nos parece que "uma eventual nova inquirição em procedimento administrativo possa trazer matéria que em igual oportunidade, ..., e com a própria intervenção do recorrente até ao momento não veio aos autos", tal como afirma o Tribunal recorrido.
   Sem ignorar a falta de audição das testemunhas no procedimento administrativo sobre a matéria que se mostre pertinente para a decisão, temos por certo que a inquirição das mesmas testemunhas, e até mais, no recurso contencioso faz perder a utilidade prática a repetição da mesma diligência.
   É de julgar irrelevante o vício alegado pelo recorrente.
   Pelo exposto, entendemos que se deve julgar improcedente o presente recurso.
   
   II - Os Factos
   O Acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos, embora com diferente arrumação formal:
   A) Em data não concretamente apurada, provavelmente no ano de 1998, e no âmbito do exercício das suas funções de agente, deslocou-se o ora recorrente às imediações da Discoteca, onde lidou com indivíduos que pareciam ou poderiam pertencer ou estar ligadas às "Seitas";
   B) Por despacho publicado no Boletim Oficial da R.A.E.M. de 15.10.2003, foi o ora recorrente, na altura com a categoria de guarda da P.S.P. do 4.º escalão, desligado do serviço através de aposentação obrigatória por acidente de serviço; (cfr. fls. 205 do "proc. instrutor").
   C) Em 28.10.2003, formulou o mesmo "pedido de concessão de licença de uso e porte de arma de defesa"; (cfr. fls. 200).
   D) Em 11.11.2003, e por despacho do Sr. Comandante (Substituto) do Corpo de Polícia de Segurança Pública, foi tal pedido indeferido; (cfr. fls. 195 e 196).
   E) Interpôs o requerente recurso (hierárquico) para o Exmº Secretário para a Segurança; (cfr. fls. 166 a 175).
   F) Posteriormente, considerando-se o alegado e que observado não tinha sido o art.° 93.º do Código de Procedimento Administrativo (audição do requerente), decidiu-se, por despacho do Sr. Comandante (Substituto) de 05.03.2004, revogar a anterior decisão de indeferimento; (cfr. fls. 136).
   G) Na sequência do assim decidido, em 20.04.2004 foi o requerente notificado de um "projecto de despacho"; (cfr. fls. 125).
   H) Apresentou então o requerente expediente onde, para além do demais, alegou que no exercício das suas funções "enfrentou dezenas de marginais, muitos dos quais prendeu e capturou", ..."alguns dos quais membros das chamadas Seitas", ..."arriscando a sua integridade física e mediatamente a dos seus familiares", ..."afirmando "temer pela sua segurança e da dos seus familiares, em virtude de actos legais praticados quando no Activo", arrolando, para prova, 3 testemunhas; (cfr. fls. 109 a 115).
   I) Inquiridas as testemunhas arroladas, e sem que lhes fosse perguntado sobre a matéria alegada pelo requerente quanto ao facto de ter enfrentado e detido membros das chamadas "Seitas", em 12.05.2004, proferiu o Comandante (Substituto) novo despacho indeferindo o pedido de concessão de licença de uso e porte de arma de defesa; (cfr.fls. 100 a 102).
   J) Notificado o recorrente de que do assim decidido podia interpor recurso para o Tribunal Administrativo assim como, facultativamente, para o Exmº Secretário para a Segurança, interpôs o requerente novo recurso para o Exmº Secretário para a Segurança (cfr. fls. 68 a 81), interpondo, conjuntamente, recurso para o Tribunal Administrativo; (cfr. fls. 37 a 57).
   K) Perante o referido recurso, elaborou o Sr. Comandante a seguinte informação:
   "Informação
   Assunto: Recurso Hierárquico Facultativo
   Recorrente: A
   Termos Legislativos: Artº 159º do CPA
   O recorrente vem impugnar a decisão do comandante da PSP, que indeferiu o pedido de concessão de uma licença de uso e porte de arma, expondo em síntese, os seguintes fundamentos:
   1. Que o recorrente enfrentou e prendeu dezenas de elementos ligados às seitas, os quais foram julgados pelas autoridades judiciais de Macau, e enumerou na sua petição de recurso, como prova, uma série de guias de convocatórias para se apresentar em juízo respeitante aos julgamentos referidos.
   2. Que por essa razão teme pela sua segurança e dos seus familiares necessitando de uma arma para se defender.
   3. Que, como invoca, a entidade recorrida viola o princípio da igualdade ao indeferir a pretensão, visto que não negou igual pedido a outros aposentados.
   4. E que para a concessão de uma licença de uso e porte de arma não é necessário o critério de excepcionalidade.
   Vejamos se o recorrente tem razão e em que medida.
   Em primeiro lugar, deve-se começar por afirmar o seguinte: O recorrente, na notificação da decisão que ora impugna, foi informado que poderia recorrer da mesma de duas maneiras: contenciosamente para o Tribunal Administrativo de Macau, visto a competência própria do comandante da PSP para esta matéria constante no RAM, e através de recurso hierárquico facultativo para o Secretário para a Segurança.
   Apesar disso entendeu o recorrente insistir que a presente impugnação se trata de um recurso hierárquico necessário, e assim o expressou na sua exposição. Deste facto, posteriormente, a entidade recorrida deu conhecimento ao recorrente.
   Prossigamos. Afirma o recorrente que na sua carreira policial enfrentou e prendeu dezenas de elementos ligados às seitas. Porém nenhuma prova desses factos apresentou nem a PSP, entidade que detém toda a documentação respeitante às carreiras dos militarizados da sua corporação, nenhum conhecimento tem desse desempenho espectacular, o qual a ser verdade seria naturalmente louvado e objecto de orgulho e do reconhecimento geral. Acresce que o recorrente como se afirmou no despacho recorrido, era do posto de guarda, do Departamento de Transito, e tinha como missão, e mais do que isso não fez, tomar conta das ocorrências nas vias Públicas, acidentes de viação e controlo de tráfego nos casos de impedimentos ou engarrafamentos.
   Por outro lado, as guias respeitam a processos de transgressões e correccionais derivados de incumprimentos de pagamentos voluntários de multas e acidentes de trânsito, e não de processos de querela, nada provando assim este argumento.
   Também, numa política cada vez mais restritiva de concessão de licenças de uso e porte de arma - cada vez menos são concedidas – até porque a região goza uma das melhores épocas de paz de sempre, são muitos os casos de indeferimento, para além de que os pedidos são avaliados casuísticamente, pelo que esse argumento igualmente não procede.
   Por fim, e pelo que vem de dizer-se, só a ponderação de especiais circunstâncias de cada caso, o órgão competente vai permitir que um cidadão possa portar uma arma de fogo. Essa é a excepcionalidade da situação, por que se não fosse preciso a avaliação pelo órgão competente, a atribuição de licenças de uso e porte de arma seria objectiva, o que traria consequências na convivência social.
   Assim, por se concluir que o despacho que indeferiu o pedido de concessão de uma licença de uso e porte de arma ao recorrente, não se encontra ferido de nenhum vício que possa levar à sua anulabilidade, deve ao presente recurso ser negado provimento”; (cfr. fls. 51 a 54).
   L) Sobre a transcrita informação proferiu o Exm.º Secretário para a Segurança o seguinte despacho:
   "Despacho
   Nego provimento ao presente recurso com os fundamentos que constam do despacho impugnado e, bem assim, da Informação do Comandante do CPSP, de 29 de Junho de 2004, elaborada nos termos do artigo 159º do CPA, documentos que dou por integrados no presente despacho, como dele fazendo parte.
   Macau, aos 2 de Julho de 2004”; (cfr. fls. 51).
   M) Em 21.01.2005, e considerando que do despacho do Sr. Comandante cabia recurso hierárquico necessário, decide o Tribunal Administrativo rejeitar o recurso que para aquele Tribunal tinha sido interposto; (cfr. fls. 26 a 33).
   N) Perante o assim decidido, proferiu o Exmº Secretário para a Segurança o acto administrativo ora recorrido que tem o teor seguinte:
   "O recurso hierárquico interposto do Despacho do Comandante do CPSP, datado de 12 de Maio de 2004, recebido como meramente facultativo deve, em face da douta sentença do Tribunal Administrativo de 21.01.2005 (Processo n° 283/04/ADM) que rejeitou o recurso contencioso com base na irrecorribilidade do acto, agora ser apreciado como necessário à respectiva definitividade.
   Assim, e na linha do que já anteriormente fora decidido, em 2/7/2004, mantenho a decisão impugnada nos termos de facto e de direito que constituem o respectivo fundamento, apropriando-me ainda do que da mesma natureza (factos e direito), se colhe da informação sobre a qual recaiu o meu anterior despacho, constante de fols. 51 e ss, proferida nos termos do artigo 159º do CPA, em 29/6/2004.
   Termos em que lhe Nego Provimento.
   Notifique o recorrente do presente despacho e bem assim de que, do mesmo, pode interpor recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância, no prazo de 30 dias, contados da respectiva notificação.
   Gabinete do Secretário para a Segurança da Região Administrativa Especial de Macau, aos 11 de Março de 2005”;
   Este é o acto recorrido.
   
III – O Direito
1. Delimitação do objecto do recurso
Como se sabe, as questões a resolver são as constantes das conclusões da alegação de recurso (art. 589.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, aplicável por força do art. 1.º do Código de Processo Administrativo Contencioso).
A) Nas conclusões I a III, o recorrente concorda que o Regulamento de Armas e Munições, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 77/99/M, de 8 de Novembro de 1999, concede à entidade licenciadora certa liberdade acerca da conveniência e oportunidade sobre o respectivo deferimento, sendo, pois, um acto produzido no exercício de poderes discricionários.
   Acrescenta, então, que discricionariedade não é sinónimo de arbítrio, pois, constituindo ela, embora, uma peculiar maneira de aplicação de normas jurídicas, encontra-se, antes, vinculada a regras de competência, ao fim do poder concedido, a variados princípios jurídicos como a igualdade, proporcionalidade, justiça e imparcialidade, a regras processuais e ao dever de fundamentação, sem excepção ao princípio da legalidade, mesma na vertente de reserva de lei.
O texto enunciado merece concordância. Só que não se diz nas conclusões da alegação, nem no texto desta última, que o acto recorrido não obedeceu a tais princípios e, portanto, que o acórdão recorrido, mantendo aquele na Ordem Jurídica, violou tais princípios.
Não iremos, pois, debruçar-nos sobre tais conclusões.
B) No recurso contencioso o recorrente alegou que na inquirição das testemunhas por si arroladas no procedimento administrativo não foram feitas perguntas sobre factos relevantes que havia alegado, que se referiam ao facto de, no decurso das suas funções como agente da PSP, ter detido indivíduos ligados a seitas, que justificariam a necessidade de uso de arma de fogo.
Entendeu que não tendo sido feitas perguntas, pelo instrutor, sobre tal matéria, retirou à audiência do interessado a necessária relevância, havendo assim, violação dos arts. 93.º e 94.º do Código do Procedimento Administrativo.
Ora, o acórdão recorrido teve oportunidade de se debruçar sobre esta questão, dizendo o seguinte:
   “... 3 das 5 testemunhas cujo depoimento deu lugar a tal "facto hipotético" são precisamente as testemunhas que inquiridas foram no referido procedimento administrativo.
   Perante isso, a questão que se coloca é a de saber se razoável é anular-se a decisão recorrida com base numa "omissão" que, em boa verdade, está como que "sanada", visto que acabou o recorrente por ter a oportunidade de ver as suas testemunhas inquiridas sobre a matéria que faltava.
   Cremos que negativa deve ser a nossa resposta.
   Não se nega que defensável é o entendimento segundo o qual as diligências probatórias encetadas no âmbito de um recurso não servem para suprir omissões cometidas aquando do procedimento que deu lugar à decisão recorrida.
   Porém, atento o preceituado no art° 74°, n° 5 do C.P.A.C. e não nos parecendo que uma eventual nova inquirição em procedimento administrativo possa trazer matéria que em igual oportunidade, no presente recurso, e com a própria intervenção do recorrente até ao momento não veio aos autos, mostra-se-nos de considerar irrelevante a referida "omissão"”.
Nas conclusões IV a IX da alegação o recorrente aborda a mesma questão, tal como fizera no recurso contencioso, omitindo qualquer pronúncia sobre a apreciação que o Acórdão recorrido fez da questão, designadamente, que ocorreu sanação da omissão da instrução face às inquirições ocorridas no próprio recurso contencioso. Ou seja, nem uma palavra dedica à decisão da questão pelo TSI.
Como se sabe, nos recursos de reexame, como é o nosso sistema, o objecto do recurso é a própria decisão recorrida e não a questão sobre que incidiu a decisão.1
   Assim, não conheceremos da questão, uma vez que o recorrente não impugna os fundamentos da decisão recorrida.2
C) A única questão a apreciar é, assim, a da conclusão X. Considera o recorrente ter havido violação do disposto no art. 27.º do Regulamento de Armas e Munições, porquanto se considerou que a licença de uso e porte de arma só deve ser concedida em casos excepcionais, o que a norma mencionada não abonaria.

   2. Excepcionalidade na concessão de licença de uso e porte de arma de defesa

Dispõe o seguinte o art. 27.º do Regulamento de Armas e Munições:
“Artigo 27.º
(Licença de uso e porte de arma de defesa)
   1. Pode ser concedida licença de uso e porte de arma de defesa a quem reuna os seguintes requisitos:
   a) Ser maior;
   b) Demonstrar ter adequada idoneidade moral e civil;
   c) Demonstrar essa necessidade para a sua defesa pessoal ou da sua família, em razão das suas especiais condições de vida ou risco inerente ao exercício da sua actividade profissional;
   d) Possuir capacidade de manejo de arma de defesa.
   2. A concessão da licença de uso e porte de arma de defesa é da competência do comandante do CPSP, mediante requerimento do interessado, que a pode denegar por razões gerais de segurança e ordem públicas.
   3. ...
   4. ...
   5. ...
   6. ...
   7. ...”.
Na informação que o acto recorrido integrou, pode ler-se:
   “... Também, numa política cada vez mais restritiva de concessão de licenças de uso e porte de arma - cada vez menos são concedidas – até porque a região goza uma das melhores épocas de paz de sempre, são muitos os casos de indeferimento, para além de que os pedidos são avaliados casuisticamente, pelo que esse argumento igualmente não procede.
   Por fim, e pelo que vem de dizer-se, só a ponderação de especiais circunstâncias de cada caso, o órgão competente vai permitir que um cidadão possa portar uma arma de fogo. Essa é a excepcionalidade da situação, por que se não fosse preciso a avaliação pelo órgão competente, a atribuição de licenças de uso e porte de arma seria objectiva, o que traria consequências na convivência social”.
O Acórdão recorrido considerou que a alínea c) do n.º 1 do art. 27.º do referido Regulamento impõe uma avaliação casuística, face às especiais condições de vida ou risco, pelo que compreende o carácter excepcional invocado pela entidade recorrida.
Não nos parece que o Acórdão recorrido tenha interpretado mal a lei.
   Desde que a lei exige a demonstração por parte do requerente da necessidade da licença de uso e porte de arma “... para a sua defesa pessoal ou da sua família, em razão das suas especiais condições de vida ou risco inerente ao exercício da sua actividade profissional”, bem pode dizer-se que a concessão da licença deve ser a excepção e não a regra. Que só alegando e provando condições excepcionais ou especiais de vida ou de risco inerente a determinada actividade profissional é que a autoridade policial poderá conceder a licença de uso e porte de arma de defesa.
   Não houve, pois, violação da lei na interpretação e aplicação da mencionada norma jurídica.
   Improcede, por conseguinte, o recurso.

   IV - Decisão
   Face ao expendido, nega-se provimento ao recurso jurisdicional.
   Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 4 UC.
   Macau, 26 de Abril de 2006

   Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin

A Magistrada do Ministério Público
presente na conferência: Song Man Lei
1 A. RIBEIRO MENDES, Recursos em processo civil, Lisboa, Lex, 1994, 2.ª ed., p. 138 a 140 e J. CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, Lisboa, edição da AAFDL, 1999, vol. III, p. 20 e seg.
2 Neste sentido, o nosso Acórdão de 28 de Julho de 2004, no Processo n.º 22/2004.
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25
Processo n.º 5/2006