Proc. nº 365/2010
(Recurso jurisdicional de decisões em matéria administrativa)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 07 de Dezembro de 2011
Descritores:
-Objecto da causa
-Objecto da sentença
SUMÁRIO:
Não pode o julgador apreciar num processo o objecto da causa, integrando nela os factos que fazem parte de outros processos autónomos (ainda que com as mesmas partes e arrancando de situação material semelhante) sem que esses processos tenham sido apensados, porque a tanto o impedem os arts. 5º, nº2, 1ª parte, e 567º do CPC
Proc. nº 365/2010
(recurso de decisões em matéria administrativa)
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I- Relatório
A, com os demais sinais dos autos, recorreu contenciosamente do despacho proferido pelo Ex.mo Director dos Serviços de Turismo de 28/07/2008, que determinou a aplicação de uma multa no valor de Mop$ 60.000,00 por uma infracção administrativa p. e p. pelos arts. 30º e 67º, nºs 1 e 2, al. b) e 3, do DL nº 16/96/M, d e o encerramento imediato da actividade de estabelecimento hoteleiro em fracção habitacional por falta da necessária licença.
Foi, na oportunidade, proferida sentença, que anulou a punição sindicada, embora condenando o recorrente na multa única de Mop$ 60,000,00, pela prática de dez infracções administrativa p.e.p. pelo nº1 e 3, al. b), e nº3, do art. 67º do DL nº 16/96/M.
É dessa sentença que ora vem interposto o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações o recorrente formulou as seguintes conclusões:
1.a Não se conformando com o referido douto acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo, interpôs o ora recorrente recurso daquela decisão judicial na parte em que o Tribunal ora recorrido tendo tido conhecimento dos vícios invocados no recurso contencioso oportunamente interposto, ainda que tacitamente, julgou-os improcedentes, sem especificar, contudo, os respectivos fundamentos de facto e de direito justificativos dessa decisão;
2.a Importa sublinhar, a este respeito, que não constam do texto do acórdão ora recorrido os vícios que foram alegados pelo ora recorrente no seu recurso contencioso, nomeadamente no que diz respeito ao erro nos pressupostos de facto e de direito apontados ao acto então recorrido;
3.a Uma análise perfunctória da douta sentença permite-nos concluir que o douto Tribunal administrativo: a) deixou de pronunciar-se sobre questões que tinha necessariamente que apreciar, designadamente o vício de lei mencionado na petição de recurso e b) ou, na melhor das hipóteses, não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificaram a decisão que adoptou;
4.a Sendo, pois, nulo o acórdão recorrido nos termos do artigo 571º, n.º 1, alíneas b) e d), Código de Processo Civil;
5.a Com efeito, o Tribunal Administrativo não especificou qualquer fundamento de facto e de direito justificativo da sua decisão, designadamente ao determinar pela improcedência dos referidos vícios apontados pela recorrente ao acto do Senhor Director dos Serviços de Turismo;
6.a Verifica-se assim a omissão de pronúncia, que a lei expressamente preceitua no artigo 571º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, aplicável aos presentes autos, como causa de nulidade do acórdão, na medida em que o Tribunal Administrativo não se pronunciou sobre questões concretamente postas pelo recorrente ao Tribunal recorrido, as quais teriam inevitavelmente que ter sido decididas;
7.a Se assim não for entendido, o que se admite sem conceder, será ainda nulo o acórdão recorrido por carência factual e legal de fundamentação por parte do Tribunal “a quo” verificando-se assim falta absoluta de motivação - cfr. artigo 571.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil;
8.a Com efeito, era absolutamente necessário que no despacho recorrido houvesse um suporte factual e material da decisão recorrida, que se tivesse alegado e provado factos e que esses factos fossem de facto e de direito subsumíveis nas normas aplicadas;
9.a Ora, não existem quaisquer factos elucidativos ou demonstrativos do elemento subjectivo das infracções que se pretendem imputar ao ora recorrente, que é apenas um dos sócios de uma sociedade comercial que se dedica à locação de bens imóveis;
10.a É assim manifesto o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto na decisão então recorrida.
11.a O douto Acórdão recorrido padece, assim, de vício de violação de lei, mais concretamente, por errada aplicação e interpretação da lei no que concerne aos estabelecimentos hoteleiros.
Termos em que deve.
a) o acto ora recorrido ser declarado nulo porque o Tribunal Administrativo não se pronunciou sobre questões concretamente postas pela ora recorrente, as quais teriam inevitavelmente que ter sido decididas, bem como, proferiu uma Sentença inquinada de carência factual e legal de fundamentação, na qual se verifica falta absoluta de motivação, ou
b) quando assim se não entenda, o que se admite sem conceder, o acto recorrido ser anulado, com fundamento em vício de violação de lei, mais concretamente, por errada aplicação e interpretação da lei no que concerne a estabelecimentos hoteleiroso e ao Decreto-Lei n.º 16/96/M, nomeadamente o artigo 30.º deste diploma legislativo.
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O Ex.mo Director dos Serviços de Turismo também apresentou recurso jurisdicional, em cujas alegações, formulou as conclusões seguintes:
1. Na sequência dos factos considerados provados o TA reconhece expressamente que a actividade desenvolvida pela ora Recorrida se inclui no âmbito do DL 16/96/M e que, para o exercício da mesma, seria necessário obter a autorização da entidade licenciadora (DST);
2. Pelo que, a matéria de facto, dada por assente, e os fundamentos invocados pelo juiz, deveriam logicamente conduzir ao resultado oposto do que veio a ser proferido na sentença;
3. Encontrando-se a Sentença viciada por oposição entre a fundamentação e a decisão devendo, consequentemente, ser declarada nula nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 571.º do CPC aplicável por força do art.º 1.º do Código do CPAC;
4. Ademais, o TA oficiosamente “reune” várias acções num único processo não se depreendendo da sentença qual fundamentação de direito para tal;
5. E, caso as acções tenham sido oficiosamente apensadas, nos termos do art.º 219.º do CPC, não foi a ora Recorrente previamente ouvida nos termos do n.º 4 do referido artigo;
6. Devendo sentença ser declarada nula, também, por falta de fundamentos de direito que justifiquem a decisão de “reunião” de várias acções num único processo, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 571.º do CPC aplicável por força do art.º 1.º do CPAC;
7. Ademais, a sentença encontra-se, igualmente viciada por erro na aplicação do Direito, pois, com base numa interpretação errónea do artigo 3.º do DL 16/96/M o Tribunal a quo errou na aplicação de direito;
8. Contrariamente à interpretação feita pelo TA, não resulta de tal artigo qualquer critério operativo de quantidade, em relação ao número de quartos ou fracções para que a actividade comercial de fornecimento de alojamento remunerado seja considerado “estabelecimento hoteleiro”;
9. A interpretação do artigo 3.º do dito diploma, feita na Sentença, não tem “na letra da lei um mínimo de correspondência verbal (...) ” (n. º 2 do artigo 8.º do Código Civil);
10. Admitir o critério operativo de quantidade avançado pelo juiz a quo, que é inexistente no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 16/96/M, significaria que a DST estaria a actuar sem fundamentação e base legal e estaria a violar o princípio do primado da lei previsto no CPA e Lei Básica da RAEM e o princípio da competência;
11. Por força do princípio da legalidade consagrado no artigo 3.º do Código de Procedimento Administrativo (“CPA”) e, igualmente, no artigo 65.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, a Administração só poderá agir no exercício das suas funções com fundamento na lei e dentro dos limites por ela impostos;
12. Ademais, tal critério quantitativo é completamente aleatório e conducente à violação do princípio da igualdade pois, significaria que a DST só poderia sancionar os estabelecimentos hoteleiros sem licença que operem em várias fracções simultaneamente e não numa única fracção autónoma;
13. Assim, atendendo à matéria factual dada como provada pelo tribunal a quo e, visto que, repõe na ordem jurídica as mesmas sanções que foram aplicadas pela DST, com a mesma base legal por esta invocada;
14. Deveria o recurso ter sido julgado improcedente, mantendo-se, dessa forma, o acto administrativo praticado pela DST.
Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis, que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência revogando-se a sentença recorrida, fazendo V. Exas., mais uma vez, JUSTIÇA!
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O digno Magistrado do MP, no seu parecer de fls. 224-228, opinou no sentido do provimento do recurso interposto pela entidade administrativa e pelo improvimento do recurso interposto pelo particular.
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Antes dos vistos dos adjuntos, o relator inicial do recurso proferiu o despacho de fls. 239, determinando que aos presentes autos de recurso nº 365/2010 fossem apensados os processos nºs 361/2010, 364/2010, 376/2010, 384/2010, 385/2010 e 386/2010.
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Cumpre decidir.
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II- Os factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
Em 6 de Agosto de 2006, os guardas do CPSP foram fazer rondas de inspecção na Rua de Pequim e na Rua de Cantão, descobrindo que:
1. O apartamento sito na Rua de Cantão, Edf. --, -- andar --, foi modificado em 6 suites, dos quais 3 foram alugados pelos inquilinos B, C e D com renda diária de MOP$130 a MOP$150 (fls. 7 a 8 dos anexos dos autos n.º 530/08-ADM).
2. O apartamento sito na Rua de Pequim, Edf. --, -- andar --, foi modificado em 4 suites, dos quais todos foram alugados pelos inquilinos E, F, G, H, I, J, K e L com renda diária de HKD$100 a HKD$150 (fls. 12 a 13 dos anexos dos autos n.º 529/08-ADM).
Em 14 de Agosto de 2006, os guardas do CPSP foram fazer rondas de inspecção na Rua de Pequim, Edf. ---, descobrindo que
1. O apartamento sito neste edifício, -- andar --, foi modificado em 6 quartos, dos quais 2 foram alugados pelos inquilinos M, N e O com renda diária de MOP$100 e HKD$110 (fls. 20 dos anexos dos autos n.º 518/08-ADM).
2. O apartamento sito neste edifício, -- andar --, foi modificado em 1 quarto não numerado e 5 quartos numerados, dos quais 1 foi alugado pelo inquilino P com renda diária de MOP$100 (fls. 18 dos anexos dos autos n.º 517/08-ADM).
3. O apartamento sito neste edifício, -- andar --, foi modificado em 6 suites, dos quais 3 foram alugados pelos inquilinos Q (張祖洪), R, S, T, U e V com renda diária de MOP$120 a MOP$135 (fls. 13 dos anexos dos autos n.º 516/08-ADM).
Em 15 de Setembro de 2006, os guardas do CPSP descobriram que o apartamento sito na Rua de Pequim, Edf. --, -- andar -- foi dividido por tijolos de cimento em 5 quartos equipados com televisão, mobiliários, ar condicional, cama e retrete. Na altura, os três inquilinos no apartamento W, X e Y declararam que tinham alugado os quartos respectivamente com renda mensal de MOP$3.900,00, MOP6.000,00 e MOP$3.500,00 (fls. 15 a 16 dos anexos dos autos n.º 513/08-ADM).
Em 24 de Janeiro de 2007, os guardas do CPSP foram fazer rondas de inspecção na Rua de Pequim, Edf. --, descobrindo que os apartamentos sitos neste edifício, -- andar --, --, -- e -- foram ligados e modificados, só tendo uma comporta como a entrada, e tendo os apartamentos divididos por betão e compensado em 27 quartos, 2 retretes públicas, 2 cozinhas públicas, 1 quarto de secadores e 1 grande lavandaria na plataforma, e 7 dos quartos foram alugados pelos inquilinos Z, AA, AB, AC, AD, AE e AF com renda diária de MOP$120 a MOP$130. Durante a operação, os guardas do CPSP descobriram que uma limpadora estava a trabalhar com uma bacia de lavar na mão. (fls. 27 a 28 dos anexos dos autos n.º 587/08-ADM, fls. 27 a 28 dos anexos dos autos n.º 588/08-ADM, fls. 27 a 28 dos anexos dos autos n.º 589/08-ADM e fls. 27 a 28 dos anexos dos autos n.º 590/08-ADM).
Sobre os assuntos acima referidos, a polícia elaborou respectivamente os autos de notícia n.º51/A/2006-po.225.48, n.º 55/A/2006-po.225.48, n.º 124/2006/0P/DPM e n.º 24/C3/2007, cujos teores aqui se dão por inteiramente reproduzidos.
O CPSP submeteram os autos de notícia e dados supracitados à Direcção dos Serviços de Turismo.
O instrutor da Direcção dos Serviços de Turismo apresentou respectivamente informações n.º 16/DI/2006 (fls. 16 a 20 dos anexos dos autos n.º 530/08-ADM, fls. 70 a 74 dos anexos dos autos n.º 516/08-ADM, fls. 30 a 34 dos anexos dos autos n.º 517/08-ADM, fls. 29 a 33 dos anexos dos autos n.º 529/08-ADM, fls. 26 a 30 dos anexos dos autos n.º 518/08-ADM), n.º 27/DI/2006 (fls. 30 a 32 dos anexos dos autos n.º 513/08-ADM) e n.º 4/DI/2007 (fls. 74 a 76 dos anexos dos autos n.º 587/08-ADM, fls. 74 a 76 dos anexos dos autos n.º 588/08-ADM, fls. 74 a 76 dos anexos dos autos n.º 589/08-ADM, fls. 74 a 76 dos anexos dos autos n.º 590/08-ADM), -- cujos teores aqui se dão por inteiramente reproduzidos -- promovendo que instaurasse procedimento administrativo contra o proprietário dos respectivos apartamentos e que notificasse através de édito.
O Director da Direcção dos Serviços de Turismo proferiu despachos respectivamente em 22 de Agosto de 2006 e em 9 de Fevereiro de 2007, concordando com as propostas constantes das informações n.º 16/DI/2006 e n.º 4/DI/2007.
Em 10 de Outubro de 2006, o Subdirector da Direcção dos Serviços de Turismo concordou com a proposta na informação n.º 27/DI/2006.
O Subdirector da Direcção dos Serviços de Turismo emitiu respectivamente em 28 de Agosto de 2006, em 10 de Outubro de 2006 e em 15 de Fevereiro de 2007 notificações n.º 105/2006 (fls. 83 dos anexos dos autos n.º 516/08-ADM, fls. 43 dos anexos dos autos n.º 517/08-ADM, fls. 47 dos anexos dos autos n.º 518/08-ADM, fls. 43 dos anexos dos autos n.º 529/08-ADM e fls. 31 dos anexos dos autos n.º 530/08-ADM), n.º 127/2006 (fls. 36 dos anexos dos autos n.º 513/08-ADM) e n.º 12/2007 (fls. 82 dos anexos dos autos n.º 587/08-ADM, fls. 82 dos anexos dos autos n.º 588/08-ADM, fls. 82 dos anexos dos autos n.º 589/08-ADM e fls. 82 dos anexos dos autos n.º 590/08-ADM), alegando que por não poder notificar pessoalmente, só notificou, através de édito, o proprietário dos apartamentos supracitados da respectiva decisão de instauração do procedimento administrativo.
Em 30 de Agosto, o Subdirector da Direcção dos Serviços de Turismo emitiu a notificação n.º 112/2006, notificando, através de édito, o proprietário dos seguintes apartamentos da respectiva decisão de instauração do procedimento administrativo, e que este pode apresentar audiência escrita até 10 dias a contar de 4 de Setembro de 2006:
- Edf. ---, --- andar ---: AG (fls. 112 dos anexos dos autos n.º 516/08-ADM)
- Edf. ---, --- andar ---: AH e AI (fls. 72 dos anexos dos autos n.º 517/08-ADM)
- Edf. --, -- andar --: AJ (fls. 83 dos anexos dos autos nº 518/08-ADM)
- Edf. --, -- andar --: AK e AL (fls. 64 dos anexos dos autos n.º 529/08-ADM)
- Edf. --, -- andar --: AM Limited (fls. 54 dos anexos dos autos n.º 530/08-ADM)
Em 27 de Abril de 2007, o Subdirector da Direcção dos Serviços de Turismo emitiu a notificação n.º 45/2007, notificando A da respectiva decisão de instauração do procedimento administrativo, e que este pode apresentar audiência escrita até 10 dias a contar da publicação da notificação.
Em 23 de Julho de 2007, o Subdirector da Direcção dos Serviços de Turismo emitiu a seguinte notificação, notificando os interessados para, querendo, apresentar audiência escrita até 10 dias a contar de 25 de Julho de 2007:
1. Notificação n.º 72.1/2007: proprietário do apartamento sito no Edf.--, -- andar --, AN (fls. 175 dos anexos dos autos n.º 587/08-ADM).
2. Notificação n.º 72.2/2007: proprietário do apartamento sito no Edf. --, -- andar --, AO (fls. 175 dos anexos dos autos n.º 588/08-ADM)
3. Notificação n.º 72.3/2007: proprietário do apartamento sito no Edf. --, -- andar --, AP (fls. 161 dos anexos dos autos n.º 589/08-ADM)
4. Notificação n.º 72.4/2007: proprietário do apartamento sito no Edf. --, -- andar --, AQ (fls. 175 dos anexos dos autos n.º 590/08-ADM).
Em 11 de Setembro de 2006, AK e AL alegaram que quando comprou o apartamento sito no Edf. --, -- andar -- em Julho de 2004, o apartamento já tinha sido arrendado por A (fls. 72 dos anexos dos autos n.º 529/08-ADM).
Em 12 de Setembro de 2006, AG alegou que tinha alugado o apartamento sito no Edf. --, -- andar -- a A) em 2005 (fls. 119 dos anexos dos autos n.º 516/08-ADM).
Em 31 de Julho de 2007, AN alegou que o respectivo processo ocorreu em Janeiro de 2007, e ele comprou o apartamento sito no Edf. --, -- andar -- em 24 de Abril de 2007, razão pela qual ele não tem nada a ver com o assunto em causa (fls. 188 dos anexos dos autos n.º 587/08-ADM).
Em 8 de Agosto de 2007, AO alegou que comprou o apartamento sito no Edf. --, -- andar -- em 26 de Abril de 2007, pelo que ele não tem nada a ver com o assunto em causa (fls. 187 dos anexos dos autos n.º 588/08-ADM).
A apresentou declaração à Direcção dos Serviços de Turismo, alegando que durante o respectivo período, os apartamentos sitos no Edf. --, 5º andar --, --, --, -- e no Edf. --, -- andar -- pertencem a ele. Mas os apartamentos sitos no Edf. --, -- andar --, no Edf. --, -- andar --, no Edf. --, -- andar --, Edf. --, -- andar -- e no Edf. --, -- andar -- foram arrendados por ele.
O instrutor da Direcção dos Serviços de Turismo apresentou informações n.º 30/DI/2007 (fls. 207 a 212 dos anexos dos autos n.º 516/08-ADM, fls. 163 a 168 dos anexos dos autos n.º 517/08-ADM, fls. 164 a 169 dos anexos dos autos n.º 518/08-ADM, fls. 167 a 172 dos anexos dos autos n.º 529/08-ADM e fls. 147 a 152 dos anexos dos autos n.º 530/08-ADM), n.º 396/DI/2008 (fls. 223 a 228 dos anexos dos autos n.º 587/08-ADM), n.º 397/DI/2008 (fls. 222 a 227 dos anexos dos autos n.º 588/08-ADM), n.º 398/DI/2008 (fls. 218 a 223 dos anexos dos autos n.º 589/08-ADM) e n.º 399/DI/2008 (fls. 217 a 222 dos anexos dos autos n.º 590/08-ADM) -- cujos teores aqui se dão por inteiramente reproduzidos -- promovendo que notificasse A para, querendo, apresentar audiência escrita até 10 dias a contar do recebimento da notificação.
O Director Substituto e o Subdirector da Direcção dos Serviços de Turismo proferiram respectivamente despachos de acordo nas informações supracitadas.
O recorrente prestou à Direcção dos Serviços de Turismo contestação (fls. 240 dos anexos dos autos n.º 516/08-ADM, fls. 195 dos anexos dos autos n.º 517/08-ADM, fls. 199 dos anexos dos autos n.º 518/08-ADM, fls. 199 dos anexos dos autos n.º 529/08-ADM, fls. 179 dos anexos dos autos n.º 530/08-ADM, fls. 242 dos anexos dos autos n.º 587/08-ADM, fls. 241 dos anexos dos autos n.º 588/08-ADM, fls. 237 dos anexos dos autos n.º 589/08-ADM, fls. 236 dos anexos dos autos n.º 590/08-ADM), cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, confessando que alugou os apartamentos em causa a outrem, mas entendendo que só estava a praticar actividades de arrendamento civil.
O instrutor da Direcção dos Serviços de Turismo apresentou as seguintes informações (cujos teores aqui se dão por inteiramente reproduzidos), promovendo que deduzisse acusação contra o recorrente, e este pode apresentar defesa por escrito até 5 dias úteis a contar do recebimento da notificação:
- Informação n.º 275/DI/2008 (fls. 238 a 241 dos anexos dos autos n.º 513/08-ADM)
- Informação n.º 305/DI/2008 (fls. 296 a 300 dos anexos dos autos n.º 516/08-ADM)
- Informação n.º 306/DI/2008 (fls. 248 a 252 dos anexos dos autos n.º 517/08-ADM)
- Informação n.º 304/DI/2008 (fls. 274 a 278 dos anexos dos autos n.º 518/08-ADM)
- Informação n.º 270/DI/2008 (fls. 246 a 249 dos anexos dos autos n.º 529/08-ADM)
- Informação n.º 269/DI/2008 (fls. 237 a 240 dos anexos dos autos n.º 530/08-ADM)
- Informação n.º 457/DI/2008 (fls. 244 a 248 dos anexos dos autos n.º 587/08-ADM)
- Informação n.º 458/DI/2008 (fls. 243 a 247 dos anexos dos autos n.º 588/08-ADM)
- Informação n.º 459/DI/2008 (fls. 239 a 243 dos anexos dos autos n.º 589/08-ADM)
- Informação n.º 460/DI/2008 (fls. 238 a 242 dos anexos dos autos n.º 590/08-ADM)
O Director da Direcção dos Serviços de Turismo proferiu despachos de acordo nas informações supracitadas.
O recorrente, ciente da decisão em causa, apresentou defesa por escrito, reiterando a sua posição original.
O instrutor da Direcção dos Serviços de Turismo apresentou as seguintes informações (cujos teores aqui se dão por inteiramente reproduzidos), promovendo que aplicasse ao recorrente a multa de MOP$60.000,00 por cada apartamento e o encerramento imediato dos estabelecimentos em causa:
- Informação n.º 379/DI/2008 (fls. 251 a 255 dos anexos dos autos n.º 513/08-ADM)
- Informação n.º 381/DI/2008 (fls. 311 a 316 dos anexos dos autos n.º 516/08-ADM)
- Informação n.º 382/DI/2008 (fls. 263 a 268 dos anexos dos autos n.º 517/08-ADM)
- Informação n.º 380/DI/2008 (fls. 289 a 294 dos anexos dos autos n.º 518/08-ADM)
- Informação n.º 357/DI/2008 (fls. 260 a 264 dos anexos dos autos n.º 529/08-ADM)
- Informação n.º 356/DI/2008 (fls. 252 a 256 dos anexos dos autos n.º 530/08-ADM)
- Informação n.º 500/DI/2008 (fls. 250 a 255 dos anexos dos autos n.º 587/08-ADM)
- Informação n.º 501/DI/2008 (fls. 249 a 254 dos anexos dos autos n.º 588/08-ADM)
- Informação n.º 502/DI/2008 (fls. 245 a 250 dos anexos dos autos n.º 589/08-ADM)
- Informação n.º 503/DI/2008 (fls. 244 a 249 dos anexos dos autos n.º 590/08-ADM)
Em 7 de Agosto de 2008 o Director Substituto da Direcção dos Serviços de Turismo proferiu despacho de acordo na informação n.º 379/DI/2008.
O Director da Direcção dos Serviços de Turismo proferiu respectivamente em 24 de Julho, 28 de Julho e 17 de Outubro de 2008 nas informações n.º 356/DI/2008, n.º 357/DI/2008, n.º 380/DI/2008, n.º 381/DI/2008, n.º 382/DI/2008, n.º 500/DI/2008, n.º 501/DI/2008, n.º 502/DI/2008, n.º 503/DII2008 e outros o seguinte despacho:
Concordo. Proceda-se em conformidade.
Em 1 de Setembro de 2008, da decisão feita pelo Director da Direcção dos Serviços de Turismo na informação n.º 380/DI/2008 em 28 de Julho do mesmo ano interpôs o recorrente o presente recurso contencioso para este Tribunal.
De acordo com os dados dos autos n.º 515/08-ADM, n.º 519/08-ADM, n.º 520/08-ADM, n.º 521/08-ADM, n.º 522/08-ADM, n.º 523/08-ADM, n.º 524/08-ADM, n.º 525/08-ADM, n.º 526/08-ADM, n.º 527/08-ADM, n.º 52S/08-ADM, n.º 531/08-ADM, n.º 553/08-ADM, n.º 554/08-ADM, n.º 555/08-ADM, n.º 557/08-ADM e dos seus anexos, os guardas do CPSP foram fazer rondas de inspecção nos seguintes apartamentos, descobrindo que:
1. O apartamento sito na Rua de Cantão, Edf. --, -- andar -- foi, modificado em 5 suites, dos quais 3 foram alugados pelos inquilinos AR, AS, AT e AU com renda diária de HKD$130 e MOP$ 90 a MOP$140 (fls. 8 a 9 dos anexos dos autos n.º 519/08-ADM).
2. O apartamento sito na Rua de Pequim, Edf. --, -- andar -- foi modificado em 3 suites, dos quais 1 foi alugado pelo inquilino AV com renda diária de HKD$120 (fls. 6 a 7 dos anexos dos autos n.º 520/08-ADM).
3. O apartamento sito na Rua de Pequim, Edf. --, -- andar -- foi modificado em 4 suites, dos quais 2 foram alugados pelos inquilinos AW e AX com renda diária de HKD$110 e HKD$150 (fls. 6 a 7 dos anexos dos autos n.º 521/08-ADM).
4. O apartamento sito na Rua de Pequim, Edf. --, -- andar -- foi modificado em 4 suites, dos quais 2 foram alugados pelos inquilinos AY, AZ, BA, BB e BC com renda diária de MOP$140 (fls. 12 a 13 dos anexos dos autos n.º 522/08-ADM).
5. O apartamento sito na Rua de Pequim, Edf. --, -- andar -- foi modificado em 4 suites, dos quais 3 foram alugados pelos inquilinos BD, BE, BF e BG com renda diária de MOP$120 a MOP$150 (fls. 8 a 9 dos anexos dos autos n.º 523/08-ADM).
6. O apartamento sito na Rua de Cantão, Edf. --, -- andar -- foi modificado em 6 quartos, dos quais 1 foi alugado pelo inquilino BH com renda diária de HKD$130 (fls. 4 a 5 dos anexos dos autos n.º 524/08-ADM).
7. O apartamento sito na Rua de Cantão, Edf. --, -- andar -- foi modificado em 5 suites, dos quais 2 foram alugados pelos inquilinos BI e BJ com renda diária de MOP$130 e MOP$150 (fls. 5 a 6 dos anexos dos autos n.º 525/08-ADM).
8. O apartamento sito na Rua de Cantão, Edf. --, -- andar -- foi modificado em 5 suites, dos quais 1 foi alugado pelos inquilinos BK e BL com renda diária de HKD$150 (fls. 11 a 12 dos anexos dos autos n.º 526/08-ADM).
9. O apartamento sito na Rua de Cantão, Edf. --, -- andar -- foi modificado em 4 suites, dos quais 1 foi alugado pelo inquilino BM com renda diária de MOP$130 (fls. 8 a 9 dos anexos dos autos n.º 527/08-ADM).
10. O apartamento sito na Rua de Pequim, Edf. --, -- andar -- foi modificado em 4 suites, dos quais 3 foram alugados pelos inquilinos BN, BO, BP, BQ e BR com renda diária de MOP$100, MOP$117 e MOP$120 (fls. 9 a 10 dos anexos dos autos n.º 528/08-ADM).
11. O apartamento sito na Rua de Cantão, Edf. --, -- andar -- foi modificado em 5 suites, dos quais 4 foram alugados pelos inquilinos BS, BT, BU, BV, BW, BX, BY, BZ, CA, CB e CC com renda diária de MOP$100 a MOP$150 (fls. 19 dos anexos dos autos n.º 515/08-ADM).
12. O apartamento sito na Rua de Pequim, Edf. --, -- andar -- foi modificado em 4 quartos equipados com televisão, mobiliários, ar condicional, frigorífico, cama e retrete. Na altura, os inquilinos CD e CE no apartamento declararam que tinham alugado os quartos do aludido apartamento com renda mensal de MOP$130, tendo pago a renda a título de caução de MOP$300 (fls. 18 a 19 dos anexos dos autos n.º 531/08-ADM).
13. O apartamento sito na Rua de Cantão, Edf. --, -- andar -- foi modificado em 6 quartos, alugados pelos inquilinos CF, CG, CH e CI com renda mensal respectivamente de MOP$3.000,00, MOP$3.900,00, MOP$3.240,00 e MOP$4.500,00 (fls. 20 a 21 dos anexos dos autos n.º 553/08-ADM).
14. O apartamento sito na Rua de Cantão, Edf. --, -- andar -- foi modificado em 6 quartos, alugados pelo inquilino CJ com renda mensal de MOP$3.900,00 (fls. 7 dos anexos dos autos .º 555/08-ADM).
15. O apartamento sito na Rua de Pequim, Edf.--, -- andar -- foi modificado em 6 quartos muito diferentes do antigo apartamento. E os quartos eram equipados com televisão, mobiliários, ar condicional, frigorífico, cama e retrete (fls. 8 dos anexos dos autos n.º 554/08-ADM).
16. O apartamento sito na Rua de Cantão, Edf.--, -- andar -- foi modificado em 5 suites, dos quais 1 foi alugado pelo inquilino CK com renda mensal de MOP$3.900,00 (fls. 211 dos anexos dos autos n.º 557/08-ADM).
A alega que durante o período supracitado, todos os apartamentos em causa foram locados por CL Joalharia e Propriedade.
CL Joalharia e Propriedade pertence a CM, Agência Comercial e Propriedades Limitada, da qual A e a sua cônjuge CN são accionistas. E o A também é membro da órgão de administração da CM, Agência Comercial e Propriedades Limitada, sendo o gerente do Conselho de Administração.
Das actividades acima referidas, a Direcção dos Serviços de Turismo também instaurou o mesmo procedimento de punição da infracção administrativa contra CM, Agência Comercial e Propriedades Limitada, proprietário de CL Joalharia e Propriedade, e fez a mesma decisão de punição.
Da aludida decisão de punição, a CM, Agência Comercial e Propriedades Limitada interpôs recurso contencioso para este Tribunal.
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III- O Direito
1- Do recurso da entidade administrativa
1.1- Da nulidade da sentença
Começa o Ex.mo Director dos Serviços de Turismo por expressar a opinião de que a sentença foi contraditória entre os fundamentos e a decisão que viria a tomar. Isto porque, tendo o tribunal admitido que o recorrente utilizou as fracções para o exercício de uma actividade para a qual não estava licenciada, acabou mesmo assim por anular o acto sancionatório impugnado, quando o que se esperava era que confirmasse o acto administrativo sindicado. E estaria, deste modo, cometida a nulidade a que se refere o art. 571º, nº1, al. c), do CPC.
Não acompanhamos o digno recorrente. Efectivamente, só aparentemente existe a apontada oposição.
Como se sabe, a nulidade em causa só se verifica quando o iter cognoscitivo do julgador aponta num dado sentido e acaba por decidir em sentido oposto ou diferente (Ac. STJ, de 23/11/2006, Proc. nº 06B4007).
Ora, o que a sentença afirmou (não interessa se bem, se mal, neste momento) foi que os factos provados não podiam caracterizar a quantidade de infracções que a entidade administrativa julgou verificadas. Assim, a sentença considerou que a actividade hoteleira nos 10 apartamentos utilizados para aquele fim não licenciado devia ser tomada como uma só infracção (continuada, cremos) e, consequentemente, aplicou a multa única de Mop$ 60.000,00.
Diferentemente, a entidade administrativa tinha entendido que a conduta apurada preenchia a prática de 10 infracções previstas no art. 30º do DL nº 16/96/M e por tal motivo aplicou a multa de Mop$ 60.000,00 por cada uma, além do encerramento imediato do estabelecimento.
Se isto é assim, não vemos qualquer oposição entre fundamentos e decisão. Ou seja, a anulação compreende-se pois para o julgador o direito havia sido mal aplicado pela entidade administrativa, padecendo o acto do vício de violação de lei. Foi, portanto, coerente e lógico o raciocínio do julgador. Neste sentido, também se compreende a punição diferente da estabelecida pela Administração, em virtude de o tribunal “a quo” se ter servido do mecanismo do art. 118º, nº2, do CPAC. O que fez, foi então um exercício de aplicação do direito em menor dimensão punitiva do que aquela que havia sido vertida no acto punitivo.
Nada, portanto, que se assemelhe a uma situação enquadrável no art. 571º, nº1, al. c), do CPC.
*
Também detectou na sentença a mesma entidade recorrente falta de fundamentação, por ausência de fundamentos de direito que justificariam a reunião de várias acções num só processo. E isto por o TA ter referido que os factos dados por provados eram o resultado desse processo e de outros que ao mesmo tempo corriam. E tal constituiria o vício previsto no art. 571º, nº1, al. b), do CPC.
Efectivamente, o M.mo juiz disse que os factos provados tinham sido apurados “com base nos dados constantes destes e outros autos e dos seus anexos”.
Trata-se de uma questão em tudo igual à tratada no Processo nº 362/2010 deste TSI em que foram intervenientes as mesmas partes e em cujo julgamento o aqui relator foi adjunto.
Por essa razão, limitar-nos-emos a remeter para a sua fundamentação, pois a ela aderimos integralmente.
“(…)há ainda uma outra questão que vem aflorada pela recorrente e não se deixará de conhecer desde já. Trata-se do facto de o Mmo Juiz na sentença por si prolatada se ter servido de matéria por si conhecida no âmbito de outros processos. Alegando que não se depreende da sentença qual a base legal que fundamente esta aparente "reunião" das supra referidas acções num único processo até porque, caso as acções tenham sido oficiosamente apensadas, nos termos do artigo 219.º do CPC, não foi a ora Recorrente previamente ouvida nos termos do n.º 4 do referido artigo, deverá também a sentença ser declarada nula, também por este fundamento, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 571.º do CPC aplicável por força do artigo 1.º do CPAC.
Desenha-se aqui uma irregularidade formal que não é facilmente contornável.
Na fixação da matéria de facto pertinente para decidir o recurso interposto da multa aplicada o Mmo Juiz do TA começou por afirmar que “De acordo com os dados dos presentes autos, e dos seus anexos, e de outros autos e seus anexos, o Tribunal considera provados os seguintes factos...”
Não está em causa a preocupação pela justiça material que em termos substantivos terá norteado o Mmo juiz em proceder a uma avaliação da matéria inserta nos diversos processos relativos a outras tantas infracções administrativas que a mesma transgressora terá cometido de forma a proceder a uma avaliação mais correcta e global de todo a situação, nomeadamente para efeitos do preenchimento da previsão normativa do n.º 1 e da alínea b) do n.º 2, conjugado com o n.º 3 todos do artigo 67.° do Decreto-Lei n.º 16/96/M de 1 de Abril.
O que significa tomar posição sobre uma questão controversa, qual seja o de saber em que se traduz a actividade hoteleira ilegal no quadro de um fenómeno que tem preocupado as autoridades e a população mais comumente conhecido como os casos das pensões ilegais.
E bastará atentar nas posições divergentes da Jurisprudência de Macau[1] para se chegar à conclusão do que seja um alojamento ilegal e em que medida esse fenómeno se aparta das figuras locatícias ou da mera hospedagem para já não falar na recente preocupação por intervenção legislativa nesse domínio.
Está assim justificada a preocupação que houve na sentença recorrida em proceder a uma análise global e conjunta de todas as situações em que foi autuada a mesma sociedade, ora recorrente.
Só que essa preocupação pragmática esbarra com um obstáculo de carácter formal que se traduz na delimitação do conhecimento de cada caso pela factualidade que constitui o objecto do processo só podendo o juiz conhecer de outros factos na situações previstas no artigo 567º e 5º do CPC e ainda 434ºdo CPP, para já não falarmos no disposto no artigo 360º do Código de Processo Penal se não colhermos daquelas normas os princípios gerais do direito e nos ativermos tão somente os princípios do processo penal, visto o regime aplicável às infracções administrativas – artigo 3º, n.º 3 do DL52/99/M de 4 de Outubro.
E mesmo nas situações do art. 434º do CPC se o juiz se serve de factos que conhece por causa do exercício das suas funções deve fazer juntar aos autos certidão.
Em todo o caso uma coisa é saber que noutros processos se alega determinada factualidade, outra a comprovação dessa factualidade, outra o exercício do contraditório sobre essa mesma factualidade.
Nem sequer a haver decisões proferidas nos processos aludidos tal podia constituir caso julgado quanto à qualificação jurídica dos actos praticados nas fracções da recorrente.
No caso, o Mmo Juiz baseou-se no seu conhecimento do invocado noutros casos para concluir que a actividade do recorrente naquelas fracções era uma actividade de hospedagem globalmente considerada em relação às 16 fracções e que tal actividade estava abrangida pelo DL n.º 16/96/M, de 1/4, razão por que julgou como julgou, anulando o acto impugnado face à condenação no processo n.º 553/08-ADM.
Trata-se do uso de matéria fáctica que extravasa o objecto do processo, não alegada pelas partes e com que o Mmo Juiz entendeu laborar na prolação da douta sentença.
Invocou assim uma série de factos discutidos noutras acções que correram no Tribunal Administrativo, sem que tenham sido cumpridas as regras do contraditório neste processo, sem que nem todas estivessem transitadas, sem que tenha ordenado a junção do documento que as suportava, conforme preceituado no art. 3º, n.º 3 e art. 434º, n.º 2 do CPC.
É um princípio fundamental o Direito Processual Civil o respeito pelo dispositivo e pelo contraditório, não podendo o juiz servir-se de factos não alegados pelas partes, - art. 567º do CPC - a não ser com as excepções previstas - art. 5º -, nomeadamente em relação aos factos notórios e de conhecimento oficioso do Tribunal, mas ainda aqui não podem eles servir para suprir uma falta de alegação sob pena de ne eat iudex ultra vel extra petitum.[2]
Ora, os factos de que o Mmo Juiz se serviu - vertidos na sentença - extravasaram o objecto do processo, deste processo em concreto.
Foram também tidos em consideração factos relatados nos processos no T.A. registados com os nº 513/08, 516/08, 517/08, 529/08, 530/08, 587/08, 588/08, 589/08 e 590/08; (cfr., fls. 83 a 89-v, 93 a 94 e 97).
Com efeito, o Mmº Juiz do T.A., ponderando também nos presentes autos factos provados no âmbito destes 9 referidos processos, sem ter ordenado a respectiva apensação, acabou por considerar que cometeu a então recorrente apenas uma infracção administrativa p. e p. pelo art. 67°, n.º 1, 2, b) e 3, do D.L. n° 16/96/M, (em vez de 10 das mesmas infracções, como considerado pela então recorrida (D.S.T)), proferindo decisão em conformidade nos ditos 9 processos: isto é, anulando o acto administrativo praticado e aí recorrido dado que a condenação da recorrente tinha sido feita nos presentes processos.
O mesmo terá sucedido no âmbito do processo no TA. registado com o n° 553/08 e que neste T.S.I. se encontra registado com o n° 379/2010, pois que neste foram também considerados os factos dos restantes processos não referenciados nos presentes autos.
(…) No caso presente, considerando que não se procedeu a um julgamento sobre o objecto do processo, a matéria que o extravasou foi inquinar toda a fundamentação, o que determinará a nulidade da sentença, vista a natureza contravencional em questão, implicando a realização de um novo julgamento a realizar no TA e regularizada a questão relativa à apensação não formalizada”.
Portanto, a sentença serviu-se de factos constantes de outros processos autónomos, que não estavam apensados. E por isso, não podiam ser levados em consideração para fundamentar a decisão tomada na 1ª instância, não a salvando da irregularidade a circunstância de posteriormente neste TSI ter sido ordenada a apensação. A verdade é que a sentença recorrida tomou por bons factos que tinham constituído a base de decisões que estavam submetidas a recursos jurisdicionais independentes.
Ora, não pode o julgador apreciar num processo o objecto da causa, integrando nela os factos que fazem parte de outros processos autónomos (ainda que com as mesmas partes e arrancando de situação material semelhante), sem que esses processos tenham sido apensados, porque a tanto o impedem os arts. 5º, nº2, 1ª parte, e 567º do CPC.
Assim, englobar na mesma sentença todas as infracções, como um todo, e fazer nela o estudo jurídico do conjunto, fez com que cada uma delas perdesse autonomia. E com essa atitude, a 1ª instância não conheceu, pode dizer-se, do verdadeiro objecto do processo e conheceu de coisa nova e diferente, em eventual prejuízo para o exame e decisão da causa.
Por outro lado, também não pode este TSI conhecer no presente recurso da matéria de facto e de direito respeitante aos processos apensados, na medida em que a respectiva matéria de facto e de direito não faz parte do objecto do recurso jurisdicional (cfr. art. 589º, nº4, do CPA). E se outra razão não houvesse, impedir-nos-ia de realizar a apreciação do recurso o princípio do duplo grau de jurisdição, que desse modo se teria por violado.
Impõe-se, assim, que o tribunal recorrido reafirme a apensação efectuada já nesta instância e, sendo esse o caso, faça novo julgamento sobre toda a matéria envolvida em todos os processos.
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IV- Decidindo
Face ao exposto, e em prejuízo do conhecimento do recurso interposto pelo recorrente A, acordam em anular a sentença e determinar a remessa dos autos à 1ª instância nos termos e para os efeitos atrás aludidos.
Sem custas.
TSI, 07 / 12 / 2011
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José Cândido de Pinho
(Relator)
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Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
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Vitor Manuel Carvalho Coelho
(Magistrado do M.oP.o) (Presente)
[1] - Proc 672/2007,de 10/7/08, 886/2009, de 11/2/2010, 897/2009, 620/07, de 10/7/08, 800/09, 750/09,966/09, de 11/Fev
[2] - A. Varela, Manual de CPC, 2ª ed.., 674
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