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Processo nº 699/2011 Data: 01.12.2011
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “tráfico de estupefacientes”, “detenção para consumo” e “detenção de utensilagem”.
Erro notório na apreciação da prova.
Pena.


SUMÁRIO

1. O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.

É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.


O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo
Processo nº 699/2011
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Sob acusação pública e em audiência colectiva responderam no T.J.B.:

(1a) A (A),
(2°) B (B),
(3°) C (C), e,
(4a) D (D), todos com os sinais dos autos.

Realizado o julgamento, decidiu o Colectivo, absolver a (4a) arguida D e condenar os restantes (1a, 2° e 3°) arguidos da forma seguinte:

- A, como autora de 1 crime de “tráfico de estupefacientes” p. e p. pelos art°s 8°, n.° 1 e 18° da Lei n.° 17/2009, na pena (especialmente atenuada) de 4 anos e 6 meses de prisão;
- B, como autor e em concurso real de, 1 crime de “tráfico de estupefaciente”, 1 crime de “detenção para consumo” e 1 outro de “detenção de utensilagem”, p. e p. pelos art°s 8°, n.° 1, 14° e 15° da Lei n.° 17/2009, nas penas parcelares de 7 anos e 4 meses de prisão para o crime de “tráfico” e de 45 dias de prisão para cada 1 dos restantes, fixando-se-lhe a pena única de 7 anos e 6 meses de prisão;
- C, como autor e em concurso real de, 1 crime de “tráfico de estupefacientes” e 1 outro de “detenção para consumo”, nas penas parcelares de 6 anos e 8 meses de prisão e 45 dias de prisão, e, em cúmulo, na pena única de 6 anos e 9 meses de prisão; (cfr., fls. 393 a 395 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformados, os (1ª, 2° e 3°) arguidos A, B e C recorreram.

A arguida A, entende que devia merecer uma atenuação mais acentuada no que diz respeito à pena pelo crime de “tráfico”, pedindo que lhe seja aplicada uma pena não superior a 2 anos, rogando também a suspensão da sua execução; (cfr., fls. 408 a 416-v).

O arguido B afirmando que padece o Acórdão recorrido de “erro notório na apreciação da prova” e consequente “erro na qualificação jurídica”, considerando também que excessiva era a pena que lhe foi imposta, e que devia beneficiar de uma atenuação especial; (cfr., fls. 418 a 424-v).

E o arguido C, considerando também que excessivas eram as penas que lhe foram aplicadas; (cfr., fls. 426 a 432).

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Respondendo, é o Exmo. Magistrado do Ministério Público de opinião que a decisão recorrida não merece nenhuma censura, devendo ser objecto de confirmação; (cfr., fls. 437 a 448-v).

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Admitido o recurso, e remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista emitiu o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer, pugnando também pela improcedência dos recursos.

Tem o dito Parecer o teor seguinte:

“Encontram-se, nos autos, três recursos (cfr. fls. 408 a 417, 418 a 425 e 426 a 433 dos autos), interpostos respectivamente por A, B e C.
Antes de mais, subscrevemos as criteriosas explanações da nossa Exma. colega nas Respostas (cfr. fls. 437 a 448 verso dos autos), e nada temos, de relevante, a acrescentar-lhes.
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I- Quanto ao recurso da A
Na sua Motivação (cfr. fls.408 a 417 dos autos), a recorrente só criticou a justeza da pena imposta pelo Acórdão recorrido - de 4 anos e 6 meses de prisão efectiva, imputando-lhe a severidade em demasia, e solicitando a substituição desse Acórdão pela condenação da mesma na pena de 2 anos de prisão, com ou sem suspensão da execução.
Ora, o próprio Acórdão recorrido demonstra que ao graduar a pena concreta, o Tribunal a quo tinha plena consciência de que a recorrente A estava com circunstância de atenuação especial prevista no art. 18.° da Lei n.° 17/2009.
Nesse douto Acórdão, o Tribunal a quo refere expressa e propositadamente que a arguida A confessou francamente os factos acusados (第一嫌犯A在審判聽證中作出聲明, 坦白承認實施了被控告的重要事實), é primária.
Tudo isto apresenta que o Tribunal a quo atendeu e valorizou cuidadosamente todas as circunstâncias em benefício à recorrente A, designadamente aquela de atenuação especial prevista no art. l8.° da Lei n.° 17/2009.
De outro lado, não se deve esquecer da gravidade do facto ilícito traduzida na elevada quantidade dos estupefacientes encontrados na posse de recorrente A (peso líquido em 21.232 gramas), e da intensidade da culpa - dolo directo. E, vale ter presente que conforme o Relatório Social (doe. de fls.308 a 312 dos autos), a recorrente reconheceu começar a consumir estupefacientes desde 21 anos de idade - com a história de 3 anos.
De acordo com a regra de experiência, é previsível a dificuldade da recorrente abandonar este vício, pelo que é igualmente previsível que se verifica in casu a reforçada exigência da prevenção especial. O que justifica a pena aplicada à recorrente.
Nestes termos, entendemos que não têm cabimento o pedido recursal de reduzir a pena aplicada (de 4 anos e 6 meses de prisão efectiva) à de 2 anos de prisão, com a suspensão da execução por período de 3 anos, e o pedido subsidiário.
II- Sobre o recurso do B
Na sua Motivação (fls. 418 a 425 dos autos), O recorrente B assacou três vícios ao douto Acórdão em causa, quais são: 1°- erro de facto, em virtude de as provas apontarem ao erro da convicção de que B vendia a outrem a maior parte dos estupefacientes na sua posse, e consumia a restante parte; 2°- erro de subsunção, visto a conduta do arguido B entrar na previsão do art.14 ° da Lei n.°17/2009, não na do art.8° da mesma Lei; 3°- erro de direito, dado não se atribuir efeito de atenuação especial à prova por si fornecida, sendo a qual embora decisiva para a captura de outros traficantes.
Importa realçar que o recorrente B dispunha da exclusiva disposição e era o único dono de todos os estupefacientes referenciados no Acórdão em crise, incluindo os trazidos pela recorrente A e os na posse de outro recorrente C.
Ora, ponderada à luz da regra de experiência, a elevada quantidade de tais estupefacientes excede, em larga medida, à quantidade normal do consumo pessoal de tóxicodependente, e constata que o recorrente B era não só mero consumidor, mas também traficante.
Nestes termos, é incontroverso que não padece de erro de facto a convicção do Tribunal a quo de que B vendia a outrem uma parte dos estupefacientes na sua posse. Daqui resulta logicamente que a conduta dele entra na previsão do art.8° da Lei n.°17/2009, pelo que não se verifica erro de subsunção.
Em fls. 17 e 18 do Acórdão recorrido, o Tribunal a quo frisa:
第17/2009號法律第18條規定,行為人......。然而,該法條規定並非自動|適用而給予嫌犯特別減輕處罰或豁免處罰,適用此條規定,必須以嫌犯的行為足以減輕嫌犯過錯之事實為前提。
第二嫌犯雖然配合警方工作,但是,該嫌犯認罪態度不佳,具同類犯罪前科,綜合第二嫌犯整體人格及表現,本合議庭認為,第二嫌犯的行為並不足以減輕其過錯,不符合第17/2009號法律第18條所規定之特別減輕處罰情節。
À essa posição do Tribunal a quo, o recorrente imputou o vício de erro de direito. Será assim?
Bem, é ponto pacífico e assente que a atenuação especial da pena é de aplicação excepcional, ou, só pode ter lugar em casos “excepcionais” ou “extraordinários”, ou seja, quando a conduta em causa se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo. (vide. Acórdão do TUI no Processo n.° 20/2004, e Acórdão do TSI no Processo n.° 355/2011).
Pois, a acentuada diminuição da culpa ou das exigências da prevenção especial constitui o pressuposto material de atenuação especial da pena (cfr. Acs. do TUI nos Procs. n.°13/2000, n.°15/2002, n.°1/2007, n.°56/2008 e n.°52/2010). Daí que não é uma qualquer das circunstâncias previstas no n.°2 do art.66.° do Código Penal ou semelhantes logo capaz de accionar o regime de atenuação especial da pena, antes tem de apreciar todo o quadro da actuação do agente para ponderar a atenuação especial e encontrar a medida concreta da pena. (vide. Acórdão do TUI no Processo n.° 20/2004).
E, para poder beneficiar da atenuação especial da pena prevista no art.66.° do Código Penal, é necessário que se verifica uma situação de diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena, em resultado da existência de circunstâncias com essa virtualidade. (vide. Acórdão do TUI no Processo n.° 20/2004).
A colaboração com autoridades, para além de sobre estes factores poderem variar o seu valor, não constituem sempre condições suficientes para atenuar especialmente a pena nos termos do art.66.° do Código Penal. (vide. Acórdão do TUI no Processo n.° 20/2004).
Mais concretamente, a atenuação especial ou isenção da pena a que se refere o art.18° n.°2 do D.L. n.° 5/91/M pode aplicar-se àquele que permita a identificação ou captura de simples indivíduos (um ou mais) que, pela sua particular danosidade social - designadamente, por aliciarem menores, pela dimensão do tráfico, pela duração da actividade criminosa, pelos meios utilizados, pela sua sofisticação - justifique a concessão do benefício ao delator. (cfr. Acs. do TUI nos Procs. n.° 21/2003 e n.° 22/2003).
Em sintonia com tais judiciosas jurisprudência, e tendo em conta a personalidade e comportamentos do recorrente que aproveitara outrem como instrumento, entendemos que o douta Acórdão recorrido nesta parte representa a ponderação equilibrada, não fere do invocado erro de direito nem merece reparo.
Concluindo, opinamos a improcedência do recurso do B na sua totalidade.
III- Do recurso do C
Na Motivação (fls.426 a 433 dos autos), O recorrente C arguiu a falta de fundamentação (conclusão 5ª) e a violação de lei - n.° l e n.° 2, alíneas a) e b) do art.66.° do CPM, opinando que severa em demasia, a pena aplicada de 6 anos e 8 meses de prisão efectiva deveria ser substituída pela de 4 anos de prisão efectiva, em virtude de tipo de droga em causa (ketamina), o peso da droga, a sua primo delinquência, confissão, juventude e o seu grau académico.
A invocada falta de fundamentação é manifestamente infundada, visto que nas suas fls.18 a 19, o Acórdão recorrido explicou, de forma clara, suficiente e coerente, a razão da opção pela pena de prisão, e da graduação da pena aplica.
A nosso ponto de vista, certo e óbvio é que nenhuma das circunstância alegadas pelo recorrente possui a virtude de atenuação especial, e pelo contrário, a elevada quantidade das drogas em causa, a intensidade da culpa do recorrente e a necessidade da prevenção mostram que a pena aplicada é justa, adequada e equilibrada.
***
Por todo exposto, somos do parecer de que se deverá negar provimento aos três recursos”; (cfr., fls. 473 a 471-v).

*

Nada obstando, cumpre apreciar e decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados os seguintes factos:

“Em 30 de Novembro de 2010, às 23h40, no Posto Alfandegário das Portas do Cerco, o pessoal alfandegário interceptou a arguida A e levou-a para a sala do controlo para a realização de exame corporal.
Na sala de controlo, o pessoal alfandegário encontrou, no penso higiénico dentro da cueca da arguida A, um saco de plástico transparente que continha substância cristal de cor branca (vd. o auto de apreensão a fls. 8 dos autos).
Submetida a exame, a substância cristal acima referida continha um produto que se chama KETAMINA indicada na tabela II-C da Lei n.º 17/2009, com peso líquido de 25,814g (82,25 por cento de KETAMINA, com peso líquido de 21,232g).
A droga acima referida foi adquirida pelos arguidos A e C, que se deslocaram ao centro comercial subterraneo de Gongbei em 30 de Novembro de 2010, pelas 21h00, a pedido do arguido B, para comprá-la a um homem do interior da China conhecido por “SIN KU”.
Adquirida a droga, o arguido C requereu que a arguida A, acompanhado dele, as contrabandeasse para Macau.
Os dois arguidos deslocaram-se ao interior da China para adquirir a droga supra referida, com o fim de entregá-la ao arguido B.
O arguido B determinou os arguidos A e C a dirigir-se ao interior da China à compra de droga, visando oferecer ou vender a maior parte da qual a outrem, e ao consumo pessoal duma pequena parte da mesma.
Em 1 de Dezembro de 2010, cerca das 13h15, segundo a informação prestada pela arguida A, o pessoal da PJ deslocou-se à fracção sita no ......de Macau (Torre XIII), ...º Andar … onde residem os arguidos B, C e D para realizar uma busca, e interceptaram o arguido C à porta da fracção.
Os agentes da PJ encontraram, no bolso esquerdo do casaco do arguido C, uma pílula de cor de laranja ligeira; e no bolso esquerdo da calça dele dois sacos de plástico transparente que continha pó branco (vd. o auto de apreensão a fls. 53 dos autos).
Submetida a exame, a pílula de cor de laranja ligeira referida continha um produto que se chama Nimetazepam indicada na tabela IV da Lei n.º 17/2009, com peso líquido de 0,183g; os dois sacos de pó branco continha um produto que se chama KETAMINA indicada na tabela II-C da Lei n.º 17/2009, com peso líquido de 2,713g (69,86 por cento de KETAMINA, com peso líquido de 1,895g).
A pílula de cor de laranja ligeira referida foi adquirida pelo arguido C em 30 de Novembro de 2010, à meia noite, no Disco XXX, a um homem conhecido por “A Yin”, e os dois sacos de pó branco que continham KETAMINA foram dados ao arguido C pelo arguido B na manhã de 1 de Dezembro de 2010.
O arguido C adquiriu e deteve as drogas acima referidas para seu consumo pessoal.
Em 1 de Dezembro de 2010, pelas 13h30, os agentes da PJ levaram o arguido C para entrar na fracção acima referida para realizar uma busca, altura em que os arguidos B e D se encontravam num dos quartos da fracção.
Os agentes da PJ encontraram no bolso esquerdo da calça do arguido B 5 pílulas de cor de laranja ligeira (vd. o auto de apreensão a fls. 61 dos autos).
Submetida a exame, as 5 pílulas de cor de laranja ligeira auferidas continham um produto que se chama Nimetazepam indicada na tabela IV da Lei n.º 17/2009, com peso líquido de 0,936g.
A seguir, os agentes da PJ encontraram, na gaveta do armário para televisão no quarto onde foram encontrados os arguidos B e D, 10 sacos de plástico transparente que continham pó branco; no sofá do quarto 3 pacotes de pó branco (um embrulhado com uma nota de 20 patacas, um embrulhado com um papel branco e o outro contido num saco de plástico transparente); na mesa de chá do quarto dois pacotes de pó branco (um embrulhado com uma nota de HKD$20 e o outro contido num saco de plástico transparente); na caixa de cor de rosa em cima do leitor de CD um saco com planta, um tubo de vidro e um rolo de mortalhas para cigarros de cor azul; no terraço do quarto, um saco de plástico transparente com substância cristal de cor branca, uma palhinha de cor verde, uma garrafa de vidro que continha líquido de cor castanha, com duas palhinhas azuis (uma duas quais inserida num pequeno recipiente de vidro); no terraço do quarto, várias palhinhas, uma tesoura e dois isqueiros (vd. o auto de apreensão a fls. 63 a 64 dos autos).
Submetida a exame, os 10 sacos de plástico transparente com pó branco continham um produto que se chama KETAMINA indicada na tabela II-C da Lei n.º 17/2009, com peso líquido de 11,993g (71,8 por cento de KETAMINA, com peso líquido de 8,612g); o pacote de pó branco embrulhado com uma nota de HKD$20 continha um produto que se chama KETAMINA indicada na tabela II-C da Lei n.º 17/2009, com peso líquido de 0,095g (66,96 por cento de KETAMINA, com peso líquido de 0,064g); o pacote de pó branco embrulhado num papel branco continha um produto que se chama KETAMINA indicada na tabela II-C da Lei n.º 17/2009, com peso líquido de 0,251g (66,04 por cento de KETAMINA, com peso líquido de 0,166g); o pacote de pó branco embrulhado num saco de plástico transparente continha um produto que se chama KETAMINA indicada na tabela II-C da Lei n.º 17/2009, com peso líquido de 0,401g (65,92 por cento de KETAMINA, com peso líquido de 0,264g); o pacote do pó branco embrulhado numa nota de HKD$20 continha um produto que se chama KETAMINA indicada na tabela II-C da Lei n.º 17/2009, com peso líquido de 0,004g; o pacote de pó branco embrulhado num saco de plástico transparente continha um produto que se chama KETAMINA indicada na tabela II-C da Lei n.º 17/2009, com peso líquido de 1,018g (66,56 por cento de KETAMINA, com peso líquido de 0,678g); o pacote da planta acima referido continha marijuana indicada na tabela I-C da Lei n.º 17/2009, com peso líquido de 0,205g; o pacote de substância cristal de cor branca continha um produto que se chama Metanfetamina indicada na tabela II-B da Lei n.º 17/2009, com peso líquido de 0,397g (80,30 por cento de Metanfetamina, com peso líquido de 0,319g); a palhinha de cor verde acima referida continha vestígio de Metanfetamina indicada na tabela II-B da Lei n.º 17/2009; a garrafa de vidro que continha líquido de cor castanha, com duas palhinhas azuis (uma duas quais inserida num pequeno recipiente de vidro) continha vestígios de Metanfetamina indicada na tabela II-B da Lei n.º 17/2009, com volume total de 160ml.
Todas as drogas encontradas pelos agentes da PJ na posse do arguido B e no quarto foram adquiridas por este à meia-noite do dia 1 de Dezembro de 2010 a um homem conhecido por “I CHAI”, visando oferecer ou vender a maior parte da qual a outrem, e ao consumo pessoal duma pequena parte da mesma.
As palhinhas, garrafa e recipiente de vidro acima referidos são os utensílios possuídos pelo 2º arguido B para o consumo de drogas.
Os arguidos A, B e C agiram de forma livre, voluntaria e consciente ao praticarem as condutas supra referidas.
Os mesmos bem sabiam a natureza das drogas.
A conduta dos mesmos não foi autorizada por nenhuma lei.
Os mesmos bem sabiam que tal conduta é proibia e punida por lei.
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Também se provou:
Segundo o registo criminal, a 1ª arguida A e o 3º arguido C não têm antecedentes criminais.
O 2º arguido B tem os seguintes antecedentes crminiais:
 No processo comum n.º PSM-109-02-4, foi condenado em 23 de Outubro de 2002, pela prática em 23 de Outubro de 2002, dum crime de consumo de drogas, na pena de multa de MOP$1.500,00, multa essa convertível em 20 dias de prisão e já paga pelo arguido; e
 No processo comum singular n.º CR4-06-0152-PCS (número original CR2-06-0442PCS), foi condenado em 18 de Setembro de 2007, pela prática em 17 de Janeiro de 2006, dum crime de empréstimos ilícitos, na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, e na pena de inibição de entrada nos casinos de Macau pelo período de 2 anos. Em 26 de Janeiro de 2010 o despacho do tribunal declarou extintas as penas.
(…)
Segundo a 1ª arguida, ela entregue-se à indústria cosmética, recebe mensalmente um rendimento de MOP$20.000,00, não tem encargos familiares, e tem como habilitações literárias o 2º ano do ensino secundário-geral.
Segundo o 2º arguido, ele é bate-fichas, recebe mensalmente um rendimento de MOP$13.400,00, não tem encargos familiares, e tem como habilitações literárias o 5º ano do ensino secundário.
Segundo o 3º arguido, ele é bate-fichas, recebe mensalmente rendimento de MOP$10.000,00, tem a seu cargo o pai, e tem como habilitações literárias o 1º ano do ensino secundário-geral.
(…)”; (cfr., fls. 386-v a 390).

Do direito

3. Três são os recursos trazidos a este T.S.I..

–– Comecemos pelo primeiro, da arguida A.

Diz a recorrente que excessiva é a pena (já especialmente atenuada) de 4 anos e 6 meses de prisão que lhe foi aplicada pelo crime de “tráfico de estupefacientes”, pedindo uma mais acentuada atenuação.

Pretende uma pena não superior a 2 anos de prisão suspensa na sua execução.

Dúvidas não havendo que a conduta da ora recorrente dada como provada integra o crime de “tráfico de estupefacientes”, vejamos.

Ao crime em questão cabe a pena de 3 a 15 anos de prisão; (cfr., art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009).

Tendo o Tribunal a quo entendido que devia a recorrente beneficiar de uma atenuação especial da pena nos termos do art. 18° da mencionada Lei n.° 17/2009, fixou-lhe a pena ora em questão de 4 anos e 6 meses de prisão.

Pois bem, atento o estatuído no art. 67° do C.P.M. que determina os “termos da atenuação especial”, confrontamo-nos com uma moldura penal de 6 meses a 10 anos de prisão.

Será tal pena de 4 anos e 6 meses de prisão achada dentro desta moldura (de 6 meses a 10 anos) excessiva?

Quer-nos parecer que sim.

De facto, atenta a factualidade dada como provada, em especial, a quantidade de estupefaciente em causa no crime pela recorrente cometido – 21.232g de Ketamina – e tendo-se decidido que devia a mesma beneficiar de atenuação especial, afigura-se-nos mais adequada uma pena de 3 anos e 9 meses de prisão, que, atento o estatuído no art. 48° do C.P.M., não é passível de suspensão a sua execução.

Assim, procede parcialmente o recurso.

–– Vejamos agora o recurso do arguido B.

Como se deixou relatado, é este recorrente de opinião que padece o Acórdão recorrido de “erro notório na apreciação da prova” e consequente “erro na qualificação jurídica”, considerando também que excessiva era a pena que lhe foi imposta e que devia beneficiar de uma atenuação especial.

Da reflexão que sobre as questões nos foi possível efectuar, cremos que não tem o recorrente razão.

Vejamos.

Quanto ao “erro notório”, o mesmo relaciona-se com o seguinte facto dado como provado: “o arguido B determinou os arguidos A e C a dirigir-se ao interior da China à compra de droga, visando oferecer ou vender a maior parte da qual a outrem, e ao consumo pessoal duma pequena parte da mesma”.

E, em suma, afirma que se incorreu no dito vício invocando teor de declarações prestadas em audiência.

Ora, sobre a maleita em questão, repetidamente tem este T.S.I. afirmado que:

“O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”

De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 26.05.2011, Proc. n.° 268/2011 do ora relator).

E, nesta conformidade, não se vislumbrando como, onde ou em que termos tenha o Colectivo a quo violado normas sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou legis artis, constatando-se que mais não faz o recorrente que tentar impor a sua versão dos factos, mais não é preciso dizer sobre a questão, pois que limita-se o recorrente a afrontar o princípio da livre apreciação da prova ínsito no art. 114° do C.P.P.M., o que, como é óbvio, não colhe.

Assim, verificando-se que inexiste o assacado “erro”, há que dizer que adequada é também a qualificação jurídico penal operada pelo Colectivo a quo, pois que na matéria de facto provada constam todos os elementos objectivos e subjectivos dos crimes pelos quais foi condenado, ociosas sendo outras considerações sobre a questão.

Quanto às penas, vejamos.

Atenta a referida factualidade provada e atrás retratada, começa-se por dizer que motivos não há para se proceder a uma atenuação especial.

De facto, nos termos do art. 18° da Lei n.° 17/2009: “no caso de prática dos factos descritos nos artigos 7.º a 9.º, se o agente abandonar voluntariamente a sua actividade, afastar ou fizer diminuir consideravelmente o perigo por ela causado ou se esforçar seriamente por consegui-lo, auxiliar concretamente na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura de outros responsáveis, especialmente no caso de grupos, de organizações ou de associações, pode a pena ser-lhe especialmente atenuada ou haver lugar à dispensa de pena”.

Não se podendo subsumir a factualidade que ao recorrente diz respeito no aludido normativo, pois que não desenvolveu nenhuma das condutas aí descritas, resta ver se nos termos do art. 66° do C.P.M., (que também prevê a peticionada atenuação especial), se podia proceder à mesma.

Ora, em relação a este preceito, tem este T.S.I. afirmado que “a atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo”, (cfr., v.g., o recente Ac. deste T.S.I. de 14.04.2011, Proc. n°130/2011 e de 30.06.2011, Proc. n° 383/2011).

Não sendo o caso, à vista está a solução.

Mas serão as penas excessivas, viável sendo uma redução?

Também aqui nos parece que de sentido negativo deve ser a resposta.

De facto, atentas as molduras legais para os crimes em questão – 3 a 15 anos de prisão para o crime de “tráfico” e prisão até 3 meses ou multa até 60 dias para os crimes de “consumo” e “detenção de utensilagem” – ponderando-se no consagrado nos art.°s 40° e 65° do C.P.M., quanto aos “fins das penas” e “critérios para a determinação da pena”, tendo presente o dolo intenso e directo do ora recorrente, nos seus antecedentes criminais, e nas necessidades de prevenção criminal, censura não merecem pois as penas parcelares fixadas, o mesmo sucedendo com a pena única fixada em resultado do cúmulo jurídico efectuado, pois que, igualmente, em total sintonia com os critérios legais do art. 71° do C.P.M..

Nesta conformidade, improcede o recurso.

–– Por fim, debrucemo-nos sobre as questões suscitadas no recurso do arguido C.

Não discutindo o ora recorrente a qualificação jurídica pelo Tribunal a quo operada, afirma que excessivas são as penas que lhe foram aplicadas.

Vejamos.

Como se deixou relatado, foi o recorrente condenado como autor e em concurso real de, 1 crime de “tráfico de estupefacientes” e 1 outro de “detenção para consumo”, nas penas parcelares de 6 anos e 8 meses de prisão e 45 dias de prisão, e, em cúmulo, na pena única de 6 anos e 9 meses de prisão.

Ao crime de “tráfico”, e como vimos, cabe a pena de 3 a 15 anos de prisão, e ao de “consumo”, a de prisão até 3 meses ou multa até 60 dias.

Serão assim tais penas excessivas?

Ora, dando-se aqui como reproduzido o que se fez constar em relação a esta parte do recurso do arguido B, cabe dizer que não se consideram excessivas as penas parcelares e única impostas, sendo assim de se julgar, também, improcedente o presente recurso.

Decisão

4. Nos termos que se deixam expostos, acordam julgar parcialmente procedente o recurso da arguida A, e improcedentes os recursos dos arguidos B e C.

Pagará a arguida A a taxa de 3 UCs, e os arguidos B e C, a de 7 e 5 UCs respectivamente.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1,500.00.

Macau, aos 01 de Dezembro de 2011

(Relator)
José Maria Dias Azedo [Nos termos da minha declaração de voto anexa ao Acórdão de 31.03.2011, Processo n.° 81/2011, consignando também que admitia uma mais acentuada atenuação da pena aplicada à arguida A].

(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa
  
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng (vencido, por entender que não deve ser reduzida a pena da arguida A).








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