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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
O Ex.mo Juiz do Tribunal de Segunda Instância, Dr. A, veio pedir escusa de intervir no recurso penal n.º XXX/XXXX, em que é arguido B, pendente naquele Tribunal e onde interviria como juiz-adjunto, com os seguintes fundamentos:
“O signatário conheceu o acima identificado recorrente em Macau já no ano de 1971, altura em que começou a frequentar o jardim infantil na mesma turma;
Eram colegas de turma ininterruptamente quer na escola primária, quer na secundária; e
Tornaram-se amigos desde infância e têm vindo a manter um com o outro relações de amizade extremamente boas, que se traduzem em convívios, encontros e jantares mais ou menos frequentes ao longo de mais de vintes anos após a conclusão do ensino secundário;
Face a este estado de situações, entende o signatário que a sua intervenção no julgamento do recurso em causa pode razoavelmente gerar, aos olhos do público em geral e aos da assistente em especial, desconfiança sobre a sua imparcialidade”.

II - Fundamentação
1. Competência do Tribunal
Antes de mais, importa conferir a competência deste Tribunal para apreciar o pedido.
De acordo com o n.º 1 do art. 34.º do Código de Processo Penal, a escusa deve ser pedida à secção competente do Tribunal Superior de Justiça.
Como se sabe, este Tribunal já não existe, sendo que, nos termos do n.º 3 do Anexo IV da Lei n.º 1/1999, a designação de Tribunal Superior de Justiça deve ser interpretada como referindo-se ao Tribunal de Segunda Instância.
No caso em apreço esta referência legal, importando fazer uma interpretação actualista da norma do Código de Processo Penal. Na verdade, o princípio que se colhe do art. 34.º deste diploma legal é o de que a escusa deve ser pedida ao tribunal imediatamente superior àquele onde o juiz requerente presta serviço. Este princípio é o que vigora no direito português, onde se inspirou o Código, pelo que o Supremo Tribunal de Justiça é o competente para apreciar os pedidos de escusa dos juízes dos Tribunais de Relação, os tribunais de segunda instância (art. 45.º do Código de Processo Penal português).
Em Macau, ao tempo da publicação do Código de Processo Penal só havia dois graus de jurisdição, tribunais de primeira instância e Tribunal Superior de Justiça, pelo que teria de ser este sempre o tribunal competente. Mas, face à orgânica judiciária da Região Administrativa Especial de Macau, tem de entender-se que o Tribunal de Última Instância é o competente para apreciar pedidos de escusa dos juízes do Tribunal de Segunda Instância.

2. Apreciação do pedido
Um juiz pode pedir escusa de intervir em processo penal quando a sua intervenção no processo “correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade” (n.º 1 do art. 32.º, aplicável por força do n.º 3 do mesmo artigo do Código de Processo Penal).
O Ex.mo juiz peticionante é amigo há longos anos do arguido, pelo que se entende que está preenchido o condicionalismo legal para ser dispensado de intervir no processo.
III – Decisão
Face ao expendido, concedem ao Ex.mo Juiz do Tribunal de Segunda Instância, Dr. A, escusa de intervir como juiz-adjunto, no recurso penal n.º XXX/XXXX.
Comunique.
Macau, 17 de Maio de 2006.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin



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Processo n.º 18/2006