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Processo nº 777/2010
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 10 de Novembro de 2011

Assunto:
- Contrato a favor de terceiro
- Trabalhadores não residentes

SUMÁRIO:
- A celebração de um “contrato de prestação de serviços” entre uma empresa fornecedora de trabalhadores não residentes na RAEM e a entidade patronal desses trabalhadores, no qual esta assume as condições de trabalho a estabelecer com os trabalhadores não residentes que vier a contratar, condições essas que foram aprovadas pela Administração ao abrigo dos Despachos nºs 12/GM/88 e 49/GM/88, representa para os trabalhadores não residentes um contrato a favor de terceiro, cuja violação por parte da entidade patronal origina um correspondente direito de indemnização a favor dos trabalhadores não residentes.
- O DL nº 24/89/M não é aplicável, em princípio, às relações laborais de trabalhadores não residentes, as quais deverão ser reguladas por normas especiais (artº 3º, nº 3, al. d) do citado diploma legal). Contudo, nada obsta a aplicação do mesmo por vontade das partes no caso da inexistência das ditas normas especiais.
O Relator,
Ho Wai Neng

Processo n.º 777/2010
(Autos de Recurso Cível e Laboral)

Data: 10 de Novembro de 2011
Recorrente: A (Autor)
Recorrida: Guardforce (Macau) - Serviços e Sistemas de Segurança, Lda. (Ré)
    
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I - RELATÓRIO
Por sentença de 08/07/2010, julgou-se a acção parcial procedente e, em consequência, condenou-se a Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP$7,067.02, acrescida dos juros moratórios à taxa legal, sendo a Ré absolvida do remanescente do pedido.
Dessa decisão vem recorrer o Autor, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. Ao contrário do que terá concluído o Tribunal a quo não será correcto entender-se que o Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, veio definir os requisitos formais para a contratação de trabalhadores não residentes, contudo, não define o regime legal a que os respectivos contratos estão sujeitos;
2. Do mesmo modo, não será exacto afirmar que até à publicação da recente Lei n.º 21/2009 não tinha sido legalmente definido o regime da contratação dos não residentes;
3. Ao invés, basta ver que, desde 1988, o Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, fixa(va) as condições de contratação (procedimento) e de trabalho (conteúdo) em que devem ser contratados os trabalhadores não residentes, assumindo claramente uma natureza normativa e de cariz imperativo na medida em que nele se fixa uma disciplina substantiva e processual com vista à contratação, por empregadores de Macau, de trabalhadores não residentes e que, em caso algum, poderá ser afastada pelas partes;
4. Neste sentido, a fixação legal de condições tidas como mínimas, em si mesma constitui um direito que escapa à liberdade da autonomia das partes, visto terem sido consagradas por uma razão - de ordem pública - maxime de protecção dos interesses da generalidade dos trabalhadores residentes (cfr. preâmbulo do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro);
5. Do mesmo modo, o direito às condições mínimas fixado no despacho de autorização configura um direito indisponível e, porquanto, subtraído ao domínio da vontade das partes;
6. Assim, da natureza "especial" do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, não deveria ter resultado qualquer dúvida ou receio por parte do Tribunal a quo quanto à sua directa aplicabilidade à relação sub judice e, bem assim, quanto à circunstância de se tratar de um regime imperativo que respeita à contratação de trabalhadores não residentes, afastando as regras gerais que o contrariem e que se encontrem estabelecidas no Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
7. Mesmo que aos autos se entende ser de aplicar as disposições do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril - por analogia - haveria então que retirar daquela aplicação todas as suas legais consequências, maxime em matéria de descanso semanal, feriados obrigatórios, férias, salário justo e, bem assim, de indemnização rescisória por denúncia unilateral por parte da Ré, porquanto em causa estariam preceitos inderrogáveis constantes do Regime Jurídico das Relações Laborais, o que igualmente não terá sido feito;
8. A construção jurídico-civilistica constante da Sentença revela-se desnecessária em face da relação material controvertida apresentada pelo Autor, pelo que a decisão se revela incorrecta, por errada qualificação jurídica;
9. Porém, caso se entenda que a qualificação jurídica operada pelo Tribunal a quo se revelava necessária, ainda assim a conclusão enferma de um vício de raciocínio, visto que, em qualquer dos casos, os únicos beneficiários da promessa seriam os trabalhadores e, in casu o Autor, ora Recorrente, e nunca a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau;
10. Ao contrário do que terá entendido o Tribunal a quo, a questão central dos presentes autos traduz-se no desrespeito pela Ré do procedimento legal e positivo, designadamente o constante do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro e, bem assim o Despacho do Secretário para a Economia e Finanças que in casu autorizou a Ré a admitir trabalhadores não residentes, nos quais se incluiu o Autor, ora Recorrente;
11. Assim, a premissa na qual se fundou a decisão do Tribunal a quo para julgar os presentes autos é incorrecta e em muito se afasta dos factos e fundamentos trazidos aos autos quer pelo Autor, quer pela Ré, sendo a mesma nula nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 571.° do Código do Processo Civil;
12. Por outro lado, ao contrário do que erradamente concluiu o Tribunal a quo, em caso algum é verdade que a concreta causa de pedir apresentada pelo Autor tenha consistido na violação das cláusulas do contrato de trabalho;
13. Assim, tendo o Tribunal a quo se afastado do quid decisório, sem que para tal apresente as razões de facto ou de Direito, é a Sentença nula por ausência de fundamento legal;
14. Não é correcto concluir que das condições administrativas exigidas pela Região Administrativa Especial de Macau relativamente à contratação de mão de obra estrangeira não resulta a imposição de contratar nestes ou noutros termos, pois dali não resultam imperativos legaís para a entidade patronal e/ou empregado de contratar em determinados termos;
15. Pelo contrário - uma vez mais se sublinha - o Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, toma de forma clara e expressa uma natureza assumidamente normaiioa e de cariz imperativo na medida em que nele se fixa uma disciplina substantiva e processual com vista à contratação, por empregadores de Macau, de trabalhadores não residentes, obrigando a uma. contratação em condíções mínimas acordadas com a empresa prestadora de serviços (Cfr. neste exacto sentido, o Ac. do TSI, de 15 de Dezembro de 2009, Processo de Recurso n.º 739/2009);
16. Tendo na Sentença ficado prejudicada a análise da matéria relativa ao subsídio de alimentação e subsídio de efectividade e constante da matéria de facto dada por provada e não tendo o Tribunal a quo se pronunciado sobre a totalidade do pedido, a decisão deverá ser nula, por violação da al. d) do n.º 1 do art. 571.° do Código de Processo Civil.
17. Na concreta forma de cálculo utilizada para compensar o Autor, ora Recorrente, pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, a douta decisão procede a uma errada aplicação quer do disposto na al, a) do n.º 6, quer do n.º 4 do art. 17.° do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
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A Ré, Guardforce (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança, Limitada, respondeu à motivação do recurso do Autor, nos termos constantes a fls. 278 a 301, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II - FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
a) A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores;
b) Desde o ano de 1993, a Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de «guarda de segurança», «supervisor de guarda de segurança», «guarda sénior»;
c) Desde 1992, a Ré celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., os «contratos de prestação de serviços»: n.° 9/92, de 29/06/1992; nº 6/93, de 01/03/1993; nº 2/94, de 03/01/1994; nº 29/94, de 11/05/1994; nº 45/94, de 27/12/1994;
d) O contrato de prestação de serviços com base no qual a Ré outorgou o contrato individual de trabalho com o Autor, era o “Contrato de Prestação de Serviços n.º 02/94”;
e) Do contrato referido em D) cuja cópia está a de fls. 34 a 39 e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consta que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré teriam direito a auferir no mínimo MOP$90,00 diárias, acrescidas de MOP$15,00 diárias a titulo de subsidio de alimentação, um subsídio mensal de efectividade «igual ao salário de quatro dias», sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço, sendo o horário de trabalho de 8 horas diárias, sendo o trabalho extraordinário remunerado de acordo com a legislação de Macau;
f) A Ré sempre apresentou junto da entidade competente, maxime junto da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego (DSTE), cópia dos «contratos de prestação de serviço» supra referidos, para efeitos de contratação de trabalhadores não residentes;
g) Entre 16.09.1996 e 31.05.2008, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de “guarda de segurança”;
h) Trabalhando sobre as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré;
i) Era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades;
j) Durante todo o período de tempo anteriormente referido, foi a Ré quem pagou o salário ao Autor;
k) A Ré apresentou ao Autor um contrato individual de trabalho o qual foi assinado pelo Autor, assim como outros cinco contratos individuais de trabalho, cujas cópias constam de fls. 48 a 66 e aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais;
l) Entre 16 de Setembro de 1996 e Junho de 1997, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário mensal, a quantia de MOP$1,700.00;
m) Entre Julho de 1997 e Março de 1998, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$1,800.00 mensais;
n) Entre Abril de 1998 e Fevereiro de 2005, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,000.00 mensais;
o) Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,100.00 mensais;
p) Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,288.00 mensais;
q) Entre 16.09.1996 e 30.06.1997 a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$8.00 por hora;
r) Entre Julho de 1997 e Junho de 1999 a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$9.30 por hora;
s) Entre Julho de 1999 e Junho de 2002 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$9.30 por hora;
t) Entre Julho de 2002 e Dezembro de 2002 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$10.00 por hora;
u) Entre Janeiro de 2003 e Fevereiro de 2005 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11.00 por hora;
v) Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11.30 por hora;
w) Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11.50 por hora;
x) O Autor só teve conhecimento do efectivo e concreto conteúdo de um «contrato de prestação de serviços» assinado entre a Ré e Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, já depois de cessada a relação de trabalho com a Ré, mediante informação por escrito prestada pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) em 2008;
y) Entre 16 de Setembro de 1996 e 30 de Junho de 1999, o Autor trabalhou em turnos de 12 horas de trabalho por dia;
z) Entre 16 de Setembro de 1996 e 30 de Junho de 1999, o Autor prestou 4 horas de trabalho extraordinário por dia;
aa) Entre Julho de 1999 e Junho de 2002 o A. prestou 8324 horas de trabalho extraordinário;
bb) Entre Julho de 2002 e Dezembro de 2002 o A. prestou 861.5 horas de trabalho extraordinário;
cc) Entre Janeiro de 2003 e Fevereiro de 2005 o A. prestou 4671 horas de trabalho extraordinário;
dd) Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006 o A. prestou 2319 horas de trabalho extraordinário;
ee) Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006 o A. prestou 2021 horas de trabalho extraordinário;
ff) A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação;
gg) Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca o Autor – sem conhecimento e autorização prévia pela Ré – deu qualquer falta ao trabalho;
hh) A Ré nunca pagou ao Autor qualquer a título de «subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias»;
ii) Entre 07/01/2000 e 18/01/2002 o Autor não gozou de nenhum dia de descanso semanal;
jj) Pela prestação de trabalho pelo Autor nos dias de descanso semanal, o Autor sempre foi remunerado pela Ré com o valor de um salário diário, em singelo e não lhe foi concedido um dia de descanso compensatório.
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III – FUNDAMENTOS
O presente recurso consiste em apreciar essencialmente as seguintes questões:
1. A omissão da pronúncia da sentença recorrida.
2. Qualificação jurídica do contrato celebrado a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.;
3. O regime jurídico aplicável à relação laboral estabelecida entre o Autor e a Ré; e
4. O quantum compensatório
*
O Autor entende que o tribunal a quo ao julgar prejudicado o conhecimento dos pedidos dos subsídios de alimentação e de efectividade, está a omitir a pronúncia dos mesmos, pelo que é nula sentença recorrida.n
Não lhe assiste razão, já que como bem afirmou a Ré na sua resposta à motivação do recurso que “A falta de análise de uma questão por parte do Tribunal a quo por considerar que a apreciação da mesma ficou prejudicada pelo solução dada a qualquer outra questão colocada no âmbito do mesmo processo, não é recondutível ao vício de omissão de pronúncia previsto na alínea d), do nº 1 do artigo 571º do Código de Processo Civil”.
No mesmo sentido, temos o Ac. deste Tribunal, proferido no Proc. nº 78/2000, de 20/03/2000.
  É improcedente o recurso nesta parte.
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Sobre as restantes identificadas questões, este Tribunal já se pronunciou de forma unânime em vários processos do mesmo género (cfr. Procs. nºs 722/2010, 876/2010, 805/2010, 837/2010, 574/2010, 774/2010, 838/2010, etc, de 07/07/2011, 02/06/2011, 30/06/2011, 16/06/2011, 12/05/2011, 19/05/2011 e 16/06/2011, respectivamente) no sentido de que:
- O acordo celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda é um contrato a favor de terceiro;
- Este contrato é aplicável à relação laboral estabelecida entre o Autor e a Ré.
- O quantum compensatório calculado com base no referido contrato a favor de terceiro e nas disposições do DL nº 24/89/M, quer por aplicação analógica, quer por remissão contratual, não merece de qualquer censura ou reparação.
Com a devida vénia e a propósito de situação igual à que ora nos ocupa, transcreve-se a jurisprudência fixada no Ac. do Proc. nº 838/2010:
“…
2. Da qualificação jurídica do acordo celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada.
A propósito dessa mesma questão de direito, o Tribunal de Segunda Instância já se pronunciou, de forma unânime, em vários processos congéneres, sobre a natureza jurídica do negócio celebrado entre a ora Ré Guardforce e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada - ct. e.g. os Acórdãos do TSI tirados em 12MAI02011, 19MAI02011 e 02JUN2011, respectivamente nos proc. 574/2010, 774/2010 e 876/2010.
Não se vê razão para não manter a posição já por este Tribunal assumida de forma unânime.
Ora sinteticamente falando, in casu, o Autor veio reivindicar os direitos com base num contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda ..
Ficou provado nos autos que no contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., foram definidas as condições de trabalho, nomeadamente o mínimo das remunerações salariais, os direitos ao subsídio de alimentação e ao subsídio mensal de efectividade, e o horário de trabalho diário, que deveriam ser oferecidos pela Ré aos trabalhadores a serem recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. e a serem afectados ao serviços à Ré.
E o Autor é um desses trabalhadores recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. e afectados ao serviço da Ré que lhe paga a contrapartida do seu trabalho.
O Tribunal a quo qualifica o contrato de prestação de serviços, celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. como um contrato a favor de terceiro, regulado nos artºs 437° e s.s. do Código Civil.
Ao passo que a Ré, ora recorrente, não concorda a tal qualificação, sustentando antes que o Autor não poderia reivindicar mais do que o estipulado no contrato individual de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré.
Então vejamos.
Reza o art° 437° do Código Civil que:
 1. Por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita.
2. Por contrato a favor de terceiro, têm as partes ainda a possibilidade de remitir dívidas ou ceder créditos, e bem assim de constituir, modificar, transmitir ou extinguir direitos reais.
O Prof. Almeida Costa define o contrato a favor de terceiro como "aquele em que um dos contraentes (promitente) se compromete perante o outro (promissário ou estipulante) a atribuir certa vantagem a uma pessoa estranha ao negócio (destinário ou beneficiário)" - Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 7ª ed., p.297 e s.s ..
ln casu, foi celebrado um contrato de prestação de serviços entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., em que se estipula, entre outros, o mínimo das condições remuneratórias a favor dos trabalhadores que venham a ser recrutados por essa sociedade e afectados ao serviço da Ré.
Assim, estamos perante um contrato em que a Ré (empregadora do Autor e promitente da prestação) garante perante a sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda.(promissória) o mínimo das condições remuneratórios a favor do Autor (trabalhador) estranho ao contrato (beneficiário), que enquanto terceiro beneficiário, adquire, por efeito imediato do contrato celebrado entre aquelas duas contraentes, o direito ao "direito a ser contratado nessas condições mínimas remuneratórias".
Reunidos assim todos os requisitos legais previstos no art° 437°/1 do Código Civil, obviamente estamos em face de um verdadeiro contrato a favor de terceiro, pois é imediata e não reflexamente que a favor do trabalhador foi assumida pela Ré a obrigação de celebrar um contrato de trabalho em determinadas condições com o Autor.
Finalmente nem se diga o sufragado no Acórdão do TSI tirado em 15DEZ2009 no processo nº 1026/2009 contraria o acima preconizado por nós, pois nesse Acórdão o Colectivo se limitou a dizer que a cláusula compromissória de competência do tribunal arbitral abrange apenas a relação entre o promitente (a Guardforce) e o promissário (a sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda,) e não já a relação entre o promitente e o terceiro (o trabalhador), uma vez que este, o trabalhador enquanto terceiro beneficiário da prestação promitida, tem o direito à prestação que nasce imediatamente na sua esfera jurídica, naturalmente beneficia da autonomia na escolha do meio de tutela, judicial ou arbitral, que lhe se mostra mais conveniente, para o defender, quando o seu direito tiver sido violado ou estiver posto em perigo. Portanto, a cláusula com promissória nunca poderia vinculá-lo.
O que em nada se mostra incompatível com a circunstância de o Autor, enquanto terceiro beneficiário no âmbito do contrato a favor de terceiro celebrado entre a Ré e aquela Sociedade, poder adquirir, por efeito desse contrato, o direito a ser contratado nas condições que a Ré se comprometeu garantir.”
É a jurisprudência que aponta a boa solução do caso com a qual concordamos na sua íntegra e cujo conteúdo aqui, respeitosamente, fazemos nosso.
Nesta conformidade, deve revogar a sentença recorrida e aplicar ao caso o contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda..
Cumpre agora determinar a compensação devida ao Autor.
O Autor pediu o seguinte:
1. Diferenças salariais: MOP$87.020,00,
2. Subsídio de alimentação: MOP$64.155,00
3. Subsídio de efectividade: MOP$51.120,00
4. Horas extraordinárias: MOP$49.081,00
5. Compensação de descanso semanal: MOP$18.900,00
6. Compensação do dia de descanso
   compensatório: MOP$9.450,00
Os valores descritos nos pontos nºs 1 a 3 não foram objecto de impugnação efectiva na contestação, pois a Ré limitou-se a dizer ter pago aquilo a que se sujeito no contrato de trabalho celebrado entre ela e o Autor, não sendo aplicável ao caso o contrato celebrado entre ela e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.
Assim, é de considerar como assente os referidos valores, por falta de impugnação efectiva.
Em relação às horas extraordinárias, o valor apurado pelo Autor é de MOP$49.081,00, resultante entre o valor de cada hora efectivamente paga e o valor por que devia ser paga à luz do salário diário calculado nos termos do contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda., com o acréscimo de mais MOP$1,00 por cada hora a título de justo diferencial especial.
O Autor tem, efectivamente, o direito de receber a diferença de remuneração dos trabalhos extraordinários prestados.
Contudo, o que já não acontece com o acréscimo de mais MOP$1,00, por falta de fundamento, quer legal, quer contratual.
Assim, o Autor tem o direito de receber:
16/09/1996 - 30/06/1997
$3.25*289*4
$ 3,757.00
01/07/1997 - 30/06/1999
$1.95*730*4
$ 5,694.00
01/7/1999 - 30/06/2002
$1.95*8324
$ 16,231.80
01/07/2002 - 31/12/2002
$1.25*861.5
$ 1,076.88
01/01/2003 - 28/02/2005
$0.25*4671
$ 1,167.75
01/03/2005 - 28/02/2006
$0.005*2198
$ 10.99
01/03/2006 - 31/12/2006
$0.25*1510
$ 377.50



Total:

$ 28,315.92
Quanto ao montante compensatório do descanso semanal, o Autor entende que, nos termos da al. a) do nº 6 do artº 17º do DL nº 24/89/M, o factor multiplicador deve ser x2 e não x1, conforme foi feito pelo tribunal a quo.
Por outro lado, deve adoptar o vencimento diário resultante do contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda. e não o próprio contrato de trabalho celebrado entre aquela e o Autor.
Além disso, defende ainda que tem direito ainda a compensação do dia de descanso compensatório nos termos do nº 4 do artº 17º do DL nº 24/89/M.
Quid iuris?
Como é sabido, o DL nº 24/89/M não é aplicável, em princípio, às relações laborais de trabalhadores não residentes, as quais deverão ser reguladas por normas especiais (artº 3º, nº 3, al. d) do citado diploma legal).
Porém, até à entrada em vigor da Lei nº 21/2009, não existiam no ordenamento jurídico de Macau as ditas normas especiais, pois, quer o Despacho nº 12/GM/88, quer o Despacho nº 49/GM/88, ambos regulam essencialmente a forma de contratação dos trabalhadores não residentes. Quanto às condições de trabalho, nada dizem respeito, apenas estabelecendo que compete à DSTE verificar e informar se se encontram satisfeitos os requisitos mínimos exigíveis para o efeito (al. d) do nº 9 do Despacho nº 12/GM/88 e b.4 do nº 2 do Despacho nº 49/GM/88).
No caso sub justice, a compensação do descanso semanal diz respeito ao período entre 07/01/2000 e 18/01/2002.
Os contratos de trabalho celebrados entre a Ré e o Autor relativos àquele período (fls. 48 a 49 e 51 a 52 dos autos) não prevê de forma específica quanto à compensação dos trabalhos prestados nos dias de descanso semanal.
Contudo, o ponto nº 24 dos referidos contratos, estipula que “Any other terms and conditions will be regulated according to the Macau labour law”.
Ora, com esta cláusula contratual, evidencia-se a vontade das partes no sentido de remeter para a lei geral da relação laboral da RAEM em situações não previstas no contrato de trabalho.
Nesta conformidade, é de concluir que deve se aplicar o regime do DL nº 24/89/M, por remissão contratual, para a determinação do quantum compensatório do descanso semanal.
Já vimos que o salário do Autor é mensal e que o contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda. é aplicável ao caso, por ser um contrato a favor de terceiro.
Assim, o Autor tem o direito de receber a seguinte compensação:
MOP$90*106*2=MOP$18.900,00
Este tribunal não ignora que o Autor já foi pago em singelo pelos trabalhos prestados nos dias de descanso semanal, só que entendemos que as quantias que o Autor recebeu faziam parte integrante dos seus salários mensais e que por força do nº 1 do artº 26º do DL nº 24/89/M, os mesmos não podem sofrer qualquer dedução pelo facto de não prestação de trabalho naqueles dias.
Ou seja, independentemente de prestar ou não trabalho nos dias de descanso semanal, o Autor tem sempre o direito de receber o valor do salário correspondente a esses dias, pelo que o montante da compensação acima indicado não sofre de dedução pelo facto de que o Autor já foi pago em singelo.
A questão da compensação do dia de descanso compensatório nos termos do nº 4 do artº 17º do DL nº 24/89/M, cumpre dizer que como bem notou a Ré na sua resposta à motivação do recurso que o seu conhecimento está prejudicado, “porquanto, não obstante mencionada nas suas alegações, tal afirmação/pedido não consta das Conclusões”, pelo que este Tribunal não pode dela conhecer.
 
 Tudo ponderado, resta decidir.
 
 IV – DECISÃO
 Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam conceder provimento parcial ao recurso interposto, revogando a sentença recorrida e condenando a Ré Guardforce (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança Lda. a pagar ao Autor a quantia de MOP$249.510,92, acrescida de juros moratórios à taxa legal a partir da data do presente acórdão, absolvendo a Ré nos demais pedidos.
 
 Custas pelas partes na proporção de decaímento em ambas as instâncias, sem prejuízo do apoio judiciário concedido ao Autor.
 
 Honorários do patrono oficioso no montante de MOP$2.000,00
 
 Notifique e D.N.
 
 RAEM, aos 10 de Novembro de 2011.
 
 Ho Wai Neng
 José Cândido de Pinho
 Lai Kin Hong
777/2010 1