Proc. nº 494/2011
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 12 de Janeiro de 2012
Descritores:
-Direitos de autor
-Direitos de propriedade industrial
-Marcas
SUMÁRIO:
I- Os direitos de autor e de propriedade industrial, embora pertencentes à mesma categoria de propriedade intelectual, são protegidos autonomamente pelo direito através de regimes específicos.
II- O “design”, porventura de criação particularmente artística, depois de introduzido na marca perde autonomia e o que se passa a comparar, para efeito de confundibilidade e identidade, são as marcas entre si.
III- Isso, porém, não quer dizer que algum elemento gráfico que compõe a marca não possa ser objecto de protecção especial em acção autónoma no quadro da violação de direitos de autor, desde que verificados certos requisitos, mas não na acção de anulação de registo de marca no quadro da propriedade industrial.
Proc. nº 494/2011
Acordam no Tribunal de Segunda Instância das R.A.E.M.
I- Relatório
“A”, com sede na República Popular da China, rua XX, nº XX, cidade de Nan Jing, província de Jiang Su, intentou acção contra “B”, com sede na Rua XX, nº XX, edifício XX, 15º, andar AB, em Macau, pedindo a anulação da marca que a ré fez registar na DSE sob o nº N/16861 “C” e a condenação no pagamento de prejuízos a liquidar em execução de sentença.
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Foi na oportunidade proferida sentença que julgou a acção improcedente.
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É dessa sentença que vem interposto pela autora da acção o presente recurso jurisdicional em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1. Na petição de acção, a explica autor na al. ii) que “a ré tem de pagar à autora indemnização pelos danos decorrentes da supracitada conduta de ofensa de direito, sendo o valor liquidado à execução”;
2. De acordo com os factos provados constantes do acórdão em causa, isto é, os art.ºs 14º a 17º da 2.a parte do acórdão, foram dados como provados que: “A ré reproduziu e imitou essencialmente a marca de “C” referida na al. C) dos factos provados.”“A ré aproveitou a popularidade da marca da autora para venda dos seus próprios produtos em Macau.”“Em 2007 a autora chegou a ter conhecimento de que a ré registou a sua marca em Macau.”“A supracitada conduta da ré provocou à autora os danos patrimoniais indefinidos.”;
3. Os MM.ºs Juizes do tribunal colectivo do TJB acordaram em que a conduta da ré provocou danos à autora e na parte de fundamento não manifestaram a posição ou oposição em relação ao pedido de que “a ré tem de pagar indemnização à autora”. Porém, negam os pedidos requeridos à ré pela autora;
4. Há que apontar especialmente que os pedidos da ré são paralelos, sem relação alternativa ou suplementar. A suspensão da marca n.º N/16861 da Direcção dos Serviços de Economia registada pela ré não tem nada a ver com o facto de que a conduta da ré causou ofensa ao direito da autora. A conduta da ré ofendeu na verdade o direito da autora e causou-lhe prejuízos.
5. Actualmente em Macau ainda têm acesso ao C imitado pela ré, o que afecta bastante a reputação e venda e causa-lhe danos;
6. De acordo com o art.º 571º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Civil, é nula a respectiva parte da decisão porque os fundamentos estejam em oposição com a decisão;
II.
7. No que diz respeito a que “a marca de ‘C’ não é protegida pelo ‘Regime do Direito de Autor’ e é apenas regulada pelo ‘Regime Jurídico da Propriedade Industrial’ ”, ressalvado o respeito devido, a autora não se conforma com isso.
8. Ao abrigo do art.º 2º, n.º 1, al. g) da Convenção de Berna Relativa à Protecção das Obras Literárias e Artísticas aprovada pelo Decreto n.º 73/78, “Quaisquer obras originais são protegidas; as obras originais compreendem as obras de desenho, tapeçaria, pintura, escultura, cerâmica, azulejo, gravura, litografia e arquitectura”;
9.O Regime de Direito de Autor do Decreto-Lei n.º 43/99/M destina-se a promover a criação intelectual e divulgação e desenvolvimento das obras. Neste sentido, o Regime de Direito de Autor tem como seu objectivo principal a protecção do direito do criador e autor. Por isso, quaisquer obras legais devem ser enquadradas no âmbito de protecção do Regime de Direito de Autor do Decreto-Lei n.º 43/99/M;
10. De acordo com os doc.5, 6 e 7 ajuntados na petição da autora, E, o empregado da autora, ou seja, a testemunha da autora do presente processo é o desenhador da marca de “C”. Este explicou o desenho da marca de “C” da autor, nomeadamente nos aspectos de gráfico, combinação de texto com o gráfico, característicos e inspiração;
11. Em geral, o desenho da marca de “C” quebra a maneira de desenho tradicionais de marca de cigarro que é complicada, sintética e vulgar e transmite o valor da marca distinta e clássica e as características do produto com gosto durável. Conta com forma especial e efeito forte de identidade visual. É fácil para os consumidores lembrar e divulgar. Tem o valor estético genético da nacionalidade e corresponde à estética com personalidade dos consumidores de classe média e superior que procuram a distinção e deslumbramento. Combina perfeitamente a cultura da marca com a representação de gráfico, cheio de senso artístico e significado simbólico;
12. O desenho da marca de “C” é resultado intelectual do pensamento independente da autora e preenche os requisitos de obras independentes. Pelo exposto, o respectivo direito de autor deve ser protegido pela lei.
13. Como é apontado no acórdão (2.º parágrafo da página 548), “O Regime de Direito de Autor destina-se a protegir as obras intelectuais originais. As obras produzidas no processo de criação são resultados pertencentes aos criadores”;
14. Nos art.ºs 7º, 8º e 9º da supracitada 2.ª parte, ou seja, nos factos provados dos autos foram dados como provados que “a marca de ‘C’ é desenhada pela autora própria”; “a letra ‘S’ de forma fina s estreita na marca de ‘C’ é um gráfico de fumo que sobe em espiral”; “a Província de Jiang Su é rica em recursos naturais, goza de vantagens tanto no aspecto de clima como no aspecto de localização e tem muitos talentos. É um local histórico essencial no entender dos chineses”;
15. No acórdão foram provado que a marca de “C” é directamente desenhado pela autora e é obra intelectual original da autora após trabalho intelectual independente;
16. Ademais, como é referido nos supracitados pontos 3) e 9), a testemunha da ré não conseguiu apontar a diferência entre “C” da autora e a “C” reproduzida e imitada pela ré. A ré imita e copia essencialmente a “C”, causando aos consumidores incompreensão e confusão. Tal conduta afecta seriamente a reputação e venda da autira e provoca à autora ofensa.
17. A ré reproduziu e imitou essencialmente a “C” da autora, ofendendo o seu direito de marca e de autor.
18. Pelo exposto, o gráfico de “C” da autora deve ser enquadrado no âmbito de protecção do Regime de Direito de Autor, sendo obra de “desenho”. O acórdão em causa violou o art.º 2º, n.º 1, al. i) do Regime de Direito de Autor do Decreto-Lei n.º 43/99/M, o art.º 214º, n.º 2, al. f) e o art.º, n.º 3 do Regime Jurídico de Propriedade Industrial do Decreto-Lei n.º 97/99/M. Deve ser declarada a nulidade à respectiva parte do acórdão;
III.
19. No que diz respeito ao acórdão proferido pelos MM.º Juizes do TJB em 17 de Novembro de 2010, “O Regime de Direito de Autor destina-se a protegir as obras intelectuais originais. As obras produzidas no processo de criação, tais como obras literárias, científicas ou artísticas, são resultados pertencentes aos criadores e são protegidas pela lei.”, “no âmbito de propriedade industrial, por aí, existe elemanto de criação .....tais como nome e símbolo do estabelecimento, marca, nome do local de produção, geotag e prémio.”
20. Segundo os factos provados do presente processo, ou seja, os supracitados pontos 7, 14 e 12, “a marca de ‘C’ é directamente desenhada pela autora”, “a ré reproduziu e essencialmente copiou a marca de ‘C’ “, “a ré aproveitou a reputação e popularidade da marca da autora para vender os seus produtos de tabaco”;
21. Tendo dado como provados os supracitados factos, o acórdão em causa negligencia os supracitados factos e entende que a marca em causa “serve essencialmente para identificar os produtos de tabaco vendidos pela autora” e “não é uma obra integralmente artística e não é enquadrada nas obras intelectuais no âmbito artístico”;
22. Como é referido nos doc.5, 6, 7 ajuntados na petição apresentada pela autora, mesmo que a marca de “C” sirva principalmente para identificar o produto, também tem a criação artística como objectivo e foi criada completemente com base nas contribuições intelectual e laboral e o respecticvo prodecimento da criação intelectual. De acordo da lei, concluído o desenho, o direito de propriedade da respectica marca ficou a favor da autora;
23. Ademais, como é referido nos pontos 15 a 28, o desenho da marca de “C” é resultado intelectual do pensamento independente da autora e preenche completemente os requisitos de obras independentes. Pelo exposto, o respectivo direito de autor deve ser protegido pela lei.
24. Nos termos do art.º 214º, n.º 2, al. f) e o art.º 230º do Regime Jurídico de Propriedade Industrial do Decreto-Lei n.º 97/99/M de Macau, o pedido de registo também é recusado sempre que a marca ou algum dos seus elementos contenha sinais que constituam infracção de direitos de autor ou de propriedade industrial, o que define claramente que na área de propriedade industrial é protegido o direito de autor do titular de direito prioritário. Caso se enquadre no âmbito de protecção previsto pelo Regime de Direito de Autor do Decreto-Lei n.º 43/99/M, deve ser protegido pela lei. Tal disposição não se contradta com o regime de marca previsto no Regime Jurídica de Propriedade Industrial. O tribunal a quo negou o direito de autor da marca em causa com o fundamento de “isto não ser completemente uma obra artística”, o que carece de apoio suficiente de facto e de direito;
25. Por final, como é referido nos pontos 3 a 9, a testemunha da ré não conseguiu apontar qualquer diferença entre a marca de “C” da autora e a marca de “C” imitada pela ré. A ré reproduziu e essencialmente imitou a marca de “C” da autora, conduta esta causou aos consumidores incompreensão e confusão;
26. De acordo com o art.º 214º, n.º 2, al. b) do Regime Jurídico de Propriedade Industrial do Decreto-Lei n.º 97/991M, “Reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem, para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor, ou que compreenda o risco de associação com a marca registada;”
27. Na parte de fundamentação do acórdão, não se mencionou o facto de que “A ré reproduziu e essencialmente imitou a marca de “C” da autor”, para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumido;
28. Ora a ré reproduziu e imitou a marca de “C” e induz em erro ou confusão o consumidor que toma o problema na qualidade de C da ré como o problema do cigarro de “C” da autora, o que afecta de forma graves a reputação e venda da autora e causou-lhe prejuízos;
29. Pelo exposto, segundo o art,” 57r, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil, como no acórdão não explicou de forma detalhada a matéria para a decisão de facto e de direito, o que violou o art,” 2, n.º 1, al. i) do Regime de Direito de Autor do Decreto-Lei n.º 43/99/M e o art,” 214º, n.º 2, al. 1) e o art.º 230º do Regime Jurídico de Propriedade Industrial. Pelo exposto, deve ser declarada a nulidade da respectiva parte do acórdão.
Nos termos do exposto, pede ao MM.º Juiz que decida procedente o presente recurso, admita o pedido requerido pela autora e julgue a nulidade do acórdão proferido pelo TJB em 17 de Novembro de 2010.
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A ré da acção respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões nas suas alegações:
1) A autora deduziu paralelamente pedido ao Tribunal: 1. Anulação do registo da marca da ré; 2. Pagamento pela ré à autora, de uma indemnização resultante do acto de violação de direito. Por outro lado, o Tribunal já manifestou a sua posição em relação a esta questão, ou seja, a marca “C” envolvida neste caso não é protegida pelo 《Regime do Direito de Autor》, sendo apenas regulada pelo《Regime Jurídico da Propriedade Industrial》.
2) Já que a respectiva marca só seja regulada pelo《Regime Jurídico da Propriedade Industrial》, o Tribunal determinou, consoante as disposições do referido diploma, não anular o registo da marca da ré, isso significa que o Tribunal entende: 1. Não deve discutir neste processo a questão de que, se violar ou não o Direito de Autor da autora; 2. Não é necessário fixar neste processo o montante de indemnização quanto a qualquer acto de violação do direito de autor.
3) Na sentença do Tribunal escreve-se: “no caso de não estar reunido os respectivos requisitos para anular o registo de marca, é indeferido o pedido deduzido pela autora”, esta expressão visa responder ao pedido em paralelo envolvido na indemnização económica indicado na petição inicial pela recorrente.
4) É de conhecimento público, a maior parte de marcas é constituída por figuras, porém, possuir o direito de autor não significa que obtivesse automaticamente o direito à marca. Se, de acordo com a lógica da recorrente, todas as figuras de marca também pudessem ser protegidas com o direito de autor, então, já não precisaria gastar quaisquer custos para registar a marca. Obviamente, lógica essa é irrazoáve1. Caso contrário, o《Regime Jurídico da Propriedade Industrial》cuja existência vai perder o significado.
5) De facto, quer a marca, quer o direito de autor, também podem ser registados, apesar de o registo do direito de autor não ser obrigatório.
6) Foi sempre que a recorrente não requereu em Macau o registo de marca, essas omissões revelaram que a recorrente não deu absolutamente importância ao mercado de Macau, absolutamente não tinha a vontade de registar a sua marca em Macau para que, a mesma fosse protegida nesta região.
7) A recorrida, depois de ter obtido legalmente o respectivo certificado de marca, começou a injectar dinheiro e proceder à produção. Caso a marca da recorrida seja anulada, a recorrida também será a vítima. Ademais, quanto à indemnização causada à recorrida, a recorrente pelas suas omissões (não requereu o registo em Macau ao longo de muitos anos) também tem que assumir a responsabilidade. Por outro lado, a Direcção dos Serviços de Economia que apreciou e autorizou o requerimento da marca da recorrida também assumirá a responsabilidade.
8) A terceira questão da sentença recorrida indicada pela recorrente é: a marca da ré e a da autora são bastante semelhantes, a testemunha da ré também não conseguiu indicar a diferença entre as duas marcas; pelo que, o uso da marca da ré para produtos idênticos ou afins pode facilmente induzir em erro o consumidor, por isso, nos termos da alínea b) do nº, 2 do artigo 214º do 《Regime Jurídico da Propriedade Industrial》 , devia rejeitar o registo da marca da ré.
9) Salvo o devido respeito, a recorrida aqui indica seriamente que, na audiência de julgamento, a testemunha da ré indicou na audiência de julgamento a diferença das duas marcas de tabaco e a pedido do juiz, indicou logo na audiência de julgamento qual marca cuja caixa de cigarro era para colocar os cigarros da autora e qual marca cuja caixa de cigarro era para colocar os cigarros da ré. Não foi como o que disse a recorrente, “a testemunha da ré também não conseguiu indicar a diferença entre as duas marcas”.
10) Além disso, a recorrida entende que, a alínea b) do nº. 2 do artigo 214º do 《Regime Jurídico da Propriedade Industrial》 não seja aplicável neste processo. O pressuposto aplicável do referido artigo é que a marca posterior seja reproduzida ou imitada, no todo ou em parte, consoante marca anteriormente registada por outrem. Por outras palavras, devia ter uma marca já registada em Macau e a marca posterior constituía reprodução ou imitação, em parte, de marca já existente. Neste processo, a marca da recorrente nunca foi registada em Macau, não se produziu em Macau quaisquer efeitos jurídicos das disposições do 《Regime Jurídico da Propriedade Industrial》, pelo que, não é possível dizer que a marca posterior seja reprodução ou imitação da marca anterior.
11) Nestes termos, a sentença do Tribunal Judicial de Base deve ser mantida.
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Cumpre decidir.
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II- Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
A Autora é uma pessoa colectiva constituída nos termos da lei da República Popular da China, sendo uma empresa estatual, tendo por objecto produção e venda dos produtos de tabaco (exploração conforme a licença), venda de materiais, equipamentos e acessórios para cigarros e produtos relacionados, exploração e administração de bens, vide o documento a fls. 5 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (alínea A) dos factos assentes).
A Autora, a “E”, a “F”, a “G” e a “H” fundiram-se para formar uma entidade colectiva e mantém-se a designação da Autora, isto é, I, vide os documentos a fls. 6 a 12 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (alínea B) dos factos assentes).
A “E” era titular da marca “D”, com a designação inglesa “C”, vide os documentos a fls. 13 a 16 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (alínea C) dos factos assentes).
A marca “D” foi registada no Departamento de Marcas da República Popular da China, com o n.º de registo 994840, assinalando produtos da classe 34.a (alínea D) dos factos assentes).
O prazo inicial de validade do registo de marca “D” foi de 28 de Abril de 1997 até 27 de Abril de 2007, e após a renovação, o seu prazo de validade é de 28 de Abril de 2007 até 27 de Abril de 2017 (alínea E) dos factos assentes).
O titular que pediu o registo de marca n.º 16861 é a J, ora a Ré da presente acção, assinalando produtos da classe 34.a, cujos produtos são cigarros e tabaco. O referido pedido foi publicado no Boletim Oficial de Macau em 6 de Julho de 2005 e a sua concessão foi publicada no Boletim Oficial de Macau em 7 de Dezembro de 2005, vide o documento a fls. 37 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (alínea F) dos factos assentes).
A marca “D” foi desenhada directamente pela Autora (ponto 1.º da base instrutória).
Quanto ao desenho da marca “D”, a forma de “S” fina e comprida representa um fumo que se ergue lentamente (ponto 6.º da base instrutória) .
A Província de Jiangsu é uma terra valiosa, bastante rica em recursos naturais e com muita gente talentosa e é um importante local histórico para os chineses (ponto 10.º da base instrutória).
O desenho da marca “D” é fácil de se lembrar (ponto 13.º da base instruória).
A Autora tem utilizado a marca “D” e começou a vender produtos de cigarros na República popular da China e em Macau desde 28 de Abril de 1997 (ponto 14.º da base instrutória).
A marca “D” é uma marca famosa e bem conhecida entre os distribuidores e vendedores de tabaco e os fumadores, gozando de prestígio (ponto 15.º da base instrutória).
A Ré conhece a marca “D” e os seus produtos de cigarros (ponto 16.º da base instrutória).
A Ré imitou e copiou quase totalmente a marca “D” referida na alínea C) dos factos assentes (ponto 17.º da base instrutória).
A Ré aproveitou a popularidade da marca da Autora para vender os produtos de cigarros da Ré em Macau (ponto 18.º da base instrutória).
Em 2007, a Autora só chegou a tomar conhecimento de que a ré tinha registado a sua marca em Macau (ponto 19.º da base instrutória).
As condutas da Ré provocaram à Autora danos patrimoniais não determinados (ponto 20.º da base instrutória).
Os caracteres chineses no desenho da marca da Ré são maiores que os da Autora (ponto 24.º da base instrutória).
A cor do fundo da marca da R é vermelha, com caracteres de cor de ouro enquanto a cor da marca registada pela Autora é preta e branca.
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III- O Direito
1- Da nulidade da sentença
A autora da acção pretendia obter a anulação da marca “C” registada pela ré em Macau, com o fundamento de que essa marca é igual à sua, registada anteriormente na República Popular da China.
A sentença sob censura considerou que a marca registada na China não gozava de protecção em Macau, porque aqui não registada e por não ser marca de prestígio, nem notória.
A recorrente insurge-se contra o julgado, desde logo por o considerar nulo, nos termos do art. 571º, nº1, al. c), do CPC. Em sua opinião, a sentença incorreu em contradição entre fundamentos e decisão.
E isto porque, apesar de ter sido provado que a autora tinha sofrido prejuízos com o registo da marca por parte da ré, a sentença não a condenou na correspondente indemnização.
Mas, não tem razão. Com efeito, sendo embora verdade que a autora formulou pedido condenatório da ré no pagamento da indemnização que viesse a liquidar-se em execução de sentença e que, de facto, conseguiu provar a existência de prejuízos por causa da actuação da demandada, a autora só teria direito a uma sentença favorável, caso demonstrasse que os prejuízos sofridos derivavam de um comportamento ilícito.
Ora, o que a sentença decidiu foi que a actuação da ré estava dentro da lei e que nenhuma ofensa ilícita aos direitos da autora havia cometido. Na verdade, a causa de pedir assentava na imputação de uma violação ilícita do direito da demandante. Todavia, o estudo que a sentença fez da situação apurada concluiu no sentido de que a ré podia fazer o que fez, sem qualquer culpa que possa ser-lhe assacada na produção dos danos.
Ora, isto significa que, inaplicáveis os pressupostos do risco (art. 492º e sgs. do CC) e os da responsabilidade por factos ilícitos (art. 477º do CC), afastada também fica a obrigação de reparar o dano, nos termos do art. 556º do CC.
Deste modo, a sentença, em vez de contraditória, foi coerente na decisão tomada, sem qualquer mácula que determine a sua nulidade ao abrigo daquela disposição legal do CPC.
Improcede, pois, o recurso nesta parte.
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E na parte final das suas conclusões a recorrente afirma que nada na fundamentação da sentença recorrida foi dito sobre a alegada violação do art. 214º, nº2, al. b), do RJPI. Estaria em causa, portanto, o facto de a ré da acção ter reproduzido a marca da recorrente (“C”) com o fim de induzir em erro ou confusão o consumidor. E estaria, deste modo, cometida a nulidade do nº1, al. b), do art. 571º do CPC.
Está equivocada, porém, a recorrente.
Com efeito, a sentença abordou a identidade e a confundibilidade de marcas como modo de tratar a questão dos direitos conferidos pelo registo (art. 219º do RJPI), bem assim como modo de justificar a própria acção anulatória consentida pelo art. 230º, nº1, al. b) e nº2, do RJPI (fls. 10 e 12 da sentença).
Mas não se ficou por aí. Disse expressamente que um dos motivos da anulação - precisamente o previsto no nº2 do art. 214º do diploma em apreço – implicava que a protecção da ora recorrente carecia de registo prévio em Macau nos termos do art. 219º, nº1, do diploma, o que no caso não sucedia (fls. 13-15 da sentença). Portanto, o assunto ficou resolvido na sentença sob censura por uma solução que vai mais além do que a própria existência de reprodução de marcas, tornando desnecessário apurar se havia total identidade ou confundibilidade entre elas. Ou seja, para a sentença esse aspecto estava prejudicado devido à circunstância de a recorrente não ter procedido ao registo da sua marca em Macau. (cfr. art. 563º, nº2, do CPC).
Em suma, não vislumbramos aqui a apontada nulidade.
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2- Do mérito da sentença
A seguir, a recorrente discorda da sentença na parte em que ela decidiu que o desenho da marca não se mostra protegido pelo Regime dos Direitos de Autor. Nesse sentido, tece toda uma série de considerações na esperança de demonstrar que o desenho da sua marca, da sua autoria, é um processo de criação artístico que merece protecção ao abrigo do art. 2º, nº1, al. g), da Convenção de Berna Relativa à Protecção das Obras Literárias e Artísticas aprovada pelo Decreto nº 73/78 e do DL nº 43/99/M.
Ou seja, para a recorrente quaisquer obras legais devem ser enquadradas no âmbito deste Regime dos Direitos de Autor.
A sentença a este respeito disse o seguinte:
“Nos termos do artigo 1.º n.º 1 do Regime do Direito de Autor aprovado pelo Decreto-Lei n.º 43/99/M, de 16 de Agosto: “São obras protegidas pelo direito de autor as criações intelectuais originais nos domínios literário, científico ou artístico, quaisquer que sejam o género, a forma de expressão, o mérito, o modo de comunicação ou o objectivo” (negrito nosso).
Além disso, o artigo 2.º do aludido Decreto-Lei enumera as obras originais, ou seja, obras legalmente protegidas por lei, porém, a obra envolvida no caso em apreço não pertence a qualquer uma das obras originais enumeradas.
É de saber que a intenção do legislador é para proteger criações inteligentes originais, as obras produzidas no processo de criação que podem ser obras literárias, científicas ou artísticas, são frutos pertencentes aos criadores e são legalmente protegidas por lei.
Porém, no domínio de propriedade industrial, também existe, em certo nível, elementos de criação, podendo os frutos da criação basicamente agrupar-se em duas categorias: criação industrial e sinal distintivo. A primeira inclui invenções, topografias de produtos semicondutores, desenho e modelo de utilidade, enquanto a segunda inclui sinais distintivos de empresas, produtos ou serviços que podem ser nomes e insígnias de estabelecimento comercial, logótipos e denominações de origem, indicações geográficas e recompensas.
Salvo o devido respeito por entendimento diverso da Autora, entendo que a marca “D” envolvida no presente caso é apenas sinal distintivo do produto comercial, não podendo ser enquadrada na obra de criação inteligente no domínio artístico.
Sem dúvida, a marca “D” foi desenhada directamente pela Autora, sendo a Autora titular da referida marca no interior da China, porém, em Macau, a utilização e o efeito da referida marca devem ser reguladas pelo Regime Jurídico da Propriedade Industrial.
Os factos provam que a marca “D” é essencialmente para identificar os produtos de tabaco vendidos pela própria Autora, daí, pode-se ver que a referida marca não é uma obra meramente artística.
A meu ver, caso concordemos com os pontos de vista invocados pela Autora, então, todas as marcas constituídas por desenhos ou gráficos vêm regulados pelo regime de direito de autor, se for assim, qual é a necessidade de estabelecer o regime de marca no âmbito do direito da propriedade industrial?
Conforme assinala Miguel J.A. Pupo Correia em “Direito Comercial”, 2001, página 283:
“Aos direitos de autor é geralmente dado um tratamento que exprime a sua consideração como emanação da personalidade humana do artista criador. Daí resulta que sejam geralmente enquadrados no Direito Civil, como domínio ou sub-ramo específico.
Já a propriedade industrial exprime um quadro de valores e interesses intimamente ligados à realidade empresarial, o que explica a sua tradicional inserção no campo do Direito Comercial, seja como uma área específica deste ramo do Direito, seja como um sub-ramo, que em alguns países ou na obra de alguns autores tem até sido levado ao extremo da autonomia didáctica, doutrinária ou legislativa, sob a epígrafe de Direito Industria1.” - realçado meu.
Em síntese, a marca “D” envolvida no presente caso não é protegida pelo Regime de Direito de Autor e é apenas regulada pelo Regime Jurídico da Propriedade Industrial”.
O texto transcrito diz, sobre o assunto, o essencial. Apenas duas ou três palavras mais, muito breves.
As marcas são sinais susceptíveis de representação gráfica. E elas podem ser nominativas (constituídas por nomes ou palavras), figurativas (formadas por figuras ou desenhos) e outras1. Em qualquer caso, têm por objectivo primordial distinguir produtos, bens ou serviços, embora, para além da função distintiva, também possa ter uma função publicitária excepcional aparecendo como símbolos de excelência, como sucede com as marcas de prestígio.
Isto não quer dizer que por detrás de uma marca não possa estar, algumas vezes, uma actividade de verdadeira criação artística. Uma empresa de design, por exemplo, pode ser contratada para criar um logótipo a fim de ser utilizado posteriormente numa marca própria de empresa com o objectivo de melhor divulgar o seu produto e mais eficazmente captar a atenção do público consumidor para ele2. Mas, a verdade é que uma vez incorporado o design na marca, o que passa a estar visível e a representar a sua verdadeira função é a marca propriamente dita. Quer dizer, a criação perde autonomia e emerge o papel da marca, podendo dizer-se que aqui se passa algo parecido com a consumpção, em que o resultado final consome o trabalho preparatório. A partir do registo da marca, o que sobressai dela é a sua força distintiva. Mas, justamente por isso, a partir desse instante, o que se comparam são as marcas entre si, nem que para essa tarefa seja necessário elevar a atenção ao pormenor de determinado elemento gráfico, algum desenho, algum traço artístico em especial.
É por isso que:
a) Os direitos autorais se inserem num ramo autónomo do direito, em que a propriedade industrial se não mostra confundível, embora àqueles seja paralelo3, mesmo que seja possível dizer que uns e outra (direitos de autor e propriedade industrial) se insiram na mesma categoria de propriedade intelectual4.
b) A protecção que se confere ao desenho ou modelo (cfr. art. 160º e sgs do RJPI) não atinge o desenho integrante na marca, mas somente o desenho ou modelo do produto ou de seus componentes (cit. art.). Só neste caso é que o registo do desenho pode ser anulável através de acção própria, por exemplo, quando o desenho constituir uma utilização não autorizada de uma obra protegida pelos direitos de autor (art. 184º, al. b), do RJPI).
c) A Convenção de Berna relativa à Protecção das Obras Literárias e Artísticas aprovada pelo DL nº 73/78 (ainda assim aplicável apenas aos países da União Europeia) admite a protecção da obra artística independentemente da protecção relativa à propriedade industrial (art. 2º/7). Mas cada qualificação traz um sistema completo de protecção, de tal modo que o interessado não pode recorrer cumulativamente a ambos os ramos do direito5.
Portanto, em torno das marcas, ou por causa delas, podem gravitar questões autónomas. Por exemplo, a marca também tem um papel publicitário, como se dizia, tendente a fazer penetrar no mercado bens e serviços através de meios vários, como a TV, rádio, jornais, revistas, “outdoors”, etc. E é sabido que o regime jurídico das marcas (criação, registo, defesa, anulação, etc) é diferente do regime da publicidade, que tem mecanismos de protecção próprios. Da mesma maneira, as questões a montante das marcas, como os trabalhos preparatórios que estão na sua génese, em que avulta a actividade artística, também podem ser objecto de protecção autónoma6. Embora a marca consuma a actividade artística, como já se disse acima, nada em princípio obstará a que uma acção com fim específico possa ser intentada em defesa do direito de autor subjacente a algum elemento gráfico da marca. Todavia, estaremos aí perante novos factos, novas causas de pedir em novas acções com outros e diferentes pressupostos. Para dizer que nunca poderia ser possível a acumulação de pedidos próprios de acções de anulação de marcas com outros que sejam próprios de acções de defesa de direitos de autor.
Finalmente, também não se sufraga a alegação do recurso baseada no art. 214º, nº1, al. f), do RJPI. Com efeito, o que ali se prevê é a recusa do registo sempre que a marca ou algum dos seus elementos contenha “sinais que constituam infracção de direitos de autor ou de propriedade industrial”. Mas, no caso, como se disse, nada a recorrente demonstrou no processo no sentido de que o seu direito de autor sobre algum elemento da marca estivesse protegido pelo Regime dos Direitos de Autor.
Em suma, a sentença não pode ter violado o art. 2º, nº1, al. i), do Regime dos Direitos de Autor, nem os arts. 214º, nº2, al. f) e 230º, do RJPI.
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Por todo o exposto, a sentença não merece qualquer reparo.
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IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
TSI, 12 / 01 / 2012
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
1 Jorge Manuel Coutinho de Abreu, in Curso de Direito Comercial, 4ª ed., pag.348-350.
2 Ver o exemplo no Ac. do STJ de 10/01/2008, Proc. nº 07ª2208.
3 José de Oliveira Ascensão, in Direito Civil, Direitos de Autor e Direitos Conexos, Reimpressão, pag. 31.
4 Neste sentido, José Mota Maia, in Propriedade Industrial, Vol. I, pag.15.
5 Apud, José de Oliveira Ascensão, ob. cit., pag. 497 e 498.
6 O regime dos direitos de autor está previsto no DL nº 43/99/M, de 16/08/1999.
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