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Processo n.º 507/2010
(Recurso contencioso)
Data : 1/Dezembro/2011

   ASSUNTOS:
    - Legitimidade
    
SUMÁRIO:
1. O facto de ter sido autorizado o posicionamento do escalão pretendido a uma determinada enfermeira, não significa que a interessada tivesse com a sua solicitação renunciado aos eventuais direitos que decorressem da aplicação da lei nº 18/2009, de 17/08, de resto invocada por si no requerimento que apresentou.
2. O direito que emana do diploma, se fosse caso disso, haveria de ser aplicado em concreto em toda a sua extensão e não em apenas parte dele.
3. Assim, a recorrente não deixa de deter legitimidade activa, enquanto titular da relação controvertida que, como é bem patente, não deixa de resultar da própria divergência que a opõe à Administração, aquela enquanto pugna pela aplicação da referida lei com efeitos retroactivos desde 2007, tal como aconteceu em relação aos enfermeiros do quadro, esta, enquanto decidiu que tal retroactividade não abrange os contratados, tendo aderido apenas a pretensão da interessada no âmbito temporal restrito.
O Relator,

                João Gil de Oliveira

Processo n.º 507/2010
(Recurso Contencioso)

Data : 1 de Dezembro de 2011

Recorrente: A

Recorrido: Chefe do Executivo da RAEM
    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO

A, vem recorrer do acto que, ao ratificar os termos do averbamento contratual ao contrato de trabalho proposto à recorrente e assinado sob reserva na parte em que excluiu a recorrente da retroactividade decorrente dos novos índices introduzidos desde 1/7/2007, apenas a concedeu a partir de 18/08/2009 , considera ilegal na medida em que fez aplicação de uma norma - art. 40.°, n.º 2, da Lei 18/2009 - que deveria ter sido desaplicada.

No âmbito do presente recurso, a entidade recorrida veio invocar a ilegitimidade do recorrente com o argumento de que o pedido deste - no sentido da celebração de novo contrato de acordo com o Regime da Carreira de Enfermagem reposicionando-o no 4º escalão de enfermeiro-graduado, de acordo com a Lei n. 18/2009 - acabaria por ser aceite pelo despacho impugnado, e posteriormente concretizado através de um averbamento ao seu contrato individual de trabalho.
Assim, deferida a pretensão, faltar-lhe-ia legitimidade para contra o despacho se insurgir, nos termos do art. 33º do CPAC.
A recorrente pronuncia-se pela sua legitimidade, na medida em que continua válida a sua pretensão relativamente à retroactividade da abrangência do regime que lhe foi reconhecido desde 1/7/2007 e não apenas a partir de 18/9/2009.
O Digno Magistrado do MP emitiu douto parecer no sentido da improcedência da excepção aduzida.
Oportunamente foram colhidos os vistos legais.

II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e a entidade recorrida goza de legitimidade passiva.

III- FACTOS

   Com pertinência resulta dos autos a factualidade seguinte:
    A recorrente presta serviço como enfermeira no Centro Hospitalar Conde de S. Januário nos Serviços de Saúde de Macau em regime de contrato individual de trabalho por períodos de 1 ano, a partir de 1 de Agosto de 2003.
    Em 5 de Setembro de 2009 pediu a actualização salarial baseada no 5º escalão, índice 405, nos termos do disposto na Lei n.º 18/2008, sendo-lhe proposto o novo escalão, 5º escalão de grau I e um novo índice 470 e com efeitos desde a entrada em vigor da referida lei, ou seja, 18 de Agosto de 2009.
    Notificada no dia 01/03/2010 do teor da Nota Interna n.º 548/NI/DP/2010, de 26/02/2010, da Divisão de Pessoal dos Serviços de Saúde sob a epígrafe «Revisão do Contrato Individual de Trabalho por referência ao novo Regime Jurídico da Carreira de Enfermagem aprovado pela Lei n.º 18/2009, de 17 de Agosto de 2009 - revisão das cláusulas constantes do seu contrato individual de trabalho» (Doc. n.º 3) -, a ora recorrente declarou que nada tinha a opor à revisão constante da proposta de averbamento que lhe foi enviada a coberto do referido oficio (Doe. n.º 4),
    Expressando, porém, o seu entendimento de que a revisão a que se procedia, para além da actualização do vencimento a que se refere o art. 27.° do referido diploma legal, por remissão para o Anexo I, deveria incluir ainda a retroactividade a 1 de Julho de 2007 da valorização indiciária decorrente da transição introduzida pela referida lei (cfr. Doc. n.º 4), pelas razões que fez constar de um requerimento separado, fazendo a declaração de aceitação da renovação sob reserva do direito à rectroactividade a 1 de Julho de 2007 (Doc. n.º 5).
    Notificada, uma vez mais, no dia 19 de Maio de 2010, do teor da Nota Interna n.º 1458/NI/DP/2010, de 18/05/2010 sob a epígrafe «Interesse na renovação do Contrato Individual de Trabalho por referência ao novo Regime Jurídico da Carreira de Enfermagem aprovado pela Lei n.º 18/2009, de 17 de Agosto de 2009 - revisão às cláusulas constantes do seu contrato individual de trabalho» (Doc. n.º 6) - expressou, mais uma vez, o seu entendimento, em declaração separada, no sentido da sua não oposição à revisão constante da proposta de averbamento que lhe foi enviada a coberto do referido oficio (assim como o seu entendimento de que a revisão a que se procedia, para além da actualização do vencimento a que se refere o art. 27.° por remissão para o Anexo I, deveria incluir ainda a retroactividade a 1 de Julho de 2007 da valorização indiciária decorrente da transição introduzida pela referida lei (cfr. art. 40.°, n.º 2) (Doc. n.º 7).


   IV- FUNDAMENTOS
Esta questão - a da legitimidade activa - foi já objecto de apreciação em vários processos e por ser tão clara e evidente a sem razão da entidade recorrida ao pugnar pela procedência de tal excepção que nos remetermos para a posição que aí ficou expressa.
A recorrente não deixa de ser a titular da relação controvertida que, como é bem patente, não deixa de resultar da própria divergência que a opõe à Administração, aquela enquanto pugna pela aplicação da referida lei com efeitos retroactivos desde 2007, tal como aconteceu em relação aos enfermeiros do quadro, esta, enquanto decidiu que tal retroactividade não abrange os contratados, tendo aderido apenas a pretensão da interessada no âmbito temporal restrito.
Socorremo-nos ainda aqui de quanto ficou vertido, v.g., no processo n.º 527/2010, de 27/10/2010, deste TSI e que com a devida vénia passamos a transcrever:
“Todavia, o facto de ter sido autorizado o posicionamento do escalão pretendido, não significa que a interessada tivesse com a sua solicitação renunciado aos eventuais direitos que decorressem da aplicação da lei nº 18/2009, de 17/08, de resto invocada por si no requerimento que apresentou. O direito que emana do diploma, se fosse caso disso, haveria de ser aplicado em concreto em toda a sua extensão e não em apenas parte dele.
Ora, o problema que vem colocado nos autos decorre, precisamente, da amplitude na aplicação da lei à situação funcional da recorrente: ou seja, saber se os efeitos da alteração contratual se deveriam reportar a 1 de Julho de 2007 (tese do recorrente) ou a 18 de Agosto de 2009 (como foi decidido e, posteriormente, clausulado).
Pergunta-se: a divergência de incidência temporal de efeitos pode ser discutida nestes autos? Será que o requerimento de (...) [aqui, 5 de Setembro de 2009] pode servir de travão à discussão jurisdicional no que respeita à matéria nele incluída? Vamos ver.
É verdade que tal requerimento visava a aplicação da Lei 18/2009, o que foi satisfeito. Todavia, ainda que ele não expresse a extensão da sua eficácia temporal, isto é, embora a recorrente não incluísse o momento a partir do qual a alteração devia produzir efeitos, isso não quer dizer que ela tivesse deixado à entidade competente o livre arbítrio de o decidir a seu modo ou como o achasse conveniente.
Isto é, com tal pretensão, não se pode dizer que a recorrente reconhecesse à entidade competente o poder de encontrar a melhor solução possível, a qual assim ficaria, quanto a esse aspecto, ao critério pessoal e discricionário desta. Não. Simplesmente, deixou que a entidade competente aplicasse a lei de acordo com os aspectos vinculados que dela emergem. Efectivamente, o que importará ver a final é se a lei, realmente, fixa esses critérios de vinculação. E na hipótese afirmativa, então o facto de a recorrente os não ter mencionado não podem servir de obstáculo à sua observância pelo Ex.mo Chefe do Executivo.
Quer isto dizer, portanto, que a omissão dessa parte pretensiva não abre a possibilidade de a entidade administrativa decidir menos do que a lei determina (se tal for o caso, evidentemente, coisa que por ora não estamos em condição de dizer). E por tal motivo, não está a recorrente impossibilitada de discutir no tribunal se a decisão foi ou não legal, se ficou aquém do que devia e do que era vinculação legal.
Claro que a posterior assinatura da alteração ao contrato baseado num despacho restritivo na amplitude de efeitos podia ser fatal aos interesses do recorrente, na medida em que se podia dizer que com o seu gesto a recorrente mostrou aceitar o acto qua tale, o que o impediria de recorrer ao tribunal para o discutir (art. 34º, do CPAC).
Sucede, porém, que a recorrente apôs uma declaração de reserva no próprio averbamento contratual. Disse que tal assinatura não o impediria de discutir os direitos que porventura lhe assistissem quanto, precisamente, à retroacção dos efeitos remuneratórios a 1 de Julho de 2007. Com esta declaração, a recorrente salvou o perigo que decorreria da aplicação ao seu caso da norma do citado art. 34º.
Assim sendo, para discutir este específico ponto, não perdeu a recorrente a sua legitimidade activa - em virtude de se considerar titular de um direito que terá sido afectado, em sua óptica, pelo acto impugnado - e cujo sucesso contencioso final lhe dará a tutela que de momento sente faltar-lhe (art. 33º, al.a), do CPAC).”

   
   V- DECISÃO
   Nos termos expostos, acordam em:
   - Julgar improcedente a excepção deduzida de ilegitimidade do recorrente, determinando-se, em consequência, o prosseguimento dos autos;
   - Determinar, porque o processo está em condições de se conhecer do mérito, a notificação das partes para apresentações de alegações (arts. 63º, n.1 e 2, do CPAC).
Sem custas.
   Notifique.
Macau, 1 de Dezembro de 2011
João A. G. Gil de Oliveira
Presente Ho Wai Neng
Vitor Coelho José Cândido de Pinho








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