Processo nº 796/2011 Data: 15.12.2011
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “exploração de prostituição”.
Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
SUMÁRIO
1. O vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” apenas ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre a matéria objecto do processo.
2. Constatando-se que o Tribunal a quo emitiu pronúncia sobre toda a matéria objecto do processo, elencando a que resultou provada, indicando a que assim não ficou, e fundamentando, em termos que se nos mostram adequados, a sua decisão, evidente é que inexiste tal vício.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 796/2011
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por Acórdão do Colectivo do T.J.B. decidiu-se condenar A ou B, arguida, com os sinais dos autos, como autora da prática de:
- 2 crimes de “exploração de prostituição”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 6/97/M, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão cada;
- 1 crime de “exploração de prostituição”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 2 da mesma Lei n.° 6/97/M, na pena de 1 ano de prisão; e
- 1 outro crime de “falsas declarações sobre a identidade”, p. e p. pelo art. 19°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004, na pena de 5 meses de prisão.
Em cúmulo com as penas que lhe foram impostas no âmbito do processo n.° CR4-09-0007-PCC, fixou-lhe o Tribunal a pena única de 8 anos e 3 meses de prisão; (cfr., fls. 647-v a 649 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformada a arguida recorreu.
Motivou para, a final, produzir as conclusões seguintes:
“1. Por douta sentença de 26 de Janeiro do corrente ano foi a Recorrente condenada, no âmbito do processo CR1-09-0201-PCC, pela prática, em autoria material e na forma consumada de dois crimes p.p. no art. 8°/1 da lei 6/97/M, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão cada, e no âmbito do processo CR1-09-0201-PCC-A, pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime p.p, no art. 19º/1 da lei 6/2004 de 2 de Agosto, na pena de prisão de 5 meses e pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime p.p. no art, 8°/2 da lei 6/97/M, na pena de 1 ano de prisão. Sendo condenada em sede de concurso com os autos CR4-09-0007-PCC, nos termos do art. 72º do CP, na pena única de 8 anos e 3 meses de prisão efectiva.
2. Pese embora o respeito que merece a decisão recorrida não concorda a Recorrente com a mesma, imputando à douta decisão ora recorrida o vício da alínea a) do n.° 2 do art. 400° do CPP, qual seja, o da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, no que diz respeito à decisão resultante da acusação no âmbito do processo CR1-09-0201-PCC , nomeadamente quanto à pela prática, em autoria material e na forma consumada de dois crimes p.p. no art. 8°/1 da lei 6/97/M, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão cada.
3. Ora, na modesta opinião da Recorrente, da audiência de discussão e de julgamento, das declarações da Arguida e principalmente dos próprios depoimentos das ofendidas que se encontram registadas para memória futura a fls. 210 a 213, nunca se faz qualquer referência incriminadora da Arguida, ora Recorrente, em actos dos quais se possa concluir de que esta praticou o crime de exploração à prostituição, nos termo art. 8º/1 da Lei 6/97/M, ou qualquer outra crime.
4. Igualmente, na prova documental também não resultou provado que a Recorrente tivesse participado na vinda das ofendidas para Macau, nem que de alguma forma as aliciava ou atraía com vista à prostituição, nem tão pouco que explorava a prostituição de outrem.
5. Pelo que, no nosso modesto entender, a decisão ora recorrida erra ao condenar a Recorrente, no âmbito do processo CR1-09-0201-PCC, pela prática, em autoria material e na forma consumada de dois crimes p.p. no art. 8º/1 da Lei 6/97/M, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão cada.
6. Ora, em suma, há uma insuficiência para a decisão da matéria de facto apurada, nos termos no art. 400º n.º 2 alínea a) do CPP. Insuficiência essa que ressalta da análise dos elementos constantes nos autos e, em particular, do teor do próprio acórdão recorrido.
7. Por outro lado, o acórdão recorrido não explica devidamente a indicação dos motivos de facto e de direito determinativos da condenação da ora Recorrente.
8. E, em matéria de fundamentação ou motivação o acórdão recorrido não adianta, com o que impede a fiscalização dos elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos terão constituído o substrato que conduziu à convicção do Tribunal Colectivo.
9. Sendo que, para além de tal vício, o acórdão recorrido ainda incorreu numa irregularidade ao não fazer a análise crítica da prova produzida, nos termos do art5. 400º, n.º 2, alínea a) do CPP”.
Pede a sua absolvição “dos crimes por que vem condenada, na parte do acórdão de que se recorre, no que diz respeito à decisão resultante da acusação no âmbito do processo CR1-09-0201-PCC, nomeadamente quanto à pela prática, em autoria material e na forma consumada de dois crimes p.p. no art. 8°/1 da Lei 6/97/M, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão cada; caso assim não se entenda, deverá o julgamento ser anulado e renovada a prova, nos termos do disposto do art. 415 do CPP, por ocorrer o vício previsto no art. 400°/2/a do CPP nomeadamente por ocorrer insuficiência da matéria de facto para a decisão”; (cfr., fls. 672 a 676-v).
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Respondendo, diz o Exmo. Magistrado do Ministério Público que:
“1- Não é verdade que as declarações para a memória futura das duas ofendidas não contém conteúdo que permite a incriminação da recorrente dos dois crimes de exploração de prostituição;
2- Aliás o que a recorrente pretende é desafiar a livre convicção do Tribunal que é insindicável nos termos do art. 114° do CPPM;
3- Conforme a jurisprudência “O Tribunal é livre na apreciação da prova produzida e examinada em audiência, conjugando entre si, a critério de experiência comum e de livre convicção nos termos do artigo 114° do Código de Processo Penal. O recurso dever ser rejeitado se vier apenas para sindicar a livre convicção do Tribunal.” (Acórdão do TSI de 2006/12/7, proc. no. 370/2006)”; (cfr., fls. 684 a 685).
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Em sede de vista, e em douto Parecer, pugna também o Ilustre Procurador Adjunto pela confirmação da decisão recorrida.
Eis o teor do dito Parecer:
“Sintetizando as conclusões ínsitas na Motivação (cfr. fls.672 a 677 dos autos), vemos que à douta sentença recorrida, o recorrente assacou apenas o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada prevista na alínea a) do n.°2 do art.400.° do CPP.
Antes de mais, subscrevemos as criteriosas explanações do nosso Exmo. Colega na Resposta (cfr. fls.195 a 197 dos autos), e nada temos, de relevante, a acrescentar-lhes.
Concernente à «insuficiência para a decisão da matéria de facto provada», a doutrina frisa que “Deve notar-se que a al. a) do n. °2 se refere à insuficiência da matéria de facto provada indispensável à decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova art.° 400.°), que é insindicável em reexame da matéria de direito”. (Manuel Leal-Henriques e Manuel Simas-Santos: Código de Processo Penal de Macau - Notas, 1997, p.820)
No Acórdão decretado no Processo n.°17/2000, o Venerando TUI inculca: Para se verificar a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada é necessário que a matéria de facto provada se apresenta insuficiente, incompleta para a decisão proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito adequada. Aparece o vício quando os factos dados como provados pelo tribunal sejam incompletos para chegar correctamente à solução de direito constante da decisão recorrida.
Analisando as conclusões em sintonia com os ensinamentos supra citados, não vislumbramos dúvida alguma de que não se verifica in casu a «insuficiência para a decisão da matéria de facto provada».
De um lado, o Tribunal a quo explicou minuciosamente, no Acórdão em causa, os motivos de facto e de direito que determinaram a condenação da recorrente como autora dos dois crimes p.p. pelo art.8.° n.° 1 da Lei n.° 6/97IM.
De outro lado, os factos dados como provados no mesmo Acórdão mostram-se suficientes e firmes para decisão de direito - condenando a recorrente naqueles dois crimes, com a aplicação, para cada um, da pena de um ano e seis meses de prisão.
Em último lugar, e por cautela, entendemos incontroverso que se militam, nos autos, provas suficientes, designadamente as testemunhas que foram ofendidas, para a convicção do Tribunal a quo sobre a matéria de facto provada”; (cfr., fls. 705 e 705-v).
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Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados os factos como tal elencados a fls. 641-v a 645 do Acórdão recorrido e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Como resulta do que se deixou relatado, vem a arguida recorrer do segmento decisório que a condenou pela prática de 2 crimes de “exploração de prostituição” p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 6//97/M.
Alega que o Acórdão recorrido padece do vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, (cfr., concl. 2), afirmando, também, que “da audiência de discussão e de julgamento, das declarações da Arguida e principalmente dos próprios depoimentos das ofendidas que se encontram registadas para memória futura a fls. 210 a 213, nunca se faz qualquer referência incriminadora da Arguida, ora Recorrente, em actos dos quais se possa concluir de que esta praticou o crime de exploração à prostituição, nos termo art. 8º/1 da Lei 6/97/M, ou qualquer outra crime”; (cfr., concl. 3).
Como se deixou consignado em sede de exame preliminar, (cfr., fls. 706), o presente recurso apresenta-se manifestamente improcedente, sendo pois de rejeitar.
Vejamos.
–– Quanto à “insuficiência”, repetidamente tem este T.S.I. afirmado que tal vício apenas ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre a matéria objecto do processo; (cfr., v.g., o Acórdão de 09.06.2011, Proc. n.°275/2011).
No caso dos presentes autos, evidente é que o Tribunal a quo emitiu pronúncia sobre toda a matéria objecto do processo, elencando a que resultou provada, indicando a que assim não ficou, e fundamentando, em termos que se nos mostram adequados, a sua decisão.
Basta aliás uma mera leitura ao dito aresto para assim se concluir, ociosas sendo outras considerações sobre a questão.
–– Diz também a ora recorrente que “da audiência de discussão e de julgamento, das declarações da Arguida e principalmente dos próprios depoimentos das ofendidas que se encontram registadas para memória futura a fls. 210 a 213, nunca se faz qualquer referência incriminadora da Arguida, ora Recorrente, em actos dos quais se possa concluir de que esta praticou o crime de exploração à prostituição, nos termo art. 8º/1 da Lei 6/97/M, ou qualquer outra crime”; (cfr., concl. 3).
Ora, como é fácil de ver, também não se pode acolher o assim entendido.
Desde logo, e como bem nota o Ministério Público na Resposta e Parecer junto aos autos, não corresponde à verdade que as declarações para memória futura pelas ofendidas prestadas, (cfr., fls. 210 a 213 que remetem, dando como reproduzidas, as declarações antes prestadas na P.J.), não permitem concluir (dar como provado) que a ora recorrente cometeu, efectivamente, os 2 crimes de “exploração de prostituição” p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 6/97/M.
E, para além disso, importa atentar que, com o alegado, mais não faz a recorrente que tentar sindicar a livre apreciação da prova pelo Tribunal a quo efectuada em conformidade com o estatuído no art. 114° do C.P.P.M., o que, como é óbvio, não pode proceder.
Por fim, verificando-se que perante a factualidade dada como provada, correcta foi a decisão de condenação da ora recorrente como autora dos ditos 2 crimes de “exploração de prostituição”, e outra questão não havendo a apreciar, evidente é a manifesta improcedência do presente recurso.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art. 409°, n.° 2, al. a) e 410, n.° 1 do C.P.P.M.).
Pagará a recorrente 5 UCs de taxa de justiça, e como sanção pela rejeição do seu recurso, o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 4 do C.P.P.M.).
Macau, aos 15 de Dezembro de 2011
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José Maria Dias Azedo
(Relator)
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Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Tam Hio Wa
(Segundo Juiz-Adjunto)
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