Processo nº 866/2010
Data do Acórdão: 07DEZ2011
Assuntos:
Embargo de executado
Força probatória
Documento autêntico
SUMÁRIO
Só se pode ilidir a força probatória plena de um documento autêntico negando os factos nele atestados mediante a arguição da falsidade desse documento, nos termos estabelecidos no artº 366º do Código Civil e nos artºs 471º e s.s. do Código de Processo Civil.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 866/2010
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I
A, executada devidamente identificada nos autos de execução ordinária nº CV1-09-0096-CEO, veio no âmbito desses autos deduzir embargos de executado contra a exequente B, pedindo que seja julgada extinta a execução com fundamento na nulidade do negócio ao se encontra subjacente a dívida exequenda por o negócio integrar a prática de um crime de usura.
Devidamente tramitados os autos, veio a final proferida a seguinte sentença julgando totalmente a matéria dos embargos:
O tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
Não existem nulidades que invalidem todo o processo.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias. São legítimas e estão devidamente representadas.
Não existem outras nulidades, excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.
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O processo contém os elementos necessários para se conhecer do mérito desta acção o que se passará a fazer de acordo com o disposto nos artigos 700.°, n.º 2 e 429.º, n.º 1 b) ambos do CPC.
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A veio deduzir embargos de executada à execução ordinária que lhe move "B" alegando, em síntese, que a exequente/embargada não está habilitada a conceder crédito para jogo uma vez que os contratos a celebrar para o efeito com uma concessionária ou subconcessionária estão sujeitos a requisitos de forma que, no caso, não foram observados, daí que o título dado à execução esteja ferido de nulidade, não podendo tal dívida ser reclamada.
A embargada/exequente apresentou contestação onde, resumidamente, alega que estava devidamente habilitada para conceder crédito para jogo e aposta, reunindo os títulos dados à execução todas as condições legais de exequibilidade.
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Com interesse para a decisão desta acção encontra-se provada, por acordo das partes e prova documental não impugnada, a seguinte matéria de facto:
1. A exequente/embargada B, com sede em Macau é uma sociedade unipessoal, titular da licença de promotor de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino na RAEM com o n.º E136.
2. A C (Macau) é concessionária na RAEM da Exploração de Jogos de Fortuna ou Azar.
3. A exequente/embargada celebrou, por escrito, com a C (Macau) em 25 de Março de 2008 e em 23 de Dezembro de 2009, dois contratos de "Autorização para concessão de crédito", com os teores constantes dos documentos de fls. 27 a 44 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
4. A Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos da RAEM emitiu a certidão constante dos autos a fls. 16, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
5. Nos dias 05 e 06 de Janeiro de 2009, exequente/embargada e a executada/embargante A celebraram no território de Macau quatro contratos de crédito para jogo de fortuna ou azar em casino com os n.º 08594, 08618, 08625 e 08617, constantes da execução em apenso, a fls. 7 e 8, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos.
6. Em conformidade com os aludidos quatro contratos, a exequente/embargada concedeu à executada/embargante crédito para jogo na quantia global de (HKD$500.000,00).
7. Conforme acordado nesses quatro contratos, a executada/embargante ficou obrigada a devolver à Autora quantia igual à concedida no prazo de 7 dias após a data do empréstimo, findo o qual seriam devidos juros convencionais desde a data do vencimento até integral pagamento, calculados à taxa de 29,25% ao ano.
8. Desde a data de empréstimo até o momento actual, a executada/embargante não devolveu à exequente/embargada qualquer quantia.
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Expostos os factos importa enquadrá-los com o direito aplicável.
Na RAE de Macau a exploração de jogos de fortuna ou azar em casino é regida pela Lei n.º16/2001 e, como é sabido, só as concessionárias estão autorizadas a explorar os respectivos casinos.
Segundo define o seu artigo 2.º, n.º 6 "promotores de jogo" são os agentes de promoção de jogos de fortuna ou azar em casino que exercem a sua actividade através da atribuição de facilidades a jogadores, nomeadamente no que respeita a transportes, alojamento, alimentação e entretenimento, recebendo uma comissão ou outra remuneração paga por uma comissária.
Por sua vez, o artigo 23.º, n.º 1 e 2 da citada lei refere que a actividade dos promotores de jogo está sujeita a licenciamento e o respectivo exercício fica submetido à fiscalização do governo, estando obrigados a registar-se junto de cada concessionária com que pretendam operar. Note-se que tal actividade encontra-se regulada através de Regulamento Administrativo (n.º 6/2002 e n.º 27/2009) que no seu artigo 24.º estabelece as regras a que deve obedecer o contrato a celebrar com a concessionária, para que possam exercer a sua actividade de promotores.
Posto isto, importa analisar o regime legal da concessão de crédito para jogo ou para aposta em casino, aprovado pela Lei n.º 5/2004.
Em primeiro lugar, o artigo 2.°, n.º 1 da Lei n.º 5/2004 estatuiu que só há concessão de crédito quando for transmitida a titularidade de fichas de jogos de fortuna ou azar em casino, sem que haja lugar ao pagamento imediato, em dinheiro, dessa transmissão. Depois, definiu quem são as entidades habilitadas a exercer essa actividade de concessão de crédito, indicando-se, no artigo 3.º, n.º 2 que, para além das concessionárias e subconcessionárias, também os promotores de jogo estarão habilitados a exercer a actividade em questão mediante contrato a celebrar com uma concessionária ou subconcessionária; e segundo reza o n.º 6 deste preceito legal, só se podem estabelecer relações de concessão de crédito entre as concessionárias ou subconcessionárias e os jogadores ou apostadores, entre os promotores de jogo e os jogadores ou apostadores e entre as concessionárias ou subconcessionárias e os promotores de jogo.
O artigo 4.º da Lei n.º 5/2004 refere que da concessão de crédito emergem obrigações civis, desde que exercida nos termos da lei.
Quanto ao contrato que deve ser celebrado entre a concessionária ou subconcessionária e o promotor de jogo para que estes fiquem habilitados a exercer a actividade de concessão de crédito estipula o artigo 8.º da Lei n.º 5/2004 o seguinte:
1. Os contratos referidos no n.º 2 do artigo 3.º e no n.º 3 do artigo 5.º estão sujeitos a forma escrita e são celebrados em 3 exemplares originais, sendo as assinaturas objecto de reconhecimento notarial presencial.
2. As minutas dos contratos, dos seus documentos complementares e de quaisquer alterações a esses instrumentos estão sujeitas a aprovação do Governo, o qual pode determinar a alteração de qualquer cláusula das referidas minutas por razões de legalidade ou de interesse público.
3. Um dos exemplares dos contratos, bem como cópia de todos os seus documentos complementares, é enviado pela concessionária ou subconcessionária à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos, adiante designada por DICJ, no prazo de 15 dias a contar da data da sua celebração.
4. Deve ainda ser enviada pela concessionária ou subconcessionária à DICJ qualquer alteração aos contratos ou aos seus documentos complementares, no prazo de 15 dias.
5. Os documentos complementares referidos nos n.os 3 e 4 devem ser acompanhados de uma declaração subscrita por representante legal da concessionária ou subconcessionária que a obrigue, com assinatura e qualidade reconhecidas notarialmente, nos termos da qual este declara, sob compromisso de honra, a correcção, actualidade e veracidade dos dados e informações neles constantes, bem como que os mesmos são cópia dos originais.
6. Os contratos devem conter, obrigatoriamente, cláusulas relativas à obrigação, assumida pelas partes, de renúncia a foro especial e submissão à lei vigente na Região Administrativa Especial de Macau e, no caso do contrato referido no n.º 3 do artigo 5.°, cláusulas relativas à renúncia à utilização de substitutos ou ao recurso a subagentes, conforme o caso.
7. São nulas as cláusulas dos contratos, dos seus documentos complementares, bem como das respectivas alterações que sejam desconformes com as respectivas minutas aprovadas pelo Governo.
Por fim, esclarece o artigo 17.º da citada lei que os factos praticados no exercício da actividade de concessão de crédito, por entidade habilitada, não se consideram usura para jogo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 13.º da Lei n.º 8/96/M, de 22 de Julho.
Regressemos aos factos.
Ora, segundo resulta dos factos assentes, à C (Macau) foi atribuída a concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar na RAEM. Está também provado que a exequente/embargada é uma sociedade promotora de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos de casino e que celebrou com a C (Macau) em 25 de Março de 2008 e em 23 de Dezembro de 2009, dois contratos de "Autorização para concessão de crédito", com os teores constantes dos documentos de fls. 27 a 44 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
Não tendo a embargante posto em causa a qualidade da embargada, enquanto entidade promotora, importa analisar apenas se esses contratos de "Autorização para concessão de crédito" são nulos, por vício de forma, tal como a mesma alega.
Está provado que os contratos celebrados entre a embargada e a C foram celebrados por escrito e que as assinaturas dos respectivos legais representantes, quer da sociedade concessionária, quer da sociedade promotora foram reconhecidas presencialmente (cfr. páginas 34 e 44 dos autos).
Também resulta demonstrado do teor desses documentos que foram celebrados 3 exemplares originais e que um deles foi submetido à apreciação da DICJ, como resulta da certidão emitida por esta entidade, constante de fls. 16 dos autos.
Resultando da análise do seu clausulado que também foi observado o disposto no n.º 6 do artigo 8.º da Lei n.º 5/2004.
Significa isto que não se vislumbra qualquer nulidade nos contratos de autorização para concessão de crédito celebrados entre a concessionária e a ora embargada na qualidade de promotora, pelo que teremos de concluir que a mesma estava habilitada a conceder crédito para jogo à ora embargante, ao abrigo da Lei n.º 5/2004.
Adianta-se, ainda, os contratos celebrados entre a embargante e a embargada não estão sujeitos a qualquer forma solene para a sua formação, ou seja, com suporte em documento particular mas com intervenção de oficial com funções públicas de autênticação, nos termos supra referidos quanto ao contrato a celebrar entre a concessionária e o promotor.
Os contratos celebrados pelas partes, que de forma simplista poderemos qualificar como de mútuo para jogo, não obedecem a qualquer formalismo legal, são contratos de forma livre, consensual, vigorando a regra da liberdade de forma constante do artigo 211.º do Código Civil.
Por outro lado, sabido que podem servir de base à execução os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do artigo 689.º (…) tal como resulta do artigo 677.º, c) do Código de Processo Civil, é manifesto que a embargada dispõe de título executivo bastante para servir de base à execução proposta.
Pelas razões expostas e sem necessidade de outras considerações, julgamos que a embargada é uma entidade legalmente habilitada para conceder crédito para jogo ou aposta em casino e que os contratos celebrados, quer com a concessionária, quer com a executada, não estão afectados de qualquer vício, nomeadamente de nulidade por inobservância de forma legal, o que desde já se declara e, em conformidade se decide julgar totalmente improcedente a matéria dos presentes embargos.
Custas a cargo da embargante.
Notifique.
Não se conformando com essa sentença, vem agora a embargante A recorrer para este Tribunal de Segunda Instância, concluindo e pedindo:
I. A certidão emitida pela Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos junta com a contestação como doc. 1 e os documentos juntos aos autos a 14 de Abril de 2010 não provam que, nos dias 5 e 6 de Janeiro de 2009, a minuta dos referidos contratos se encontrava aprovada pelo Governo e que um dos exemplares dos mesmos foi enviado pela D (Macau) Limited à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos no prazo de 15 dias a contar da data da sua celebração.
II. A recorrente considera, como tal, que a matéria de facto mencionada foi incorrectamente julgada.
III. E que os referidos meios de prova impunham, sobre a matéria em causa, decisão diversa da recorrida.
IV. Nomeadamente que, da prova produzida nos autos, não resultava que a embargada estivesse, nos dias 5 e 6 de Janeiro de 2009, habilitada a exercer a actividade de concessão de crédito.
V. Donde se conclui que a concessão de crédito pela embargada à embargante constitui, necessariamente, um crime de usura para jogo nos termos do disposto no artigo 13º da Lei nº 8/96/M, de 22 de Julho.
VI. Sendo, por isso, a mesma nula, assim como necessariamente nulos os títulos com base nos quais foi a presente execução foi instaurada, pelo que deveria esta ter sido declarada extinta.
VII. Ainda que a concessão de crédito pela embargada à embargante fosse lícita, a mesma seria apenas fonte de obrigações naturais de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 1171º do Código Civil de Macau.
VIII. E, como é sabido, o cumprimento das obrigações naturais não é judicialmente exigível segundo o disposto no artigo 396º do Código Civil de Macau.
IX. Não podendo a dívida ser judicialmente exigida, deveria, igualmente, a execução à qual os presentes embargos correm por apenso ter sido declarada extinta.
Pelo que requer a V. Exas. se dignem alterar a sentença recorrida, julgando procedentes os presentes embargos e ordenando, consequentemente, a improcedência da execução que é objecto dos mesmos.
Notificado da motivação do recurso, a exequente embargada nada respondeu.
II
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
Sintetizadas as conclusões do recurso, a única questão que foi trazida à nossa apreciação aqui é a de habilitação ou não da exequente/embargada para exercer a actividade de concessão de crédito.
Para sustentar a sua tese, a recorrente entende que da prova produzida nos autos não resultava que a embargada estivesse, nos dias 5 e 6 de Janeiro de 2009, habilitada a exercer a actividade de concessão de crédito, uma vez que não foi dado cumprimento ao disposto nos artºs 3º/2 e 8º/2 e 3 da Lei nº 5/2004.
Vejamos.
Ora, a matéria da concessão de crédito para jogo ou para aposta de fortuna ou azar em casino na RAEM encontra-se regulada na Lei nº 5/2004.
À luz do disposto no seu artº 3º/1, em princípio, estão apenas habilitadas a exercer a actividade de concessão de crédito as concessionárias e subconcessionárias para a exploração de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino.
Todavia, tendo em conta a realidade de Macau e a tradicional forma de funcionamento das chamadas “salas de jogos”, o nº 3 do mesmo artº 3º estende o âmbito da aplicação do nº 1 por forma a abranger, no elenco dos habilitados a conceder créditos, ainda os promotores de jogos de fortuna ou azar em casino, desde que tenham validamente celebrado com uma concessionária ou subconcessionária um contrato para o efeito.
A celebração de tal contrato fica sujeita às formalidades expressamente previstas no artº 8º da mesma Lei nº 5/2004, que reza:
1. Os contratos referidos no n.º 2 do artigo 3.º e no n.º 3 do artigo 5.º estão sujeitos a forma escrita e são celebrados em 3 exemplares originais, sendo as assinaturas objecto de reconhecimento notarial presencial.
2. As minutas dos contratos, dos seus documentos complementares e de quaisquer alterações a esses instrumentos estão sujeitas a aprovação do Governo, o qual pode determinar a alteração de qualquer cláusula das referidas minutas por razões de legalidade ou de interesse público.
3. Um dos exemplares dos contratos, bem como cópia de todos os seus documentos complementares, é enviado pela concessionária ou subconcessionária à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos, adiante designada por DICJ, no prazo de 15 dias a contar da data da sua celebração.
4. Deve ainda ser enviada pela concessionária ou subconcessionária à DICJ qualquer alteração aos contratos ou aos seus documentos complementares, no prazo de 15 dias.
5. Os documentos complementares referidos nos n.os 3 e 4 devem ser acompanhados de uma declaração subscrita por representante legal da concessionária ou subconcessionária que a obrigue, com assinatura e qualidade reconhecidas notarialmente, nos termos da qual este declara, sob compromisso de honra, a correcção, actualidade e veracidade dos dados e informações neles constantes, bem como que os mesmos são cópia dos originais.
6. Os contratos devem conter, obrigatoriamente, cláusulas relativas à obrigação, assumida pelas partes, de renúncia a foro especial e submissão à lei vigente na Região Administrativa Especial de Macau e, no caso do contrato referido no n.º 3 do artigo 5.º, cláusulas relativas à renúncia à utilização de substitutos ou ao recurso a subagentes, conforme o caso.
7. São nulas as cláusulas dos contratos, dos seus documentos complementares, bem como das respectivas alterações que sejam desconformes com as respectivas minutas aprovadas pelo Governo.
Demonstrado o quadro legal da concessão de crédito nos casinos, voltemos à apreciação do presente caso.
Ora, o que a recorrente vem agora invocar para sustentar o seu pedido de recurso é a circunstância de não ficar provado nos autos o cumprimento do preceituado no artº 8º/2 e 3, isto é, das provas existentes nos autos, não resulta provado que a minuta dos contratos constantes das fls. 27 a 44 dos autos se encontrava aprovada pelo Governo nem que um dos exemplares dos mesmos foi enviado pela concessionária D (MACAU) LIMITED à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos no prazo de 15 dias a contar da data da sua celebração.
Além disso, na óptica da recorrente, a certidão datada de 15JAN2010 emitida pela Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos junta com a contestação como doc. 1 prova apenas que no dia da emissão da certidão, ou seja 15JAN2010, a exequente B estava habilitada a exercer a actividade de concessão de crédito, e não no momento da concessão do crédito exequendo, isto é nos dias 5 e 6JAN2009.
E na esteira desse raciocínio seu, a recorrente defende que a exequente/embargada, enquanto promotora de jogos, não está habilitada a exercer a actividade de concessão de crédito, e portanto são nulos os negócios constitutivos das dívidas exequendas.
Todavia, compulsados os elementos constantes dos autos, nomeadamente a certidão a fls. 16 e os contratos celebrados entre a concessionária E e a promotora de jogos B, ora exequente, salta à vista a sem razão da recorrente.
Na verdade, tem o seguinte teor a certidão emitida pela Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos:
Para efeitos de produção de prova no processo n.ºCV1-09-0096-CEO-A, que corre os seus termos no 1.° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base da Região Administrativa Especial de Macau, vimos pela presente certificar os seguintes factos:
1. A sociedade comercial B, com sede social na Travessa da Misericórdia n.º6, 2.ºandar “B”, é titular da licença de promotor de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino na Região Administrativa Especial de Macau melhor identificada sob o n.º E136.
2. Que a Sociedade B, está habilitada a exercer a actividade de concessão de crédito junto da concessionária C (MACAU), S.A., ao abrigo de um contrato de habilitação para conceder crédito celebrado com esta concessionária nos termos do artigo 3.º, n.º2 da Lei n.º5/2004, de 14 de Junho de 2004, e este contrato cumpre com os requisitos dos n.s 1 a 3 do artigo 8.º da retro aludida Lei.
A presente certidão apenas pode ser utilizada para o fim acima identificado.
Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos, aos 15 de Janeiro de 2010.
Ora, uma coisa é a data da emissão da certidão, outra coisa é a data da ocorrência dos factos, momentâneos ou continuados, nela atestados. São coisas distintas e podem coincidir-se mas normalmente isso não acontece, pois na maioria de situações, uma certidão visa certificar um facto ou uma situação já ocorrida ou pelo menos já iniciada.
Se é verdade que não resulta clara da certidão a data a partir da qual a exequente B ficou habilitada a exercer a actividade de concessão de crédito, já é certo que a mesma data fica clarificada com a data da celebração do contrato “AUTHORIZATION TO GRANT CREDIT FACILITIES” entre a concessionária E e a exequente B, que se encontra junto aos autos.
Conforme se vê logo na primeira página desse contrato (vide as fls. 17 dos autos), o contrato foi celebrado em 25MAR2008.
Assim, conjugando essa prova documental com o atestado na certidão cujo teor se transcreve integralmente supra, bem andou a Mmª Juiz a quo ao considerar provado que no momento da constituição das dívidas exequendas, a promotora de jogos, ora recorrida, estava habilitada a exercer a actividade de concessão de crédito.
Finalmente, quanto ao alegado não envio à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos de um dos exemplares dos contratos celebrados entre a concessionária E e a exequente B e à alegada não aprovação dos mesmos contratos pelo Governo da RAEM, limitamo-nos a dizer que como a certidão, enquanto documento autêntico à luz do artº 363º do Código Civil, já prova plenamente que “a sociedade B, está habilitada a exercer a actividade de concessão de crédito junto da concessionária C (MACAU), S.A., ao abrigo de um contrato de habilitação para conceder crédito celebrado com esta concessionária nos termos do artigo 3º, nº2 da Lei nº 5/2004, de 14 de Junho de 2004, e este contrato cumpre com os requisitos dos nºs 1 a 3 do artigo 8º da retro aludida Lei.”, a ora recorrente só pode ilidir a força probatória plena da certidão negando os factos nela atestados, nomeadamente a ai certificada satisfação dos requisitos formais dos contratos em causa, mediante a arguição da falsidade dessa mesma certidão passada pela Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos, nos termos estabelecidos no artº 366º do Código Civil e nos artºs 471º e s.s. do Código de Processo Civil.
Não o tendo feito, cessa a defensabilidade de todos os argumentos inseridos na tese da recorrente à luz da qual a matéria de facto foi incorrectamente julgada na primeira instância.
Assim sendo, fica logo infundada a alegada nulidade dos contratos que titularam as dívidas exequendas.
Tudo visto resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso, mantendo na íntegra a sentença recorrida.
Custas pela recorrente em ambas as instâncias.
Notifique.
RAEM, 07DEZ2011
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
Proc. 866/2010-1