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Processo n.º 752/2011
(Recurso cível e laboral)

Data : 12/Janeiro/2012

ASSUNTOS:
    - Acidente de trabalho
    - Junta médica

SUMÁRIO:
    Mostra-se fundamentada a sentença se o juiz, em processo de acidente de trabalho, fixa a IPP e e a ITA com base no relatório da junta médica que se pronunciou por unanimidade, bem como na documentação junta aos autos, tendo tido o sinistrado oportunidade de oferecer documentos que só em sede de recurso veio apresentar e tendo tido oportunidade de se pronunciar sobre a constituição daquela junta.
    
O Relator,
  

(João Gil de Oliveira)

Processo n.º 752/2011
(Recurso Civil e Laboral)
Data: 12/Janeiro/2012

Recorrente: A (XXX)

Recorrida: Companhia de Seguros XXX, S.A.
(XX保險有限公司)

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    
    A- APOIO JUDICIÁRIO
    A, sinistrado nos autos à margem referidos e aí melhor identificado, tendo-lhe sido concedido já patrocínio oficioso, vem requerer apoio judiciário, invocando insuficiência económica.
    O MP nada opõe.
    Analisando a documentação junta aos autos, em particular o documento do IAS de fls 301, vistos os rendimentos e encargos do recorrente concedo-lhe o apoio judiciário na modalidade peticionada, ao abrigo do disposto nos artigos 1º, 2º, n.º 1, 4º, 5º, n.º 1, a), 6º, n.º 1, e) do DL41/94/m, de 1 de Agosto.
    
    B -I - RELATÓRIO
    A, sinistrado nos autos à margem referidos e aí melhor identificado, notificado da douta sentença de fls. 156 a 158, e com a mesma não concordando parcialmente, dela vem recorrer, alegando em síntese conclusiva:
    1. Essencialmente, não se conforma o Recorrente com a decisão proferida porquanto, salvo melhor opinião e o devido respeito, a decisão ora recorrida é nula, porque não tem suporte válido que a sustente a decisão, julgando-se incorrectamente a matéria de facto perante a prova produzida no processo.
    2. A questão da incapacidade anteriormente conhecida pelo médico perito nomeado na fase conciliatória, deveria ter sido reapreciada após o parecer da junta médica, pois é contraditória antes de ser decidida pelo Mmo. Juiz (segundo a sua livre apreciação), com eventuais diligência complementares, uma vez que o fundamento que acompanhou o relatório proferido pela junta médica é despido de qualquer fundamentação, limitando-se a contrariar o parecer do médico legal anterior.
    3. Com efeito não considera que o relatório da junta médica, e consequentemente, a ora decisão de que se recorre por nele se apoiar, sustente por si só uma razão técnica plausível para contrariar o exame realizado pelo médico perito nomeado na fase conciliatória, em 27/01/2011.
    4. Pelo que se considera estar perante a ausência de elementos suficientes que possam guiar a uma decisão justa, situação que impede, em sede de recurso, um juízo concordante ou divergente com a mesma;
    5. E nessa medida, entende o Recorrente, sempre salvo o devido respeito, que o douto acórdão que decidiu a matéria de facto não está devidamente motivado, não permitindo, de forma alguma, o controle crítico da lógica que presidiu à decisão, impedindo o Tribunal de recurso de formar um juízo concordante ou divergente com o mesmo, estando o Tribunal "ad quem" em condição de determinar a "renovação dos meios de prova produzidos em primeira instância que se mostrem indispensáveis ao apuramento da verdade ...",
Termos em que deverá ser dado provimento ao presente recurso nos termos supra referidos.
    
    A COMPANHIA DE SEGUROS DE XXX S.A., melhor identificada nos autos à margem cotados, tendo sido notificada das alegações de recurso que foram apresentadas pelo autor, A, vem, contra-alegar, dizendo, em suma:
    Consideram-se nesta sede como integralmente reproduzidos os factos dados como assentes pelo Tribunal a quo, que se encontram integralmente descritos na douta sentença recorrida, designadamente a matéria de facto considerada como assente pelo Mmo. Juiz titular do processo.
    A questão controvertida no presente recurso prende-se, genericamente, com a resposta negativa dada pelo Tribunal a quo quanto ao facto de não ter ficado provado, que em resultado do acidente de trabalho em causa, o recorrente sofreu lesões que lhe determinaram uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 10%, mas antes de 7% e ao número de dias referentes ao ITA.
    A possibilidade conferida pela lei do processo civil, aplicável ao caso sub judice, de reapreciação da matéria de facto não deve ser erigida num regime-regra, antes configura um meio excepcional, sendo que a eventual alteração da matéria de facto só pode ter lugar quando haja elementos cuja análise da prova possa sugerir respostas diferentes das que foram dadas.
    Em sede de tentativa de conciliação não foi logrado alcançar o acordo, em razão da discordância do grau de desvalorização a título de IPP e ITA.
    As questões a dirimir nos presentes autos diziam respeito unicamente à incapacidade parcial permanente e ao número de dias referentes à ITA.
    Assim, em 8 de Junho 2011 foi levado a cabo a peritagem médica, por três peritos médicos, sendo que, unanimemente os três peritos sugerem um grau de desvalorização a título de IPP de 7% e 360 dias a título de ITA.
    Convirá ainda relembrar, que notificada do resultado da perícia médica, a recorrente conformou-se com o resultado aí espelhado.
    Não tendo para o efeito, discordado com o resultado do colégio de peritos nomeados pelo tribunal.
    Nos termos do artigo 616° do CPC as partes podem juntar documentos as alegações, nos casos excepcionais a que se refere o artigo 451°.
    Ora, o n.º 1 do artigo 451° só permite, no caso de recurso, a admissão de documentos apresentados após o encerramento da discussão quando a sua apresentação não tenha sido possível até aquele momento.
    O seu n.º 2 permite a apresentação em qualquer estado do processo de documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados ou que se tenham tornado necessários por causa de ocorrência posterior.
    No caso em apreço, os documentos juntos com a alegação podiam ter sido apresentados antes de ter sido proferida sentença, não tendo o recorrente demonstrado qualquer razão válida para não apresentar antes da alegação de recurso.
    Por outro lado, a junção dos documentos que agora reputa como necessários, ostentam datas correspondentes ao ano 2009 e 2010.
    Os recursos são meios de impugnação de decisões, logo devem ser decididos com os mesmos pressupostos de facto que presidiram à decisão impugnada e não são, salvo o devido respeito, meios de criação de decisões sobre matéria nova.
    Ora, no caso presente temos como inquestionável que o Tribunal a quo valorou positivamente o relatório de perícia médica.
    Pelo que, não se mostra possível uma reescrita dos factos com base unicamente no pressuposto de que "a decisão ora recorrida é nula, porque não tem suporte válido que a sustente".
    Analisando as provas produzidas somos levados a concluir necessariamente que a decisão do Tribunal de 1ª instância relativamente não assentou em qualquer erro nem tão pouco se mostrou contrária às regras da experiência, da lógica e/ou dos conhecimentos científicos, não podendo a mesma decisão de facto deixar de subsistir.
    Sempre se dirá ainda que o Tribunal tomou em consideração todas as provas realizadas no processo, quer a prova documental apresentada entre a qual se destaca os relatórios médicos juntos aos autos.
    O tribunal analisou criticamente todas as provas apresentadas e especificou com precisão e clareza os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.
    Acresce que o tribunal a quo foi muito claro no que concerne ao relatório de perícia médica que revela o sinistrado padece de uma IPP de 7% e necessitou de 360 dias para recuperar.
    os relatórios médicos em causa, e, naturalmente, as conclusões aí transcritas, que resultaram dos exames médicos realizados pelos respectivos subscritores, tendo chegado à legitima conclusão que não provado ficou que, em resultado do acidente de trabalho em discussão, o recorrente tenha sofrido lesões que lhe determinaram uma incapacidade permanente parcial de 10% e que tenha necessitado de 730 dias para recuperar.
    Concluindo, não padece a sentença recorrida de qualquer vício insanável que tivesse enfermado todo o processado.
    Termos em que deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.
    
    Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
    Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes.
    Nesta acção emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrado A, nascido em XX/XX/19XX e melhor identificado nos autos e entidade responsável "Companhia de Seguros de XX, SA" realizou-se, sem êxito, a legal tentativa de conciliação por a seguradora não ter aceite o resultado do exame médico que foi efectuado ao sinistrado e que lhe arbitrou uma IPP de 10 %, a partir de 30.10.2010 e a ITA de 730 dias.
    Nessa tentativa de conciliação, sinistrado e seguradora acordaram, no entanto, acerca da seguinte factualidade (cfr. auto de fls. 115):
    - na existência e caracterização do acidente em causa como de trabalho (ocorrido em 29.10.2008);
    - no nexo de causalidade entre o acidente e as lesões sofridas pelo sinistrado,
    - na retribuição que este auferia à data do acidente (MOP.700,00 por dia);
    - na transferência da responsabilidade da entidade patronal para a seguradora, atinente ao acidente em referência, pela totalidade do salário auferido pelo sinistrado;
    - ter-lhe sido paga a indemnização correspondente a 279 dias de incapacidade temporária absoluta entre a data do acidente (dia seguinte, mais propriamente) e a data da alta e ter-lhe sido paga a indenmização por despesas médicas e medicamentosas efectuadas pelo sinistrado no valor de MOP25,032.00 e, em 20 dias, proceder ao pagamento da restante indemnização, no valor de MOP18,876.00.
    Entretanto a seguradora depositou nestes autos esta última quantia indemnizatória das despesas médicas e medicamentosas, dizendo que o autor se recusou a recebê-la directamente;
    A seguradora, discordando da IPP e da ITA que foram fixadas no exame médico, requereu a realização de uma junta médica que, por laudo unitário, entendeu que o sinistrado se encontra afectado de uma IPP de 7% em consequência do acidente em causa nestes autos e, também por laudo unitário, entendeu que o sinistrado sofreu ITA durante 360 dias.
    
    III - FUNDAMENTOS
    1. O objecto do presente recurso passa fundamentalmente por saber se houve falta de fundamentação na sentença proferida e erro de julgamento conducente a alteração da matéria de facto, invocando-se nulidade da sentença por falta de suporte válido que a sustente.
    No fundo o que o recorrente pretende é o reconhecimento de uma incapacidade permanente parcial de 10% contra 7% fixado pela junta médica e alargado o período de incapacidade temporária absoluta para 730 dias contra 360 dias fixado pela mesma junta.
    
    2. Em sede de tentativa de conciliação a recorrida aceitou que o sinistro se tratava de um acidente de trabalho, no nexo de causalidade, na retribuição do sinistrado e na transferência de responsabilidade para a ora recorrida.
    Acontece porém, que nessa mesma diligência não foi logrado alcançar o acordo global, em razão da discordância do grau de desvalorização a título de IPP e ITA.
    Efectivamente, as questões a dirimir nos presentes autos diziam respeito unicamente à incapacidade parcial permanente e ao número de dias referentes à ITA.
    A ora recorrida requereu nos termos do n.º 2 do artigo 71° do Código de Processo Trabalho o pedido de junta médica.
    Assim, em 8 de Junho 2011 foi levado a cabo a peritagem médica, por três peritos médicos, sendo que, unanimemente os três peritos sugerem um grau de desvalorização a titulo de IPP de 7% e 360 dias a titulo de ITA.
     Sucede porém, que o recorrente não se conforma com uma decisão colegial, pugnando por uma percentagem superior dada apenas por um perito médico em data anterior à da perícia médica.
    
    3. De todo, não assiste razão ao recorrente e nem interessa perder muito tempo na análise da questão, tão evidente se mostra a inconsistência da sua argumentação.
    Na sentença recorrida o Mmo Juiz, depois de referir a tramitação a que se procedeu e as diligências empreendidas nos autos, fez exarar o seguinte: considerando o resultado unitário e devidamente fundamentado do exame por Junta Médica de que o sinistrado se encontra afectado de uma IPP de 7% a partir de 24.10.2009, o resultado unitário do mesmo exame quanto à existência de 360 dias de ITA, a materialidade fáctica que ficou assente, por acordo, na tentativa de conciliação e o disposto nos artigos 2°, nº 1, 3°, al. a), 4°, 27°, 47°, nº 1, als. a), d) e c) e 54°, nº 8 do DL nº 40/95/M, de 14/08, decido condenar a Companhia de Seguros a pagar ao sinistrado:
    - a quantia de MOP.141,120.00 (cento e quarenta e um mil, cento e vinte Patacas - 700x30x96x7%) a título de indemnização pela incapacidade permanente parcial sofrida:
    - a quantia de MOP. 37 800,00 (trinta e sete mil e oitocentas patacas 81x700/3x2) a título de indemnização pela incapacidade temporária absoluta durante 81 dias que ainda não foi paga ao sinistrado.
    
    4. Desde logo se constata que o Mmo Juiz se louvou no relatório da junta médica e na documentação dos autos.
    Quanto ao facto de ser sucinta a fundamentação é o próprio Código de Processo de Trabalho que, em nome dos meios expeditos e da celeridade que se deve imprimir a tais processos, fala em várias normas numa sucinta fundamentação – cfr. artigos 56º, n.º 5, 42º, n.º 2, 70º, n.º 2, 74º.
    Destes normativos decorre efectivamente uma preocupação de celeridade, tudo apontando para a necessidade de o juiz não se perder numa exaustiva fundamentação.
    
    5. Ora, a decisão proferida baseia-se num relatório elaborado por três médicos, por unanimidade, tendo eles solicitado prazo para se debruçarem sobre o caso, não tendo deixado de se munir e consultar os dados clínicos do sinistrado.
    Dos elementos dos autos nada aponta no sentida da infirmação dessa conclusão aqueles peritos chegaram, não sendo menos certo que as partes não deixaram de ter a possibilidade de indicar o seu médico.
    E por que razão a opinião de um médico que num dado momento ia no sentido de uma incapacidade de 10% há-de valer mais do que a de três peritos médicos? Tal até poderia acontecer, mas aí tem de se evidenciar o erro, o que, manifestamente, não é o caso.
    Depois, vem o recorrente, quanto ao período de ITA apresentar uma série de documentos. Independentemente da eventual extemporaneidade dessa documentação, não se deixa de referir que esses documentos não têm de comprovar necessariamente o que ali se exara, o que significa, enquanto documentos particulares que o seu conteúdo reflecte tão somente a avaliação do seu subscritor. Quando um determinado médico diz que um paciente precisa deste ou daquele tempo para se curar, tal não significa que essa avaliação seja correcta.
    Mas, mesmo assim, nem sequer tais documentos são de molde a comprovar o tempo de incapacidade pretendida.
    
    6. O julgamento do presente recurso segue os termos da legislação processual civil comum (v., artigo 115º, n.º 1, do CPT), aplicando-se ainda aos presentes autos as regras de processo declarativo comum (cfr., artigo 65º do mesmo código) .
    Ora, a possibilidade conferida pela lei do processo civil, aplicável ao caso sub judíce, de reapreciação da matéria de facto não deve ser erigida num regime-regra, antes configura um meio excepcional, circunscrito às hipóteses em que a renovação dos meios de prova se revele absolutamente indispensável ao apuramento da verdade material e ao esclarecimento cabal das dúvidas surgidas quanto aos pontos da matéria de facto impugnada, pontos estes que devem ser concretizados e dos elementos apresentados resulte que se impõe uma resposta diferente.
    É exactamente aqui que cede a argumentação do recorrente, nada se evidenciando, como já se assinalou, no sentido de que a Junta falhou, não deixando esse de ser o elemento fundamental, ainda que não único, em que a sentença se louvou.
    Na verdade, eventual alteração da matéria de facto só pode ter lugar quando haja elementos cuja análise a imponham muito claramente, não sendo suficiente que a análise da prova possa sugerir respostas diferentes das que foram dadas.
    
    7. Não deixaremos, contudo, de dizer algo mais, ainda, quanto à apresentação dos documentos a que acima já se fez referência..
    Nos termos do artigo 616° do CPC as partes podem juntar documentos as alegações, nos casos excepcionais a que se refere o artigo 451°.
    Ora, o n.º 1 do artigo 451° só permite, no caso de recurso, a admissão de documentos apresentados após o encerramento da discussão quando a sua apresentação não tenha sido possível até aquele momento.
     O seu n.º 2 permite a apresentação em qualquer estado do processo de documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados ou que se tenham tornado necessários por causa de ocorrência posterior.
    No caso em apreço, os documentos juntos com a alegação podiam ter sido apresentados antes de ter sido proferida sentença.
    Não tendo o recorrente demonstrado qualquer razão válida para não apresentar antes da alegação de recurso, o certo é que não pode ser dada qualquer relevância ao facto alegado pelo recorrente, o que, em todo o caso, como se viu, não deixaria de ser inócuo.
    
    8. Termos em que não se verifica nulidade de sentença, nem a decisão da matéria de facto pode ser alterada por não se verificarem qualquer dos pressupostos previstos nas alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 629° do CPC.
    Tratando-se dos factos em questão sujeitos ao princípio geral da livre apreciação da prova, previsto no artigo 558°, n.º 1, do CPC, não tem este Tribunal poderes para censurar a convicção a que, a esse respeito, chegou a primeira instância, não só por não se verificarem os pressupostos previstos no citado artigo 629° desse mesmo Código, mas também porque, como vimos, não se mostra possível uma reescrita dos factos em causa.
    
    Tudo visto e ponderado resta decidir.
    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
    Custas pelo recorrente, levando-se em linha de conta com o apoio judiciário de que beneficia.
Macau, 12 de Janeiro de 2012,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
752/2011 15/15