Processo n.º 791/2010
(Recurso cível e laboral)
Data : 12/Janeiro/2012
ASSUNTOS:
- Reforma de documento; citação edital indevida
SUMÁRIO:
Se se passa à citação edital sem tentar a citação pessoal na residência do réu, em conformidade com o informado nos autos, tal irregularidade traduz-se numa nulidade consubstanciada, mais do que uma citação indevida, numa falta de citação e que arrasta a nulidade de todo o processado
O Relator,
(João Gil de Oliveira)
Processo n.º 791/2010
(Recurso Civil e Laboral)
Data: 12/Janeiro/2012
Recorrente: A
Recorridos (ausentes) : B
C
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
O autor A (XXX), melhor identificado nos autos, intentou contra o 1.º réu, B (XXX, aliás, XXX) e a 2.ª ré, C, também melhor identificados nos autos, a presente acção com processo de reforma de documentos, com fundamentos nos factos constantes da petição inicial a fls. 2 a 7 dos autos, pedindo a reforma do contrato de alienação da Vila XX (XX賓館, situada na Calçada de XX n.º X, Macau) celebrado entre o autor e o 1.º réu.
O autor apresentou os documentos a fls. 8 a 107 dos autos.
Este Tribunal procedeu à citação do 1.º réu e da 2.ª ré nos termos do artigo 867.º n.º 2 do Código de Processo Civil para comparecer à conferência, contudo, frustrou-se a referida citação.
Antes disso, este Tribunal procedeu à notificação nos termos do artigo 870.º alínea a) do Código de Processo Civil, contudo, nenhum interessado apresentou os devidos documentos antes ou depois da conferência.
Tendo sido proferida sentença, nos termos da qual foi a acção julgada improcedente e absolvidos os RR do pedido, vem o autor A recorrer, alegando em síntese conclusiva:
I. A “decisão recorrida” violou o artigo 869.º do Código de Processo Civil
1. Nos termos do artigo 869.º n.º 2 do Código de Processo Civil, “se não houver contestação, o juiz ordena a reforma do documento em conformidade com a petição inicial e, depois do trânsito em julgado da sentença, aplica-se o disposto no n.º 2 do artigo anterior, sendo a certidão do auto substituída por certidão da petição inicial e da sentença”.
2. Porém, no presente processo, depois de saber que nem os dois réus nem o Ministério Público que os representa apresentaram a contestação, o tribunal a quo não ordenou directamente a reforma do documento conforme o disposto referido no ponto anterior.
3. Contrariamente, o processo seguiu apenas os termos gerais do processo comum de declaração, e na “decisão recorrida”, o tribunal a quo provou os seguintes factos: Em Setembro de 1986, o 1.º outorgante e o autor (ora o recorrente) celebraram um acordo, pelo qual, o 1.º outorgante cedeu ao autor a exploração da referida Vila até agora, mas, não conseguiu provar que o conteúdo acima referido pelo autor corresponde ao acordo celebrado entre ambas as partes (vide fls. 4 da “decisão recorrida”).
4. O recorrente entende que, nos termos do artigo 629.º n.º 1 alínea b) do Código de Processo Civil e em conjugação com o artigo 436.º e as excepções previstas na última parte do artigo 438.º do mesmo Código, dado que os elementos dos autos revelam que o Ministério público não apresentou a contestação, o Tribunal de Segunda Instância absolutamente pode alterar directamente os factos constantes da “decisão recorrida” e ordenar a reforma do documento em conformidade com a petição inicial nos termos das regras especiais aplicáveis ao processo de reforma de documentos (artigo 869.º n.º 2), ou, pelo menos, revogar a “decisão recorrida”.
II. A “decisão recorrida” violou o artigo 194.º do Código de Processo Civil
5. O tribunal a quo procedeu à citação do 1.º réu B (XXX), aliás XXX por edital sem ter citado o mesmo por via postal ou pessoalmente conforme a residência constante dos autos que foi fornecida pela Direcção dos Serviços de Identidade de Macau, isto é, Avenida Demetrio Cinatti, n.º 3/a (vide fls. 126 e 138 dos autos).
6. A “citação edital” é uma forma de notificação, cuja realização só pode ser considerada adequada quando o citando se encontra ausente em parte incerta ou quando seja incerta a pessoa a citar ou quando é incerto o lugar em que o citando se encontra.
7. Contudo, apesar de existir nos autos o registo de residência do 1.º réu B (XXX), aliás XXX, o tribunal a quo ainda ordenou proceder à citação edital, acto esse já constitui a citação edital indevida.
8. Nos termos do artigo 141.º alínea c) do Código de Processo Civil, a citação edital indevida constitui a falta de citação.
9. Segundo os pontos de vista referidos nos aludidos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, a “decisão recorrida” enferma do vício da falta de citação por violação dos artigos 140.º alínea a), 141.º alínea c), 148.º e 194.º do Código de Processo Civil, e o tribunal a quo também não conheceu oficiosamente da referida omissão, por isso, deve anular todos os actos subsequentes que dependam absolutamente da citação nos termos do artigo 147.º do mesmo Código
Pelo que solicita se:
1) Julgue que a “decisão recorrida” violou o artigo 869.º n.º 2 do Código de Processo Civil, e em consequência, altere directamente a decisão recorrida do tribunal a quo, ordenando a reforma do documento em conformidade com a petição inicial, ou, pelos menos se revogue a “decisão recorrida”;
Caso assim se não entenda:
2) Se anulem todos os actos subsequentes que dependam absolutamente da citação nos termos do artigo 147.º do mesmo Código, incluindo a “decisão recorrida” por falta de citação do 1.º réu B (XXX), aliás XXX.
II – FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
- O 1.º réu é o titular da licença da Vila “XX” (em português: Vila XX, endereço: Calçada de XX n.º X, Macau);
- O prédio onde se situa a referida Vila está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 100XX, inscrito a favor da mulher do 1.º réu (ora a 2.ª ré), sob o n.º 330XX do Livro G26;
- O 1.º réu e o seu cônjuge, ora a 2.ª ré, são residentes de Hong Kong, estando sujeitos ao regime da separação de bens;
- Em Setembro de 1986, o 1.º réu e o autor celebraram um “acordo”, pelo qual, o 1.º réu cedeu ao autor a exploração da referida Vila até agora;
- Desde Setembro de 1986 até agora, os documentos referentes à referida “Vila” emitidos pelos serviços públicos de Macau, incluindo a licença da referida “Vila” emitida pela Direcção dos Serviços de Turismo e os documentos emitidos pela Direcção dos Serviços de Finanças, ou seja, o conhecimento da cobrança e a Notificação de Fixação de Rendimento do Imposto Complementar de Rendimentos e o conhecimento da cobrança da Contribuição Industrial (vide os documentos 4.º a 38.º) têm o nome do 1.º réu (XXX e/ou B e/ou XXX);
- Desde o ano de 2002, o autor não conseguiu contactar o 1.º réu e a 2.ª ré;
- Para tratar do assunto relativo à renovação da licença da referida Vila, o autor tentou contactar várias vezes o 1.º réu, porém, até agora, o autor ainda não tem qualquer notícia do 1.º réu;
- Dado que não conseguiu contactar o 1.º réu, o autor apresentou em seu nome o pedido de renovação da licença da referida Vila referente ao ano de 2005 e assinou a “declaração de responsabilidade inerente ao funcionamento” (vide o documento 83.º).
Mesmo que a Direcção dos Serviços de Turismo admitisse o aludido pedido e emitisse a guia para o pagamento da taxa de licença da referida Vila referente ao ano de 2005, contudo, até agora, as formalidades da renovação ou da alteração de titularidade ainda não se encontram concluídas.
III - FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso passa pela análise das seguintes questões:
- Devia ou não a Mma Juiz ter lavrado sentença em conformidade com a pretensão do A., na falta de contestação, reformando o documento desaparecido nos termos peticionados;
- Ocorre ou não nulidade de citação causadora de nulidade de todo o processo.
2. Defende o recorrente que a Mma Juiz violou o disposto no artigo 869º, n.º 2 do CPC (Código de Processo Civil) por não ter ordenado a reforma em conformidade com a petição inicial, pretendendo ainda que este Tribunal de recurso se substitua ao tribunal recorrido e proceda à reforma em conformidade com o peticionado.
Ainda que não inteiramente expressa a razão da Senhora Juiz em não proceder a tal reforma, tal não se deixa de compreender na medida em que se procedeu a uma citação edital dos RR. e estes nunca compareceram nem vieram ao processo.
Ora, essa revelia não pode deixar de se considerar inoperante em termos de dela se retirar um efeito cominatório, isto é, de forma a considerar que a sua não comparência permitiria com eles conferenciar visando a reforma consensual do documento ou por falta de contestação sua, tal implicaria se passasse, qual confissão ficta do pedido, à reforma automática do documento.
Este raciocínio, estas razões mais não são do que a aplicação a este processo do regime geral e as consequências do efeito cominatório resultante de uma falta de contestação em caso de citação edital ou pessoal, tal como decorre dos artigos 372º, n.º 1, 180º, 194º, 404º e 405, n.º 1 do CPC.
3. Pensamos, contudo que, antes de proceder à análise deste raciocínio implícito da Mma Juiz e de o ratificar aqui, lógica e cronologicamente, há uma outra questão que, aliás, vem suscitada e se prende com a irregular citação processada nos autos e que será invalidante em termos de nulidade de todo o processado.
Alega o recorrente que ocorre violação do artigo 194º do CPC.
No essencial, terá sido ordenada a citação edital dos dois réus por se ter entendido erradamente que se frustrou a sua citação pessoal.
Isto é, passou-se à citação edital do 1º réu B sem o mesmo ter sido ou se ter tentado a sua citação pessoal na sua residência em conformidade com o que fora informado nos autos pelos Serviços de Identificação, isto é , na Av. Demetrio Cinatti, n.º 3/a.
Assim é de facto.
Esta irregularidade é patente e nos termos do artigo 141º, c) do CPC a citação edital indevida constitui falta de citação.
Tal falta gera a nulidade absoluta de todo o processado subsequente nos termos do artigo 140º do CPC.
Tanto basta para que a decisão fique por aqui, reconhecendo-se a existência de tal nulidade, devendo o processo baixar para a tramitação em conformidade.
IV - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em conceder parcial provimento ao recurso e, anulando o processado, devem os autos baixar à 1ª Instância a fim de se proceder a nova citação e posterior tramitação.
Custas pela recorrente com a taxa mínima
Macau, 12 de Janeiro de 2012,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
791/2010 10/10