Processo nº 252/2010
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 12 de Janeiro de 2012
ASSUNTO:
- O nº 2 do artº 9º do DL nº 41/93/M
- Transacção
SUMÁRIO:
- O nº 2 do artº 9º do DL nº 41/93/M visa dar protecção à Autora enquanto concessionária do serviço público da produção, importação, exportação, transporte, distribuição e venda de energia eléctrica para que não fique prejudicada com mudança do consumidor.
- Uma vez adquirido o conhecimento da identidade do novo consumidor, deixa de ter necessidade da protecção daquela norma, por o objectivo da mesma já estar alcançado.
- Nos termos do nº 1 do artº 1172º do C.C., a transacção é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões.
O Relator,
Ho Wai Neng
Processo nº 252/2010
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 12 de Janeiro de 2012
Recorrente: Sociedade de Investimentos e Fomento Imobiliário A, Lda. (3ª Ré)
Recorrida: Companhia de Electricidade de Macau, CEM – SA (Autora)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
Por Sentença de 16/09/2009, decidiu-se condenar a 3ª Ré, Sociedade de Investimentos e Fomento Imobiliário A, Lda., a pagar à Autora a quantia no valor de MOP$2,128,073.20.
Dessa decisão vem recorrer a 3ª Ré, Sociedade de Investimentos e Fomento Imobiliário A, Lda., alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
I. A A. e a 3.ª R. celebraram em 21 e 22 de Maio de 1993, quinze contratos de fornecimento de energia eléctrica às partes comuns do prédio em regime de propriedade horizontal denominado Ed. XXX, Blocos 1 a 14 e parque de estacionamento, referenciados com os n.º 2000747124, 2000747140, 2000747159, 2000747167, 2000747175, 2000747183, 2000747191, 2000747213, 2000747221, 2000747230, 2000747256, 2000747264, 2000747272, 2000747280, 2000747620. em que a A. se obrigou a A. a fornecer. e a 3.ª R. a adquirir, energia eléctrica, de forma unitária e duradoura, pagando como contra prestação os montantes dos seus consumos, resultantes da aplicação dos Principios Gerais do Sistema Tarifário
II. À data (21 e 22 de Maio de 1993), conforme pode ser verificaân da certidão do registo predial relativa ao prédio [junta como Doc. n.º 2 à contestação] a proprietária de todas as fracções de tal prédio era a "Companhia de Construção e Fomento Predial XXX Limitada", sendo a sociedade 3.ª R. sómente sua procuradora, nos termos dos factos provados.
III. Nos termos do art, 3.º n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.° 43/91/M de 15 de Julho, que aprova o contrato-tipo para o fornecimento de energia eléctrica em baixa e média tensão a celebrar entre a sociedade concessionária do serviço "Companhia de Electricidade de Macau, CEM, S.A.R.L." e o "Consumidor" e os direitos e os deveres de cada uma das partes no contrato de fornecimento e venda de energia, o contrato apenas poderá ser celebrado entre a concessionária e a pessoa que prove, por meio idóneo, a posse legítima, em nome próprio ou alheio, ou seja, a posse que resulta da titularidade dos direitos de propriedade, de usufruto, de concessão de superfície e de cessão onerosa ou gratuita do gozo, do imável ou de parte dele a ser alimentado de energia eléctrica.
IV. Os referidos contratos são nulos, porque celebrados por quem não tinha qualquer legitimidade para dispor das partes comuns do Ed. XXX, que eram bem alheio, foi feita Indevida interprewçtio e aplicação do art. 892.º do C.C. anterior [actual art. 882.º do C.C.], aplicável por via do art. 939º do anterior C.C. [actual art. 933.º do C.C.]
V. Existe uma subrogação legal na posição de consumidorr no contrato de fornecimenm de electricidade às partes comuns, celebrado com a A., "CEM", cada vez que os direitos reais de uma fracção são transmitidos por uma pessoa a outra, e o reconhecimento de tal cessão da posição contratual na posição de consumidor impõe-se à entidade fornecedora a partir da data do registo de aquisição de tais direitos na Conservatória do Registo Predial de Macau, não sendo necessária qualquer manifestação de vontade dos contraentes para que tal cessão de posição contratual na posição de consumidor no contrato produza efeitos e se considerem os condóminos de um edificio em regime de propriedade horizontal obrigados ao pagamento dos consumos de energia eléctrica fornecida às partes comuns do edificio- entendimento diverso faz indevida interpretação e aplicação dos artigos 1323.º, 1324.º e 1332.º n.º 3, b) do actual C.C.
VI. Desde a data da celebração dos contratos de fornecimento de electricidade às partes comuns do Ed XXX que a A. sabe que as instalações às quais é fornecida a electridade não são da 3.ª R.; tal facto também é revelado pelo contrato que a A. celebrou em 12.12.2005 com a 1.ª R. "Companhia de Gestão de Propriedades XX, Limitada", esta na qualidade de prestadora de serviços de administração ao condomínio do Ed XX, composto de 14 blocos e parque de estacionamento. É um manifesto abuso de direito, que torna ilegítimo o exercício do direito, que a A. peça a condenação da 3.ª R. no pagamento da dívida ao abrigo do n º 2, do art. 9.º do Decreto-Lei n.º 43/91/M de 15 de Julho, i.e. "por falta de comunicação da cedência de exploração das suas instalações" - entendimento diverso faz indevida interpretação e aplicação do art. 326.º do C.C.
Pedindo no final que seja revogada a sentença recorrida e substituída por outra que a absolva dos pedidos.
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A Autora, Companhia de Electricidade de Macau, CEM – SA, respondeu à motivação do recurso da 3ª Ré, nos termos constantes a fls. 610 a 620 dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso interposto.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Fica assente a seguinte factualidade pela 1ª Instância:
A. 原告為一股份有限公司,經營範圍是以專營方式生產、輸入、運送、供給和出售高、中、低壓電力。
B. 第一被告為一有限責任公司,以物業管理為經營範圍。
C. 第二被告是XXX所有人大會於2003年11月29日選舉的業主委員會,負責大廈公共部份的管理。
D. 第三被告為一有限責任公司,經營範圍為:房地產投資,出入口,批發零售,物業及產品代理。
E. 第四被告為第三被告的法人代表。
F. 第五被告是XXX所有人大會於2005年12月24日選舉的業主委員會,負責大廈公共部份的管理。
G. 自1999年至2005年5月23日,XXX的公共管理由“XX物業管理”執行,其所有人為XXX。
H. 上述期間,存在著事實管理關係,即:XXX的管理實質上由“XX物業管理”提供,所有XXX的分層單位所有人向其支付相關的管理服務費用,以供支出,包括電費。
I. 2005年5月24日開始,根據初級法院於CV2-05-0002-CPV程序中所作的決定,“XX物業管理”不再執行管理工作。
J. 至少於2005年5月24日至2006年5月28日,XXX的管理由第一被告和第二被告執行。
K. 第一被告由第二被告聘請,進行XXX的管理。
L. 2005年12月12日,第一被告作為由14座大廈和停車場組成的XXX之管理公司,承認並同意支付澳門幣1030880圓的欠繳電費以及欠費罰款,並且即場支付了澳門幣200000圓。
M. 2005年5月至2006 年1月,XXX共欠繳電費澳門幣1311500圓,欠費單之具體情況如下:
- 合同2000747124 (XXX第一座電費):澳門幣97460圓;
- 合同2000747140 (XXX第二座電費):澳門幣88400圓;
- 合同2000747159 (XXX第三座電費):澳門幣92230圓;
- 合同2000747167 (XXX第四座電費):澳門幣89180圓;
- 合同2000747175 (XXX第五座電費):澳門幣89890圓;
- 合同2000747183 (XXX第六座電費):澳門幣88890圓;
- 合同2000747191 (XXX第七座電費):澳門幣89200圓;
- 合同2000747213 (XXX第八座電費):澳門幣84410圓;
- 合同2000747221 (XXX第九座電費):澳門幣84950圓;
- 合同2000747230 (XXX第十座電費):澳門幣93070圓;
- 合同2000747256 (XXX第十一座電費):澳門幣91010圓;
- 合同2000747264 (XXX第十二座電費):澳門幣85150圓;
- 合同2000747272 (XXX第十三座電費):澳門幣90140圓;
- 合同2000747280 (XXX第十四座電費):澳門幣91830圓;
- 合同2000747620 (XXX停車場電費):澳門幣55690圓。
N. 上述單據的到期支付日為2006年2月28日。
O. 截至2006年5月28日,XXX共欠繳電費澳門幣2128073.20圓,到期支付日為2006年6月15日。欠費單之具體情況如下:
- 合同2000747124 (XXX第一座電費):澳門幣159120.60圓;
- 合同2000747140 (XXX第二座電費):澳門幣143032.10圓;
- 合同2000747159 (XXX第三座電費):澳門幣149665.50圓;
- 合同2000747167 (XXX第四座電費):澳門幣143220.10圓;
- 合同2000747175 (XXX第五座電費):澳門幣144547.80圓;
- 合同2000747183 (XXX第六座電費):澳門幣144476.50圓;
- 合同2000747191 (XXX第七座電費):澳門幣145389.70圓;
- 合同2000747213 (XXX第八座電費):澳門幣137533.40圓;
- 合同2000747221 (XXX第九座電費):澳門幣138098.80圓;
- 合同2000747230 (XXX第十座電費):澳門幣151996圓;
- 合同2000747256 (XXX第十一座電費):澳門幣149249.70圓;
- 合同2000747264 (XXX第十二座電費):澳門幣139818圓;
- 合同2000747272 (XXX第十三座電費):澳門幣144315圓;
- 合同2000747280 (XXX第十四座電費):澳門幣147722.90圓;
- 合同2000747620 (XXX停車場電費):澳門幣89877.10圓。
P. 上述合同的目的在於為XXX第一座至第十四座之公共設施良好運作而提供電力,包括公共照明。
Q. 原告和第三被告於1993年5月21和22日,簽立了15份供電合同,編號為:2000747124、2000747140、2000747159、2000747167、2000747175、2000747183、2000747191、2000747213、2000747221、2000747230、2000747256、2000747264、 2000747272、2000747280、2000747620。
R. 根據該等合同,原告和第三被告持續地提供和購買電力。
S. 作為購買電力的費用,第三被告支付所消耗之電力的費用,金額適用 “電費一般標準”。
T. 第三被告沒有告知原告其終止供電合同的意願。
U. 至今,仍無人支付上述欠繳電費及欠費罰款。
V. 在設立分層不動產時,第三被告作為所有不動產獨立單位所有人“XXX建築置業有限公司”的代理人,興建及出售XXX的獨立單位。
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III – Fundamentos
O presente recurso consiste em apurar quem é responsável pelo pagamento das despesas emergentes do consumo de energia eléctrica das partes comuns dos prédios em referência.
Num primeiro momento, uma vez que o consumo de energia eléctrica foi realizado no âmbito dos contratos de fornecimento celebrados com a 3ª Ré, seria ela responsável pelo pagamento das mesmas, pois assumiu a qualidade de consumidor primitivo e não cumpriu o dever de comunicação previsto no nº 2 do artº 9º do DL nº 43/91/M, de 15/07, nos termos do qual “O Consumidor que, por qualquer forma, ceder a exploração das suas instalações, deverá participar à Concessionária o nome e a morada ou sede do novo Consumidor, sob pena de, e até à data em que o fizer, continuar responsável por todos os débitos à Concessionária”.
Contudo, melhor analisada a situação concreta do caso, a resposta não parece tão linear.
As despesas emergentes do consumo de energia eléctrica dizem respeito ao período entre 24/05/2005 e 28/05/2006.
Nos termos da al. b) do nº 3 do artº 1332º do C.C., as despesas relativas aos consumos de energia eléctrica das partes comuns ficam englobadas nas despesas de condomínio a suportar pelos condóminos.
Naquela altura, era a 1ª Ré, Companhia de Gestão de Propriedades XX, Lda., quem administrava as partes comuns dos edifícios em causa, sob incumbência da 2ª Ré, Comissão da Administração do Condominio XXX.
Nesta qualidade, a 1ª Ré tinha, naquela altura, o direito de receber as despesas de condomínio junto dos condóminos dos edifícios em causa.
Pois, como prática corrente na RAEM e é de conhecimento geral da população, a companhia que administra as partes comuns de um edifício cobra junto aos condóminos do edifício um determinado montante a título de “despesas de gestão” “管理費”, o qual abrange as despesas ordinárias de condomínio, nomeadamente as despesas com o consumo de energia eléctrica das partes comuns, bem como o lucro da companhia pela gestão das partes comuns.
Por outro lado, no acordo celebrado entre a Autora e a 1ª Ré, esta reconheceu, em 12/12/2005, ser devedora das despesas relativas ao consumo de energia eléctrica das partes comuns desde 24/05/2005 até àquela data, no valor de MOP$1.030.880,00.
No acto da assinatura do acordo em referência, a 1ª Ré pagou à Autora, por cheque, o montante de MOP$200.000,00, comprometendo-se pagar o remanescente pela forma a acordar com a Autora antes de 30/12/2005.
Mais acordaram ainda que se não conseguirem chegar ao novo acordo até 30/12/2005 quanto ao pagamento das dívidas em falta, a Autora goza da faculdade de suspender o fornecimento da electricidade.
Não ignoramos que o acordo em referência é assinado apenas por um administrador da 1ª Ré e segundo o seu registo comercial, a forma de obrigar carece da assinatura de 2 administradores.
Todavia, como no mesmo acto foi paga parcialmente a dívida (MOP$200.000,00) através de um cheque em nome da 1ª Ré, que nunca impugnou a validade do acordo, entendemos que, não obstante o acordo ter sido assinado apenas por um administrador, a 1ª Ré acabou por aceitar a sua vinculação.
Pelos factos acima descritos, demonstra que a Autora, pelo menos em 12/12/2005, já sabia que a 3ª Ré não é o consumidor efectivo da energia eléctrica das partes comuns dos edifícios em causa.
Cessa assim imediatamente o dever de comunicação por parte da 3ª Ré a partir daquela data, pois, o nº 2 do artº 9º do DL nº 41/93/M visa dar protecção à Autora enquanto concessionária do serviço público da produção, importação, exportação, transporte, distribuição e venda de energia eléctrica para que não fique prejudicada com mudança do consumidor.
Uma vez adquirido o conhecimento da identidade do novo consumidor, deixa de ter necessidade da protecção daquela norma, por o objectivo da mesma já estar alcançado.
Cessando o dever de comunicação, a 3ª Ré deixa de ser responsável pelas despesas relativas ao consumo de energia eléctrica em causa perante a Autora a partir daquela data.
Em bom rigor, a Autora deveria celebrar um novo contrato de fornecimento de energia eléctrica com o novo utente.
Não o fazendo, não pode, sob pena de violar o princípio de boa-fé, vir exigir à 3ª Ré o pagamento das despesas relativas ao consumo de energia em causa a partir daquela data ao abrigo do nº 2 do artº 9º do DL nº 41/93/M.
E em relação às despesas do consumo de energia eléctrica anteriores àquela data? Será a 3ª Ré responsável pelo pagamento das mesmas pelo incumprimento do dever de comunicação previsto no nº 2 do artº 9º do DL nº 41/93/M?
Cremos que não.
O acordo entre a 1ª Ré e a Autora acima em referência consiste em duas partes: uma, o reconhecimento da dívida (despesas de consumo de electricidade no período de 24/05/2005 a 12/12/2005) por parte da 1ª Ré, e outra, aceitação por parte da Autora desta assunção da responsabilidade e da forma de liquidação.
Este acordo não é uma mera declaração unilateral de reconhecimento da dívida por parte da 1ª Ré, mas sim uma transacção entre a 1ª Ré e a Autora para a resolução do litígio.
Pois, nos termos do nº 1 do artº 1172º do C.C., a transacção é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões.
Com esta transacção, fica eximida a responsabilidade da 3ª Ré pelo pagamento das referidas despesas como consumidor primitivo (e não consumidor efectivo) que não cumpriu o dever de comunicação previsto no nº 2 do artº 9º do DL nº 41/93/M, visto que a própria Autora aceitou a 1ª Ré como devedora das dívidas em causa, bem como a respectiva forma de pagamento.
Pelo exposto , o recurso não deixa de se julgar procedente.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conceder provimento ao presente recurso, absolvendo a 3ª Ré, Sociedade de Investimentos e Fomento Imobiliário A, Lda., do pedido e revogando a sentença recorrida nesta parte.
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Custas pela Autora em ambas as instâncias nesta parte.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 12 de Janeiro de 2012.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong (subscrevo por razões de justiça material, sem prejuízo da reponderação ulterior da questão tendo em conta a clareza do preceitado no art.º 9º/2 do D.L. 43/91/M de 15 Julho.)
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252/2010