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Processo nº 786/2011 Data: 12.01.2012
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “roubo”.
Erro notório na apreciação da prova.
Pena.
Atenuação especial.



SUMÁRIO

1. O “vício de erro notório na apreciação da prova”, (como vício da decisão da matéria de facto), apenas ocorre “quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”

É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.

2. Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.

3. A atenuação especial da pena é de aplicação excepcional, só podendo ter lugar em casos “excepcionais” ou “extraordinários”, ou seja, quando a conduta em causa se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo,

O relator,

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José Maria Dias Azedo

Processo nº 786/2011
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão do Colectivo do T.J.B. decidiu-se condenar os (1° e 2°) arguidos A e B, como co-autores da prática, em concurso real, de 2 crimes de “roubo (qualificado)” e outros 2 na forma tentada, fixando-se-lhes, em cúmulo jurídico, a pena única e individual de 6 anos e 6 meses de prisão e 6 anos de prisão, respectivamente; (cfr., fls. 212 a 213).

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Inconformados, os arguidos recorreram.
Na sua motivação de recurso, assim conclui o (1°) arguido A:

“1. Na decisão proferida o acórdão ora recorrido, existe erro na aplicação da lei (isto é, o artigo 65.° do Código Penal quanto à determinação da medida da pena).
2. Na fixação da aludida duração da pena efectiva, o tribunal colectivo recorrido não ponderou suficientemente algumas circunstâncias dadas como provadas e muito importantes para a determinação da medida da pena, nomeadamente: as circunstâncias dos crimes de roubo dadas como provadas no presente caso não causaram prejuízos pessoais concretos, e conforme a actual situação económica da RAEM, o valor dos prejuízos patrimoniais unicamente causados no presente caso não é elevado.
3. Entende o recorrente que, no caso sub judice, a duração da pena adequada para o recorrente não deve ultrapassar 4 anos (…)”; (cfr., fls. 235 a 238 e 299 a 303).

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Por sua vez, nestes termos concluiu o (2°) arguido B:

“1. No caso sub judice, o recorrente foi condenado pela prática de dois crimes de roubo qualificado na pena de 3 anos e 9 meses de prisão cada; pela prática de um crime de roubo qualificado (na forma tentada) na pena de 1 ano e 9 meses de prisão e pela prática de um crime de roubo (na forma tentada) na pena de 1 ano de prisão. Em cúmulo jurídico, foi o recorrente condenado numa pena única de 6 anos de prisão efectiva.
2. Existe no referido acórdão a questão jurídica prevista no artigo 400.º n.º 1 alínea c) do Código de Processo Penal, isto é, erro notório na apreciação da prova, gerando assim a nulidade do referido acórdão.
3. Compulsando todos os autos, o 2.º arguido (ora o recorrente) confessou, desde o início, que roubou o telemóvel do ofendido, e depois, vendeu-o numa loja situada em Gongbei e dividiu o dinheiro obtido com a venda do referido telemóvel em partes iguais
4. Dos depoimentos prestados pelo recorrente, 1.º e 2.º ofendidos e dos factos dados como provados em relação aos 1.º e 2.º ofendidos, resulta que todos os crimes de roubo envolvidos foram praticados pelo recorrente em colaboração com o 1.º arguido, nos quais eles exigiram que os ofendidos entregassem os telemóveis e os cartões de estudante com fotografia deles, porém, nunca lhes exigiram que entregassem o dinheiro ou outros bens de valores.
5. Porém, nos autos não se encontra nenhum elemento que demonstra que o recorrente, com excepção de ter intenção de roubar o telemóvel do 3.º ofendido, ainda tinha outra intenção de roubar a quantia de MOP$600,00 em numerário que continha na carteira do 3.º ofendido e a quantia de MOP$450,00 em numerário que continha na carteira do 4.º ofendido.
6. Além disso, o canivete de cor prateada que detinha na posse do recorrente é o objecto que o recorrente trazia sempre consigo, estando pendurado juntamente com as chaves da sua casa, pelo que, não se deve chegar à conclusão de que o canivete de cor prateada na posse do recorrente é o instrumento da prática dos crimes de roubo.
7. Pelo que, obviamente, conforme os factos dados como provados, é difícil chegar à conclusão de que o recorrente roubou conjuntamente com o 1.º arguido e na forma tentada o dinheiro do 4.º ofendido e roubou o 3.º arguido com arma na forma tentada e qualificada.
8. Apesar de ser livre para os juízes apreciarem os depoimentos testemunhais, os juízes ainda devem considerar as circunstâncias concretas do caso e os depoimentos prestados pelas testemunhas;
9. Pelo acima exposto, ao provar os factos subjectivos, nomeadamente o facto de que com excepção de roubar os telemóveis dos ofendidos, se o recorrente ainda tinha intenção de roubar outros bens de valores (especialmente o dinheiro que os dois ofendidos tinham na sua posse), parece que os juízes do tribunal a quo ignoraram a maioria das provas contraditórias existentes nos autos e chegou assim a provar que o recorrente roubou o 4.º ofendido e roubou o 3.º arguido com arma, o que parece que existe um certo nível de erro na convicção dos factos.
10. Ao considerar a medida da pena concreta dentro da moldura penal de 3 anos e 9 meses a 10 anos e 3 meses de prisão, os juízes do Tribunal Colectivo fixaram ao recorrente uma pena demasiado pesada.
11. Ao determinar a medida da pena concreta, o tribunal colectivo não considerou completamente o artigo 40.º n.º 1 do Código Penal.
12. Ao determinar a medida da pena concreta, o tribunal colectivo não considerou completamente o artigo 65.º do Código Penal.
13. Quanto à prevenção geral, já que os bens jurídicos foram violados, a determinação da medida da pena deve ser feita num ponto de vista perspectivo, pelo que, deve ser baixo o ponto de partida para a determinação da pena de prisão.
14. A nível da prevenção especial, no caso sub judice, o recorrente confessou parcialmente os factos imputados perante o tribunal, isto significa que o recorrente teve uma atitude colaborativa, dando importância ao julgamento do tribunal, tendo uma atitude honesta, estando disposto a assumir a responsabilidade das suas condutas criminosas e mostrando-se arrependido, pelo que, o tribunal colectivo deve considerar todos os aspectos acima referidos e o ponto de equilíbrio que preenche as finalidades da prevenção geral e da prevenção especial deve ser inferior a 6 anos de prisão.
15. O acórdão do tribunal colectivo deve considerar a prevenção geral e a prevenção especial, e finalmente, ao fixar a pena ao recorrente, deve encontrar um ponto de equilíbrio nos termos da prevenção geral e da prevenção especial, o qual deve ser inferior a 6 anos de prisão.
16. Ao determinar a pena concreta da pena, o tribunal colectivo não considerou completamente o artigo 65.º n.º 2 alínea e) do Código Penal de Macau. O recorrente confessou parcialmente os factos imputados, o que preenche o artigo 65.º n.º 2 alínea e) do Código Penal de Macau, pelo que, isto deve ser ponderado na determinação da medida da pena, de forma a baixar a culpa do recorrente.
17. Dentro da moldura penal de 3 anos e 9 meses a 10 anos e 3 meses de prisão, só a pena inferior a 6 anos de prisão preenche os artigos 40.º n.º 1 e 65.º do Código Penal”; (cfr., fls. 240 a 248 e 304 a 321).

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Respondendo, é o Exmo. Magistrado do Ministério Público de opinião que os recursos devem ser rejeitados; (cfr., fls. 253 a 257-v e 322 a 344).

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Admitidos os recursos e remetidos os autos a este T.S.I. com efeito e modo de subida adequadamente fixados, em sede de vista, emitiu o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Antes de mais, subscrevemos as criteriosas explanações da nossa Exma. Colega na Resposta (cfr. fls.253 a 254 verso e 255 a 257 verso, traduzias respectivamente de tls.322 a 329 e 330 a 343 dos autos), e nada temos, de relevante, a acrescentar-lhes.
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1. Do Recurso do Arguido A
Na sua Motivação (fls.236 a 237, tradução em fls.301 a 303 dos autos), o arguido/recorrente A assacou apenas o erro de direito - errada aplicação do art.65° do CP, invocando que na fixação da pena concreta de 6 anos e 6 meses de prisão, o Tribunal a quo não ponderava algumas circunstância importantes, nomeadamente, a inexistências de prejuízos pessoais e o valor diminuto dos danos patrimoniais.
Na nossa óptica, tratam-se de argumentos manifestamente infundados, impertinentes e não operativos para os efeitos por si pretendidos - substituição daquela pena concretamente aplicada pela outra que não deveria ultrapassar 4 anos.
Pois, como bem observou e frisou a nossa colega, o próprio Acórdão recorrido mostra nitidamente que ao fixar tanto as penas parcelares como a única mediante o cúmulo jurídico, o Tribunal a quo procedeu à ponderação global e equilibrada de todas as circunstâncias.
Repare-se que na co-autoria material, os dois praticaram 4 roubos no curto período de 27 dias (de 13/01 a 08/02 do ano corrente). Tal elevada frequência torna óbvia a gravidade da ilicitude e a forte perigosidade para a paz e tranquilidade públicas.
Importa ainda ter presente que são estudantes todos os ofendidos e menores três deles - a escolha de alvos implica, além do dolo directo, premeditação e a perversidade. O que significa a fortíssima intensividade da culpa.
Tudo isto revela que não se verifica o assacado o erro de direito, e é manifestamente infundada a pretensão da substituição da pena concretamente aplicada pela outra que não ultrapassaria a 4 anos. Daí resulta a improcedência do recurso em apreço.
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2. Do Recurso do Arguido B
Por sua vez, esse arguido/recorrente B suscitou o erro notório na apreciação de prova previsto no art.400.0 n.02-c) do CPP, e a violação das disposições nos arts.40.° n.°1 e 65° n.°2-e) do CP, por haver a confissão dos crimes imputados.
2.1- A invocação do erro notório na apreciação de prova encontra-se nas conclusões 2a a 9a da Motivação (fls.240 a 248, tradução em fls.306 a 321 dos autos). O argumento fulcral consiste em que «conforme os factos dados como provados, é difícil chegar à conclusão de que o recorrente roubou conjuntamente com o 1° arguido e na forma tentada o dinheiro do 4° ofendido e roubou o 3.° ofendido com arma na forma tentada e qualificada.»
É verdade que os arguidos/recorrentes B e A roubaram só telemóveis dos 1° e 2° ofendidos. Todavia, isso não implica que os arguidos/recorrentes tivessem interesse apenas em telemóvel, ao contrário, tal conduta representa que os dois tinham intenção e plano de roubarem qualquer coisa de valor económico. Com bem observou a Colega na Resposta - segundo regra geral da experiência comum, qualquer coisa de valor económico é alvo do crime de roubo.
De outro lado, também como frisou a Colega, e bem, que «根據一般經驗法則,在考慮有關銀色折刀的形狀、長度及鋒利程度,有關折刀亦不可能是一般人的隨身物品,相反可合理地認為該折刀是將用作搶劫時之武器。» (a 5a conclusão da Resposta).
Enfim, não se vislumbra o invocado erro notório na apreciação de prova, pois a apreciação de prova do Tribunal a quo se apresenta sã, por estar em plena conformidade com as regras da experiência, as regras da lógica e com o senso comum.
As própria conclusões 2a a 9a da Motivação mostram que com as mesmas, o recorrente tentou, no fundo, criticar a livre convicção do Tribunal a quo sobre as provas globalmente valorizadas, o que é proibido pelo art.1l4° do CPP.
2.2- Em sede da violação das disposições nos arts.40.° n.°1 e 65° n. °2-e) do CP, o recorrente alegou, como circunstâncias de atenuação especial da pena, a sua cooperação, a atenção ao julgamento, a confissão, o senso da responsabilidade e o arrependimento.
Ora, é ponto pacífico e assente que a atenuação especial da pena é de aplicação excepcional, só podendo ter lugar em casos “excepcionais” ou “extraordinários”, ou seja, quando a conduta em causa se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo. (vide. Acórdão do TUI no Processo n.°20/2004, e Acórdão do TSI no Processo n.°355/2011)
Pois, não é uma qualquer das circunstâncias previstas no n.°2 do art.66. ° do Código Penal ou semelhantes logo capaz de accionar o regime de atenuação especial da pena, antes tem de apreciar todo o quadro da actuação do agente para ponderar a atenuação especial e encontrar a medida concreta da pena. (vide. Acórdão do TUI no Processo n.°20/2004)
Com efeito, para poder beneficiar da atenuação especial da pena prevista no art.66.° do Código Penal, é necessário que se verifica uma situação de diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena, em resultado da existência de circunstâncias com essa virtualidade. (vide. Acórdão do TUI no Processo n.°20/2004)
Em esteira das citadas jurisprudências, opinamos que nenhuma das circunstâncias poderão desencadear a virtude da atenuação especial da pena, pelo que não se verifica a invocada violação das disposições nos arts.40.° n.° 1 e 65° n.°2-e) do CP.
2.3- Ponderando o que ficou exposto acima, não podemos deixar de concluir pela improcedência dos fundamentos do arguido/recorrente B.
***
Por todo exposto, somos do parecer de que se deverá negar provimento a ambos os dois recursos”; (cfr., fls. 280 a 282).

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Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados os factos elencados a fls. 209-v a 211 do Acórdão recorrido e que aqui se dão como reproduzidos para todos os efeitos leigais.


Do direito

3. Dois são os recursos trazidos à apreciação deste T.S.I..

Em ambos os recursos, e não discutindo a qualificação jurídico-penal operada pelo T.J.B., colocam os recorrentes a questão da “adequação da pena”, certo sendo que no recurso do (2°) arguido B, afirma também o mesmo que a decisão recorrida padece do vício de “erro notório na apreciação da prova”.

Da reflexão que nos foi possível efectuar, cremos que nenhuma razão tem os recorrentes, apresentando-se-nos ambos os recursos de rejeitar dada a sua manifesta improcedência; (cfr., art. 410°, n.° 1 do C.P.P.M.).

Passa-se a (tentar) expor este nosso ponto de vista, começando-se pelo assacado vício de “erro notório”.

–– Como em anteriores decisões temos vindo a afirmar, o “vício de erro notório na apreciação da prova”, (como vício da decisão da matéria de facto), apenas ocorre “quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”

De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 07.12.2011, Proc. n.° 656/2011 do ora relator).

No caso dos presentes autos, e tanto quanto se alcança da motivação e conclusões do recurso do (2°) arguido B, considera este recorrente que incorreu o Colectivo a quo no vício em questão dado que deu como provado que com as suas condutas pretendiam os ora recorrentes apropriar-se de “bens” dos ofendidos e não apenas dos seus telemóveis.

Ora, face ao que se consignou quanto ao sentido e alcance do vício ora em apreciação, evidente se nos mostra que labora o recorrente em equívoco.

Com efeito, a dita “matéria de facto” não se nos apresenta desrespeitadora das regras sobre o valor da prova tarifada, (que, no caso, não existe), nem tão pouco das regras de experiência e legis artis.

Pelo contrário, (e como também se nota no Parecer do Ilustre Procurador Adjunto), até se nos apresenta em harmonia com as ditas “regras de experiência”, sendo de referir que provado está que os recorrentes, após os roubos (consumados), venderam os telemóveis dos respectivos ofendidos, repartindo depois o dinheiro que assim conseguiam, o que não deixa de ser demonstrativo do que se deixou consignado.

Inexiste, assim, o apontado erro.

–– Quanto às “penas”.

Como se deixou relatado, foram os recorrentes condenados como co-autores da prática, em concurso real, de 2 crimes de “roubo (qualificado)” e outros 2 na forma tentada, fixando-se-lhes, em cúmulo jurídico, a pena única e individual de 6 anos e 6 meses de prisão e 6 anos de prisão, respectivamente.

E, como cremos que sem esforço se mostra de concluir, também aqui não cremos que censura mereça o decidido pelo Colectivo do T.J.B..

Vejamos.

Desde já, evidente é que totalmente inviável é uma atenuação especial da pena (por motivos que não sejam devidos à forma de cometimento de 2 crimes na forma tentada), pois que, como tem este T.S.I. vindo a decidir, a atenuação especial da pena é de aplicação excepcional, só podendo ter lugar em casos “excepcionais” ou “extraordinários”, ou seja, quando a conduta em causa se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo; (cfr., v.g. o Acórdão de 14.04.2011, Proc. n°130/2011 e de 27.10.2011, Proc. n° 641/2011).

No caso, aos crimes de “roubo qualificado” (consumados) cometidos pelos ora recorrentes cabe a pena de 3 a 15 anos de prisão, sendo que para um dos “tentados”, cabe tal pena com a atenuação a que se refere o art. 67° do C.P.M., ou seja, (em virtude de tal “forma de cometimento” do crime), ao mesmo cabe a dita pena, reduzida de 1/3 no seu limite máximo e reduzida a 1/5 no seu limite mínimo.

Tendo o Tribunal a quo fixado em 3 anos e 9 meses de prisão a pena para os 2 crimes de roubo qualificado consumados, e a de 1 ano e 9 meses de prisão, para o outro crime de roubo qualificado cometido na forma tentada, afigura-se-nos que adequadas são tais penas.

Quanto ao restante crime de roubo (simples) tentado, fixou o Colectivo a quo a pena de 1 ano de prisão.

Ora, também aqui cremos que reparo não merece o decidido.

Na verdade, e como temos vindo a entender, “na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.02.2000, Proc. n° 2/2000, e, mais recentemente, de 29.09.2011, Proc. n° 483/2011).

Por sua vez, os ora recorrentes agiram com dolo directo muito elevado, e, (não obstante detidos em flagrante delito), confessaram, tão só, parcialmente os factos, o que, como sabido é, não constitui circunstância atenuante de relevo.

Assim, e tendo presente as molduras penais aplicáveis e as prementes necessidades de prevenção criminal deste tipo de crime, afigura-se-nos pois que excessivas não são tais penas pelo Colectivo a quo encontradas, motivos inexistindo assim para se proceder à sua redução.

No que tange à pena única, há que atenuar no estatuído no art. 71° do C.P.M., nos termos do qual, na fixação da pena única, são considerados, “em conjunto, os factos e a personalidade do agente”, (cfr., n.° 1), sendo que a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, e como limite mínimo a mais elevada daquelas; (cfr., n.° 2).

Ora, já teve este T.S.I. oportunidade de afirmar que “na consideração dos factos, ou melhor, do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.
Por sua vez, na consideração da personalidade - que se manifesta na totalidade dos factos - devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, importa aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, uma tendência para a prática do crime ou de certos crimes, ou antes, se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem razão na personalidade do agente”; (cfr., v.g., o Acórdão de 26.05.2011, Processo n.° 314/2011).

E, atentas as penas concretamente aplicadas, temos então uma moldura penal com o limite mínimo de 3 anos e 9 meses de prisão, e com o limite máximo de 10 anos e 3 meses de prisão.

Perante tal moldura penal, e a personalidade pelos recorrentes revelada, cremos também aqui que justas e adequadas são as penas únicas fixadas.

Reconhece-se que as ditas penas únicas não são as mesmas para os 2 arguidos ora recorrentes, (pois que ao arguido A fixou-se a pena de 6 anos e 6 meses de prisão, enquanto que para o arguido B a de 6 anos de prisão).

Porém, nada de estranho existe em tal diferenciação.

Como é sabido, “cada comparticipante é punido segundo a sua culpa, independentemente da punição ou do grau de culpa dos outros comparticipantes” – cfr., art. 28° do C.P.M. – e, para além disso, bem andou o Colectivo a quo ao diferenciar as penas únicas aplicadas, pois que ponderou, em nossa opinião, adequadamente, a primo-delinquência do (2°) arguido B.

Nesta conformidade, e apresentando-se-nos os recursos manifestamente improcedentes, impõe-se a sua rejeição.

Decisão

4. Nos termos que se deixaram expendidos, e em conferência, acordam rejeitar os recursos; (cfr., art. 409°, n.° 2, al. a) do C.P.P.M.).

Pagará o recorrente A a taxa de justiça de 4 UCs, e o recorrente B a de 5 UCs.

Em virtude de rejeição, pagarão também os recorrentes a sanção equivalente a 4 UCs; (cfr., art. 410, n.° 4 do C.P.P.M.).

Honorários aos Exmos. Defensores Oficiosos no montante de MOP$1.200,00.

Macau, aos 12 de Janeiro de 2012

_________________________
José Maria Dias Azedo
(Relator)

_________________________
Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
Tam Hio Wa
(Segundo Juiz-Adjunto)



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Proc. 786/2011 Pág. 1