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Processo n.º 716/2011 Data do acórdão: 2012-1-19
(Autos de recurso penal)
  Assuntos:
  – julgamento da matéria de facto
  – art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal
  – art.o 114.o do Código de Processo Penal
  – objecto probando
  – art.o 400.o, n.o 2, alínea a), do Código de Processo Penal
  – furto qualificado
  – art.o 198.o, n.o 1, alínea f), do Código Penal
  – espaço fechado
  – estaleiro de construção civil
  – vedação deteriorada
  – escalamento
  – exigências de prevenção geral
  – pena de multa
  – pena de prisão
  – art.o 48.o, n.o 1, do Código Penal
S U M Á R I O
1. Não se vislumbrando que o resultado do julgamento da matéria de facto a que chegou o tribunal recorrido tenha violado quaisquer regras da experiência da vida humana em normalidade de situações, ou legis artis ou normas de prova legal, não pode vir o arguido recorrente pretender fazer sindicar a livre convicção desse tribunal através da alegação do vício de erro notório na apreciação da prova a que alude o art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal vigente (CPP), afrontando gratuitamente o princípio plasmado no art.o 114.o do mesmo Código.
2. Tendo o tribunal recorrido julgado como totalmente provada a matéria de facto então pronunciada ao recorrente e como não provado todo o alegado na contestação que fosse incompatível com aquela factualidade provada, todo o objecto probando do processo já foi assim investigado, sem lacuna alguma, por esse tribunal, o que preclude a viabilidade do vício previsto na alínea a) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP.
3. Atendendo precisamente ao facto provado de que o recorrente e outros três indivíduos masculinos se introduziram no estaleiro de construção civil dos autos através de uma placa de vedação já deteriorada, não se pode considerar que eles se introduziram no mesmo local (que deve ser efectivamente qualificado como um espaço fechado, devido à existência de vedação) por “arrombamento, escalamento ou chaves falsas”.
4. Daí que o recorrente deve passar a ser condenado como co-autor de um crime consumado de furto qualificado da alínea f) do n.o 1 do art.o 198.o do Código Penal vigente (CP).
5. Sendo elevadas as exigências de prevenção geral do crime da dita alínea f) do n.o 1 do art.o 198.o, não se pode optar pela pena de multa.
6. Ponderando agora sobretudo o valor elevado dos danos patrimoniais sofridos pela ofendida, para além da não confissão dos factos, e não sendo baixos o grau de dolo do recorrente na prática dos factos nem as exigências da prevenção geral do crime em questão, e se bem que o recorrente seja delinquente primário, é de passar a impor-lhe quinze meses de prisão, que não se suspenderá na sua execução devido à impossibilidade de formação de um juízo de prognose favorável para este efeito nos termos do art.o 48.o, n.o 1, do CP.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 716/2011
(Autos de recurso penal)
Recorrente: A (A)








ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido a fls. 250 a 253 dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR1-11-0104-PCC do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), que o condenou como co-autor material de um crime consumado de furto qualificado, p. e p. pelo art.o 198.o, n.o 2, alínea e), do Código Penal vigente (CP), na pena de três anos de prisão efectiva, com obrigação de pagar MOP45.800,00 (quarenta e cinco mil e oitocentas patacas) de indemnização, arbitrada oficiosamente, a favor da sociedade comercial ofendida nos autos, chamada “B (Macau) Limited” (B(澳門)有限公司), com juros legais desde a data do acórdão até efectivo e integral pagamento, veio o arguido A (A), aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para, nos termos vertidos na sua motivação apresentada a fls. 321 a 345 dos presentes autos correspondentes:
– assacar à decisão recorrida os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova;
– rogar, outrossim, e finalmente, a sua absolvição do dito crime, por inexistir qualquer testemunha ocular dos factos a ele imputados, referentes ao local concreto da entrada dele no campo de construção civil em causa, ou ao corte das cordas eléctricas existentes nesse campo, para além de não haver dolo da sua parte na prática dos alegados factos de furto;
– e pedir, subsidiariamente, a convolação do crime por que vinha condenado para o de furto qualificado do art.o 198.o, n.o 1, alínea f), do CP, e a redução da pena, com almejada suspensão da execução da pena;
– sem deixar de pedir também a redução da quantia indemnizatória.
Ao recurso respondeu o Ministério Público a fls. 347 a 351, no sentido de manifesta improcedência da argumentação do recorrente.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 365 a 366, pugnando pela manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos legais, com audiência já realizada neste TSI, cumpre agora decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se que:
– o arguido ora recorrente foi pronunciado como co-autor da prática, em conjunto com três outros indivíduos de identidade não apurada, de um crime consumado de furto qualificado, p. e p. pelo art.o 198.o, n.o 1, alínea f), do CP, qualificação jurídico-penal dos factos essa que veio posteriormente alterada para os termos p. e p. pelo art.o 198.o, n.o 2, alínea e), do CP, a pedido do Ministério Público quando o processo já se encontrou distribuído no TJB para efeitos de julgamento contraditório;
– o recorrente, depois de notificado para o efeito, apresentou contestação escrita;
– feita a audiência, o Tribunal Colectivo recorrido acabou por julgar provada toda a matéria de facto imputada no despacho de pronúncia, e julgar como não provado todo o alegado na contestação que fosse incompatível com a factualidade provada, e condenou o recorrente como co-autor de um crime consumado de furto qualificado, da alínea e) do n.o 2 do art.o 198.o do CP;
– segundo a fundamentação fáctica do acórdão recorrido, e na sua essência:
– na madrugada de 3 de Janeiro de 2011, o recorrente e outros três indivíduos masculinos de identidade não apurada, deslocaram-se ao estaleiro de construção civil do Casino XX da Taipa, e introduziram-se nesse estaleiro através de uma placa, já deteriorada, de vedação; o recorrente e esses três indivíduos cortaram, em diversos locais do estaleiro, as cordas eléctricas aí bem instaladas, e as transportaram para fora do mesmo estaleiro;
– as cordas eléctricas assim cortadas e como tal inutilizáveis tinham por comprimento total 33 metros, o que acarretou cerca de MOP45.800,00 (quarenta e cinco mil e oitocentas patacas) de prejuízo à sociedade comercial ofendida “B (Macau) Limited”;
– o recorrente agiu livre, voluntária e conscientemente, praticando de propósito os actos em conjunto com os três indivíduos referidos, e sabendo que a sua conduta era violadora da lei e punível pela lei;
– o recorrente trabalhava como operário de construção civil, auferindo MOP11.000,00 (onze mil patacas) como vencimento mensal;
– está casado, com a mãe e três filhos a cargo;
– não confessou os factos e é delinquente primário;
– conforme o teor de fl. 4, as cordas eléctricas cortadas acima referidas têm por valor residual estimado MOP16.368,00 (dezasseis mil, trezentas e sessenta e oito patacas).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, e por uma questão de sequência lógica das ilegalidades apontadas pelo recorrente à decisão condenatória impugnada, cabe, desde já, afirmar que depois de examinados todos os elementos probatórios referidos na fundamentação fáctica do acórdão ora impugnado, não se vislumbra ao presente Tribunal ad quem que o resultado do julgamento da matéria de facto a que chegou o Tribunal Colectivo tenha violado quaisquer regras da experiência da vida humana em normalidade de situações, ou legis artis ou normas de prova legal, pelo que não pode vir o recorrente pretender fazer sindicar a livre convicção do Tribunal recorrido através da alegação do vício de erro notório na apreciação da prova a que alude o art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal vigente (CPP), afrontando gratuitamente o princípio plasmado no art.o 114.o do mesmo Código.
Outrossim, também não tem razão o recorrente ao apontar o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, porquanto tendo o Tribunal a quo julgado como totalmente provada a matéria de facto então pronunciada e como não provado todo o alegado na contestação que fosse incompatível com aquela factualidade provada, é de concluir, sem dúvida nenhuma, que todo o objecto probando do processo (in casu formado pela matéria fáctica pronunciada e pela matéria fáctica alegada na contestação) já foi investigado, sem lacuna alguma, pelo mesmo Tribunal, o que preclude a viabilidade do vício previsto na alínea a) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP.
Do acima analisado, decorre que fica intacta a factualidade já dada por assente pelo Tribunal recorrido, a qual não ofendeu, pois, o princípio de in dubio pro reo, mormente na indagação do dolo do recorrente na prática dos factos.
Urge, entretanto, saber se procede o pedido de convolação do crime de furto qualificado da alínea e) do n.o 2 do art.o 198.o do CP.
Atendendo precisamente ao facto provado de que o recorrente e outros três indivíduos masculinos se introduziram no estaleiro de construção civil dos autos através de uma placa de vedação já deteriorada, não se pode considerar que eles se introduziram no mesmo local (que deve ser efectivamente qualificado como um espaço fechado, devido à existência de vedação) por “arrombamento, escalamento ou chaves falsas”, pelo que o recorrente deve passar a ser condenado como co-autor de um crime consumado de furto qualificado da alínea f) do n.o 1 do art.o 198.o do CP (aliás tal como inicialmente pronunciado), segundo a qual “Quem furtar coisa móvel alheia introduzindo-se ilegitimamente em ... espaço fechado..., é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias”.
Procede, assim, a pretendida convolação do crime, o que torna necessária a nova medida da pena.
E antes disso, é necessário decidir do montante de prejuízo sofrido pela ofendida dos autos, com relevância para a determinação concreta da pena à luz do art.o 65.o, n.o 2, alínea a), do CP (a nível da ponderação da gravidade das consequências dos factos).
Pois bem, ante a matéria fáctica concretamente descrita como provada (em sintonia com a qual as cordas eléctricas cortadas em causa são inutilizáveis e a sociedade comercial ofendida ficou, por isso, com o prejuízo patrimonial de cerca de MOP45.800,00), é razoável, sem mais indagação por desnecessária, a decisão indemnizatória civil feita oficiosamente pelo Tribunal recorrido.
Com isso, faz-se a medida da pena do crime convolado nos seguintes termos:
Sendo elevadas as exigências de prevenção, pelo menos, geral do crime da dita alínea f) do n.o 1 do art.o 198.o, não se pode optar pela pena de multa (art.o 64.o do CP).
Ponderando agora sobretudo o valor elevado dos danos patrimoniais sofridos pela ofendida, para além da não confissão dos factos, e não sendo baixos o grau de dolo do recorrente na prática dos factos nem as exigências da prevenção geral do crime em questão, e se bem que o recorrente seja delinquente primário, é de passar a impor-lhe, sob a égide dos padrões gizados nos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do CP, quinze meses de prisão, que não se suspenderá na sua execução devido à impossibilidade de formação de um juízo de prognose favorável para este efeito nos termos do art.o 48.o, n.o 1, do CP, por todo o circunstancialismo fáctico já apurado pelo Tribunal recorrido, às quais se acresce a não confissão dos factos pelo recorrente, não poderem levar a concluir que, in casu, a simples censura do facto e a ameaça da prisão já consigam realizar, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar parcialmente provido o recurso, passando a condenar o recorrente A como co-autor material de um crime consumado de furto qualificado, p. e p. pelo art.o 198.o, n.o 1, alínea f), do Código Penal, na pena de 15 (quinze) meses de prisão, sendo intacta a decisão indemnizatória civil tomada oficiosamente no acórdão recorrido.
Pagará o recorrente dois terços das custas do recurso e seis UC de taxa de justiça, por causa do decaimento parcial do recurso.
Fixam em MOP1.800,00 (mil e oitocentas patacas) os honorários a favor da Exm.a Defensora Oficiosa do recorrente, a entrar na regra das custas, montante esse a adiantar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Comunique a presente decisão à sociedade comercial ofendida.
Macau, 19 de Janeiro de 2012.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)



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