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Processo nº 233/2010
Data do Acórdão: 09FEV2012


Assuntos:

Direito de retenção
Posse
Esbulho
Defesa de posse



SUMÁRIO

1. A posse adquirida mediante esbulho não merece tutela jurídica se o esbulhado vier a reagir dentro do ano subsequente ao facto de turbação ou do esbulho, ou no caso de esbulho violento ou oculto, ao momento em que se cessa a violência que se torna publica a posse do esbulhador.

2. Todavia, se o esbulhado não reagir tempestivamente, a posição do esbulhado deixa de ser susceptível de defesa, uma vez que o esbulhador adquiriu originariamente, através da sua conduta turbativa, uma posse antagónica da posse esbulhado, posse essa (do esbulhador) que permanece precária enquanto não caducado o direito da acção possessória e se consolida quando o tal direito caducar.


O relator


Lai Kin Hong

Processo nº 233/2010


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

No âmbito dos autos da acção ordinária, registada sob o nº CV1-03-0038-CAO, do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, foi proferida a seguinte sentença:

*
I - RELATÓRIO (敍述部份):
O "BANCO A, S.A.R.L." (A銀行有限公司), com sede em Macau, na Alameda do XX, n° XX,
Veio intentar, em 12/03/2003, a presente:
ACÇÃO COM PROCESSO COMUM ORDINÁRIO,
Contra
B, solteiro, maior, residente em Macau, na XX, nºs XX, XX° andar "XX", com os fundamentos apresentados constantes da P. I., de fls. 2 a 10 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido aqui para todos os efeitos legais.
Concluiu, pedindo que a presente acção seja julgada procedente e provada e, em consequência:
a) O Autor seja declarado legítimo possuidor da fracção autónoma designada por "XX", do XXº andar "XX", para habitação, do prédio urbano sito na XX, com os nºs XX, inscrito na matriz predial sob o artigo nº 72006, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 9739 do Livro B-26;
b) Seja o Réu condenado a restituir ao Autor, de forma imediata e incondicional, a posse plena do referido imóvel;
c) Seja ainda o Réu condenado a pagar ao Autor uma indemnização pelos prejuízos causados, cujo montante, não podendo seja totalmente quantificado, se relega para execução de sentença;
d) Seja ainda declarado que o Autor goza, nos termos da lei, do direito de retenção sobre a referida fracção autónoma designada por "XX".
***
Citado o Réu B, veio a apresentar CONTESTAÇÃO, com os fundamentos constantes de fls, 56 a 85 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido aqui para todos os efeitos legais.
Concluiu, pedindo que:
(i) A presente acção seja considerada improcedente e não provada, e o Réu absolvido pedido;
(ii) Seja considerado procedente e provado o pedido reconvencional sendo, por conseguinte:
a) Reconhecido ao Réu/reconvinte o direito de propriedade sobre fracção autónoma letra A, do XXº andar, do prédio denominado XX Garden, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 9739;
b) Ordenada a restituição da coisa reivindicada ao seu legítimo titular;
(iii) Condenado o Autor pagar a indemnização que se vier a liquidar em execução de sentença, a título de lucros cessantes pela privação do gozo da fracção em apreço a que sujeitou o seu proprietário, acrescida dos juros vincendos sobre a parte já líquida no valor de MOP$415,285.71;
(iv) Condenado o Autor a quantia de MOP$6,500.00, a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso culposo no cumprimento da decisão que ordenar a restituição da coisa reivindicada;
     E, em qualquer dos casos,
(v) Condenado o Autor em custas, procuradoria e quaisquer outras despesas em que o Réu haja de incorrer, nomeadamente, para efeitos de execução da sentença.
***
Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade "ad causam" .
O processo é o próprio.
Inexistem nulidades, excepções ou outras questões prévias que obstem à apreciação "de meritis".
***
As partes apresentaram as suas alegações de direito por escrito de fls. 171 e seguintes.
***
II- FACTOS (事實部份):
Dos autos resulta assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:
Da Matéria de Facto Assente:
- O Autor "Banco A, SARL" é uma instituição de crédito, legalmente constituída em Macau, tendo por objecto o exercício do comércio bancário (alínea A da Especificação).
- A fracção que constitui objecto dos presentes autos encontra-se actualmente identificada como "XX" do XX° andar, para habitação, do prédio urbano sito na XX, com os nºs XX, inscrito na matriz predial sob o artigo 72006, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° 9739 do Livro B-26, com a constituição da propriedade horizontal inscrita sob o n° 7530 do Livro F-32K, conforme documento a fls. 11 a 26 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido (alínea B da Especificação).
- A 1.06.2001, a "C, Lda.", mediante escritura pública outorgada pelo Notário Privado, Sr. Pedro Leal, vendeu esta fracção "XX" a "E", conforme consta de fls. 30 a 39 dos autos de providência apensa, cujo teor se dá por reproduzido (alínea C da Especificação).
- O Réu B é o actual proprietário da fracção acima identificada por a ter adquirido mediante escritura pública de compra e venda outorgada a 17.08.2001, conforme documento a fls. 86 a 89 destes autos, cujo teor se dá por reproduzido (alínea D da Especificação).
- Nos autos de providência cautelar apenas foi proferido o despacho de fls. 136 a 139 daqueles autos, nele se ordenando a restituição ao Requerente "Banco A" da posse da fracção em causa, decisão essa ainda não transitada em julgado (alínea E da Especificação).
- Na sequência desta decisão, foi concretizada a entrega judicial da fracção em causa, o que ocorreu a 27.03.2003, conforme auto a fls. 147 da providência apensa (alínea F da Especificação).
***
Da Base Instrutória:
- Mediante contrato promessa outorgado a 15.06.1995, a sociedade "C" prometeu vender a D, que prometeu comprar, a fracção autónoma referida em B) dos factos assentes, conforme documento a fls. 8/12 dos autos de providência cautelar apensa (resposta ao quesito 1º).
- O preço acordado de MOP$8,049,600.00 deveria ser pago de harmonia com o escalonamento previsto na cláusula 2a do mesmo contrato-promessa de fls. 8/12 da providência apensa (resposta ao quesito 2º).
- No âmbito da sua actividade, o Banco Autor concedeu ao referido D um empréstimo, no montante de HKD$3,800,000.00, destinado a financiar a referida compra (resposta ao quesito 3º).
- Este empréstimo foi utilizado em 8.09.1995, através do crédito da importância de HK$28.835,00 na conta de que era titular D e o remanescente (HKD$3.771.165,00) na conta de que era titular a "C", por instruções daquele D (resposta ao quesito 4º).
- Para garantia de reembolso do empréstimo referido sob o artigo 3°, seus juros e demais encargos, foi assinado, a 8.09.1995, entre o Autor, a "C" e D o contrato constante de fls. 23 e 24 dos autos de providência, cujo teor se dá por reproduzido (resposta ao quesito 5º).
- Mediante a cláusula 10a deste último contrato, D obrigava-se a pagar as amortizações mensais estipuladas, sendo que, em caso de incumprimento, o Autor poderia rescindir o mesmo contrato e deveria a C transmitir "o direito de aquisição da fracção "XX" ou a sua propriedade a favor do Banco A, quando este o exigisse (resposta ao quesito 6º).
- E, nesse caso, o mesmo D deveria entregar, imediata e incondicionalmente, o aludido imóvel ao Banco Autor (resposta aos quesitos 7º).
- Este D não cumpriu a sua obrigação de reembolso do referido empréstimo (resposta aos quesitos 8º).
- A 13.06.2000, a "C" e o ora Autora assinaram o contrato constante de fls. 27 dos autos de providência apensa, cujo teor se dá por reproduzido (resposta aos quesitos 9º).
- Mediante esse contrato, foi transferida a favor do Autor "o direito de aquisição da fracção" "XX" e o demais direitos resultantes do contrato-promessa de compra e venda referida sob o artigo 1° deste base instrutória (resposta aos quesitos 10º).
- Após a assinatura do documento referido sob o artigo 5°, a 8.09.95, a "C" cedeu a D a "posse" da fracção em causa, entregando-lhe as respectivas chaves (resposta aos quesitos 12º).
- Que a exerceu ininterruptamente até 13.06.2000 (resposta aos quesitos 13º).
- A partir de 13.06.2000, a "posse" da fracção passou a ser exercida pelo Autor, por a fracção e as respectivas chaves lhe terem sido entregues por D (resposta aos quesitos 14º).
- Passou, assim, o Autor a ocupar e a dispor da referida fracção, guardando-a e conservando-a, ali se deslocando funcionários seus para inspeccionarem as condições de conservação e de habitabilidade do imóvel (resposta aos quesitos 15º).
- A 22.10.2001 a fracção em causa foi ocupada por desconhecidos (resposta aos quesitos 16º).
- E foi depois, essa porta, trancada com a colocação de uma corrente e um cadeado, passando o Réu a ocupar o referido imóvel (resposta aos quesitos 17º).
- Em virtude deste ocupação da fracção pelo Réu, o Autor ficou privado de obter dela rendimentos (resposta aos quesitos 18º).
- D, enquanto promitente comprador da fracção "XX" nunca, por qualquer forma, ratificou o contrato celebrado entre a "C, Lda." e o Autor e referido sob o artigo 9° da base instrutória (resposta aos quesitos 20º).
- O Réu está privado do gozo da fracção em causa desde 27.03.2003 (resposta aos quesitos 21º).
- Por se encontrar o Réu impossibilitado de proporcionar a outrem o gozo da fracção (resposta aos quesitos 22º).
***
III - FUNDAMENTOS (理據部份):
Cumpre analisar os factos, a matéria que vem alegada e aplicar o direito.
O presente litígio reconduz-se essencialmente à resolução das seguintes questões:
I) - Quem é proprietário actual da fracção autónoma do XX°-XX do Edifício referido nos autos?
II) - O Autor tem ou não posse sobre a fracção autónoma em questão?
III) - As demais indemnizações pedidos pela Autora.
***
I) - Quem é proprietário actual da fracção autónoma do XX°-XX do Edifício referido nos autos?
Neste domínio ficaram provados os seguintes factos:
- A fracção que constitui objecto dos presentes autos encontra-se actualmente identificada como "XX" do XX° andar, para habitação, do prédio urbano sito na XX, com os nºs XX, inscrito na matriz predial sob o artigo 72006, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° 9739 do Livro B-26, com a constituição da propriedade horizontal inscrita sob o n° 7530 do Livro F-32K, conforme documento a fls. 11 a 26 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido (alínea B da Especificação).
- A 1.06.2001, a "C, Lda.", mediante escritura pública outorgada pelo Notário Privado, Sr. Pedro Leal, vendeu esta fracção "XX" a "E", conforme consta de fls. 30 a 39 dos autos de providência apensa, cujo teor se dá por reproduzido (alínea C da Especificação).
- O Réu B é o actual proprietário da fracção acima identificada por a ter adquirido mediante escritura pública de compra e venda outorgada a 17.08.2001, conforme documento a fls. 86 a 89 destes autos, cujo teor se dá por reproduzido (alínea D da Especificação).
   É de ver que a aquisição do imóvel pelo Réu se encontra registada, o que não foi nem é impugnada por quem seja, fica assim consolidado o direito do Réu. Pois, nesta acção, o Autor não formulou pedidos concretos contra a transmissão da propriedade do imóvel da Companhia C, Lda. para a Companhia F que, por sua vez, transmitiu para o Réu, em bom rigor, o Autor devia atacar toda esta cadeia de transmissões, mas não o fez, limitou-se a defender o seu alegado direito perante o Réu.
   De lembrar-se que a escritura pública é a forma idónea de transmissão da propriedade, foi este meio utilizado pelo Réu para adquirir a propriedade do imóvel em causa, tendo registado também a sua aquisição.
***
II) - O Autor tem ou não posse sobre a fracção autónoma em questão?
Nestes aspectos, ficaram provados os seguintes factos:
- Após a assinatura do documento referido sob o artigo 5°, a 8.09.95, a "C" cedeu a D a "posse" da fracção em causa, entregando-lhe as respectivas chaves (resposta aos quesitos 12º).
- Que a exerceu ininterruptamente até 13.06.2000 (resposta aos quesitos 13º).
- A partir de 13.06.2000, a "posse" da fracção passou a ser exercida pelo Autor, por a fracção e as respectivas chaves lhe terem sido entregues por D (resposta aos quesitos 14º).
- Passou, assim, o Autor a ocupar e a dispor da referida fracção, guardando-a e conservando-a, ali se deslocando funcionários seus para inspeccionarem as condições de conservação e de habitabilidade do imóvel (resposta aos quesitos 15º).
- A 22.10.2001 a fracção em causa foi ocupada por desconhecidos (resposta aos quesitos 16º).
- E foi depois, essa porta, trancada com a colocação de uma corrente e um cadeado, passando o Réu a ocupar o referido imóvel (resposta aos quesitos 17º).
***
- Nos autos de providência cautelar apenas foi proferido o despacho de fls. 136 a 139 daqueles autos, nele se ordenando a restituição ao Requerente "Banco A" da posse da fracção em causa, decisão essa ainda não transitada em julgado (alínea E da Especificação).
- Na sequência desta decisão, foi concretizada a entrega judicial da fracção em causa, o que ocorreu a 27.03.2003, conforme auto a fls. 147 da providência apensa (alínea F da Especificação).
***
O que significa que, a partir de 27/03/2003, o Autor passou a ter "posse" sobre o imóvel até agora.
Ora, o Autor teve acesso ao imóvel por força dum acordo tripartido que não foi cumprimento pelo D, como tal importa reter os termos consignados neste acordo (fls. 27 e 28 dos autos do Procedimento Cautelar).
「(十)乙方每月必須依借款合約之規定還款,亦不論何種原因,如中途不依約還款者,則丙方可立即終止上述合約,甲方必須依丙方要求將該單位之購買權或該單位轉為丙方名下不收轉名費用而乙方必須無條件即將該單位交吉予丙方,由丙方將該單位轉讓或變賣,以抵償其欠款及一切費用。日後乙方不得向甲方及丙方追究或提出任何異議。倘變賣所得款項不足償還借款本息及有關一切費用,乙方仍須負責償還。對上述各點,甲乙兩方均必須確切執行。」
É de ver que para o Autor, o que importa não é aquisição da propriedade do imóvel, mas sim o reembolso do capital emprestado e os respectivos juros, servindo aquele apenas uma garantia.
Agora, o objecto desta garantia passou a integrar no património de uma terceira pessoa, obviamente o Autor terá de accionar os mecanismos legais para defender os seus interesses.
Execução específica? Poderia ser um dos caminhos possíveis, mas este pedido não foi formulado.
Ser titular do imóvel em causa? Ou utilizando a terminologia do Autor, "ser legítimo possuídor da fracção... (vidé o pedido indicado na alínea a) da P.I.)? Significa simplesmente ter a posse sobre ele? Porventura!
Parece que dúvida resta que o Autor tem a posse do imóvel, porque foi-lhe entregue chave e pagou o remanescente do preço da aquisição, inicialmente feita por D. Assim, é de declarar que o Autor é possuídor legítimo do imóvel, julgando-se assim procedente o pedido indicado na alínea a) da P.I..
***
Bom, este ponto também está ligado a um outro que é o indicado na alínea d) da P.I.: Reconhecer que o Autor é titular de direito de retenção do imóvel em causa.
Reconhecer-se aos Autores o direito de retenção:
A última questão colocada nesta acção é a de saber se o Autor, se tem ou não o direito de retenção sobre a fracção autónoma em virtude de contrato-promessa.
O direito de retenção é um direito real de garantia que confere a faculdade de alguém reter ou não restituir uma coisa alheia que possui ou detém até ser pago do que é devido pelo respectivo proprietário por causa dessa coisa - art. 754° do Cód. Civil de 1966, correspondente ao artigo 744° do CCM.
O direito de retenção pressupõe a licitude da detenção da coisa, reciprocidade de créditos e conexão substancial entre a coisa retida e o crédito do autor da retenção - A. Varela, "Obrigações", 2°/91 e 92.
O 1º Autor detém licitamente a fracção por lhe terem sido entregue pela promitente-vendedora antes da definitiva consumação do contrato de compra e venda.
O artigo 755°/1-f) estatui (da versão vigente em Portugal) que:
"O beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento Imputável à outra parte, nos termos do art. 442º".
Não obstante não estar em vigor esta versão, mas ela acabou para vir a ser introduzida no Código Civil de Macau, na alínea f) da artigo 745° do C.C.M ..
A transmissão da coisa, das mãos da promitente-vendedora para o promitente-comprador, é quanto basta para que este passe a exercer posse sobre a coisa e a ser titular de um direito de retenção.
São entretanto, conhecidas as divergências doutrinárias jurisprudenciais acerca de saber se a tradição da coisa se traduz em mera detenção, ou seja em posse precária devida a tolerância do promitente vendedor, ou se essa situação é de posse em nome próprio (Galvão da Silva - Sinal e Contrato Promessa, pág. 112; Menezes Cordeiro "Estudos de Direito Civil, Vol. I, pág. 27 e 28; Mário Júlio de Almeida Costa, Contrato Promessa... págs. 55 e 56, nota 79).
Por outro lado o direito de retenção "não se encontra sujeito a registo, produzindo efeitos em relação às partes e a terceiros independentemente dele... é que o direito de retenção resulta directamente da lei" (cf. Direito das Obrigações, pág. 832, 5a Ed. Prof. Mário Júlio de Almeida e Costa e BMJ, 360/417 e seguintes).
Como se decidiu na Ac. do STJ de 22.6.89 in Actualidade Jurídica ano I, pág. 14 ... "O direito de retenção constitui o promitente comprador na posse legítima da coisa transmitida, funcionando como uma espécie de penhora legal. Como garantia real não está sujeita a registo e vale "erga ommes ".
Podemos assim concluir que o Autor tem a posse da coisa litigiosa.
O direito de retenção visa salvaguardar o pagamento do crédito do retentor. Pretende-se com o direito de retenção coagir a promitente-vendedora a cumprir a sua obrigação - a celebração do contrato prometido.
***
O artigo 745º do Código Civil de Macau dispõe:
"1. Gozam ainda do direito de retenção:
a) O transportador, sobre as coisas transportadas, pelo crédito resultante do transporte;
b) O hospedeiro, sobre as coisas que o hóspede haja trazido para a pousada ou acessórios dela, pelo crédito da hospedagem;
c) O mandatário, sobre as coisas que lhe tiverem sido entregues para execução do mandato, pelo crédi to resultante da sua actividade;
d) O gestor de negócios, sobre as coisas que tenha em seu poder para execução da gestão, pelo crédito proveniente desta;
e) O depositário e o comodatário, sobre as coisas que lhes tiverem sido entregues em consequência dos respectivos contratos, pelos créditos deles resultantes;
f) O beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 436.º;
g) O achador, nos termos do n.º 5 do artigo 1247.º
2. Quando haja transportes sucessivos, mas todos os transportadores se tenham obrigado em comum, entende-se que o último detém as coisas em nome próprio e em nome dos outros."
Um dos requisitos exigido é a reciprocidade de crédito (in Obra citada, Antunes Varela), pergunta-se, no caso, o 1º Autor tinha/tem algum crédito sobre os Réus? Sim, só em relação à la Ré. No que toca aos demais, nada! Porque quem estabelecia uma relação jurídica de compra e venda foi a inicial promitente-vendedora, é injusto que as consequências do incumprimento do acordado pela promitente-vendedora sejam suportadas por terceiros que não sejam partes daquela relação jurídica.
Isto por um lado, por outro, esse direito de retenção há-de ser analisados, no caso, em conjugação com o instituto de direito de propriedade devidadamente registado! Goza também este da caracterísitca de "erga ommes"! A propriedade deve prevalecer-se sobre o direito de retenção, no caso, visto que:
a) O Réu registou a sua aquisição, não obstante posterior à data da tomada de posse pelo Autor, adquirição esta que é opinível a terceiros;
b) O crédito que o Autor eventualmente tem para com a 1a Ré não resulta dos factos imputados ao Réu, mas sim à e apenas promitente-vendedora, crédito esse que não é opinível ao Réu;
c) Tal como se afirmou:
   "Se o credor, na detenção da coisa, subordinar a entrega dela ao pagamento, não só das despesas feitas por causa dela (ou da indemnização dos danos por ela causados), mas também de outros créditos, ele passa a exercer ilegitimamente o direito de retenção, embora em relação apenas a estes créditos que extravasam do recipiente próprio da retenção. Mais radical é o juízo feito no Ac. do Sup. Trib. Just., de 3 de Dezembro de 1974; no Boi. Min. Just., 242, pág. 275 e na Rev. Leg. Jurisp., 108, pág. 380." (ln "Das Obrigações em Geral", João de Matos Antunes Varela, Voz. II, 5a edição, ALMEDINA, Coimbra, pág. 573).
   Pelo que, é de julgar improcedente o pedido do 1º Autor, não se reconhecendo o seu direito de retenção sobre o imóvel.
***
III) - Os demais pedidos do Autor e do Réu:
Por não ficaram provados os factos alegados pelo Autor e pelo Réu, não podem proceder os pedidos nestes termos formulados.
Não há omeletas sem ovos!
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Uma nota final: à luz como esta acção está proposta e os factos alegados, nunca esta acção tem a virtualidade de resolver os problemas das partes, forçosamente o litígio será resolvido através de uma outra acção!
***
Tudo visto, resta decidir.
***
IV - DECISÃO (裁決):
Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga parcialmente procedente a acção e, em consequência decide:
【據上論結,本法庭裁定訴訟理由部份成立,裁決如下:】
1) - Declarar o Autor "BANCO A S.A.R.L." como o legítimo possuidor da fracção autónoma designada por "XX", do XXº andar "XX", para habitação, do prédio urbano sito na XX, com os nºs XX, inscrito na matriz predial sob o artigo nº 72006, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 9739 do Livro B-26.
【宣告原告“A銀行有限公司"為位於澳門XX,XX號XX樓XX獨立單位之正當持有人,該物業之登記資料見登錄在澳門物業登記局第B26簿冊,物業登記編號為9739號,房地產紀錄編號為72006號。】
***
2) - Julgar-se improcedentes os demais pedidos do Autor.
【裁定原告之其他訴求理由不成立。】
***
3) - Julgar-se improcedentes pedidos reconvencionais do Réu.
【裁定被告之反訴求理由不成立。】
***
Custas por ambas as partes na proporção do respectivo decaimento.
【訴訟費用由原告及被告按勝負比例分擔。】
***
Notifique e Registe.
【依法作出通知及登錄本判決。】
***

Não se conformando com o decidido, vieram tanto o Autor BANCO A, SARL como o Réu B recorrer da mesma para este Tribunal de Segunda Instância.

O Autor formulou para o efeito as seguintes conclusões:

I
O Recorrente tinha alegado que não fosse o esbulho violento do réu, poderia ter arrendado a fracção autónoma "XX" do prédio melhor identificado nos autos (cfr. arts. 51° a 55° da pi.).
II
O Recorrente juntou aos autos um Relatório de Avaliação, nos termos do qual, em caso de arrendamento do mesmo imóvel, o montante da renda mensal se cifraria em HKD$18.000,00 (cfr. fls. 141 a 143), o qual foi admitido por despacho constante de fls. 148.
III
Realizada a audiência de julgamento, ficou provado que, em virtude do esbulho violento, da ocupação ilegal da fracção em causa pelo Recorrido a 22/10/2001, o Recorrente ficou privado de obter dela rendimentos (cfr. resposta aos quesitos 16° a 18°).
IV
Consta igualmente dos autos que a decisão judicial que restituiu a posse da fracção ao Recorrente, transitou em julgado em 02/02/2006, ou seja, mais de 51 meses após o esbulho violento protagonizado pelo Recorrido.
V
Deste modo, salvo o devido respeito, parece-nos que o Meritíssimo Juiz a quo deveria ter condenado o Recorrido no pagamento de HKD$918.000,00 (51 meses de renda), acrescidos de HKD$6.600,00 (11 dias), tudo no total de HKD$924.600,00, equivalentes a MOP$952.338,00, a título de rendimentos de que o Recorrente ficou privado por força da supra descrita conduta ilegal do Recorrido.
VI
Ao decidir em contrário, a douta sentença recorrida violou o artigo 1209° do Código Civil.
VII
Nos termos da douta decisão da providência cautelar em apenso, transitada em julgado em 02/02/2006, ficou estabelecido que a partir de 13/06/2000 a posse do imóvel supra referido tinha passado a ser exercida pelo Recorrente.
VIII
Relativamente ao direito de retenção, a posse desempenha uma função constitutiva análoga á do registo na hipoteca.
IX
Assim, em simultâneo com a atribuição definitiva da posse sempre teria que se reconhecer o direito de retenção.
X
De qualquer forma, resultou provada a tradição material (e não, meramente simbólica) do imóvel em causa, tendo a partir de 13/06/2000, o Recorrente recebido as chaves, passado a ocupar e a dispor dele, guardando-o, conservando-o, para ali deslocando funcionários seus a fim de inspeccionarem as suas condições de conservação e de habitabilidade (resposta aos quesitos 14° e 15°).
XI
Os três requisitos mencionados na sentença (licitude da detenção da coisa, reciprocidade de créditos e conexão substancial entre a coisa retida e o crédito do autor da retenção) apenas serão exigíveis para os casos gerais do art. 744° do Código Civil (CC).
XII
O caso vertente incide sobre a situação especial prevista na norma contida no art. 745°, nº 1, al. f) do mesmo Código e ali, para se verificar a existência do direito de retenção, não se exigem os requisitos previstos no art. 744° do CC, incluindo a reciprocidade de créditos.
XIII
Salvo melhor opinião, neste caso específico e acobertado pela al. f) do art. 745° do CC, não é necessário que o Recorrente detenha um crédito sobre o Recorrido, para lhe ser reconhecido o direito de retenção sobre a fracção autónoma em causa, bastando ter havido a traditio rei.
XIV
Doutrina e jurisprudência são pacíficas neste mesmo sentido (vd., p. ex., P. Coelho, Obrigações, p. 222; e vg. Ac. RC, 23/02/1999, BMJ, 484, p. 445; Ac. RP, de 08/07/1994; Ac. RP, de 02/08/2007, documento n° RP200702080636317, in www.dgsi.pt).
XV
Da conjugação do disposto no art. 745°, al. f) com o disposto no artigo 749°, ambos do Código Civil, resulta claro que o direito de retenção é, abstractamente, oponível a terceiros adquirentes (vg. Ac. RC, de 23/02/1999, BMJ, 484, p. 445 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, de 11-02-1999, publicado na CJ/STJ, 1999, 1 ° - 103) .
XVI
Na RAEM, esta problemática constitui uma das questões que são sapientemente analisadas no recente Acórdão de 22 de Maio de 2008, proferido por esse Venerando Tribunal de Segunda Instância no âmbito do Recurso Cível n° 729/2007, o qual conclui no mesmo sentido.
XVII
No caso concreto, o Recorrente deve, portanto, ver reconhecido o direito de retenção sobre a fracção autónoma "XX" do prédio melhor identificado nos autos, até ser pago do que é devido, no montante de MOP$16.099.200,00, podendo executar o referido imóvel.
XVIII
Assim, salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida labora em erro de julgamento, por incorrecta interpretação da lei, designadamente, dos artigos 744°, 745°, al. f) e 749° do Código Civil de Macau.
XIX
O problema de saber qual a lei aplicável ao caso vertente reveste um interesse meramente académico, posto que a solução quanto ao problema é idêntica nos dois regimes legais, simplesmente tendo ficado cristalina com o novo Código Civil.
XX
É este, de resto também o entendimento perfilhado no douto Acórdão desse Venerando TSI, supra citado e atrás transcrito.
XXI
De qualquer modo, já em sede de Réplica crê-se haver demonstrado que a lei aplicável é a lei nova, aqui se dando por integralmente reproduzidas as considerações tecidas nos artigos 1° a 5° e 36° a 51° daquele Articulado.
Nestes termos e nos mais de direito aplicável, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser parcialmente revogada a douta sentença recorrida, por violação dos artigos 1209°, 744°, 745° /al. f) e 749° do Código Civil de Macau, e:
a) Ser o Recorrido condenado a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$952.338,00, a título de rendimentos de que o Recorrente ficou privado por força da supra descrita conduta ilegal do Recorrido.
b) Ser reconhecido ao ora Recorrente o direito de retenção da fracção autónoma "XX" do prédio melhor identificado nos autos até ser pago do que é devido, no montante de MOP$16.099.200,00.
   Àssim se fazendo Serena JUSTIÇA.

E por sua vez o Réu alegou concluindo:

A. Como passou mais de um ano e um dia desde a data em que cessou a violência e/ou a posse do Réu/reconvinte se tornou pública (22/10/2001 ou 21/12/2001) e a data de proposição da acção de restituição definitiva da posse (12/03/2003), afigura-se que o direito de acção do Autor caducou por força do art.º 1207.º, n.º 1 e 2 do CCM, tendo a sentença recorrida incorrido na violação deste preceito.
B. Como a nova posse do Réu/reconvinte perdurou durante mais de um ano e um dia após o arrombamento (cfr. ponto 15 da "Base Instrutória") em 22/10/2001 até à data da entrega judicial da fracção ao Autor em 27/03/2003, tal significa que a nova posse do Réu/reconvinte extinguiu a posse antiga invocada pelo Autor nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 1192.º, n.º 1, d) e 2, do CCM, tendo a sentença recorrida incorrido na violação dos preceitos citados.
C. A contribuição de registo relativa ao contrato-promessa de fls. 8 a 12 do Apenso, nunca foi paga como prescrevia o corpo e o parágrafo único do artigo 13.º, bem como o artigo 68.º, ambos do RLCCR, pelo que a sentença recorrida ao pressupor a validade desse contrato, violou o disposto nos art.os 294.º do CCP e no corpo do artigo 94.º do "Regulamento para a Liquidação e Cobrança da Contribuição de Registo" (RLCCR) ex vi do artigo 13.º deste diploma.
D. E sendo nulo o contrato-promessa de fls. 8 a 12 do Apenso, são também nulos os contratos subsequentes.
E. Subsidiariamente, a cláusula 10.a do contrato tripartido de fls. 23 a 24 é nula nula uma vez que nela a "Sociedade de Investimentos em Propriedades C, Limitada" se comprometeu a transmitir ao Banco um direito que já saíra da sua esfera jurídica e, nessa medida, da sua disponibilidade, e de cujo preço dera já quitação ao D na cláusula 2.a do mesmo contrato.
F. Subsidiariamente, a cláusula 10.a do contrato tripartido de fls. 23 a 24, sem a qual o contrato não teria sido concluído, não é apta a produzir qualquer efeito relativamente ao D, dado que a consequência da ilegitimidade do promitente na celebração da promessa de transmissão de direito alheio é a nulidade nos termos do disposto no art.º 892.º do CCP.
G. Subsidiariamente, sempre tal cláusula 10.a seria inoponível ao D, dado que não foi ele, mas a "Sociedade de Investimentos em Propriedades C, Limitada" quem, se obrigou, perante o Banco, a transmitir-lhe o direito de crédito à celebração do negócio definitivo emergente do contrato-promessa de fls. 8 a 12, caso o D não cumprisse o contrato de mútuo de fls. 15 a 16.
H. O penhor dos direitos resultantes do contrato promessa de fls. 8 a 12, constituído na cláusula 3.a do contrato tripartido de fls. 23 a 24 é nulo, dado que os direitos objecto do penhor não incidem sobre coisas móveis, como impõe o disposto no artigo 680.º do CCP.
I. Por força da norma remissiva do 678.º do CCP são aplicáveis ao penhor os art. os 694.º a 699 do mesmo diploma, pelo que nunca seria válida a cláusula 3.a do contrato tripartido de fls. 23 a 24, sem a qual o contrato não teria sido concluído, dado que o direito de crédito à celebração do negócio definitivo não pode ser objecto de hipoteca nos termos do disposto art.º 688.º do CCP aplicável ao penhor.
J. Subsidiariamente, como o contrato de fls. 23 a 24 se rege pelo regime aplicável às situações de pretérito fixado na Lei n.º 15/2001, de 22 de Agosto de 2001, publicada no Boletim Oficial n.º 36/2001, em 2001.9.3 (vide art.º 7.º, n.º 1 desse diploma), sempre lhe falta, sob pena de nulidade por vício de forma (art.º 287.º do CCM), o reconhecimento notarial das assinaturas dos contraentes, o que no caso da "Sociedade de Investimentos em Propriedades C, Limitada" e do Recorrido obrigava ao reconhecimento notarial da assinatura com menções especiais, por se tratarem pessoas colectivas (art,º 2.º, n. os 1 e 2 da Lei n.º 15/2001).
K. A sentença recorrida ao pressupor a validade do contrato assinado entre o Banco A, a C e o devedor D para garantia do empréstimo de HK$3.800.000,00, violou o disposto nos art.os 892.º, 680.º e 688.º do CCP e 294.º do mesmo diploma ex vi do art.º 2.º, n.os 1 e 2 da Lei n.º 15/2001, pelo que deverá ser revogada.
L. O contrato de fls. 27 de transmissão pelo promitente a favor do Autor da posição contratual do beneficiário originário da promessa de transmissão do direito de propriedade sobre a fracção “XX” é nulo e de nenhum efeito porque da resposta afirmativa ao ponto 20.º da "Base Instrutória" resulta que Réu/reconvinte o Autor não ingressou na posição do D no contrato-promessa de fls. 8 a 12.
M. O contrato de fls. 27 assinado pela "Sociedade de Investimentos em Propriedades C, Limitada" não confere nenhum direito pessoal, real ou de crédito de que o Autor se possa prevalecer contra o actual proprietário da fracção em causa, porque da resposta afirmativa ao ponto 9.º da "Base Instrutória" resulta que a "Sociedade de Investimentos em Propriedades C, Limitada" realizou o contrato de fls. 27 em seu próprio nome, o qual se encontra sujeito ao disposto no art.º 1180.º do CCP (actual art.º 1106.º do CCM) por força do disposto na segunda parte art.º 471.º (actual art.º 465.º do CCM).
N. A “posse” pelo Banco da fracção autónoma letra A, do 31.º andar, do prédio denominado XX Garden, configura uma impossibilidade jurídica, por consubstanciar uma contravenção ao regime jurídico do sistema financeiro (art.º 122.º, n.º 1 ex vi do art.º 70.º, n.º 3, ambos do RJSF), dado que não se trata de um imóvel recebido pelo Banco em reembolso de crédito próprio.
O. O facto de no caso em apreço, o Autor ter invocado o direito de retenção sobre o imóvel - O QUAL PRESSUPÕE A OBRIGAÇÃO DE ENTREGA DA COISA AO SEU LEGÍTIMO PROPRIETÁRIO - excluiu, à partida, a possibilidade do animus possidendi ter acompanhado a prática dos actos materiais sobre o imóvel, cuja prática a lei consente ao simples retentor.
P. A resposta afirmativa aos quesitos 4.º, 14.º e 15.º da Base Instrutória não suporta a conclusão de direito de que «o Autor tem a posse do imóvel, porque foi-lhe entregue chave e pagou o remanescente do preço da aquisição, inicialmente feita por D.»
Q. Até porque não ficaram provados quaisquer factos demonstrativos do elemento psicológico da posse - o "animus", que traduzissem a intenção de o Autor se comportar como titular do direito real correspondente aos actos praticados.
R. o que resulta da seguinte passagem da sentença recorrida é o oposto: «É de ver que a aquisição do imóvel pelo Réu se encontra registada, o que não foi nem é impugnada por quem seja, fica assim consolidado o direito do Réu. Pois, nesta acção, o Autor não formulou pedidos concretos contra a transmissão da propriedade do imóvel da Companhia C, Lda. para a Companhia F que, por sua vez, transmitiu para o Réu, em bom rigor, o Autor devia atacar toda esta cadeia de transmissões, mas não o fez, limitou-se a defender o seu alegado direito perante o Réu.»
S. Onde está o animus possidendi do Banco quando este invoca uma "posse"que é "amiga"e que não conflitua com o direito de propriedade do titular registado?
T. Assim, o Autor, teria, quando muito, por força da entrega das chaves, um mero direito pessoal de gozo, fundado em contrato atípico ou inominado, análogo ao de comodato, paralelo ao contrato-promessa.
U. E como o Banco nunca converteu a sua detenção em posse, a sentença recorrida ao declarar o Banco como possuidor da fracção que lhe foi entregue como garantia (resposta quesito 5.º) do empréstimo referido no quesito 3.º da Base Instrutória, violou o disposto nos artigos 1175.º, 1177.º, a) e 1187.º do CCM.
V. Da resposta afirmativa aos pontos 21.º e 22.º da "Base Instrutória" resulta que o Réu/reconvinte está, desde 27/03/2003 privado do gozo da fracção em causa e da possibilidade de o proporcionar a outrem, pelo que o montante da indemnização devida ao Réu/reconvinte, deverá ser arbitrada com base em juízos de equidade que tenham em conta, designadamente, o valor da fracção autónoma no mercado de arrendamento, designadamente o valor indicado pelo Réu no artigo 136.º da Contestação e o valor indicado pelo Autor no artigo 53.º da petição inicial e no documento de fls. 141 a 143 dos autos principais, multiplicado pelo número de meses decorrido entre 27/03/2003 e a data em que foi proferida a sentença em primeira instância.

NESTES TERMOS e no mais de direito que V. Ex. as mui douta e certamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso com as legais consequências.
Assim, mais uma vez, farão V. Ex.™ a costumada Justiça.

O Autor respondeu pugnando pela improcedência do recurso do Réu e este não respondeu ao recurso interposto pelo Autor.

II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Em face das conclusões na petição dos recursos interpostos por ambas as partes, são em síntese as seguintes questões de direito que delimitam o objecto da nossa apreciação:

1. Da nulidade do contrato tripartido;
2. Da caducidade do direito da acção possessória;
3. Da posse e do direito de retenção;
4. Da condenação do Réu no pagamento das indemnizações pelo esbulho; e
5. Da condenação do Autor no pagamento das indemnizações pelo não gozo do imóvel.

Ficou assente a seguinte matéria de facto:

* O Autor "Banco A, SARL" é uma instituição de crédito, legalmente constituída em Macau, tendo por objecto o exercício do comércio bancário (alínea A da Especificação);
* A fracção que constitui objecto dos presentes autos encontra-se actualmente identificada como "XX" do XX° andar, para habitação, do prédio urbano sito na XX, com os nºs XX, inscrito na matriz predial sob o artigo 72006, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° 9739 do Livro B-26, com a constituição da propriedade horizontal inscrita sob o n° 7530 do Livro F-32K, conforme documento a fls. 11 a 26 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido (alínea B da Especificação);
* A 1.06.2001, a "C, Lda.", mediante escritura pública outorgada pelo Notário Privado, Sr. Pedro Leal, vendeu esta fracção "XX" a "E", conforme consta de fls. 30 a 39 dos autos de providência apensa, cujo teor se dá por reproduzido (alínea C da Especificação);
* O Réu B é o actual proprietário da fracção acima identificada por a ter adquirido mediante escritura pública de compra e venda outorgada a 17.08.2001, conforme documento a fls. 86 a 89 destes autos, cujo teor se dá por reproduzido (alínea D da Especificação);
* Nos autos de providência cautelar apenas foi proferido o despacho de fls. 136 a 139 daqueles autos, nele se ordenando a restituição ao Requerente "Banco A" da posse da fracção em causa, decisão essa ainda não transitada em julgado (alínea E da Especificação);
* Na sequência desta decisão, foi concretizada a entrega judicial da fracção em causa, o que ocorreu a 27.03.2003, conforme auto a fls. 147 da providência apensa (alínea F da Especificação);
* Mediante contrato promessa outorgado a 15.06.1995, a sociedade "C" prometeu vender a D, que prometeu comprar, a fracção autónoma referida em B) dos factos assentes, conforme documento a fls. 8/12 dos autos de providência cautelar apensa (resposta ao quesito 1º);
* O preço acordado de MOP$8,049,600.00 deveria ser pago de harmonia com o escalonamento previsto na cláusula 2a do mesmo contrato-promessa de fls. 8/12 da providência apensa (resposta ao quesito 2º);
* No âmbito da sua actividade, o Banco Autor concedeu ao referido D um empréstimo, no montante de HKD$3,800,000.00, destinado a financiar a referida compra (resposta ao quesito 3º);
* Este empréstimo foi utilizado em 8.09.1995, através do crédito da importância de HK$28.835,00 na conta de que era titular D e o remanescente (HKD$3.771.165,00) na conta de que era titular a "C", por instruções daquele D (resposta ao quesito 4º);
* Para garantia de reembolso do empréstimo referido sob o artigo 3°, seus juros e demais encargos, foi assinado, a 8.09.1995, entre o Autor, a "C" e D o contrato constante de fls. 23 e 24 dos autos de providência, cujo teor se dá por reproduzido (resposta ao quesito 5º);
* Mediante a cláusula 10a deste último contrato, D obrigava-se a pagar as amortizações mensais estipuladas, sendo que, em caso de incumprimento, o Autor poderia rescindir o mesmo contrato e deveria a C transmitir "o direito de aquisição da fracção "XX" ou a sua propriedade a favor do Banco A, quando este o exigisse (resposta ao quesito 6º);
* E, nesse caso, o mesmo D deveria entregar, imediata e incondicionalmente, o aludido imóvel ao Banco Autor (resposta aos quesitos 7º);
* Este D não cumpriu a sua obrigação de reembolso do referido empréstimo (resposta aos quesitos 8º);
* A 13.06.2000, a "C" e o ora Autora assinaram o contrato constante de fls. 27 dos autos de providência apensa, cujo teor se dá por reproduzido (resposta aos quesitos 9º);
* Mediante esse contrato, foi transferida a favor do Autor "o direito de aquisição da fracção" "XX" e o demais direitos resultantes do contrato-promessa de compra e venda referida sob o artigo 1° deste base instrutória (resposta aos quesitos 10º);
* Após a assinatura do documento referido sob o artigo 5°, a 8.09.95, a "C" cedeu a D a "posse" da fracção em causa, entregando-lhe as respectivas chaves (resposta aos quesitos 12º);
* Que a exerceu ininterruptamente até 13.06.2000 (resposta aos quesitos 13º);
* A partir de 13.06.2000, a "posse" da fracção passou a ser exercida pelo Autor, por a fracção e as respectivas chaves lhe terem sido entregues por D (resposta aos quesitos 14º);
* Passou, assim, o Autor a ocupar e a dispor da referida fracção, guardando-a e conservando-a, ali se deslocando funcionários seus para inspeccionarem as condições de conservação e de habitabilidade do imóvel (resposta aos quesitos 15º);
* A 22.10.2001 a fracção em causa foi ocupada por desconhecidos (resposta aos quesitos 16º);
* E foi depois, essa porta, trancada com a colocação de uma corrente e um cadeado, passando o Réu a ocupar o referido imóvel (resposta aos quesitos 17º);
* Em virtude deste ocupação da fracção pelo Réu, o Autor ficou privado de obter dela rendimentos (resposta aos quesitos 18º);
* D, enquanto promitente comprador da fracção "XX" nunca, por qualquer forma, ratificou o contrato celebrado entre a "C, Lda." e o Autor e referido sob o artigo 9° da base instrutória (resposta aos quesitos 20º);
* O Réu está privado do gozo da fracção em causa desde 27.03.2003 (resposta aos quesitos 21º); e
* Por se encontrar o Réu impossibilitado de proporcionar a outrem o gozo da fracção (resposta aos quesitos 22º).
1. Da nulidade do contrato tripartido

Para o Réu, ao pressupor que o contrato promessa era válido, o Tribunal violou o disposto nos artºs 294º do Código Civil de 1966 e no corpo do artº 94º do Regulamento para a Liquidação e Cobrança da Contribuição de Registo, ex vi do artº 13º do mesmo diploma, uma vez que face ao preceituado no art 94º, são nulos todos os actos ou contratos pelos quais se não tiver pago a contribuição de registo que for devida.

A este argumento respondeu o Autor, dizendo que as disposições legais invocadas pelo Réu recorrente já foram revogadas pelo artº 3º da Portaria 22.869 de 04SET.

Aqui, no fundo, o Réu recorrente está a reiterar o argumento já deduzido na contestação.

Em face do disposto no artº 335º/2 do CC, a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.

Ora, na petição inicial, o Autor Banco invocou o facto constitutivo da sua posse derivada, do direito de retenção e do direito de aquisição do imóvel XX.

Assim, ao alegar factos impeditivos desses direitos invocados pelo Autor Banco, o Réu tem o ónus de prova daqueles factos impeditivos, modificativos ou extintivos.

Compulsados os autos, verifica-se que o facto impeditivo, ou seja, o não cumprimento das obrigações fiscais que na óptica do Réu gera a nulidade do contrato promessa, não só não consta da matéria de facto provada, como também nem sequer foi levado à base instrutória do saneador.

Assim, independentemente de saber se as tais disposições estão ainda em vigor ou aplicáveis ao caso sub judice, ou já revogadas conforme alegou o Autor nas suas contra-alegações, o certo é que não resultam da matéria de facto provada factos em que se apoiou a pretensão do Réu recorrente.

Portanto, é de confirmar, em relação à questão da nulidade do contrato promessa, a decisão recorrida na parte que, em relação aos “demais pedidos (neles está incluído o pedido do Réu de julgar nulo o contrato promessa) do Autor e do Réu”, determinou: “Por não ficaram provados os factos alegados pelo Autor e pelo Ré, não podem proceder os pedidos nestes termos formulados. Não há omeletas sem ovos!”- vide pág. 23 da sentença ora recorrida.

2. Da caducidade do direito da acção possessória;

No seu recurso, o Réu defende que “a sentença recorrida ao concluir que «o A. tem a posse do imóvel, por foi-lhe entregue a chave e pagou o remanescente do preço da aquisição» pressupõe a existência ou não-caducidade do direito de acção do Banco”.

Alega o Réu para sustentar essa pretensão vertida no seu recurso que da resposta afirmativa aos pontos 16º, 18º, 21º e 22º da base instrutória resulta que o Réu/reconvinte teve a posse ou o gozo ou possibilidade de gozo da fracção pelo menos desde 22OUT2001 até 27MAR2003, e que assim, quando deu entrada no tribunal a petição inicial da presente acção de restituição de posse em 12MAR2003, já caducou o direito de acção possessória do Autor nos termos do disposto no artº 1207º do CC.

Apesar de a presente acção ter sido intentada pelo Autor com vista não só à restituição da posse sobre o imóvel em causa, como também à obtenção da indemnização dos danos alegadamente causados pela conduta do Réu, a presente acção, pelos fundamentos que se invocam e pelos pedidos nela formulados, não pode deixar de ser qualificada como uma acção possessória a que se refere o artº 1207º do CC.

Trata-se a caducidade do direito de acção de uma excepção peremptória, pois a inadmissibilidade da acção corresponde precisamente à não existência do direito que o autor se arroga – cf. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil anotado, vol. III, pág. 89.

Vejamos.

Ficou provada a seguinte matéria de facto com relevância à boa decisão dessa questão:

* A partir de 13.06.2000, a "posse" da fracção passou a ser exercida pelo Autor, por a fracção e as respectivas chaves lhe terem sido entregues por D (resposta aos quesitos 14º);
* Passou, assim, o Autor a ocupar e a dispor da referida fracção, guardando-a e conservando-a, ali se deslocando funcionários seus para inspeccionarem as condições de conservação e de habitabilidade do imóvel (resposta aos quesitos 15º);
* A 22.10.2001 a fracção em causa foi ocupada por desconhecidos (resposta aos quesitos 16º);
* E foi depois, essa porta, trancada com a colocação de uma corrente e um cadeado, passando o Réu a ocupar o referido imóvel (resposta aos quesitos 17º);
A presente acção foi intentada em 12MAR2003.

Resulta do fragmento da matéria de facto provada acima transcrito que o facto turbativo se verificou em 22OUT2001.

Esse facto turbativo consiste na ocupação do imóvel por desconhecidos e pelo Réu e na colocação de uma corrente e um cadeado para trancar a porta do mesmo imóvel.

Sem dúvida estamos perante uma situação de esbulho.

Ser esbulho porque houve usurpação do imóvel acompanhada pela colocação de uma corrente e um cadeado na porta.

Na falta de outros elementos fácticos que caracterizam o tal facto turbativo, é de concluir que a colocação de uma corrente e um cadeado na porta marcou o terminus a quo do prazo de um ano a que se refere o artº 1207º do CC, para o esbulhado reagir defendendo a sua posse, pois evidentemente a posse do esbulhador não pode deixar de se tornar pública em 22OUT2001 logo com a colocação de uma corrente e um cadeado na porta do imóvel em causa e a ocupação do imóvel pelo Réu e por desconhecidos, circunstâncias essas que não poderiam deixar de ser cognoscíveis pelo Autor se este agisse como um possuidor diligente.

Chegamos aqui, já estamos em princípio em condições para a afirmar a caducidade do direito da acção do Autor, uma vez que só a petição inicial deu entrada no Tribunal em 12MAR2003.

Todavia, não seria prudente se nós passássemos por cima o facto de o Autor ter requerido em 21DEZ2001 a providência cautelar com vista à restituição da posse e o de ter sido decretada a requerida providência cautelar e ordenada e efectivada a restituição da posse ao Autor.

A propósito dessa circunstância, é-nos pertinente citar aqui, a título da doutrina persuasiva do direito comparado, as conclusões tecidas no Acórdão do STJ de 22JUL1982, publicado no BMJ, 319º - 260, nos termos da qual “I – o procedimento cautelar de restituição provisória da posse, requerido antes da propositura da acção possessória de restituição, não impede a caducidade prevista no artº 1282º do Código Civil, pois só aquela acção ou demanda possessória tem a virtualidade de impedir esta caducidade; II – o carácter precário e incerto que se contém no procedimento cautelar desaconselha o efeito de impedimento da caducidade, o qual carece da certeza e segurança que resultam da propositura da acção principal”.

É defensável essa tese e com a qual devemos julgar caducado o direito do Autor de intentar a presente acção de restituição da posse e absolver o Réu desse pedido, por a presente acção ter sido intentada mais do que um ano após a cessação da violência do esbulho da posse, em face do disposto no artº 1207º do CC.

3. Da posse e do direito de retenção;

Apesar de, com o decidido no ponto 2, a questão da posse e do direito de retenção já poder ser considerada resolvida, não poupamos os nossos trabalhos com vista a evidenciar o fracasso da pretensão por parte do Autor da conservação da sua posse alegadamente derivada da entrega do imóvel pelo originário promitente comprador D e o reconhecimento do seu direito de retenção.

Como se sabe, a posse é um poder de facto exercido sobre uma coisa em termos de um direito real, envolvendo portanto um elemento empírico (corpus) e um elemento psicológico-jurídico (animus) – cf. Orlando de Carvalho, in Rev. Leg. e Jurisp. Nº 3781, pág.105.

A posse pode ser causal, quando o possuidor está a agir por força do direito real de que é titular tem causa num jus in re existente.

Ou pode ser uma posse formal ou autónoma, quando a posse não tem fundamento, nem causa, num jus in re existente.

Tanto um como outro merece tutela pela nossa lei.

In casu, é verdade que o Autor Banco adquiriu a posse derivada mediante a entrega do imóvel feita a ele pelo originário promitente comprador D desde 13JUN2000.

É tambem verdade que, se não tivesse ocorrido o facto turbativo referido no ponto 2 supra, ao Autor deveria ser reconhecida a posse derivada e o pretendido direito de retenção, tal como decidimos no Acórdão do TSI, tirado em 22MAIO2008, no processo nº 729/2007, de que é Relator o aqui 2º Adjunto.

Ora, o esbulho não deixa de ser uma forma de aquisição da posse – artº 1192º/1-d) e 2 do CC.

Só que a posse adquirida mediante esbulho não merece tutela jurídica se o esbulhado vier a reagir dentro do ano subsequente ao facto de turbação ou do esbulho, ou no caso de esbulho violento ou oculto, ao momento em que se cessa a violência que se torna publica a posse do esbulhador.

In casu, como vimos supra no ponto 2, o Autor só veio a intentar a acção possessória em 12MAR2003 pedindo a restituição da posse do imóvel esbulhado pelo Ré em 22OUT 2001, o direito da acção do Autor já caducou e portanto não pode haver lugar à restituição judicial como se o imóvel nunca tivesse sido esbulhado.

Na verdade, a posse, nomeadamente a posse formal enquanto o poder de facto, mesmo adquirida por actos ilícitos, não deixa de poder ser tutelada pela lei.

Todavia, o que não quer dizer que o esbulhado não merece qualquer protecção jurídica em face da conduta turbativa alheia, muitas vezes ilícitas, pois a própria lei permite que o esbulhado reaja, dentro do prazo razoável de um ano, pelos meios de defesa da posse e, se vier a ser judicialmente restituído o bem à posse do esbulhado, a usurpação do bem é tida como nunca acontecida.

Não tendo reagido assim tempestivamente, a posição do esbulhado deixa de ser susceptível de defesa, uma vez que o esbulhador adquiriu originariamente, através da sua conduta turbativa, uma posse antagónica da posse esbulhado, permanecendo aquela posse precária enquanto não caducado o direito da acção possessória e consolidando-se quando o tal direito caducar.

É assim porque sobre a mesma coisa não podem incidir duas posses antagónicas.

É o que sucedeu no caso sub judice.

Tendo nova posse originária adquirda pelo Réu durado por mais do que um ano e face ao disposto no artº 1192º/1-d), o Autor perde a sua posse derivada adquirida mediante a entrega do imóvel que lhe foi feita pelo promitente comprador D.

Mesmo que por força da decisão proferida no apenso A, o Autor Banco voltou a tomar a posse sobre imóvel, essa posse já não é aquela posse derivada que justifica e lhe permite o exercício do direito de retenção sobre o imóvel.

4. Da condenação do Réu no pagamento das indemnizações pelo esbulho

Para o Autor recorrente, como ficou provado que, em virtude do esbulho violento, da ocupação ilegal da fracção em causa pelo Réu a 22OUT2001, ele o Autor ficou privado de obter dela rendimentos.

Veio assim pedir o arbitramento da indemnização pelo privação do uso do imóvel até à efectivação da restituição da posse em 27MAR2003.

Reza o artº 744º do CC que o devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados.

Por sua vez o artº 745º/1-f) estende o âmbito da aplicação dessa norma fazendo abranger nele o beneficiário da promessa de transmissão que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, conferindo-lhe o direito de reter a coisa para a garantia do crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte.

O Prof. Antunes Varela define o direito de retenção como o direito conferido ao credor, que se encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de, não só recusar a entrega dela enquanto o devedor não cumprir, mas também, de executar a coisa e se pagar à custa do valor dela, com preferência sobre os demais credores – cf. Antunes Varela, in Das Obrigações em geral II, 5ª ed., pág. 572.

Assim, o direito de retenção não confere mais do que esses poderes de reter e se fazer pagar pela coisa para garantia do seu crédito.

Não confere ao titular do direito de retenção as faculdades jurídicas, típicas do proprietário, de uso e fruir a coisa, pois o direito de retenção não tem a virtualidade de operar os efeitos translativos de propriedade e das faculdades jurídicas integrantes do direito da propriedade.

Falece assim o argumento deduzido pelo Autor para sustentar a sua pretensão da condenação do Réu no pagamento do indemnização pela privação do uso do imóvel.

5. Da condenação do Autor no pagamento das indemnizações pelo não gozo do imóvel

Alega o Réu enquanto recorrente que da resposta afirmativa aos pontos 21º e 22º da base instrutória resulta que o Réu/reconvinte está desde 27MAR2003 privado do gozo da fracção em causa e da possibilidade de o proporcionar a outrem, pelo que o montante da indemnização devida ao Réu/reconvinte, deverá ser arbitrada com base em juízos de equidade que tenham em conta, designadamente, o valor da fracção autónoma no mercado de arrendamento.

É verdade, com a efectivação da restituição da posse ao Autor Banco, documentada a fls. 147 e v. do apenso A, o Autor passou a ter a posse sobre o imóvel, ficando o Réu privado do gozo do imóvel de que é proprietário.

Como princípio geral na matéria de indemnização o Código Civil estabelece no seu artº 477º que:
1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.
In casu, o Autor Banco foi investido na posse do imóvel por uma decisão judicial proferida no âmbito de procedimento cautelar.

Mesmo que esse decisão não é de manter face ao decidido no presente Acórdão, a ocupação pelo Autor Banco nunca poder ser considerado ilícita.

Não se verificando o elemento ilicitude, não ha lugar à indemnização a suportar pelo Autor Banco e arbitrar a favor do Réu.

Tudo visto, resta decidir.
III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam julgar negar provimento ao recurso interposto pelo Autor e parcialmente procedente o recurso interposto pelo Réu, revogando a sentença recorrida na parte que declarou o Autor como legítimo possuidor da fracção autónoma designada por XX.

Custas pelo Autor

Custas pela Ré na proporção pelo decaimento.

Notifique.

RAEM, 09FEV2012


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Lai Kin Hong
(Relator)

_________________________
Choi Mou Pan
(Primeiro Juiz-Adjunto)

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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Segundo Juiz-Adjunto)

Ac. 233/2010-1