打印全文
Processo n. 629/2011 (Recurso Laboral)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 02 de Fevereiro de 2012
Descritores:
- Reconvenção
- Contrato de trabalho
- Salário
- Gorjetas
- Descanso semanal, anual, feriados obrigatórios


SUMÁRIO:

I- Nos termos do art. 17º do CPT, no âmbito de uma acção proposta pelo trabalhador contra a sua entidade patronal para pagamento de créditos laborais devidos por dias de descanso não gozados nem pagos, não é possível deduzir reconvenção por falta dos respectivos requisitos.
II- A composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
III- Ao abrigo do DL 24/89/M (art. 17º, n.1,4 e 6, al. a), tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”); mas se nele prestar serviço terá direito ao dobro da retribuição (salário x2).
IV- Se o trabalhador prestar serviço em feriados obrigatórios remunerados na vigência do DL 24/89/M, além do valor do salário recebido efectivamente pela prestação, terá direito a uma indemnização equivalente a mais dois de salário (salário médio diário x3).
V- Na vigência do DL 24/89/M, terá o trabalhador a auferir, durante os dias de descanso anual, o triplo da retribuição, mas apenas se tiver sido impedido de os gozar pela entidade patronal. À falta de prova do impedimento desse gozo de descanso, tal como sucedeu com o DL n. 101/84/M, que continha disposição igual (art. 24º, n2), também aqui, ao abrigo do art.21º, n.2 e 22º, n.2, deverá receber também um dia de salário (salário médio diário x1).


Proc. Nº 629/2011


Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I- Relatório

A, com os demais sinais dos autos, moveu contra a STDM acção de processo comum de trabalho pedindo a condenação desta no pagamento de Mop$607.488,00, como compensação pelos descansos semanais, feriados obrigatórios e descansos anuais não gozados desde o início ao termo da relação laboral entre ambos.
*
Na sua contestação, a ré STDM suscitou a excepção de prescrição e, além da matéria impugnativa, deduziu igualmente reconvenção, que, neste caso, manifestou através do pedido de devolução das gorjetas que entregou ao autor ao longo da relação laboral, no pressuposto de que elas não eram devidas nos termos do contrato entre ambos celebrado e no de que elas haviam sido oferecidas livre e espontaneamente pelos jogadores sem que fizessem, portanto, parte do salário. A ser assim, considera estar perante um enriquecimento indevido por parte do trabalhador, circunstância que a leva a pedir a sua devolução.
*
No despacho saneador, o tribunal “a quo” não admitiu o pedido reconvencional e, sobre a prescrição, julgou prescritos todos os créditos anteriores a 22/09/1989.
*
Desse despacho saneador, na parte referente à decisão sobre a reconvenção, foi interposto recurso jurisdicional pela STDM, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1- Sem prejuízo de melhor entendimento e Juízo, deve proceder a Reconvenção deduzida pela Ré e aqui Recorrente,
2- Conhecendo-se dos dois pedidos ínsitos na mesma Reconvenção, nos artigos 229º e seguintes da Contestação e Reconvenção,
3- Pelo que, salvo melhor entendimento, improcede o douto Despacho Saneador que considerou impeditivo o conhecimento da Reconvenção, uma vez que não se conforma com o disposto no artigo 17.º do Código de Processo do Trabalho;
4- Não existe falta de interesse processual, nem falta de interesse em agir por parte da Ré e aqui Recorrente,
5- Nem inexiste acessoriedade, complementaridade ou dependência entre o pedido principal ou inicial, ínsito na douta PI, e o pedido reconvencional apresentado nos artigos 229º e seguintes da Contestação e Reconvenção,
6- Pois ambos estão interligados, conexos ou relacionados conforme já se indicou supra.
7- Ora, o pedido ascende a quantias superiores a que a A., Recorrida, poderia calcular com base na sua retribuição diária.
8- O pedido e a causa de pedir são os pretensos, hipotéticos e possíveis períodos de descanso ou de repouso semanais, anuais e feriados obrigatórios não gozados.
9- Com base nesse pedido, a A. deduz um quantum indemnizatório em que engloba quantias alheias à Ré e ora Recorrente,
10- Prestações de terceiros, os clientes dos casinos que, como doações remuneratórias ou liberalidades de terceiros, prestavam gratificações ou gorjetas nos casinos que a Ré e Reconvinte, ora Recorrente, explorou até ao termo da sua concessão em exclusivo por caducidade, em 31 de Março de 2002.
11- O requisito da acessoriedade, complementaridade e dependência do pedido reconvencional, previsto no terceiro parágrafo do número 1 do artigo 17º do CPT, encontra-se verificado.
12- A conexão / acessoriedade entre o pedido da PI e o pedido da Reconvenção existe: o valor das luvas, prémios irregulares, gorjetas ou gratificações, não sendo conveniente nem possível a Ré e Recorrente ser condenada a prestar ou a repetir uma prestação pela qual não pode ser responsabilizada, isto é, as tais gorjetas dos clientes.
13- Logo, o pedido indemnizatório da presente acção laboral constitui um locupletamento sem causa da Recorrida à custa da Recorrente.
14- E, tendo em conta o peticionado nos artigos acima referidos e, bem assim, o valor da Reconvenção, que ascende a MOP$1,857,493.35 (Um milhão, oitocentas e cinquenta e sete mil quatrocentas e noventa e três patacas e trinta e cinco avos),
15- Existe também, dependência entre o pedido principal e o pedido reconvencional: a ser condenada a Ré pela falta de repouso ou de descanso, deverá tal indemnização desconsiderar ou subtrair as referidas gratificações ou gorjetas dos clientes e,
16- A Reconvenção foi deduzida no presente litígio justamente, em ordem à celeridade, oportunidade e rapidez processual do processo laboral,
17- Escusando a Ré e Recorrente de instaurar novo pleito judicial para reaver o montante das gratificações ou gorjetas recebidas pela Autor e Recorrida dos clientes dos casinos explorados pela Ré,
18- Houve revelia operante da A. e ora Recorrida, pois, uma vez notificado para responder, contestar, impugnar a Reconvenção em sede de resposta à Contestação, manteve o silêncio.
19- Tal silêncio tem a cominação dada pelo número 1 do artigo 32º do CPT, isto é, consideram-se reconhecidos os factos articulados pelo autor e é logo proferida sentença, julgando a causa conforme for de direito.
20- Em consequência todos os factos alegados nos artigos 229º e seguintes da Contestação e Reconvenção deveriam ter sido considerados reconhecidos e, em consequência, provados.
21- O Tribunal a quo não se pronunciou sobre tal revelia operante em relação à Reconvenção da ora Recorrente, a qual é uma contra-acção, que deve seguir os mesmos termos de uma petição inicial.
22- Ao receber parte das gorjetas, cuja causa para o seu recebimento era o facto de não ser remunerado nos seus dias de descanso, parece forçoso concluir que a Recorrida enriqueceu à custa do empobrecimento da Ré, ora Recorrente, quando intentou a presente acção.
23- Não é só quando não há causa para as deslocações pecuniárias que o instituto do enriquecimento sem causa pode ser invocado - como parece inferir-se daquilo que doutamente refere o despacho recorrido - mas também quando a causa para essa deslocação deixa de existir.
24- Assim sendo, requer-se a Vossas Excelências o conhecimento da Reconvenção e dos dois pedidos nela ínsitos, seguindo-se os demais termos do processo.
Termos em que se requer a procedência da Reconvenção deduzida na Contestação e o seu conhecimento pelo douto Tribunal a quo, revogando-se o douto Despacho Saneador que indeferiu a mesma Reconvenção, prosseguindo-se, deste modo, os autos com o conhecimento do mérito da mesma, deste modo, fazendo Vossas Excelências, a habitual e costumada JUSTIÇA!
*
Não houve contra-alegações.
*
O processo prosseguiu os seus normais termos, vindo a ser proferida sentença, a qual viria a julgar parcialmente procedente o pedido e, em consequência, foi a STDM condenada a pagar à autora a indemnização de Mop$ 495.789,60, acrescida de juros legais.
*
É dessa sentença que ora vem interposto o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações a recorrente, STDM, formula as seguintes conclusões:
1- A Sentença de que ora se recorre é nula por erro na subsunção da matéria de facto dada como provada à solução de direito.
2- Recorde-se aqui que estamos em sede de responsabilidade civil, pelo que o(a) Recorrido(a) apenas terá direito de ser indemnizado(a) caso prove que a Recorrente praticou um acto ilícito.
3- E, de acordo com os arts. 20º, 17º, 4, b) e 24º do RJRT, apenas haverá comportamento ilícito por parte do empregador - e consequentemente direito a indemnização - quando o trabalhador seja obrigado a trabalhar em dia de descanso semanal, anual e ou em dia de feriado obrigatório e o empregador não o remunere nos termos da lei.
4- Ora nada se provou que fosse susceptível de indicar qualquer acção ou omissão (muito menos ilícita) por parte da Recorrente que haja obstado ao gozo de descansos pelo(a) A, não podendo, por isso, afirmar-se o seu direito ao pagamento da indemnização que pede, a esse título - relembre-se que ficou provado que o(a) A precisava da autorização da R. para ser dispensada dos serviços.
5- Porque assim é, carece de fundamento legal a condenação da ora Recorrente por falta de prova de um dos elementos essenciais do direito de indemnização do(a) A, ora Recorrido(a), i.e., a ilicitude do comportamento da R., ora Recorrente. Caso assim não se entenda, sempre deve aplicar-se, para o cálculo de qualquer compensação pelo trabalho alegadamente prestado em dias de descanso, o regime previsto para o salário diário e não o regime previsto para o salário mensal.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
6- O(A) A, ora Recorrido(a), não estava dispensado(a) do ónus da prova quanto ao não gozo de dias de descanso e devia, em audiência, por meio de testemunhas ou por meio de prova documental, ter provado que dias alegadamente não gozou.
7- Assim sendo, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo errou na aplicação do direito, pelo que o douto Tribunal de Segunda Instância deverá anular a decisão e absolver a Recorrente dos pedidos deduzidos pelo(a) A, ora Recorrido(a).
8- Nos termos do n.º1 do art. 335º do CC: “Àquele que invoca um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado.”.
9- Por isso, e ainda em conexão com os quesitos 6º a 14º da base instrutória, cabia ao(à) A, ora Recorrido(a), provar que a Recorrente obstou ou negou o gozo de dias de descanso.
10- Ora nada se provou que fosse susceptível de indicar qualquer acção ou omissão (muito menos ilícita) por parte da Recorrente que haja obstado ao gozo de descansos pelo(a) A., não podendo, por isso, afirmar-se o seu direito ao pagamento da indemnização que pede, a esse título.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
11- O n.º1 do art. 5º do RJRT dispõe que o diploma não será aplicável perante condições de trabalho mais favoráveis que sejam observadas e praticadas entre empregador e trabalhador, esclarecendo o art. 6º deste diploma legal que os regimes convencionais prevalecerão sempre sobre o regime legal, se daqui resultarem condições de trabalho mais favoráveis aos trabalhadores.
12- O facto de o(a) A ter beneficiado de um generoso esquema de distribuição de gorjetas que lhe permitiu, ao longo de vários anos, auferir rendimentos que numa situação normal nunca auferiria, justifica, de per si, a possibilidade de derrogação do dispositivo que impõe ao empregador o dever de pagar um salário justo, pois caso o (a) Recorrido(a) auferisse apenas um salário justo - da total responsabilidade da Recorrente e pago na Íntegra por esta - certamente que esse salário seria inferior ao rendimento total que o(a) Recorrido(a), a final, auferia durante os vários anos em que foi empregado da Recorrente.
13- Não concluindo - e nem sequer se debruçando sobre esta questão - pelo tratamento mais favorável ao(à) trabalhador(a) resultante ao acordado entre as partes - consubstanciado, sobretudo, nos altos rendimentos que o(a) A. auferia - incorreu o Tribunal a quo em erro de direito, o que constitui causa de anulabilidade da Sentença ora em crise.
Assim não se entendendo e ainda concluindo:
14- A aceitação do trabalhador de que aos dias de descanso semanal, anual e em feriados obrigatórios não corresponde qualquer remuneração teria, forçosamente, de ser considerada como válida.
15- Os arts. 24º e seguintes da Lei Básica consagram um conjunto de direitos fundamentais, assim como os arts. 67º e seguintes do CC consagram um conjunto de direitos de personalidade e, do seu elenco não constam os alegados direitos violados (dias de descanso anual e feriados obrigatórios).
16- Não tendo o legislador consagrado a irrenunciabilidade dos direitos em questão, devem os mesmos ser considerados livremente renunciáveis e, bem assim, considerada eficaz qualquer limitação voluntária dos mesmos, seja essa limitação voluntária efectuada ab initio, superveniente ou ocasionalmente.
17- Donde, deveria o Tribunal ter considerado eficaz a renúncia ao gozo efectivo de tais direitos, absolvendo a aqui Recorrente do pedido.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
18- Ao trabalhar voluntariamente - e, realce-se, não ficou em nenhuma sede provado que esse trabalho não foi prestado de forma voluntária, muito pelo contrário - em dias de descanso (sejam eles anual, semanal ou resultantes de feriados), o(a) Recorrido(a) optou por ganhar mais.
19- E, não tendo o(a) Recorrido(a), sido impedida de gozar quaisquer dias de descanso anual, de descanso semanal ou quaisquer feriados obrigatórios, é forçoso é concluir pela inexistência do dever de indemnização da STDM ora Recorrente.
Ainda sem conceder, e ainda concluindo:
20- Por outro lado, jamais pode a ora Recorrente concordar com a fundamentação da Mma. Juiz a quo quando considera que o(a) A., ora Recorrido(a), era remunerada com base num salário mensal, sendo que toda a factualidade dada como assente indica o sentido inverso, ou seja, do salário diário.
21- Em primeiro lugar, porque a proposta contratual oferecida pela ora Recorrente à generalidade dos trabalhadores dos casinos, como o(a) aqui Recorrido(a) era a mesma há cerca de 40 anos: auferiam um salário diário fixo de MOP$4.10/dia, HKD$ 10.00/dia ou HKD$ 15.00, ou seja, um salário de acordo com o período de trabalho efectivamente prestado.
22- Acresce que o “esquema” do salário diário nunca foi contestado pelos trabalhadores na pendência da relação contratual e, ademais, nunca os trabalhadores impugnaram expressamente a alegação desse facto nas instâncias judiciais nos processos pendentes.
23- Trata-se de uma disposição contratual válida e eficaz de acordo com o RJRT, que prevê, expressamente, a possibilidade das partes acordarem no regime salarial mensal ou diário, no âmbito da liberdade contratual prevista no art. 1º do RJRT.
24- Ora, na ausência de um critério legal ou requisitos definidos para aferir a existência de remuneração em função do trabalho efectivamente prestado, ao estabelecer que o(a) A., ora Recorrido(a), era remunerada com um salário mensal, a Sentença recorrida desconsidera toda a factualidade dada como assente e, de igual forma, as condições contratuais acordadas entre as partes.
25- Salvo o devido respeito por entendimento diverso, a Recorrente entende que, nessa parte, a decisão em crise não está devidamente fundamentada ao tentar estabelecer como imperativo (i.e., o regime de salário mensal em contratos de trabalho típicos) o que a lei define como dispositivo (i.e., as partes poderem livremente optar pelo regime de salário mensal ou diário em contratos de trabalho típicos).
26- E, é importante salientar, esse entendimento por parte da Mma. Juiz a quo teve uma enorme influência na decisão final da presente lide e, em última instância, no cálculo do quantum indemnizatório, pelo que deve ser reapreciada por V. Exas. no sentido de fixar o salário auferido pelo(a) A, ora Recorrido(a), como salário diário, o que expressamente se requer.
Por outro lado,
27- O trabalho prestado pelo(a) Recorrido(a) em dias de descanso foi sempre remunerado em singelo.
28- A remuneração já paga pela ora Recorrente à ora Recorrido(a) por esses dias deve ser subtraída nas compensações devidas pelos dias de descanso a que o(a) A. tinha direito, nos termos do RJRT.
29- Maxime, o trabalho prestado em dia de descanso semanal, para os trabalhadores que auferem salário diário, deve ser remunerado como um dia normal de trabalho (cfr. al. a) e b) do n.º6 do art.º 17º do RJRT, tendo o Tribunal a quo descurado essa questão.
30- Ora, nos termos do art. 26º, n.º4 do RJRT, salário diário inclui a remuneração devida pelo gozo de dias de descanso e, nos termos do art. 17º, n.06, al. b), os trabalhadores que auferem salário diário verão o trabalho prestado em dia de descanso semanal remunerado nos termos do que for acordado com o empregador.
31- No presente caso, não havendo acordo expresso, deverá considerar-se que a remuneração acordada é a correspondente a um dia de trabalho.
32- A decisão recorrida enferma assim de ilegalidade, por errada aplicação da alínea b) do n.º6 do art. 17º e do art. 26º do RJRT, o que importa a revogação da parte da Sentença que condenou a Recorrente ao pagamento relativo às compensações pelo não gozo dos dias de descanso, o que, expressamente, se requer.
Ainda concluindo:
33- As gorjetas dos trabalhadores de casinos não são parte integrante do salário, e bem assim as gorjetas auferidas pelos trabalhadores da STDM.
34- Neste sentido a corrente Jurisprudencial dominante, onde se destacam os Acórdãos do Tribunal de Última Instância proferidos no âmbito dos Processos n.28/2007, n.29/2007 e n.58/2007, datados de 21 de Setembro de 2007, 22 de Novembro de 2007 e 27 de Fevereiro de 2008, respectivamente.
35- Também neste sentido se tem pronunciado a doutrina de forma unânime.
36- O ponto essencial para a qualificação das prestações pecuniárias enquanto prestações retributivas é quem realiza a prestação. A prestação será retribuição quando se trate de uma obrigação a cargo do empregador.
37- Nas gratificações há um animus donandi, ao passo que a retribuição consubstancia uma obrigatoriedade.
38- Qualifica Monteiro Fernandes expressamente as gorjetas dos trabalhadores da STDM como “rendimentos do trabalho”, esclarecendo que os mesmos são devidos por causa e por ocasião da prestação de trabalho, mas não em função ou como correspectividade dessa mesma prestação de trabalho.
39- Na verdade, a reunião e contabilização são realizadas nas instalações dos casinos da STDM, mas com a colaboração e intervenção dos empregados de casino, funcionários da tesouraria e de funcionários do governo que são chamados para supervisionar a contabilização das gorjetas.
40- Salvo o devido respeito opinião contrária, a posição de sustentar a integração das gorjetas no conceito jurídico de salário, com base no conceito abstracto e subjectivo de “salário justo”, não tem qualquer fundamento legal, nem pode ter aplicação no caso concreto.
41- Em primeiro lugar, porque o que determina se certo montante integra ou não o conceito de salário, são critérios objectivos, que, analisados detalhadamente, indicam o contrário, se não vejamos: as gorjetas são montantes, (i) entregues por terceiros; (ii) variáveis; (iii) não garantidos pela STDM aquando da contratação; (iv) reunidas e contabilizadas pelos respectivos empregados do casino, juntamente com funcionários da tesouraria e do governo de Macau.
42- E, fortalece a nossa tese, a posição do governo de Macau que nunca considerou necessário a definição de um montante mínimo salarial que pudesse servir de bitola para a apreciação - menos discricionária - do que é um salário justo.
43- Dessa forma, o cálculo de uma eventual indemnização, que não se concede, só poderia levar em linha de conta o salário diário, excluindo-se as gorjetas,
Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis, que V s. Exas. doutamente suprirão, deve o presente Recurso ser julgado totalmente procedente, revogando-se a douta Sentença recorrida em conformidade, fazendo V. Exas., mais uma vez, a habitual JUSTIÇA!
*
Não houve contra-alegações.
*
Cumpre decidir.
***
II- Os Factos
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
- A R. tem por objecto social a exploração de jogos de fortuna ou azar, e a indústria hoteleira, de turismo, transportes aéreos, marítimos e terrestres, construção civil, operações em títulos públicos e acções nacionais e estrangeiros, comércio de importação e exportação (alínea A) dos factos assentes).
- A R. foi a única concessionária de jogos de fortuna ou azar em Macau, até meados de 2002 (alínea B) dos factos assentes).
- A A. manteve uma a relação com a R., sob direcção efectiva, fiscalização desde 11 de Março de 1982 a qual cessou em 31 de Março de 1997 (alínea C) dos factos assentes).
- O horário de trabalho da A. foi sempre fixado pela R., em função das suas necessidades, por turnos diários, em ciclos de três dias, num total de 8 horas, alternadas de 4 em 4 horas, existindo apenas o período de descanso de 8 horas diárias durante dois dias e um período de 16 horas de descanso no terceiro dia (alínea D) dos factos assentes).
- A parte variável era constituída por gorjetas dadas pelos clientes da R. (alínea E) dos factos assentes).
- As gorjetas eram distribuídas pela R. (alínea F) dos factos assentes).
- Todos os dias de descanso gozados pelos ex-trabalhadores da R. não eram remunerados (alínea G) dos factos assentes).
- Dessa relação, a A. recebia um rendimento composto por um parte fixa e outra parte variável (resposta ao quesito da 1º da base instrutória).
- A parte fixa era inicialmente de MOP$4,10 por dia, depois de MOP$1,70 por dia e mais tarde de HKD$10,00 por dia (resposta ao quesito da 2º da base instrutória),
- As gorjetas eram cobradas por ordens da R. e por si reunidas e contabilizadas pela R. (resposta ao quesito da 3º da base instrutória).
- As gorjetas eram distribuídas pela R. de acordo com regras e critérios desconhecidos pelos trabalhadores da R. e estabelecidas por esta (resposta ao quesito da 4º da base instrutória).
- O rendimento fixo somado do rendimento variável nos 1989 a 1997, era de (resposta ao quesito da 5º da base instrutória);
• MOP$156.693,00 em 1989
• MOP$185.899,00 em 1990;
• MOP$166.255,00 em 1991;
• MOP$188.748,00 em 1992;
• MOP$152.789,00 em 1993;
• MOP$193.087,00 em 1994;
• MOP$234.340,00 em 1995;
• MOP$260.085,00 em 1996;
• MOP$38.840,00 em 1997.
- Desde o início dessa relação e até ao seu fim, nunca a Autora gozou um dia de descanso em cada período de 7 dias, sem perda do respectivo rendimento (resposta ao quesito da 6º da base instrutória).
- Nunca a Autora gozou 6 dias de descanso anual, sem perda do respectivo rendimento (resposta ao quesito da 7º da base instrutória).
- Desde o início da relação até 30 de Maio de 1989, nunca a Autora gozou descanso nos dias 1 de Janeiro, 1 de Maio, 1 de Outubro, dia 1 de Junho, durante três dias no Ano Novo Chinês, e nos dias de Chong Chao, Chong Yeong, tendo a Autora trabalhando nesses dias (resposta ao quesito da 8º da base instrutória),
- Desde 30 de Maio de 1989 até a data da cessação da relação, nunca a Autora gozou descanso nos dias 1 de Janeiro, 1 de Maio, 1 de Outubro, durante três dias no Ano Novo Chinês, no dia 1 de Junho, e nos dias de Chong Chao, Chong Yeong e Cheng Meng, tendo a Autora trabalhando nesses dias (resposta ao quesito da 9º da base instrutória).
- Sem que a R. tivesse proporcionada qualquer acréscimo no rendimento da Autora salarial à A. (resposta ao quesito da 10º da base instrutória).
- Nem compensado a A. com outro dia de descanso (resposta ao quesito da 11º da base instrutória),
- A Autora aceitou que o trabalho prestado nos dias de descanso semana, anual e nos feriados obrigatórios fosse pago sem qualquer compensação adicional (resposta ao quesito da 13 º da base instrutória).
- Aceitou que caso pretendesse gozar de descanso, tais dias não seriam retribuídos (resposta ao quesito da 14º da base instrutória).
***
III- O Direito
1- Recurso do despacho saneador
A STDM insurge-se contra o saneador na parte em que nele foi decidido não admitir a reconvenção nos termos do art. 17º do CPT.
Ora, este artigo estabelece os requisitos substantivos e adjectivos de admissibilidade da reconvenção no âmbito dos processos laborais. Vejamos os substantivos.
Será admissível quando:
1- O pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção;
2- O réu se propõe obter a compensação;
3- Entre o pedido do réu e a relação material subjacente à acção exista subsidiariedade, complementaridade ou dependência.
Todavia, e tal como o despacho sob censura asseverou, não estamos perante nenhum dos requisitos ali previstos. Em primeiro lugar, o pedido da ré reconvinte não emerge do mesmo facto jurídico que serve de fundamento à acção. Efectivamente, a acção decorre alegadamente da omissão de obrigações legais aplicáveis a uma relação contratual, enquanto o pedido reconvencional assenta num alegado enriquecimento ilícito por parte da autora. Planos jurídicos distintos e diferentes bases fundamentativas, portanto.
Claramente também não podemos dizer que a ré pretende obter a compensação, uma vez que esta figura tem por pressuposto um cruzamento/reciprocidade de créditos ou uma oposição de direitos creditícios com um saldo favorável a uma das partes. Ora, o que a ré pede não é o reconhecimento e a consequente satisfação de nenhum crédito contra a autora-credora, mas sim a devolução de importâncias que a esta havia entregue. Mas os argumentos utilizados pela ré para a pretensão que formula, que se limitam a entrar em rota de colisão com a pretensão da autora, só acentuam a vertente exceptiva de que tais importâncias não devem fazer parte do salário; e nesse sentido é questão que pode ser, e é conhecida, enquanto parte integrante do núcleo do mérito substantivo da acção.
O que acaba de dizer-se conflui para a apreciação do último dos requisitos (nº3). Vistas as coisas pelo prisma acabado de referir, não se pode dizer que seja acessória, complementar ou dependente a relação material subjacente relativamente ao pedido da causa principal. Se tomarmos como referência a doutrina que emerge do Ac. do STJ de 22/11/2006, Proc. nº 06S1822, logo se torna patente que o caso não se assemelha à hipótese da norma. Na verdade, nenhuma daquelas características (acessoriedade, complementaridade e dependência) se verifica nas hipóteses em que a um pedido do autor é contraposto um pedido conflituante do réu assente numa questão autónoma. No caso, o que moveu a autora foi o não gozo de dias de descanso contemplados na lei com uma especial remuneração (portanto, violação da legislação laboral), em cujo cálculo a impetrante inclui as gorjetas; o que move a ré reconvinte é a devolução de somas de dinheiro de gorjetas que havia, admitamos por facilidade de raciocínio e exposição, “dado” (a título de liberalidade) ou “pago” (a título de remuneração). Mas a verdade é que, fosse a que título fosse, essa questão - se até poderia relevar em sede de abuso de direito, na medida em que a reconvinte age agora por causa de atitude que livremente tomou (o que pode configurar venire contra factum proprium: Ac. STJ de 17/04/2008, Proc. nº 07S4747) – é estudada na perspectiva do mérito da acção. E quando os fundamentos em que os pedidos da acção e da reconvenção são completamente diferentes, como é o caso, a jurisprudência é unânime em não admitir a segunda (a título de exemplo Ac. do STJ de 19/01/2011, 557/06.2TTPRT.P1.S1).
Razão para não se fazer qualquer censura ao saneador, e concluir pela improcedência do recurso (neste mesmo sentido, v.g., Ac. deste TSI de 28/07/2011, Proc. nº 537/2010).
*
2- Recurso da sentença
Importa começar por dizer que apenas está em causa nos presentes autos a indemnização eventualmente devida por créditos não pagos concernentes ao período posterior a 22/09/1989, dado que o despacho saneador, que não foi impugnado jurisdicionalmente, considerou prescritos os créditos anteriores a essa data. Assim, apenas haverá que lidar com o DL nº 24/89/M, de 3/04.
*
2.1- Da nulidade da sentença
2.1.1- Defende a recorrente STDM que a sentença seria nula quanto aos factos dados como apurados, por não se ter demonstrado que o trabalhador esteve impedido (e só nessa circunstância haveria ilícito) de gozar os dias de descanso semanal, anual, feriados obrigatórios ou sequer que nunca os tenha gozado.
A nosso ver, não tem razão. Com efeito, o que importava apurar era somente se o trabalhador gozou ou não os dias de descanso e os feriados. Saber se a eles o trabalhador renunciou é já questão impeditiva que à STDM cumpria alegar e demonstrar (art. 335º, n.2, do C.C.). E isso não aconteceu. Quanto ao impedimento invocado, algo mais adiante diremos.
-
2.1.2- Mas esta matéria obriga, ainda, a outro tipo de considerações. E uma delas é a liberdade contratual. Pergunta-se: é possível que as partes da relação laboral afastem o conteúdo das normas que conferem o direito ao descanso semanal, anual e feriados obrigatórios?
Toda a gente tem estado de acordo que as normas laborais sedimentam a opinião do favorecimento da parte mais fraca económica ou socialmente, que é o trabalhador. E é por isso que, quando o legislador positiva direitos em favor do trabalhador fá-lo de forma impostergável. Isto é, não se tem entendido ser permitido que, contra a vontade do legislador vertida na norma, o trabalhador acorde com o empregador um regime de trabalho que lhe retire direitos. Estamos, pois, a falar de direitos irrenunciáveis, que de alguma maneira, o art. 30º, da Lei Básica traduz ou acolhe à luz do princípio da inviolabilidade da dignidade humana. Pode o trabalhador acordar com o empregador o valor do salário, dentro de certos limites. O que não pode é prescindir de certos direitos nascidos apenas em seu exclusivo benefício. É o caso, por exemplo, do direito ao descanso.
Disso, aliás, nos dá conta o art. 5º, do DL n.101/84/M e 5º, do DL n.24/89/M ao estabelecer o princípio do tratamento mais favorável.
E não se diga que o acordo firmado entre recorrente e recorrido neste caso concreto é mais favorável ao trabalhador. Tanto no caso da natureza do contrato, no da composição do salário, como no do gozo de dias de descanso e feriados, nada do que se provou encaixa bem no princípio, antes pelo contrário.
Assim, mesmo que se tivesse provado a renúncia a tais direitos – e não se provou - ela seria inoperativa, porque prejudicial aos interesses do trabalhador.
Isto não quer dizer, bem entendido, que trabalhar nesses dias de descanso signifique uma renúncia totalmente abdicativa do correspondente direito. Pode acontecer que o trabalhador preste voluntariamente serviço nesses dias (ver art. 17º, n.5, do DL n. 101/84/M), mas para isso mesmo é que a própria lei prevê formas substitutivas compensatórias (v. art. 566º, do Cod. Civil). Ou seja, tanto é um direito forte (embora não intangível) que só pode ser quebrado num contexto favorável ao trabalhador. E isto é o que a própria lei prevê, de nada valendo a invocação dos usos e costumes, porque estes, pelo modo como a recorrente os desenha, não afastam minimamente as normas imperativas a que nos vimos referindo. O trabalho praticamente contínuo dos “croupiers”, devido à escassez de mão-de-obra especializada para o serviço nas bancas dos casinos de Macau, teria que ser compensado como manda a lei e nunca como o terá querido o empregador ou como, em tese geral, o admitisse o próprio trabalhador. Os usos e costumes nunca poderiam sobrelevar-se ao domínio normativo.
-
2.1.3- Retomando a discussão iniciada, somos levados a dizer que não existe falta de prova, nem sequer erro na apreciação da prova. Pensa a recorrente que sim, quanto ao primeiro ponto, por achar que o impedimento por parte do trabalhador em gozar aqueles dias de descanso seria necessário à aquisição do direito a compensação. Mas não. A lei não faz depender a compensação de qualquer obstáculo criado pelo empregador ao descanso do trabalhador. Pura e simplesmente abstrai dele. Por isso, não seria necessário que se provasse que o trabalhador foi obrigado a trabalhar contra a sua vontade naqueles dias (sobre este ponto, apenas seremos levados a concordar com a recorrente quanto ao descanso anual, mas a seu tempo trataremos dele).
Diferente se nos afigura já a questão do erro na apreciação da prova. A solução antevê-se, porém, fácil.
Em 1º lugar, cumpriria à recorrente indicar as passagens da gravação em que se funda para infirmar a decisão sobre a matéria de facto (art. 599º, n.2, do CPC). E não o fez.
Em 2º lugar, a decisão em causa repousa numa convicção do julgador que, sem outros dados adicionais que possamos conferir, é impossível controlar.
Portanto, à falta de melhores elementos, não se pode dar razão à recorrente sobre este ponto.
*
2.2- Do mérito da sentença
A recorrente discorda da sentença quanto à composição do salário e quanto à parte relativa aos factores multiplicativos inseridos nas fórmulas adoptadas para o apuramento dos valores indemnizatórios.
Vejamos o primeiro aspecto.
A recorrente começou a trabalhar para a recorrida como empregada do casino, recebendo como contrapartida diária uma quantia fixa, desde o início até á cessação da relação laboral. Para além disso, recebia uma quantia variável em função de gorjetas recebidas dos clientes do casino, que a recorrida reunia, contabilizava e posteriormente distribuía por todos os seus empregados. E tanto a parte fixa, como a variável, haviam sido acordadas verbalmente entre recorrente e recorrido.
Ora, tal como o TSI tem defendido, o contrato em causa é de trabalho, porque reúne todas as características próprias deste.

Socorramo-nos do aresto proferido neste TSI de 19/03/2009, Proc. n. 690/2007:
“Em face do artigo 1079.º do Código Civil, artigos 25º e 27º do anterior RJRL - cfr. artigos 1º, 4), 9º, 2), 57º da actual LRT, Lei 7/2008, de 12 de Agosto, em princípio não aplicável aos contratos findos, face à redacção do disposto no art. 93º -, art. 23°, n.º 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 7º do Pacto sobre Direitos Económicos Sociais e Culturais e pela Convenção da OIT n.º 131, direitos que por essa via não deixam de ser tutelados pela própria Lei Básica no seu artigo 40º, decorre, face à factualidade apurada, que parece não restarem quaisquer dúvidas de que nos encontramos perante um verdadeiro e puro contrato de trabalho entre a autora e a ré, em que esta, mediante uma retribuição, sob autoridade, orientações e instruções daquela, começou a trabalhar na área de actividade ligada à exploração de jogos de fortuna ou azar”.
Concordamos com a posição e nada mais temos a acrescentar-lhe.
No que se refere ao valor do salário, pergunta-se: Será que ele apenas é constituído pela parte fixa ou também englobará a parte variável em resultado das gorjetas?
Também neste ponto estamos de acordo com a posição deste TSI, no sentido de que as gorjetas não foram sendo atribuídas a título de mera liberalidade. A liberalidade, em princípio, para assim ser entendida, não deveria ter sido atribuída com carácter de regularidade. E o que está demonstrado nos autos é, precisamente, o contrário.
Depois, não eram gorjetas que o trabalhador do casino guardava para si vindas directamente do cliente apostador. Se assim fosse, poderia dizer-se que o empregador a elas era totalmente alheio, que nenhuma interferência exercia nem na sua distribuição, nem no seu quantitativo e que, portanto, apenas pagava ao seu subordinado o valor remuneratório previamente determinado. Mas não. Eram somas de dinheiro que o trabalhador recebia, sim, mas que tinha que entregar à sua entidade patronal, de quem, posteriormente, apenas recebia uma parte. Locupletamento à custa alheia seria a situação se, tendo o jogador entregue pessoalmente o dinheiro ao trabalhador, a entidade patronal dela, sem mais, se apropriasse totalmente. Mais, haveria aí uma manifesta superioridade de parte a roçar a ilicitude se, contra a vontade do empregado, este fosse obrigado a abrir mão daquilo que o jogador voluntariamente lhe tinha dado. Nenhuma relação laboral assente numa base lícita toleraria tal atitude de ingerência na vida do trabalhador por parte do empregador se não tivesse havido entre ambos um acordo que permitisse a distribuição das gorjetas, que não haviam sido dadas a este, mas àquele. Só um modelo de distribuição pré-determinado confere licitude à acção do empregador. Mas, ao mesmo tempo que assim acontece, não podemos deixar de pensar que, afinal, a entidade empregadora tinha alguma margem de superioridade nessa relação, pois era ela quem geria o dinheiro e, posteriormente, o distribuía segundo um esquema para o qual nenhuma contribuição o trabalhador dera. Ou seja, há aqui assim uma atitude que é própria da supremacia do empregador e que revela bem que este não era um simples “guardador” ou mero “depositário” do dinheiro proveniente das gorjetas.
De resto, mal se compreenderia que qualquer trabalhador aceitasse trabalhar por tão poucas patacas diárias (a parte fixa), se não soubesse que, a elas, acresceria uma quantia bem mais razoável em resultado da distribuição da soma de todas as gorjetas recebidas por si e pelos restantes colegas do casino. Se o salário tem uma função social, que visa conferir dignidade de vida ao trabalhador e ao seu agregado familiar, e de que o empregador dos tempos modernos já não pode alhear-se, então parece que esta entrega permanente ao trabalhador de dinheiro recebido do jogador não pode deixar de ter um sentido remuneratório.
E neste quadro, todos – jogadores, trabalhadores e empregador - ficam bem. Os primeiros, porque satisfeitos, cumprem o seu desejo de generosidade e altruísmo (mas é questão que aqui não tem valor jurídico); os segundos, porque, ao cabo e ao resto, vêem devidamente compensado o resultado do seu trabalho; e o último, porque vê feliz e empenhado o seu empregado, a quem vai pagar com dinheiro que nem sequer sai do seu bolso.
E, já agora, não deixaria de ser contraditório e injusto, e por isso mal se perceberia, que a reclamada “unidade do sistema” consentisse que, para efeito de salário, a gorjeta assim distribuída ficasse de fora do conceito, enquanto para efeito tributário já passasse a ser considerada como “rendimento do trabalho variável” (cfr. art. 2º, Lei n. 2/78/M, de 25 de Fevereiro).
Tudo isso, para concluir que a composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
É para nós, portanto, questão ultrapassada a de que o salário integra uma parte fixa e outra variável. Problema é como calculá-lo: se ao dia, se ao mês e qual o seu valor.
Verdade que o trabalhador recebia uma quantia fixa diária. Verdade também que nos dias em que não trabalhava não recebia remuneração. Todavia, a ausência de remuneração nesses dias não advém de qualquer acordo prévio.
Aliás, a questão está consolidada neste TSI em termos tais que deles não somos capazes de divergir. Veja-se, por exemplo, o que foi dito no Ac. de 14/09, no Rec. N. 407/2006:
  “…a “quota-parte” de “gorjetas” a ser distribuída ao Autor, em montante definido unilateralmente pela Ré, integra precisamente o salário mensal do Autor, pois caso contrário e vistas as coisas à luz de um homem médio colocado na situação concreta do ora Autor, ninguém estaria disposto a trabalhar por conta da Ré em tantos anos seguidos nos seus casinos em horários de trabalho por esta fixados…ou seja, em horários de turnos necessariamente árduos para qualquer pessoa humana, se tivessem de ser cumpridos continuadamente em anos seguidos, sabendo entretanto, de antemão, que a prestação fixa do seu salário era de valor muito reduzido”.
E também o Ac. de 15/07/2010, Proc. n. 928/2010:
“…o qual o trabalhador estava obrigado a trabalhar por turnos de seguinte forma:
1º e 6º turnos: das 07h00 às 11h00, e das 03h00 às 07h00;
3º e 5º turnos: das 15h00 às 19h00, e das 23h00 às 03h00 do dia seguinte;
2º e 4º turnos: das 11h00 às 15h00, e das 19h00 às 23h00
Como se sabe, é por imposição legal e pelos termos do contrato de concessão para exploração dos jogos de fortuna e azar que os casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas. Ora, se é compreensível e justificável a fixação dos turnos, nos termos que vimos supra, pela entidade patronal para fazer face à necessidade de assegurar o funcionamento contínuo legalmente imposto dos seus casinos, já custa perceber como é quê é possível os seus trabalhadores afectados aos casinos, em vez de auferirem um salário mensal, que é única forma de pagamento conciliável com a organização dos turnos durante 24 horas para assegurar a continuidade do funcionamento dos casinos, auferirem antes um salário diário determinado em função do número de dias de trabalho em que quis trabalhar e efectivamente prestou serviço. Na verdade, basta dar uma vista de olhos aos turnos fixados e à forma como os turnos estão organizados e distribuídos durante as 24 horas, em especial o 5º turno que se inicia às 23h00 num dia e termina às 03h00 de madrugada no dia seguinte, já se apercebe da impossibilidade prática de determinar o período de trabalho diário para efeitos de cálculo do alegado salário diário”.
Assim sendo, tal como este TSI tem admitido em casos similares, é de considerar que o salário era mensal, para cujo apuramento médio diário entrará o valor conjunto da parte fixa e da variável, tal como feito nos autos.
Neste sentido, por recentes, vejam-se os acórdãos proferidos nos Processos nºs 780/2007, de 31/03/2011, 423/2008, de 23/06/2011, 924/2010, de 20/10/2011, 159/2011, de 15/12/2011,por exemplo.
Assim sendo, não merece qualquer censura a sentença recorrida neste ponto.
*
Vejamos agora o segundo aspecto.

Descanso semanal

Na vigência do DL n. 24/89/M

Vale aqui o disposto no art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a).
Assim:
N.1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).

N.4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda:

N.6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.

Ora, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.6, al. a)).
Numa 1ª perspectiva, se o empregador pagou o devido (pagou o dia de descanso), falta pagar o prestado. E como o prestado é pago em dobro,
tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).

Numa 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda:
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.1).

Portanto, a fórmula será sempre: AxBx2. A recorrente defende ser aplicável o factor multiplicador 1 e a sentença decidiu ser o 3.

Assim, nesta parte a sentença tem que ser revogada.

Em consequência, e considerando o mapa de fls. 20 e 21 da sentença, que por comodidade aqui fazemos nosso, adaptando-o, porém, à fórmula de cálculo acima definida no que concerne ao factor multiplicador, o valor indemnizatório a atribuir será de Mop$ 416.788,40.

*
Descanso anual

- Na vigência do DL n. 24/89/M

São seis os dias a que o trabalhador tem direito em cada ano civil e, tal como na legislação anterior, sem perda de salário (art.21º, n.1). Se a duração da relação for inferior a um ano, o período de descanso será proporcional segundo a regra do n.2.

No que respeita à violação do direito ao descanso anual, dispõe o art. 24º que “O empregador que impedir o trabalhador de gozar o período de descanso anual pagará ao trabalhador, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao tempo de descanso que deixou de gozar” (bold nosso).

O triplo, diz a norma. Contudo, o pressuposto nela estabelecido é o de que o trabalhador tenha sido impedido de exercer o seu direito! Ora, este impedimento deveria ter sido provado e o facto que mais se aproximava desse desiderato era o do art. 20º da base instrutória, que mereceu resposta negativa.

Como compensar o trabalhador que prestou serviço nos dias de descanso anual sob o império deste diploma?

A nosso ver, o legislador nenhuma alteração introduziu em relação ao que havia plasmado no corpo de normas do diploma de 1984. Na verdade, em tudo são iguais os textos legais quanto a este aspecto. Por isso, se concluímos que o trabalhador tem direito a mais um dia de valor remuneratório ao abrigo do DL n. 101/84/M, não se vê motivo para, com base em preceitos precisamente iguais no DL n. 24/89/M (arts. 21º, n.1 e 22º, n. 2), se entender que neste último o legislador não ponderou a hipótese, que não previu o caso e que não lhe deu estatuição.

Claro que o art. 24º deste último preceitua uma fórmula de cálculo de compensação para as situações em que o empregador impedir o seu empregado de gozar o dia de descanso anual. É verdade. Mas será legítimo pensar que, ao estatuir dessa maneira para esse caso, omitiu o legislador a solução para os casos ali não incluídos? Não, a nosso ver. A forma como o preceito está redigido reforça ainda mais a ideia de que, fora esta situação excepcional (que o legislador quis expressamente introduzir, numa clara opção pela defesa da parte contratual mais desfavorecida), em todos os restantes casos a solução é aquela que já vinha do articulado de 1984 e ao qual nenhuma alteração quis introduzir. E temos que pensar, não esqueçamos, que o legislador se exprimiu da maneira mais correcta e adequada ao seu pensamento (art. 8º, n.3, do Cod. Civil).

Portanto, em nossa opinião não existe qualquer lacuna que deva ser suprida pela técnica analógica.

Assim, valem aqui mutatis mutandis, as considerações tecidas atrás, quando nos referimos ao modo de compensar o trabalhador que prestou trabalho nos dias de descanso anual ao abrigo do diploma de 1984. Sendo elas também prestáveis à interpretação do DL 24/89/M, somos a concluir como além: Ou o empregador pagou o devido ou o prestado. No primeiro caso, falta pagar o prestado; no segundo, falta pagar o devido. A fórmula não pode deixar de ser sempre esta: salário médio diário x 1, o que, aplicada, corresponde ao valor indemnizatório de Mop$ 23.649,80, tal como decidido na sentença (ver mapa de fls. 22), que assim não merece censura.
*
Feriados obrigatórios

- Na vigência do DL n. 24/89/M

Esta lei trouxe inovações: introduziu uma indemnização especial, chamemos-lhe assim, que a lei anterior não previa e alargou o leque dos dias feriados remunerados, pois aos previstos na lei anterior, somaram-se agora os três dias do Ano Novo Chinês (cfr. art. 19º, n.3). Portanto, o gozo desses dias é feito, não apenas sem perda de remuneração (já era assim na lei anterior), como ainda deve ser extraordinariamente compensado.

Se o trabalhador prestar serviço nesses dias, diz o diploma, além da remuneração normal, receberá ainda um acréscimo salarial não inferior ao
dobro da retribuição normal (art. 20º, n. 1). O que quer dizer não inferior?
Quer dizer que pode ser igual, mas não descer desse limite. E até pode ser
superior, mas nesse caso só o empregador poderá fixar o valor, singularmente ou por acordo com o empregado. O que não pode é o tribunal, arbitrariamente subir acima dessa barreira.

Aqui chegados, de novo pensemos nas duas perspectivas acima avançadas: a de o trabalhador ter sido pago pelo valor do devido e a de ter sido remunerado pelo valor do serviço prestado. É bom que se equacionem estas duas acepções para se ver até que ponto a solução pode diferir.

1ª Perspectiva (pagamento do devido)

O empregador pagou ao trabalhador o valor remuneratório que, pela lei, sempre lhe seria devido (ou seja, pagou a “remuneração correspondente aos feriados…”: art. 19º, n.3, até porque não lhos podia descontar: art.26º, n.1).

Sendo assim, falta pagar ao trabalhador o seguinte: a remuneração do trabalho efectivamente prestado (um dia de salário), mais um acréscimo em dobro, nos termos do art. 20º, n. 1(mais dois dias). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.

2ª Perspectiva (pagamento do prestado)

Nesta óptica, o empregador o que fez foi pagar ao trabalhador em singelo o valor do serviço prestado.

Todavia, falta pagar o acréscimo em dobro (2 x salário) e ainda o valor do devido (um dia). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário, e não 1, como o defende a recorrente, nem 2 como o decidiu a 1ªinstância.

Como se vê, qualquer que seja o prisma por que se encare a situação, o resultado é o mesmo. A fórmula é, em ambas, salário diário x 3.

Acontece que a trabalhadora/autora não apresentou recurso jurisdicional e a STDM defende que o factor é o 1. Assim sendo, está o tribunal de recurso impedido de ultrapassar o limite decisório da sentença recorrida, nos termos do art. 589º, nº4, do CPC, pelo que a confirmará nesta parte. O que equivale a dizer que a indemnização a atribuir será de Mop$ 49.720,60.

Face ao exposto, o montante indemnizatório global é de Mop$ 490.158,80.


***
IV- Decidindo

Face ao que vem de ser dito, acordam em conceder parcial provimento ao recurso e, confirmando e revogando a sentença como acabado de expor, condenar a STDM a pagar a A a quantia de Mop$490.158,80, acrescida de juros legais calculados pela forma decidida pelo TUI no seu acórdão de 2/03/2011, no processo n. 69/2010.

Custas:

- Pela STDM em ambas as instâncias na proporção do decaimento;
- Pela autora apenas na 1ª instância, por não ter contra-alegado no recurso.


TSI, 02 / 02 / 2012.



(Relator) José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto) Choi Mou Pan

(Primeiro Juiz-Adjunto) Lai Kin Hong (com a declaração de voto que se junte)




Processo nº 629/2011
Declaração de voto

Subscrevo o Acórdão antecedente à excepção da parte que diz respeito à existência dos direitos do trabalhador à compensação e aos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios, em tudo quanto difere do afirmado, concluído e decidido, nomeadamente, nos Acórdãos por mim relatados e tirados em 27MAIO2010, 03JUN2010 e 27MAIO2010, nos processos nºs 429/2009, 466/2009 e 410/2009, respectivamente.

RAEM, 02FEV2012

O juiz adjunto


Lai Kin Hong