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Processo n.º 522/2010
(Recurso contencioso)

Data : 9/Fevereiro/2012


ASSUNTOS:
- Processo Disciplinar/demissão
- Inviabilidade da manutenção da relação jurídicofuncional
- Jogo; proibição a funcionários
- Casinos e zonas de jogo
- Acumulação de infracções
- Escolha e medida da sanção


SUMÁRIO:
   
   1. Não merece censura nem padece de assacados vícios procedimentais e substanciais assacados ao acto, a deliberação que foi no sentido da demissão de um funcionário dos tribunais que, a pretexto de jogar nas slot machines sistemática e reiteradamente faltou e se ausentou do serviço, alegando e estribando-se em atestados justificativos de doenças, comprometendo a manutenção da relação funcional.
                    
2. A pena de demissão não é de aplicação automática, só podendo ser cominada se os factos revelarem um carácter censurável susceptível de inviabilizar a manutenção da relação funcional

3. Não se deve manter a relação funcional sempre que os factos cometidos pelo arguido, avaliados e considerados no seu contexto, comprometam, designadamente, a eficiência, a confiança, o prestígio e a idoneidade que deva merecer a acção da Administração. Se o comportamento imputado ao arguido atingir um grau de desvalor que quebre, definitiva e irreversivelmente, a confiança que deve existir entre o serviço e o agente, deve considerar-se inviabilizada a manutenção da relação funcional.

4. No caso em presença não se tratou de demitir um funcionário que foi encontrado numa casa de jogos, uma, duas três vezes. A matéria de facto comprovada permite bem aquilatar da dimensão e intensidade da conduta praticada; os tempos curtos e demorados das diferentes permanências; a busca justificativa das ausências ao serviço anulada pela prática compulsiva do jogo; isto para além do jogo, fora das horas de serviço, já de si proibido; em 98 dias de falta por doença, 72 injustificadas, em 32 desses dias, em vez de permanecer em casa conforme recomendação clínica, frequentou salas de jogo; a apresentação de justificações verbais inverdadeiras, comprovando-se que tinha estado a jogar; por fim, a atitude relapsa de alheamento e desinteresse, não se incomodando sequer em justificar faltas.

5. Se, no que respeita à apreciação da integração e subsunção dos factos na cláusula geral punitiva, a actividade da Administração está sujeita à sindicabilidade do Tribunal, o mesmo não se pode dizer quanto à aplicação das penas, sua graduação e escolha da medida concreta, existindo, neste âmbito, discricionariedade por parte da Administração, a qual passa pela opção entre emitir ou não o acto sancionatório e ainda pela escolha entre vários tipos e medidas possíveis.

6. O órgão decisor não está vinculado à classificação jurídica que a instrutora dê às condutas enunciadas e provadas, antes, e isso sim, apenas à enunciação dos factos provados e respectivo enquadramento jurídico-disciplinar - designadamente a verificação de os factos revelarem um carácter censurável susceptível de inviabilizar a manutenção da relação funcional - cabendo-lhe, por inteiro, a liberdade da escolha da pena disciplinar a aplicar ao caso, sem peias que não as apontadas, sendo sua e só sua a decisão de direito.

O Relator,


(João Gil de Oliveira)

Processo n.º 522/2010
(Recurso Contencioso)

Data : 9 de Fevereiro de 2012

Recorrente: A

Recorrido: Conselho dos Magistrados Judiciais
    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    A, mais bem identificado nos autos, vem recorrer da decisão do Conselho dos Magistrados Judiciais que lhe aplicou a pena de demissão, alegando, em sede de conclusões:
    1ª O acórdão recorrido configura um acto administrativo susceptível de recurso contencioso imediato, dado que é um acto verticalmente definitivo, o tribunal é competente para dele conhecer, o recurso é interposto tempestivamente e o recorrente é parte legítima.
    2ª Os actos administrativos anuláveis só podem ser revogados com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo do respectivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida.
    3ª A entidade recorrida proferiu um primeiro acórdão em que aplicou ao ora recorrente a pena de demissão, em 5/6/2009, do qual o recorrente interpôs recurso contencioso para o TSI em 06/7/2009, no qual a entidade recorrida apresentou a sua Resposta em 02/9/2009, havendo o recurso contencioso atingido o seu termo com a prolação do douto Acórdão de 15/4/2010, que, na procedência do recurso, anulou o acto recorrido (processo n.º 567/2009).
    4ª O acto revogatório substitutivo do acto primitivamente recorrido veio, apenas, a ser praticado em 7/5/2010, num momento em que lhe estava já interdita a explicitação de acto substitutivo do acto anteriormente praticado e cuja anulação foi decretada.
    5ª Sendo, em consequência, o acto revogatório substitutivo ora recorrido ilegal, por praticado para além do prazo fixado pela lei, e ineficaz.
    6.ª O facto de estabelecer a lei diferentes prazos para o recurso de actos anuláveis e se, sendo o mais alargado deles, o de 1 ano (quando o recorrente seja o Ministério Público) não altera a situação, pois sendo, embora, certo que, «se houver prazos diferentes para o recurso contencioso atende-se ao que terminar em último lugar», se, dentro do prazo legal for interposto o recurso contencioso, o acto inválido só pode ser revogado até à resposta da entidade recorrida (130.°, n.º 1 do CPA; cfr., ainda, o art. 47.° da LPTA).
    7.ª A legalidade da revogação não pode ser apreciada no recurso contencioso respeitante ao acto revogado mas sim no que foi interposto do acto revogatório.
    8ª A revogação opera ex tunc, é uma revogação anulatória, o acto revogado desaparece da ordem jurídica.
    9ª Inexiste qualquer base probatória para a conclusão extraída na deliberação recorrida de que o arguido utiliza artifícios enganosos para obter meios legítimos de justificação de faltas, empolando sintomas para mais facilmente atingir os seus fins.
    10ª É ilógica e absurda a contraposição entre a «maldade» do arguido e a «bondade» dos médicos, sendo que a argumentação do acto recorrido, nesse aspecto e no caso, se generalizada, colocaria em causa todo o sistema de justificação de faltas dos trabalhadores da AP de Macau.
    11ª É intolerável, pelas mesmas razões, a afirmação de que, face ao quadro repetitivo de recurso ao mesmo sistema fraudulento de enganar os superiores hierárquicos com idas ao médico que mais se afeiçoassem às suas conveniências e obtendo legítimos atestados médicos de forma artificiosa.
    12.ª Demonstrou-se face aos depoimentos médicos que inundam os autos, colhidos na fase de instrução do processo disciplinar, que o arguido ora recorrente é uma pessoa doente, pois sofre de hipertensão arterial crónica, desequilíbrios auditivos e problemas degenerativos da coluna cervical e lombar.
    13ª A hipertensão não pode ser simulada pois é sujeita a medição por processos científicos, através de um aparelho de medição próprio.
    14ª Não faz, em consequência, sentido que se ponha em causa a doença invocada pelo arguido ora recorrente e certificada medicamente, porque contra a prova produzida.
    15ª Afigura-se abusiva a contraposição feita no acórdão recorrido entre «legítimos atestados médicos» e «forma artificiosa na obtenção» dos mesmos atestados, demonstrando tal contraposição um intuito persecutório inadmissível num órgão de julgamento.
    16ª E abusiva porque uma alegação de artificiosidade na obtenção dos atestados médicos põe em causa a idoneidade dos médicos.
    17ª Não é possível censurar o paciente que obtém um atestado médico sem que simultaneamente se demonstrasse a falsidade do atestado e o atentado deontológico do médico que o observou e emitiu o atestado.
    18ª A deliberação recorrida não podia usar a confissão do arguido de que é um dependente do jogo, utilizando essa confissão em seu detrimento, porque não corresponde à verdade que a viciação do jogo esteja incluída na acusação e a decisão punitiva não pode fundar-se em facto confessado pelo arguido, desde que o mesmo agrave os termos da acusação e exceda os limites nela definidos.
    19ª Em processo disciplinar, o acto punitivo tem de subordinar-se aos factos constantes da acusação, sob pena de se infringir o direito à audiência do arguido.
    20ª Incorreu a decisão punitiva, também nessa parte, em violação de lei, mostrando-se verificado o vício a que se refere o n.º 1 do art. 298.° do ETAPM, disposição normativa que fulmina com a nulidade a falta de audiência do arguido, determinativa da anulação da deliberação punitiva.
    21ª A violação do dever de assiduidade por parte do ora recorrente, mau grado todas as 15 faltas imputadas se mostram medicamente justificadas demonstrando a prova produzida nos autos injustificadas as ilações feitas quanto a uma indução enganosa dos médicos e a uma concomitante artificialidade da doença neles certificada.
    22ª O que só pode acontecer por não haver o arguido impugnado oportunamente os sucessivos despachos que as julgaram, erronea e ilegalmente, injustificadas.
    23.ª Não houve violação do dever de pontualidade, pois não é imputado ao arguido qualquer atraso ao serviço, irrelevando totalmente o entendimento de que o arguido deveria deslocar-se para o hospital no exacto momento ou até momentos antes de ser acometido dos sintomas das doenças certificadas nos atestados médicos e corroborados pelos médicos seus subscritores em termos que não deixam qualquer margem para dúvida quanto à doença neles declaradas.
    24ª Ainda que se entendesse que o arguido incorreu em violação do dever de assiduidade, a verdade que teria dado 5 faltas injustificadas seguidas e 15 interpoladas no mencionado ano civil, infracção disciplinar que seria punida com pena de suspensão de 10 a 120 dias.
    25ª Nos dias 21 de Maio, 26 de Maio, 19 de Junho, 24 de Junho e 17 de Julho as faltas do arguido foram faltas justificadas pelos atestados médicos demonstrativos de doença.
    26ª A lei considera injustificadas as faltas dadas por motivos não previstos ou não justificadas nos termos do Estatuto, sendo que as faltas por doença estão previstas e são consideradas justificadas pelo Estatuto.
    27ª Os atestados médicos foram emitidos nos termos legalmente exigidos e atempadamente apresentados pelo arguido ora recorrente.
    28ª Não tem explicação racional, por exemplo, que, perante o atestado médico a fls. 31 dos autos, se interprete a hora nele indicada (18:56:25) como a hora, minuto e segundo em que a doença teve início, pois uma interpretação racional impõe a percepção pelo homem médio de que se trata da hora a que o paciente se apresentou à consulta.
    29ª O mesmo se diz de outras situações idênticas, sendo incompreensível que o Secretário Judicial Substituto, em 4/6/2008 (como noutras situações), tenha feito inscrever que «o atestado médico apresentado para justificar a falta do dia 26 refere que se encontra doente desde 26/05/2008, pelas 18:56», com a consequente cominação de se considerar injustificada a falta ao serviço do arguido no mencionado dia.
    30.ª Tal como se afigura impertinente a notificação do arguido (na mesma «nota de notificação») para «no prazo de 2 dias úteis justificar o motivo porque ter deslocado ao Hospital Keang Wu e assistido apenas naquela hora no sentido de clarificar a situação (...).
    31ª Não tem explicação racional porque a lei preceitua que o atestado, «deve dar entrada no serviço onde o trabalhador exerce funções até final do segundo dia útil imediato ao da ausência», sendo absolutamente irrazoável supôr que a lei impõe que o funcionário doente deva correr para o médico assim que comece a sentir-se impossibilitado de ir ao serviço ou, até, que preveja que vai adoecer, de tal sorte que chegue ao hospital um pouco antes da doença se declarar.
    32.ª É incompreensível ainda que, conforme decorre do documento de fls. 29, o mesmo Secretário Judicial haja sugerido que a referida ausência do arguido fosse considerada injustificada com o aludido fundamento e que tal proposta tenha merecido a concordância da Exm.ª Presidente do TJB, conforme se constata de fls. 28 dos autos.
    33.ª O mesmo se diz da informação do mesmo Secretário Judicial, datada de fls. 34 e da «nota de notificação» fls.36 e da decisão da Presidente do TJB a fls. 33, e de todas as informações e notas de notificação idênticas a fls. 38 e 52 dos autos, pelos mesmos motivos que se deixaram expostos.
    34ª Há factos provados no âmbito do processo disciplinar que foram surpreendentemente omitidos e radicalmente ignorados na deliberação recorrida, nomeadamente a de que o arguido ora recorrente fixou residência em Dju-Hoi em Outubro de 2007 e que passou a constituir a sua residência habitual.
    35ª Facto que é do conhecimento superior e se mostra provado nos autos por carta de 27/6/2008 e em consequência do que perdeu retroactivamente o subsídio de residência que auferia desde o momento da fixação da sua residência na RPC e que, a tal autorizado, por despacho superior, tenha procedido à reposição dos subsídios indevidamente recebidos.
    36.ª A sua residência em Dju Hai e insusceptível de ser questionada, pelo que a entidade recorrida não podia invocar «suspeitas de indução enganosa dos médicos» fundadas nas suas deslocações para Dju-Hai em situação de baixa médica, porque era ali que tinha, e continua a ter, a sua residência.
    37ª É manifesto que se, por um lado, o arguido perdeu o direito ao subsídio de residência porque a Administração o dá (e bem) como residente em Dju-Hai e, por outro lado, se afirma que as suas deslocações de Macau para o interior da China em estado de doença constitui um indício de artificialidade da doença porque deveria permanecer na sua residência e reside em Djhu-Hai a deliberação recorrida incorreu em violação de lei por erro nos pressupostos de facto.
    38ª Não é aceitável o entendimento firmado na deliberação recorrida de que a conduta do arguido revela «culpa e grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres funcionais», com o apelo, feito à norma do n.º 1 do art. 315.° do ETAPM, sendo de rejeitar a ideia, ali expressa, de um «grave atentado contra a dignidade e prestígio do trabalhador (mais a mais da justiça) e da própria função».
    39ª Algumas das entradas do arguido em salas de jogo dos estabelecimentos Mocha teve uma duração extremamente curta, o que se afigura um indício de dependência do jogo, pelo que, nessas situações, e para usar uma expressão da entidade recorrida, o arguido se limitou a «aceder», à «sala de jogo», entrando e observando, movido por uma curiosidade serôdia».
    40ª Também a conclusão da deliberação recorrida de que não foram «motivos meramente circunstanciais» que ditaram a doença na «proximidade dos fins de semana» soçobra perante a demonstração de que «os problemas de saúde do recorrente «se agravam por excesso de trabalho e/ou falta de descanso» e da «pressão do trabalho».
    41ª O que toma compreensível um agravamento do seu estado à medida que a semana caminha para o fim, o que foi atestado pelos médicos Dr.s XXX YYY.
    42ª Não se aceita, pelas razões expostas, a conclusão da deliberação recorrida no sentido de que o arguido incorreu em «prestação de falsas declarações relativas à justificação de faltas, sob a forma continuada, prevista e punível no art. 314°, n.º 2, alínea g) do ETAPM», qualificada, por todas as razões que se deixaram expressas.
    43ª Não assiste razão à deliberação punitiva também na parte em que afirma que «o acesso a salas ou zonas de jogo, quaisquer que elas sejam, está vedado aos trabalhadores da Administração Pública, segundo o art. 24°, nº 1, alínea 3) da Lei n° 16/2001», quer na parte em que afirma que «agora, à luz da Lei n.º 16/2001, o legislador estende o alcance do banimento não só à «frequência» mas ao próprio «acesso» e, mais rigorosamente ainda, não só às casas de jogo de fortuna e azar», mas a (todas) as «salas e zonas de jogo», sem distinção, incluindo portanto as destinadas a máquinas de jogo».
    44ª A frequência dos estabelecimentos Mocha não implica a violação do art. 24.°, n.º 1, ponto 3, da Lei n.º 16/2001, uma vez que tais estabelecimentos não são considerados casino, só através de uma interpretação extensiva inadmissível ou por recurso à ficção se podendo compreender o entendimento fixado no acto recorrido.
    45ª Os clubes Mocha encontram-se espalhados pela cidade, fora dos casinos, sendo detidos por diferentes empresas, constituem instalações para entretenimento que têm a mesma natureza dos estabelecimentos legalmente autorizados a explorar a oferta pública de apostas no totobola, no majong, no bingo, nos cães, no futebol e nos cavalos.
    46ª A Lei n.º 16/2001 tem como âmbito, como decorre do n.º 1 do art. 1.°, «a definição do regime jurídico da exploração de jogos em casino na Região Administrativa Especial de Macau», sendo que, como decorre de uma das definições do seu art. 2.° (conferir ponto 1., alínea a)), «Casinos são os locais e recintos autorizados e classificados como tal pelo Governo da Região Administrativa e Especial de Macau».
    47ª Quando, no seu art. 24.°, n.º 1, alínea 3) se prescreve que «é vedado o acesso às salas ou zonas de jogos aos trabalhadores da administração pública da Região (...)», o legislador teve apenas em vista o impedimento do acesso às salas ou zonas de jogos instaladas em casinos e não o acesso às salas ou zonas de jogos autorizadas em estabelecimentos que não são casinos.
    48ª A DICJ faz essa contraposição entre «salas de máquinas de jogo» e «casinos», distinguindo, no seu site, as primeiras e os segundos.
    49ª A revogação operada pela Lei 16/2001 do n.º 13 do art. 279.° do ETAPM, se teve como pressuposto que a matéria regulada na norma revogada estava compreendida na norma revogatória do art. 24.º da Lei 16, deveu-se manifestamente a um lapso do legislador.
    50ª Com a consequência de ter tomado lícita a frequência, por funcionários públicos das casas de jogos de fortuna e azar que não estejam instaladas em casinos, pelo menos até ao renascimento da norma revogada com a revogação da norma revogatória ou até nova regulamentação da matéria do acesso dos funcionários públicos a salas e zonas de jogos não instaladas em casinos, a qual passou a ser inteiramente livre com a revogação do n.º 13 do art. 279.º do ETAPM, sabido que a repristinação de uma lei (ou norma) revogada só se opera com a revogação (ou a caducidade) da norma revogatória.
    51ª A integração das lacunas da lei pelo intérprete - através da analogia ou da interpretação extensiva - tem como limite, no caso, o princípio da legalidade do direito disciplinar, o qual impede a condenação do arguido por uma infracção disciplinar tipificada que deixou de existir no ordenamento jurídico-administrativo da RAEM.
    52ª O recorrente mantem a posição de Escrivão Judicial Adjunto do 3.º escalão, ao cabo de mais de vinte a um anos de serviço prestado à função pública de Macau e de mais de dezoito anos de serviço prestado aos tribunais, tendo obtido, durante treze anos, entre 1988 e 2001, sempre obteve classificações de serviço de BOM, MUITO BOM ou de BOM COM DISTINÇÃO (do registo não constando as classificações de serviço atribuídas a partir de 2002 por haver, desde então, sido alterado o sistema de classificação dos funcionários judiciais, que não são notificados da avaliação do seu trabalho).
    53ª Facto que não foi ponderado como devia na decisão recorrida.
    54ª A dependência do jogo, embora lícita, assume uma natureza mais destrutiva do indivíduo do que outras dependências lícitas, como a do tabaco, do alcóol ou de tipos diferentes de apostas e mesmo de certas dependências ilícitas como a droga (que assume dignidade criminal).
    55ª A nota de culpa e o relatório final imputaram ao arguido a violação do dever de assiduidade e pontualidade e a violação da proibição de frequência de casas de fortuna e azar, identificando uma situação reveladora de dolo e má compreensão dos deveres funcionais e de actos que revelam indignidade ou falta de idoneidade moral para o exercício de funções, propondo, a final, a aplicação da pena disciplinar da aposentação compulsiva.
    56ª Ao concluir no sentido da inviabilização da manutenção da situação jurídico-funcional e julgado o recorrente incurso na previsão do art. 315°, n.º 1 e n.º 2, alínea o) do ETAPM, mau grado a demonstração da circunstância atenuante da alínea a) do art. 282° do ETAPM e o tempo de serviço de 21 anos, 7 meses e 15 dias, punindo-o com a pena de demissão incorreu em por violação de lei, erro nos respectivos pressupostos de facto e de direito e erro de julgamento decorrente de errada apreciação e valoração das provas produzidas.
    57ª A pena de demissão mostra-se desproporcionada aos factos, por todas as razões que se deixaram expostas, uma vez que, perante a alternativa da pena de demissão e de aposentação compulsiva, as razões que determinaram o acto recorrido a optar pela primeira se mostram viciadas por erro nos pressupostos de facto das circunstâncias agravantes nele identificadas, à revelia da prova produzida.
    58ª Sendo que uma correcta ponderação do circunstancialismo que rodeou os comportamentos do arguido impunha a opção, nessa dicotomia, pela pena de aposentação compulsiva, pois deveria ter sido tomada a dependência do jogo como circunstância atenuante do seu comportamento, pela diminuição da culpa ou da gravidade da infracção.
    59ª A deliberação recorrida mostra-se inválida pelos identificados vícios e incorreu na violação, nomeadamente, dos artigos 130.°, n.º 1 do CPA, dos artigos 283.°, 1, h) (por inverificação do pressuposto da sua aplicação), 282, j) (pela sua não aplicação), 289.° (por violação da prescrição), 314.°, 2, e) e 3 (pela sua não aplicação) e 314.°, 2, f) e g) (pela inverificação do pressuposto fáctico que permitiria aplicá-las), todos do ETAPM, do art. 24.°, n.º 1, 3) da lei n.º 16/2001 (por erro na sua aplicação), na violação dos princípios da justiça e imparcialidade e da boa fé plasmados nos artigos 7.° e 8.° do CPA e ainda, do princípio da proporcionalidade das penas disciplinares.
    60.ª É, ainda, uma decisão nula, por violação do direito de audiência do arguido, vício previsto no indicado art. 298.°, n.º 1 do ETAPM.
    DO PEDIDO
    TERMOS EM QUE, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente anulação do acto recorrido.
    
O CONSELHO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS contesta, dizendo, no essencial:


    a). A deliberação do C.M.J de não foi revogada, ratificada, reformada ou convertida, antes anulada e substituída por outra, a ora objecto de recurso.
    
    b). Que a deliberação recorrida não incorre em qualquer erro ou vício alegado, tendo-se fundado exclusivamente nos factos provados decorrentes da conduta do arguido praticados após 28 de Junho de 2006;
    
    c) Que esses factos provados demonstram que o arguido, funcionário público, violou reiteradas vezes a interdição de entrada aos funcionários públicos em salas de jogo;
    
    d). Que o recorrente teve oportunidade de se pronunciar nos autos sobre aqueles factos provados;
    
    e). Que nada há nos autos que já não estivessem considerados na acusação disciplinar;
    
    f) Que é despicienda para a substância dos autos a residência do arguido e as suas deslocações Macau-Continente e vice-versa: não contrariam nem a violação da interdição em salas de jogo nem a falsidade das suas «declarações por escrito» apresentadas à entidade patronal;
    
    g). Que nunca se pôs em causa a doença ou as doenças do arguido – nem tinha que pôr – e muito menos a validade dos atestados médicos:
    
    h) Que o que se valorizou, isso sim, foi o recurso reiterado do arguido a artifícios fraudulentos, enganando, por exemplo, os seus superiores hierárquicos com deslocações ao médico a horas que mais se afeiçoassem às suas conveniências, sabendo - como bem sabia - que as doenças de que padecia eram crónicas e a toda a hora verificáveis por qualquer médico e deles obtendo atestados perfeitamente legítimos;
    
    i). Que o que se valorizou foi, isso sim, o não acatamento pelo arguido das recomendações clínicas de repouso (fls. 135vº, 147vº, 151vº) e do imperativo de todos os atestados médicos, sem excepção, à obrigatoriedade da sua permanência no domicílio (fosse ele qual fosse).
    
    j). Que não foi determinante para o sentido da deliberação recorrida a manifesta propensão para o jogo do arguido, aliás desde o princípio detectada, e muito menos, portanto, a sua assunção dessa «dependência»;
    
    l). Que a entidade recorrida já tinha descartado infracções por violação dos deveres de pontualidade ou assiduidade (vd. in Parte III – Da factualidade provada), sendo extemporânea a sua chamada à lide;
    
    m). Que é do âmbito da inteira discricionaridade da entidade recorrida,
    conforme doutrina e jurisprudência indicadas, o juízo da inviabilidade da manutenção da relação jurídico-funcional;
    
    n). Que não se fez nenhuma interpretação extensiva da Lei nº 16/2001, antes a aplicação do direito constituído,
    
    porque:
    o). Com a introdução feita pelo novo regime de interdição de acesso e frequência das «salas e zonas de jogo» do território aos trabalhadores da Administração Pública, a estes ficou vedada não só o acesso às «casas de jogo de fortuna e azar» (expressão antes utilizada pelo legislador), como a todas as «salas ou zonas de jogos» (expressão agora utilizada pela Lei nº 16/2001), nas quais se incluem as salas «Mocha», como «jogos de máquina eléctricos ou mecânicos» que são (e que, acrescente-se, a nova legislação veio a integrar no conceito de jogos de fortuna ou azar).

    Termos em que, tendo-se feito uma boa apreciação da prova e uma boa aplicação do direito disciplinar, termina, requerendo seja negado provimento ao recurso, mantendo-se a deliberação impugnada, com todas as consequências legais,

    O recorrente A, em sede de alegações facultativas, mantém no essencial as posições que inicialmente desenvolveu, dando-se aqui por reproduzido o teor das mesmas expendidas de fls 307 a 350, explicitando quanto à natureza revogatória ou substitutiva do acto, no essencial, o seguinte entendimento:
    1.ª A asserção da entidade recorrida de que, tendo havido anulação do acto anterior pelo TSI, tal acto fora substituído por um outro só seria verdadeira se não houvesse a entidade administrativa interposto, entretanto, recurso jurisdicional do acórdão judicial anulatório do anterior acto.
    2.ª Tendo sido interposto recurso jurisdicional, tal interposição suspendeu os efeitos do acórdão judicial anulatório, pelo que o primitivo acto não transitara em julgado nem produzira os seus efeitos, permanecendo em vigor na ordem jurídica.
    3.ª Logo, quando o segundo acto, agora recorrido, foi proferido, em 7/5/2010, ainda estava em vigor e produzia os seus efeitos o anterior acto da entidade recorrida mas já não o acórdão judicial proferido pelo TSI (dado justamente o efeito suspensivo do recurso).
    4.ª Aos actos de ratificação, reforma ou conversão de actos anteriores aplicam-se as normas que regulam a competência para a revogação dos actos inválidos e a sua tempestividade (art. 126.°, n.º 2 do CPA), prescrevendo o art. 130° do mesmo código que essa faculdade deve ser exercida dentro do prazo do respectivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida, pelo que terá de se haver por intempestiva a reforma do acto anterior.
    5.ª O CMJ proferiu um primeiro acto em que aplicou ao ora recorrente a pena de demissão, em 5/06/2009, do qual o recorrente interpôs recurso contencioso para o TSI em 06/07/2009, no qual a entidade recorrida apresentou a sua Resposta em 02/09/2009, havendo o recurso contencioso atingido o seu termo com a prol acção do Ac. de 15/04/2010, que, na procedência do recurso, anulou o acto recorrido, só havendo o acto revogatório substitutivo do acto primitivamente recorrido vindo a ser praticado em 7/07/2010, numa altura em que ainda estava em vigor e produzia os seus efeitos o anterior acto da entidade recorrida mas já não o acórdão do TSI de 15/04/2010 dado o efeito suspensivo do recurso entretanto interposto em 30/04/2010) e sendo que apenas em 14/06/2010 veio a ser ser proferido douto despacho nos anteriores autos de recurso contencioso (com a numeração 667/2009) a homologar a desistência do recurso jurisdicional apresentada, ali, pela entidade recorrida, logo num momento em que lhe estava interdita já a explicitação de acto substitutivo do acto anteriormente praticado.
    6.ª Sendo, em consequência, o acto revogatório substitutivo ora recorrido ilegal, por praticado para além do prazo fixado pela lei, e ineficaz, o que importa a sua anulação com base na sua extemporaneidade.
    7.ª Se houver prazos diferentes para o recurso contencioso atende-se ao que terminar em último lugar e que, por via disso, os órgãos da Administração só podem (mas podem) revogar os actos administrativos inválidos dentro do prazo de um ano a contar do momento em que se iniciou a produção dos seus efeitos, se, dentro do prazo legal for interposto o recurso contencioso, o acto inválido só pode ser revogado até à resposta da entidade recorrida.
    (...)
    
    A entidade recorrida, em sede de alegações facultativas, de fls 351 a 364 v., que aqui se dão por reproduzidas, mantém, no essencial, as suas posições iniciais.
    
    O Digno Magistrado do MP emite o seguinte douto parecer:
    Vem A impugnar a deliberação do Conselho dos Magistrados Judiciais de 7/5/10 que, em sede disciplinar lhe aplicou a pena de demissão, entendendo, no geral, que a condenação em causa, pelo menos por algumas infracções disciplinares, se ficou a dever a erro nos respectivos pressupostos de facto e de direito e erro de julgamento decorrente de errada apreciação e valoração das provas produzidas, assacando, em concreto, ao acto uma vasta panóplia de vícios, a saber:
    - falta de audiência prévia;
    - descaso, quer da prova médica apresentada, quer do facto de o mesmo ter residência em Zhuhai ;
    - relevância concedida à sua confissão, excedendo os próprios termos e limites da acusação;
    - erros e incongruências da valoração da prova produzida, designadamente no que tange a agravantes não registadas, como a acumulação de infracções - art° 283°, n.º 1, h) ETAPM e atenuantes não contempladas, previstas no art° 282°, j), ETAPM, como a longa carreira profissional, com boa avaliação por parte do recorrente, bem como a viciação no jogo;
    - indevido enquadramento de parte das faltas registadas, sem registo efectivo do atropelo dos deveres funcionais imputados, com consequente erróneo registo da pena aplicada – art. 314°, n.º 2 f) ETAPM e 24°, n° 1, 3) da Lei 16/2001 ;
    - afronta dos princípios da justiça, imparcialidade e proporcionalidade na pena concretamente aplicada - art° 5°, 7° e 8° do CPA.
    Mantendo-se o entendimento já assumido a fls. 302v e 303 relativamente ao facto de nos encontrarmos face a verdadeiro acto novo, produzido na sequência de acórdão anulatório deste tribunal respeitante a acto anterior da mesma entidade, ao qual, em consequência, não serão aplicáveis os pretendidos normativos atinentes a eventual intempestividade de acto revogatório substitutivo, cremos não assistir também razão ao recorrente quanto à substância, quanto ao mérito do recurso.
    Por partes:
    Como é evidente, encontrando-nos face a processo de natureza disciplinar, matéria regida pelas regras e meios próprios, designadamente os atinentes à defesa e contraditório dos arguidos, não tem, no caso, aplicabilidade o disposto no n° 1 do art. 93° CPA (audiência do interessado logo que concluída a instrução e antes de tomada a decisão final).
    De todo o modo, no que para o específico conta, constata-se que a "surpresa" a que o recorrente alude não contende com a eventual introdução, através do acto sancionatório, de qualquer nova matéria factual imputada após a notificação da acusação e sobre a qual, em sua defesa, houvesse que se pronunciar, mas sim com a integração/valoração jurídica da mesmíssima conduta que lhe era imputada, sobre os contornos da qual tivera plena oportunidade de se defender e argumentar, sendo certo que essa mesma factualidade permitia, dentro da mesma moldura sancionatória disciplinar, diferente valoração jurídica, no caso, a aplicação da pena de demissão, em detrimento da aposentação compulsiva sugerida pela instrutora do processo, sem que para isso houvesse que ouvir previamente o interessado.
    No que tange à agravante derivada da "acumulação de infracções", prevista no art° 283º, n.º 1, h) ETAPM, regista-se ser a deliberação em apreço suficientemente clara no sentido do registo dessa agravante por se terem autonomizado, em termos de infracção, as falsas declarações relativas às justificações das faltas, sob a forma continuada, p.p. no art° 314º, n.º 2 g) do mesmo diploma, atinente a 13 faltas cujas razões justificativas apresentadas não foram aceites pelo órgão disciplinar, nos termos consentidos pela al. b) do n.º 1 do art. 90, sendo essa a única razão invocada pelo acto para o efeito, revelando-se, assim, irrelevante o restante argumentado pelo recorrente a esse propósito.
    Da mesma forma, no que tange à "dependência do jogo", não pode o recorrente queixar-se do uso de tal circunstância, confessada pelo mesmo em sede de contestação disciplinar, já que, por um lado, a mesma transparecia já como uma evidência do procedimento e, por outro, não se descortina que tal matéria tenha, por qualquer forma, agravado a sua responsabilidade, não estando, de todo o modo, neste quadro, vedado à entidade recorrida a referência à "corroboração" por parte do visado.
    Faz todo o sentido que, em sede do alcance da verdade material, se enunciem todos os factos relevantes para a decisão, sejam ou não confirmados pelo agente alvo do procedimento disciplinar.
    Não se vislumbrando que a "confissão" daquela dependência tenha constituído, em si, facto determinante para eventual agravação dos termos da acusação, excedendo os limites nela definidos, não se descortinando, também, como validamente considerar tal asserção como atenuação da mesma responsabilidade, atentos os parâmetros em que ocorreu (fora de tempo útil e sem demonstração de qualquer tentativa, séria e pertinaz, do tratamento dessa dependência), mal se vê a viabilidade do argumentado a tal propósito.
    Revela-se, na presente fase, também inócuo esgrimir com o escrutínio das opiniões formuladas pelo Secretário Judicial relativamente às faltas do recorrente, as suas "idas e vindas" de e para Zhuhai e sua efectiva residência, bem como com a eventual violação dos deveres de pontualidade e assiduidade : o que conta é o efectivamente constante do acto em crise, onde, por um lado se efectuou apreciação autónoma dos ilícitos apontados, independentemente dessas minudências e, por outro, se afastou a violação daqueles deveres, por se considerar essas eventuais infracções sem expressão processual (caso da pontualidade) ou autonomia delituosa face à existente indiciação de outras infracções mais graves por parte do arguido que consomem aquela (caso da assiduidade)
    Relativamente aos pressupostos factuais subjacentes à decisão punitiva, não vemos como validamente os questionar : que o recorrente obteve atestados médicos em fins de semana prolongados (2ªs e 6ªs) para com eles justificar ausências ao serviço, assim conseguindo frequentar, muitas vezes durante o horário normal do serviço, as casa de jogo "Mocha", satisfazendo a sua compulsão pelo jogo, é matéria que emerge claramente do acervo probatório carreado para os autos e constante do procedimento e que, em boa verdade, e, em grande parte assumida pelo próprio recorrente.
    A questão não pode também colocar-se, nem é colocada, na deliberação, a nível das doenças específicas deste, nem da certificação clínica das mesmas, demonstrando-se serem as mesmas permanentes e crónicas, com hipertensão não controlada, tonturas, dores de cabeça, desequilíbrios auditivos, etc. : o que se extrai, com pertinência, do procedimento é que o recorrente, fazendo uso cessa situação, obtinha os atestados médicos no sentido de, no uso dos mesmos (cuja legitimidade e certificação clínicas não são questionadas) defraudar os serviços, ausentando-se do local de trabalho nos dias e horário de trabalho que melhor lhe conviessem, sendo certo ter sido detectado, em várias dessas ocasiões, no acesso, frequência e prática de jogos nos referidos estabelecimentos "Mocha", o que, para além dos ilícitos imputados, sempre mal se compaginará com as necessidades de repouso, calma e serenidade de que os padecimentos documentados certamente careceriam ...
    Não nos merece também reparo o regime jurídico em que foi enquadrada a actividade delituosa do recorrente, atinente ao acesso, frequência e prática do jogo, nos estabelecimentos em causa.
    O acesso às salas ou zonas de jogo está vedado aos trabalhadores da Administração Pública, nos termos do art° 24°, n.º 1. 3) da Lei 16/200l.
    Tal diploma (art. 54°, n° 2 5))revogou expressamente o art. 279°, n.º 13 ETAPM, passando a estar vedado àqueles trabalhadores não só a "frequência", como o "acesso", não só aos casinos ou "casas de jogo de fortuna ou azar", como a todas as "salas e zonas de jogos", enquadrando-se nesta tipologia as salas "Mocha" que oferecem "jogos de máquinas eléctricas ou mecânicas ", sendo, aliás, que tais tipos de jogos só podem ser explorados por concessionários, não se vislumbrando, pois, que, no caso, tenha existido por parte da recorrida qualquer interpretação extensiva indevida da lei em questão, senão a sua correcta aplicação.
    Finalmente, nesta sede, pretende ainda o recorrente que se impõe, pelo menos, um juízo menos severo que adira com justiça à culpa concreta apurada, afigurando-se-lhe que se justificaria a opção pela pena de aposentação compulsiva.
    Se, no que respeita à apreciação da integração e subsunção dos factos na cláusula geral punitiva a actividade da Administração está sujeita à sindicabilidade do Tribunal, o mesmo não se pode dizer quanto à aplicação das penas, sua graduação e escolha da medida concreta., existindo, neste âmbito, discricionaridade por parte da Administração, a qual passa pela opção entre emitir ou não o acto sancionatório e ainda pela escolha entre vários tipos e medidas possíveis.
    Neste último campo, não há controlo jurisdicional sobre a justeza da pena aplicada dentro do escalão respectivo, em cuja fixação o juiz não pode sobrepor o seu poder de apreciação ao da autoridade investida do poder disciplinar.
    A intervenção do juiz fica apenas reservada aos casos de erro grosseiro, ou seja, àquelas contingências em que se verifica uma notória injustiça ou uma desproporção manifesta entre a sanção infligida e a falta cometida, dado não poderem ser legitimados, em nenhuma circunstância, comportamentos da Administração que se afastem dos princípios da justiça e da proporcionalidade que necessariamente devem presidir à sua actuação.
    Contudo, com fundamento no princípio da separação de poderes, o controlo jurisdicional só se efectivará se a injustiça for notória ou a desproporção manifesta.
    No caso vertente, não se verifica a referida desproporção ou manifesta injustiça quanto à pena de "demissão" concretamente inflingida ao recorrente, pelo que não tem o tribunal de intervir nessa actividade da Administração, verificada que está a correcta integração dos factos na cláusula geral punitiva e a proporção e justiça da medida aplicada.
    A pena de demissão é de aplicar quando a gravidade da conduta do arguido inviabiliza a manutenção da relação funcional.
    Para a apreciação desse conceito de inviabilização de manutenção da relação funcional, a Administração goza de grande liberdade de apreciação, não se devendo aquela relação manter sempre que os actos praticados pelo arguido, avaliados e considerados no seu contexto, impliquem para o desempenho da função prejuízo de tal monta que irremediavelmente comprometa o interesse público que aquele deveria prosseguir, designadamente a confiança, o prestígio e o decoro que deve merecer a actuação da Administração, de tal modo que o único meio de acudir ao mal seja a ablação do elemento que lhe deu causa.
    Ora, afigura-se-nos evidente que inviabiliza a manutenção da relação funcional "a conduta contumaz e reiterada do recorrente ao longo de 4 anos, com 529 dias em que foi comprovadamente detectado a infringir a lei, dos quais 48 dias durante o horário efectivo do serviço e, destes últimos, alguns dos quais despudoradamente justificou com atestado médico a falta ao serviço ... aproveitando-se, aliás, de doença real mas empolando sintomas para mais facilmente atingir os seus fins, contrariando inclusivamente as recomendações clínicas de repouso, num quadro de fraudulência, artificio, engano ...", tudo, pois, a revelar o "... despautério e grave desrespeito" que a sua conduta representou para os colegas, superiores e Administração em geral.
    Por outro lado, toma-se evidente da mera leitura do preceituado nos nºs 1 e 3 do art. 315°, ETAPM, que o único momento vinculado na norma se prende com a obrigatoriedade da aplicação da pena de demissão se o visado não tiver ainda completado os 15 anos de serviço.
    Não é o caso.
    Sobrará, contudo, a discricionariedade da Administração na opção da medida sendo que, no controlo de tal poder, nos termos e pelas razões já expendidas, não se descortina o atropelo ou afronta de qualquer princípio fundamental, designadamente os da justiça, imparcialidade e proporcionalidade assacados pelo recorrente.
    Razões por que, não vislumbrando a ocorrência de qualquer dos vícios ao acto assacados, ou qualquer outro de que cumpra conhecer, somos a pugnar pelo não provimento do presente recurso.
    Foram colhidos os vistos legais.
    
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
    
    III - FACTOS
    É do teor seguinte o despacho recorrido, ai se tendo vertido a factualidade pertinente;
Processo Disciplinar n.º PDI-16-08-3
Arguido: A, escrivão judicial adjunto da Secção Central do Tribunal Judicial de Base
    Visto o acórdão do Tribunal de Segunda Instância.
    Este Conselho teve a preocupação de, no seu acórdão de 5 de Junho de 2009, ora anulado, não acolher tudo quanto constasse do Relatório da Exma. Instrutora dos Autos de Processo Disciplinar, a começar, desde logo, pelo enquadramento legal para a infracção disciplinar dos autos, optando pela qualificação jurídica consubstanciada na nova norma do art. 24° da Lei n.º 16/2001, que não pela já revogada do art. 279°, n° 13 do ETAPM, e acabando, em sede de punição, pela aplicação da pena de demissão disciplinar, prevista no art. 315° do ETAPM, que não pela de aposentação compulsiva prevista no mesmo normativo.
    Também em sede de factualidade provada, sendo certo que toma como base os factos enumerados no Relatório da Exma. Instrutora, é certo também que teve a preocupação de, reportando a prática delitual do arguido a, pelo menos, 15 de Setembro de 2004, relevar apenas, para efeito dos autos, a conduta infraccional entre 28 de Novembro de 2006 e 16 de Julho de 2008, essa registada em dias e horários de trabalho efectivo do arguido num total de 48 dias ( ... ), também aqui, mais uma vez, demarcando-se do Relatório da Exma. Instrutora.
    Ou seja, se por um lado - como, aliás, vemos ter sido reconhecido no douto parecer do ilustre Magistrado do Mº Pº - a referência à factualidade abrangida pelo instituto da prescrição era «a título meramente informativo, como forma de enquadramento da globalidade da conduta do recorrente (...)», a verdade é que, por outro lado, «a imputação específica da actividade delituosa do arguido, em termos de tempo, lugar e modo dos ilícitos disciplinares, reporta-se toda ela a período já não abrangido por tal instituto», «não se vendo que tal menção se mostre decisiva, quer para a decisão sancionatória em si, quer para a medida da pena alcançada».
    Mas não entendeu assim o douto acórdão do Tribunal de Segunda Instância e a esta entidade cumpre, simplesmente, extrair daí as devidas consequências e adoptar a solução que melhor se ajuste à gestão do incidente.
    Termos em que, deliberando produzir um novo acórdão que substitua aquele e o torne mais claro e directo, produz-se agora um novo acórdão, como segue.

Acordam no Conselho dos Magistrados Judiciais da RAEM
    I – Relatório
    Por deliberação do Conselho dos Magistrados Judiciais datado de 10 de Outubro de 2008 foi determinada a instauração do presente processo disciplinar contra o Senhor Escrivão Judicial Adjunto A, por entender, este Conselho, haver indícios fortes que os actos por ele praticados constituíam infracções disciplinares graves, com base no resultado da investigação procedida pelo CCAC e na situação das suas faltas apresentada pela MM.ª Presidente do Tribunal Judicial de Base e do Tribunal Administrativo. E mais foi determinada a apensação do processo de averiguações n.º PAV-19-08-6, a fim de instruir o processo.
    Pela mesma deliberação, foi ordenada a suspensão preventiva do exercício das suas funções, nos termos do n.º 1 do art. 331.° dos Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, adiante "ETAPM". Terminado o prazo de 90 dias, o arguido reiniciou as suas funções no dia 9 de Janeiro de 2009.
    Foram ouvidos para além do arguido, o Secretário Judicial XXX, a Escrivã XXX, os investigadores do CCAC XXX e XXX, os médicos do Hospital Kiang Wu e dos Serviços de Saúde.
    Encontra-se junto aos autos o registo disciplinar do arguido, bem como os movimentos fronteiriços durante os meses de Janeiro a Setembro de 2008.
    Foi solicitada ao Mº Pº informação sobre o estado do processo-crime contra o mesmo arguido, tendo sido respondido que se encontra em fase de inquérito e dele não consta ainda nenhuma decisão final.
    II - Da acusação e da defesa
    Dão-se aqui por reproduzidas a acusação deduzida contra o arguido e a defesa escrita por este apresentada.
    III - Da factualidade provada
    O Conselho toma como assentes os factos enumerados no Relatório da Ilustre Instrutora, que aqui se dão por reproduzidos, designadamente: que o arguido, num período que decorre entre o dia 15 de Setembro de 2004 e 21 de Julho de 2008, frequentou, indevidamente, em 529 dias (feito já o desconto dos dias permitidos aos funcionários entrarem nos casinos), uma mão cheia de salas de jogo «Mocha», exploradas pela Melco Crown Gaming (Macau) Ltd., dentre as quais as do Mocha Hotel Sintra, do Mocha Hotel Taipa Best Western, do Mocha Marina Plaza, do Mocha Kingsway e do Mocha Hotel Royal, menção genérica de tempo e lugar que ajuda a enquadrar a globalidade da conduta infraccional do arguido.
    CONTUDO, considerando o disposto no art. 289º do ETAPM que determina a prescrição de 3 anos para o procedimento disciplinar - neste caso instaurado em 10.10.2008 - o que releva para os autos, e é objecto desta deliberação, é a conduta delituosa do arguido entre 28 de Junho de 2006 e a data da instauração dos presentes autos.
    Durante esse período, o arguido acedeu indevidamente às salas de jogo Mocha, tendo esse acesso sido registado em dias e horário de trabalho efectivo a que o arguido estava obrigado, num total de 46 dias1 (fls. 61-77, de que se faz eco os artigos 1º, 7º e 16º do Relatório da Exma. Instrutora - vd. fls. 241ss.).
    Reproduz-se a seguir o Quadro das datas em que o arguido permaneceu nas salas de jogo Mocha durante o horário de serviço:
    
N.º
Data
Hora(em que o arguido permaneceu no Mocha dentro do horário de serviço)
1
28/11/2006
09:34:51AM * 09:35:02AM
2
18/04/2007
02:37:37PM * 02:42:40PM
3
04/06/2007
02:33:34PM * 02:39:03PM
4
07/06/2007
02:32:25PM
5
11/06/2007
02:42:09PM
6
18/06/2007
02:47:44PM
7
28/06/2007
09:01:10AM
8
03/07/2007
09:04:29AM * 02:34:14PM * 02:44:12PM
9
10/07/2007
02:34:04PM * 02:40:28PM
10
12/07/2007
11:27:24AM
11
17/07/2007
02:43:51PM
12
19/07/2007
04:36:58PM * 04:41:16PM * 04:43:44PM
13
16/08/2007
09:05:02AM * 11:25:09AM * 11:31:22AM * 11:45:57AM * 11:49:09AM * 11:52:54AM * 12:13:55PM * 05:02:59PM * 05:10:25PM
14
17/08/2007
10:42:54AM * 10:52:00AM * 12:05:08PM * 12:44:01PM * 12:49:50PM * 12:57:12PM *
15
21/08/2007
10:32:05AM *10:40:21AM
16
28/08/2007
11:26:16AM * 11:36:34AM * 11:45:33AM
17
29/08/2007
02:30:09PM * 02:39:58PM * 02:43:18PM * 03:02:07PM *
18
17/09/2007
09:21:50AM
19
16/10/2007
02:32:00PM
20
17/10/2007
11:17:50AM * 02:30:47PM
21
07/11/2007
11:07:53AM
22
16/11/2007
02:34:02PM
23
06/12/2007
02:36:59PM
24
14/12/2007
03:00:52PM
25
19/12/2007
09:00:05AM
26
27/12/2007
11:17:38AM * 11:24:25AM * 11:32:51AM
27
28/12/2007
05:22:43PM
28
10/03/2008
02:31:02PM
29
20/03/2008
09:01:46AM * 02:30:59PM * 04:40:08PM * 04:48:20PM *
30
16/04/2008
09:07:29AM * 09:09:21AM * 02:31:32PM
31
17/04/2008
09:17:03AM
32
06/05/2008
02:34:36PM * 02:39:56PM * 05:27:05PM
33
07/05/2008
09:03:19AM
34
13/05/2008
09:01:46AM * 11:00:58AM
35
16/05/2008
02:38:07PM
36
19/05/2008
09:15:11AM * 02:42:28PM * 02:46:48PM
37
22/05/2008
09:02:27AM * 11:25:16AM
38
27/05/2008
09:01:47AM * 09:13:26AM
39
28/05/2008
09:03:50AM * 11:18:34AM
40
03/06/2008
02:45:23PM
41
18/04/2007
02:37:37PM * 02:42:40PM
42
03/06/2008
02:45:23PM
43
04/06/2008
02:37:50PM
44
11/06/2008
04:46:52PM
45
16/06/2008
09:24:16AM * 09:48:19AM * 02:36:18PM
46
27/06/2008
02:36:42PM * 02:45:59PM
47
15/07/2008
09:04:39AM * 11:20:40AM
48
16/07/2008
12:53:12PM * 02:36:05PM

    Na verdade, e como parte instrumental do seu objectivo primordial (jogar nas máquinas dos «casinos»), o arguido deu várias vezes baixa médica, através de atestados profissionais que conseguia após consultas da especialidade em Centros de Saúde ou Hospital de Macau, e com eles justificando as respectivas faltas ao serviço.
    Mas, para além das frequências de salas de jogo durante o horário de serviço, o arguido também as frequentava noutros horários, sempre em violação da Lei.
    Assim,
    Entre 1/5/2006 e 18/7/2008, faltou por doença 98 dias (art. 2º Relatório da Exma. Instrutora), dos quais 74 das faltas devem ser consideradas injustificadas; De facto, comprovadamente, em 32 dos dias, em vez de permanecer em casa conforme recomendação clínica, frequentou salas de jogo Mocha e, em 42 doutros dias, o arguido ausentou-se do território da RAEM, onde era pressuposto ter o seu domicílio e com a obrigação de nele permanecer (vd. Art. 101º, n.º 2, al. e) do ETAPM), porquanto, e na verdade, só comunicou a alteração do mesmo em 27/6/2008 (fls. 234-239) à respectiva entidade patronal (GPTUI), isto é, após a instauração do seu processo de averiguação (instaurado em 2/5/2008).
    Reproduz-se o Quadro das 74 Faltas Injustificadas conforme o Relatório do CCAC e art. 15º do Relatório da Exma. Instrutora :
    

Faltas injustificadas consideradas
no Relatório do CCAC
Número
Data
1
2006/06/28
2
2006/07/21
3
2006/09/06
4
2006/09/13
5
2006/09/19
6
2006/09/20
7
2006/09/27
8
2006/10/23
9
2006/11/03
10
2006/11/15
11
2006/12/01
12
2006/12/12
13
2007/01/03
14
2007/01/31
15
2007/02/12
16
2007/02/26
17
2007/02/27
18
2007/02/28
19
2007/03/09
20
2007/03/16
21
2007/03/19
22
2007/04/12
23
2007/04/13
24
2007/04/27
25
2007/05/11
26
2007/05/22
27
2007/05/31
28
2007/06/01
29
2007/06/06
30
2007/06/22
31
2007/07/25
32
2007/07/30
33
2007/07/31
34
2007/08/23
35
2007/09/07
36
2007/09/20
37
2007/09/21
38
2007/10/12
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2008/06/24
73
2008/07/17
74
2008/07/18

    Em alguns outros casos, o arguido, para justificar as faltas por doença – porque os atestados médicos tivessem sido passados fora das horas de expediente laboral e postos em causa pelos serviços (vd., por exemplo, fls. 6 e 24 ou fls. 29 e 30) – o arguido apresentou «declarações por escrito» que, veio a verificar-se, não correspondem inteiramente à verdade, como é o caso das «declarações» de 23 /03/2007 (fls. 18 do Apenso), de 6/06/2008 (fls. 32) e de 1/07/2008 (fls. 35).
    Na verdade, tais «declarações» omitem o essencial : que o arguido, sob o pretexto de estar de baixa médica e, portanto, ausente do serviço, não permaneceu no domicílio, como era sua obrigação legal (art. 101º do ETAPM), antes esteve em salas de jogo Mocha a jogar, razão pela qual não foram aceites as «declarações» nem aceites as justificações das faltas pelo órgão de disciplina do arguido (fls. 2 dos autos), por serem falsas (art. 32º, idem).
    Além destas,
    O arguido cometeu ainda faltas ao trabalho para as quais não apresentou atestados médicos e, tendo sido notificado para as justificar, apresentou em 3/07/2008 (fls. 43), 28/07/2008 (fls. 56) e 11/09/2008 (fls. 60) justificações que não foram aceites pelo órgão de disciplina do arguido, nem tendo sido autorizado o pedido de antecipação de férias.
    Outras faltas, ocorridas entre o dia 19/09/2008 e 23/09/2008 (5 dos quais 3 são dias úteis, visto 20/09/2008 e 21/09/2008 serem sábado e domingo) o arguido nem sequer apresentou justificação (fls. 79), a saber :
    
N.º
Data
1
02/07/2008
2
11/07/2008
3
25/07/2008
4
11/09/2008
5
19/09/2008
6
22/09/2008
7
23/09/2008

    Por último, o arguido, tendo chegado atrasado no dia 22/07/2008, apresentou uma justificação que não foi aceite pelo órgão de disciplina do arguido, considerando-se assim falta injustificada.
    Em resumo: no seu desígnio de aceder às salas de jogo Mocha com o propósito de jogar nas máquinas e satisfazer o seu vício, o arguido usou de várias práticas de ludíbrio dos superiores hierárquicos, desenvolvendo actos preparatórios para melhor defraudar a sua entidade patronal, como por exemplo saindo do local de trabalho antes do horário cumprido e só apresentando atestados médicos a desoras e sem cobrir todo o tempo de ausência do serviço, mormente porque não se dirigiu logo à consulta mas apenas muito mais tarde ou mesmo no dia seguinte (vd. art. 4° do Relatório). Actos esses que devem ser entendidos como integrantes da consumação delitual principal e razão pela qual não têm as indiciadas infracções disciplinares do arguido - previstas no art. 279°, n.º 2, alíneas g) e h) e n° 9 e 10 do ETAPM (violação dos deveres gerais de assiduidade e pontualidade) - ou razão processual de ser (caso da pontualidade) ou autonomia delituosa, face à existente indiciação de outras infracções mais graves, que consomem aquela (caso da assiduidade).
    Contudo, não podem deixar de ser autonomizadas, como muito bem propôs a Exma. Instrutora, as declarações prestadas pelo arguido acerca de ausências não devidamente justificadas, em que, recorrendo aos habituais meios justificativos como a sua doença, a indisposição, a tensão, as tonturas, etc., omite o essencial que era o de, em contradição absoluta com as suas próprias queixas, ter estado indevidamente a jogar em salas de jogo Mocha, sem sequer ter a permissão do médico para não permanecer em casa e que, pois, serão consideradas infracção autónoma e será levada em conta na medida disciplinar aplicada.
    IV – Fundamentação
    O arguido é funcionário de justiça, estando vinculado ao Estatuto dos Funcionários de Justiça, aprovado pela Lei n° 7/2004. Está, em consequência, sujeito aos deveres gerais dos trabalhadores da Administração Pública (corpo do art. 20° da Lei n° 7/2004), às regras disciplinares do ETAPM (art. 25°) e à acção disciplinar deste Conselho (art. 17°).
    Ora,
II
    O acesso a salas ou zonas de jogo, quaisquer que elas sejam, está vedado aos trabalhadores da Administração Pública, segundo o art. 24°, n.º 1, alínea 3) da Lei n° 16/2001:
Artigo 24.º
Acesso às salas ou zonas de jogos
    1. É vedado o acesso às salas ou zonas de jogos:
    1) Aos menores de 18 anos;
    2) Aos incapazes, inabilitados e culpados de falência intencional, excepto se tiverem sido entretanto reabilitados;
    3) Aos trabalhadores da Administração Pública da Região, incluindo os agentes das Forças e Serviços de Segurança, excepto quando autorizados ou no desempenho das suas funções; (sublinhado nosso)
III
    Como a norma do n° 13 do art. 279° do ETAPM vem sistematica mas erradamente referida nos autos, quer pela Exma. Instrutora, quer pelo ilustre causídico representante do arguido, isoladamente ou a par da nova norma,2 julgamos necessário fazer aqui uma observação: tal norma foi expressamente revogada pela Lei n.º 16/2001 (vide a norma revogatória do art. 54°, n° 2, alínea 5) da mencionada Lei n° 16/2001) e fazer algumas clarificações.
    
    A norma revogada prescrevia:
Artigo 279.°
(Deveres)
    13. Aos funcionários e agentes está vedada a frequência de casas de jogo de fortuna e azar, excepto quando autorizados ou no exercício das suas funções. ( sublinhado nosso)
    Isto é importante porque, nos termos dessa norma revogada, o que estava vedado ao trabalhador da Administração Pública era a «frequência de casas de jogo de fortuna e azar», universos conceptuais muito diferentes dos que estão agora plasmados na norma presentemente em vigor da Lei n° 16/2001, art. 3°, n° 1 e 2.
    Ao abrigo da norma revogada, a pena disciplinar máxima de aposentação compulsiva ou demissão, prevista no art. 315° do ETAPM (por indignidade ou falta de idoneidade moral para o exercício de funções, com inviabilização da manutenção da situação jurídico-funcional), era reservada àquele trabalhador da Administração Pública que fosse um «frequentador» useiro e vezeiro em casas de jogo, que por «repetição amiudada de actos e sucessos»3 ou por «efeito de frequentar ou ir habitualmente a um local» proibido,4 pusesse, com a sua actividade delituosa, em perigo o prestígio da Administração Pública.
    Ficava, portanto, a pena disciplinar de suspensão de funções, prevista no art. 314°, n.º 2, alínea f), para os restantes casos em que o trabalhador da AP fosse meramente «encontrado», como diz essa norma, sem o estigma da «frequência», isto é, da dependência do vício.
    E mais ainda: a norma revogada só previa a interdição do acesso às «salas de jogo de fortuna e azar», vulgo de casino, das quais eram, iniludivelmente, excluídas as máquinas eléctricas ou mecânicas, vulgo slot machines.
    Por isso, aliás, e consentaneamente, o art. 314°, n.º 2, alínea f) do ETAPM só falava nas «salas de jogo de fortuna e azar».
    Agora, à luz da Lei n° 16/2001, o legislador estende o alcance do banimento não só à «frequência» mas ao próprio «acesso» e, mais restritivamente ainda, não só às «casas de jogo de fortuna e azar», mas a (todas) as «salas e zonas de jogo», sem distinção, incluindo portanto as destinadas à máquinas de jogo.
    Repare-se que o legislador continua a não considerar as «máquinas de jogo» como jogos de fortuna ou azar (vd. art. 3°, n° 1 e 2); o que passou foi a alargar o âmbito da interdição, integrando-as, por um lado, no mesmo universo de interdição de acesso do trabalhador da AP, que antes se limitava aos jogos de fortuna ou azar (vd. art. 24°, n.º 1) e, por outro lado, a confiná-las aos locais de uso dos jogos de fortuna e azar: os «casinos» (vd. art. 3°, n.º 2).
    Uma vez que, à luz da norma antiga, as máquinas de jogo não estavam proibidas e podiam ser frequentadas pelos trabalhadores da função pública (porque, subtraídas ao conceito de jogos de fortuna ou azar, a «frequência» era apenas «vedada» às casas de «jogo de fortuna e azar»), eram instaladas nas franjas externas das salas (interiores) dos casinos para que pudessem ser utilizadas sem que os utentes acedessem ao interior dos casinos.
IV
    Ora isso já não é agora defensável, à luz da nova previsão normativa do art. 24°, n.º 1, alínea 3) da Lei n° 16/2001. Clarificada, pois, aquela matéria, podemos passar à análise do que está hoje em vigor.
    Na verdade, à face da nova norma, as salas de máquinas eléctricas ou mecânicas passaram a ser «salas ou zonas de jogo» como outras quaisquer, passando a constar também da interdição ao funcionário público. O trabalhador da AP não só não a pode «frequentar», como nem sequer «aceder».
    Se, antes, só os jogos de fortuna e azar estavam interditados de serem «frequentados», passam, agora, a estar acompanhados na interdição de «acesso» de todos os «jogos».
V
    Nesta nova ordem normativa que a nova legislação introduziu, melhor se compreende agora porque, ao abrigo do art. 24°, n° 1, alínea 3) da mencionada Lei (que é a que está em vigor após a revogação expressa do n° 13 do art. 279° do ETAPM), o arguido violou a obrigação de se manter afastado de qualquer «sala ou zona de jogo», mesmo que de meras salas de máquinas, visto que estas passaram a estar incluídas no conceito mais alargado da proibição de «acesso».
    Tendo violado essa previsão normativa de proibição do acesso a uma «sala ou zona de jogo», prevista no art. 24° da Lei n.º 16/2001, ao arguido seria aplicável, no mínimo, só por ali ter sido «encontrado», a norma do art. 314°, n° 2, alínea f) do ETAPM com a sanção disciplinar de suspensão de funções (como o arguido aceita na alegação de defesa a fls. 221, aceitando a interpretação extensiva do conceito ali plasmado de «jogos de fortuna e azar» que agora, com a nova filosofia normativa, passaria a ter de ser lido como «todo o tipo de jogos praticados nas salas ou zonas de jogo interditas»).
    Mas os autos demonstram, por parte do arguido, uma conduta repetitiva que cobre um prazo de quase dois anos incontestavelmente não abrangido pelo instituto da prescrição, com um número comprovado de dias em que foi detectado a infringir a lei de acesso às salas de jogo, num total de 78 dias, dentre os quais 46 dias comprovada mente durante o horário efectivo de serviço (arts. 1°, 7º e 16°, idem; art. 2° idem).
    O arguido não foi apenas «encontrado» em salas de jogo, mas para bem mais do que isso.
    Para satisfazer o vício do jogo, o qual se adivinhava do seu padrão comportamental (e já está intuído na acusação (art. 3°), ao salientar desde logo uma relação de causa-efeito entre o impulso de jogar e a vontade de tirar partido do fim de semana para prolongar esse vício, recorrendo à obtenção lícita de atestados médicos válidos), o arguido vai ao ponto de se apresentar a consultas médicas de urgência por forma a obter atestados médicos justificativos de faltas ao serviço que lhe permitissem extensões pelo fim-de-semana adentro (de 5ª feira até domingo ou de 6ª feira até 2ª feira) (vd. quadro de fls. 244-246).
    Para tal, utiliza artifícios fraudulentos (por exemplo, enganando os superiores hierárquicos com deslocações ao médico a horas que mais se afeiçoassem às suas conveniências) para obter aqueles meios legítimos de justificação de faltas (os atestados), empolando sintomas para mais facilmente atingir os seus fins e contrariando, inclusivamente, as recomendações clínicas de repouso (fls. 135vº, 147vº, 151vº).
    Chega inclusivamente a não se dar ao cuidado de apresentar atestados médicos e, depois de notificado para justificar as faltas, a dar desculpas mediante declarações que não foram aceites por faltarem à verdade (fls. 43, 56, e 60)
    Em alguns casos nem sequer se deu ao cuidado de apresentar qualquer justificação das faltas (fls. 79).
    Esta conduta do arguido revela não só «culpa e grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres funcionais», como vem genericamente indicado no n.º 1 do art. 314° do ETAPM, como se aproxima mais da ideia apontada no art. 315° do ETAPM, com revelação de grave atentado contra a dignidade e prestígio do trabalhador (mais a mais da justiça) e da própria função.
    É esta maior gravidade da infracção que não permite aceitar a alegação do arguido de que «motivos meramente circunstanciais» (vd. art. 28º da contestação, p. 215) - como a «proximidade dos fins de semana com alguns dos atestados médicos» - tenham conduzido às «suspeitas de indução enganosa dos médicos», face ao quadro repetitivo de recurso ao mesmo sistema fraudulento de enganar os superiores hierárquicos com idas ao médico a horas que mais se afeiçoassem às suas conveniências e obtendo legítimos atestados médicos da forma artificiosa a que aludimos antes.
    O que, tudo, nos levaria - nesse hipotético quadro menos grave de simplesmente se «encontrar» em recinto de jogo - com muita facilidade, e sem mais, pela aplicação da pena disciplinar agravada prevista no art. 315º do ETAPM, atento o despautério e grave desrespeito que a conduta do arguido representou para os colegas, superiores e Administração pública, com óbvio e grave risco da inviabilização da manutenção da situação jurídico-funcional, a que o pertinaz e enganoso comportamento do arguido conduz.
    Mas, como já se percebeu porque foi sendo dito, o arguido foi muito mais longe do que isso: ao violar a norma, não se limitou a «aceder» à «sala de jogo», entrando e observando, movido por uma qualquer curiosidade serôdia, não tendo sido apenas «encontrado» «em casa de jogo», mas infringiu, por dilatado período de tempo, a interdição do acesso com um reiterado propósito, deliberado, doloso, de jogar mesmo nas máquinas (o interdito absoluto).
    Esse quadro, de escalão superior na gravidade, revela uma responsabilidade disciplinar de mais elevado grau, quer pelos artifícios enganosos que usou para melhor satisfazer a sua compulsão pelo jogo, inviabilizadora da manutenção da situação jurídico-funcional não só pela natureza viciosa do seu estado, mas pela indignidade apresentada e falta de idoneidade moral para o exercício das funções.
    O que coloca o arguido incurso na previsão do art. 315°, n° 1 e n.º 2, alínea o) do ETAPM, punível com a pena disciplinar de aposentação compulsiva ou demissão, deixando este Conselho sem margem para que possa ponderar sequer na aplicação da pena disciplinar de suspensão prevista no art. 314°, n° 2, alínea f), como o arguido pretenderia, e pese embora a circunstância atenuante invocada da alínea a) do art. 282° do ETAPM (prestação de mais de 10 anos de serviço classificados de «Bom») e, até, a afectação do vício do jogo na vida pessoal e profissional do arguido (Contestação, p. 219) ou as poucos satisfatórias condições de saúde do arguido (Idem, p. 208; Relatório, art. 22°), subsumíveis à previsão genérica da alínea j) do art. 282° do ETAPM. Porquanto, e na verdade, a pena disciplinar de suspensão está destinada, como se mencionou, às outras situações de transgressões, bem menos graves do que a do ora arguido e, por outro lado, o quadro de premeditação e contumácia que as acompanhou e ficou descrito, não permitem usar de condescendência que possa ir ao ponto de convolar o enquadramento legal do ilícito disciplinar do art. 315° para o art. 314° do ETAPM.
    Uma nota final: como se pode ver do confronto dos quadros de Faltas injustificadas do arguido (fls. 247-248, art. 15° do Relatório) e de Horas em que o arguido permaneceu nas salas de jogo Mocha (fls. 248-249, art. 16°, idem), nem todas as saídas extemporâneas do serviço feitas pelo arguido sem atestados médicos que as justifique (e foram tantas!) estão comprovadamente relacionadas com a presença do arguido em salas de jogo Mocha (e tantas foram!), pelo que faz todo o sentido ter-se autonomizado, como infracções disciplinares, algumas dessas justificações das ausências de trabalho - tendo em conta, designadamente, a factualidade provada de algumas das «justificações escritas» das faltas coincidirem com dias e horários em que o arguido esteve, sim, a jogar nas salas de jogo Mocha - , como prestação de falsas declarações relativas à justificação de faltas, prevista e punível no art. 314°, n° 2, alínea g) do ETAPM, o que constituirá, como aliás foi referido no art. 32° do Relatório da Exma. Instrutora, a circunstância agravante da acumulação, prevista no art. 283°, n° 1, alínea h). do mesmo Estatuto.
    Tudo ponderado e atentas a gravidade dos factos , a intensidade da culpa do arguido e as circunstâncias agravante e atenuante, atrás referidas;
    Tendo em atenção que as condutas do arguido revelam a sua indiferença total para com a sua condição de funcionário público, sendo manifesto que é indigno e carece de idoneidade moral para manter o seu vínculo funcional com a Administração pública.
    Tomando boa nota que o arguido se encontra na situação prevista no artigo 315°. N.º 3 do ETAPM - tem o tempo de serviço de 21 anos, 7 meses e 15 dias conforme o seu registo biográfico e disciplinar em 27 de Novembro de 2008 ( fls. 156-158 ) - afigura-se, no entanto, que a gravidade das I condutas do arguido impõe que a pena adequada a ser-lhe aplicada seja a de demissão.
    VI - Decisão
    Por todo o exposto, acordam aplicar ao arguido A, a pena demissão.
    
    IV - FUNDAMENTOS

    1. Questão prévia
    Suscita o recorrente uma questão prévia e que se prende com a imtempestividade do acto revogatório substitutivo, alegando ter sido violado o disposto nos arts. 126º, nº 2 e 130º, nº 1 do CPA.
Discorre o recorrente a partir do pressuposto de que a entidade recorrida revogou o primeiro acto, na sequência da anulação que aquele acto sofreu, face a anterior decisão proferida por este TSI.
Mas labora em erro, pela razão simples de que anulado o primeiro acto, ele desaparece da ordem jurídica e só ao acto posteriormente praticado pode assacar os respectivos vícios.
Diz que, tendo havido desistência do recurso no TSI por parte da entidade recorrida, se mantinha o despacho punitivo recorrido. Não se compreende o que pretende dizer; a partir do momento em que se desiste do recurso, firma-se o decidido que ia exactamente no sentido da anulação desse acto.
Ora, a partir desse momento este desapareceu da ordem jurídica. Aquilo que o Conselho foi praticar um novo acto. Não se trata de qualquer revogação ou não existe qualquer natureza revogatória no acto entretanto praticado.

Acontece, pois, que tais normativos não são aplicáveis ao caso, dado que, tendo havido anulação do acto anterior pelo Tribunal de Segunda Instância, foi substituído por um outro.

O novo acto, consubstanciado na deliberação ora recorrida, é completamente autónomo e produzido ex novo, não ratificando, reformando ou convertendo o anterior, como bem diz a entidade recorrida.

2. Da audiência prévia

Ainda que de passagem não deixa o recorrente de invocar falta de audiência prévia, aludindo ao vício a que se refere o n.º 1 do artigo 298º.
Limita essa falta de audiência à questão de se ter considerado que a responsabilidade disciplinar resultou de uma dependência do jogo.
Mas não tem razão na medida em que não só não deixou de ser ouvido no processo disciplinar e aí imperam regras próprias, cedendo o disposto no n° 1 do art. 93° CPA, como, na parte relativa a essa dependência, o acórdão recorrido limita-se a fazer a interpretação da factualidade descrita, para além de que não considerou essa dependência em termos patológicos.
Não se deixa de verificar a audiência do interessado logo que concluída a instrução e antes de tomada a decisão final.
Como bem anota o Exmo Senhor Procurador, “de todo o modo, no que para o específico conta, constata-se que a "surpresa" a que o recorrente alude não contende com a eventual introdução, através do acto sancionatório, de qualquer nova matéria factual imputada após a notificação da acusação e sobre a qual, em sua defesa, houvesse que se pronunciar, mas sim com a integração/valoração jurídica da mesmíssima conduta que lhe era imputada, sobre os contornos da qual tivera plena oportunidade de se defender e argumentar”

Não pode o arguido dizer que houve preterição da sua audição porquanto não deixou de ter oportunidade de se pronunciar sobre todos os factos, não podendo dizer que foi surpreendido com a introdução de quaisquer factos novos que tenham sido introduzidos no processo depois da acusação e depois de ali ter sido ouvido.

Aliás, estranha-se e não se compreende bem que o arguido, por um lado, se defenda, invocando uma dependência pelo jogo, chegando a dizer que tal dependência não foi devidamente valorada como atenuante, devendo sê-lo, por outro, diz que a entidade recorrida se baseou mesma dependência para o punir. Só que a decisão recorrida não se baseou nessa dependência, enquanto facto autónomo, nela não se baseou a punição aplicada, antes a integrou num circunstancialismo que acarretou prejuízo manifesto para o serviço e conduziu a uma configuração de inviabilização da manutenção do vínculo laboral, tudo a partir da factualidade sobre a qual o arguido teve o ensejo de se pronunciar.

Quanto à questão da opção entre as duas sanções alternativamente consideradas no ETAPM e da opção tomada diferentemente à proposta, é questão que não vem equacionada e, portanto, dela não se curará.

    3. Descaso da prova médica apresentada

    Esgrime o recorrente com uma pretensa indevida conclusão da deliberação punitiva no sentido de o arguido usar artifícios enganosos (iludindo os superiores hierárquicos com deslocações ao médico a horas que mais se afeiçoassem às suas conveniências) para obter meios legítimos de justificação de faltas (ou atestados), empolando sintomas para mais facilmente atingir os seus fins.
    E prende-se com a análise dos diversos atestados médicos e do pronunciamento por banda de vários médicos sobre as maleitas do recorrente, no fundo, para convencer que esses atestados não eram falsos e retratavam bem a situação clínica do recorrente, enquanto paciente, pretendendo convencer que o Conselho escamoteou essa prova médica e fundou a sua decisão na artificialidade de doenças engendradas pelo funcionário em causa.
    Não tem razão o recorrente enquanto confunde realidades diferentes: a falsidade dos atestados enquanto certificadores de uma doença que o médico sabe não existir, mas a atesta; a falsidade, enquanto actuação imputável ao arguido que forja doença, enganando o médico; a actuação deste em desconformidade com as prescrições médicas, aparentando desmentir a doença ou, desrespeitando-as, não obstante doente.
    Como é bem de ver, não são os atestados que estão em causa, mas a conduta do arguido em contravenção das disposições legais que impedem que este frequente os casinos, conduta agravada por ser durante as horas de serviço, na medida em que, apesar de doente, não se compreende que deixasse de ir trabalhar, mas já lhe sobrasse tempo para ir para as salas de jogo, aí aimentando a sua compulsão.
    O artifício de que se fala por parte do recorrente, mais não é do que uma evidência que emana da sua própria conduta, não estando em causa qualquer pretensão de pôr em causa os médicos, os atestados ou sequer a inexistência de doença.
    Há que separar as águas: o escopo da violação dos deveres do funcionário resultou do facto de este se dedicar ao jogo - o que por lei lhe estava vedado - e se vai jogar a horas do serviço, estando doente e munido de um atestado médico, resulta da própria factualidade como uma aparência de artifício, como uma aparência censurável de artimanha, o recurso à justificação por doença da sua falta ao serviço.
    Ainda que cientes dos direitos dos administrados e assentando nos Tribunais o reduto da garantia dos seus direitos, não se pode ser ingénuo e não se pode pactuar com a desonestidade da conduta e não se pode deixar de ser clarividente na detecção de qual a violação dos deveres que lhe foi assacada no acto.
    É assim que flui da matéria fáctica subjacente à punição que o recorrente obteve atestados médicos em fins de semana prolongados (2ªs e 6ªs) para com eles justificar ausências ao serviço, assim conseguindo frequentar, muitas vezes durante o horário normal do serviço, as casa de jogo "Mocha", satisfazendo a sua compulsão pelo jogo, matéria esta que emerge claramente do acervo probatório carreado para os autos e não posta em crise.
    A questão, como se assinala no douto parecer, frisa-se, não pode também colocar-se, nem é colocada, na deliberação, a nível das doenças específicas do arguido, nem da certificação clínica das mesmas, demonstrando-se serem as mesmas permanentes e crónicas, com hipertensão não controlada, tonturas, dores de cabeça, desequilíbrios auditivos, etc. e o que se extrai, com pertinência, do procedimento é que o recorrente, fazendo uso dessa situação, obtinha os atestados médicos no sentido de, no uso dos mesmos (cuja legitimidade e certificação clínicas não são questionadas) defraudar os serviços, ausentando-se do local de trabalho nos dias e horário de trabalho que melhor lhe conviessem, sendo certo ter sido detectado, em várias dessas ocasiões, no acesso, frequência e prática de jogos nos referidos estabelecimentos "Mocha", o que, para além dos ilícitos imputados, sempre mal se compaginará com as necessidades de repouso, calma e serenidade de que os padecimentos documentados certamente careceriam.

4. Do escopo dos deveres violados
Importa não esquecer que o arguido é funcionário de Justiça, estando vinculado ao Estatuto dos Funcionários de Justiça, aprovado pela Lei nº 7/2004. Está, em consequência, sujeito aos deveres gerais dos trabalhadores da Administração Pública (corpo do art. 20º da Lei nº 7/2004), às regras disciplinares do ETAPM (art. 25º) e à acção disciplinar do Conselho dos Magistrados Judiciais (art. 17º).
O acesso a salas ou zonas de jogo, quaisquer que elas sejam, está vedado aos trabalhadores da Administração Pública, segundo o art. 24º, nº 1, alínea 3) da Lei nº 16/2001:
1. É vedado o acesso às salas ou zonas de jogos:
1) Aos menores de 18 anos;
2) Aos incapazes, inabilitados e culpados de falência intencional, excepto se tiverem sido entretanto reabilitados;
3) Aos trabalhadores da Administração Pública da Região, incluindo os agentes das Forças e Serviços de Segurança, excepto quando autorizados ou no desempenho das suas funções;


A Lei nº 16/2001 (art. 54º, nº 2, alínea 5) revogou expressamente o art. 279º, nº 13 do ETAPM, que regulava:

Aos funcionários e agentes está vedada a frequência de casas de jogo de fortuna e azar, excepto quando autorizados ou no exercício das suas funções.


Com a Lei nº 16/2001 entrou em vigor um novo regime de interdição às zonas de jogo aos funcionários públicos e, desde logo, duas alterações importantes se destacam, agravando o regime dessa proibição:
- passou-lhes a ser vedada não só a «frequência», mas, pior ainda, o próprio «acesso»; e
- o acesso às «salas ou zonas de jogos», não já só às «casas de jogo de fortuna e azar».


5. Da ilegalidade do acto recorrido por valoração agravativa da confissão do arguido.
  
No fundo o que o recorrente pretende com esta linha argumentativa é que o facto por si confessado de compulsão pelo jogo, na medida em que agravante dos termos da acusação, não pode ser utilizado na decisão final do processo em seu detrimento, mostrando-se verificado o vício a que se refere o n.º 1 do artigo 298º do ETAPM, disposição que fulmina com a nulidade a falta de audiência do arguido, determinativa da anulação da deliberação punitiva, pois que se assim o soubesse, ter-se-ia preparado para essa possibilidade e teria trabalhado o tema da dependência do jogo numa perspectiva mais larga e mais profunda para se precaver da (eventual) utilização desse facto aquando da prolação do relatório final e/ou deliberação punitiva.

Já acima se abordou esta questão.

Não tem razão o recorrente na sua alegação.

A referência a tal dependência, se bem que confessada pelo arguido, não ganhou por via dessa confissão qualquer autonomia, emergindo já da própria base instrutória, donde ser irrelevante tal circunstãncia.
Acresce que, a levar-se à risca a tese explanada, estava encontrado o meio para subverter e paralisar qualquer iniciativa procedimental disciplinar em termos de sancionamento em correspectividade com a culpa e ilicitude que ao caso coubesse.
    Acresce, em todo o caso, para além do que vem dito, que tal matéria tenha, por qualquer forma, agravado a sua responsabilidade, não estando, de todo o modo, neste quadro, vedado à entidade recorrida a referência à posição do visado sobre os factos.
    Faz todo o sentido que, em sede do alcance da verdade material, se enunciem todos os factos relevantes para a decisão, sejam ou não confirmados pelo agente alvo do procedimento disciplinar.
    A alegada dependência do jogo feita pelo arguido não agravou em nada a responsabilidade disciplinar do arguido que, por si mesma, no quadro transgressor repetitivo e continuado apurado nos autos, já era suficientemente grave e passível da censura prevista no art. 315º do ETAPM.
    Na verdade, não resulta que a dita confissão da dependência tenha contribuído para agravação dos termos da acusação, não se descortinando, também, como validamente ela se pode converter numa atenuante, visto o momento em que essa posição foi manifestada, a conduta do funcionário em termos de lhe pôr cobro, de a tratar ou de atenuação dos seus efeitos em termos comportamentais.
  
  
6. Da ilegalidade do acto recorrido: por justificação legal das faltas e ilegalidade na injustificação
  
Foi ainda o arguido sujeito à medida disciplinar referida por ter, em acumulação, prestado falsas declarações relativas à justificação de faltas, sob a forma continuada, p.p. no art. 314º, nº 2, alínea g) do ETAPM, o que terá constituído a circunstância agravante p. no art. 283º, nº 1, alínea h do mesmo Estatuto.
    
    As faltas, na tese do recorrente, encontram-se justificadas por atestados médicos que não se mostram impugnados, donde ser ilegal o despacho que as considerou injustificadas.
    Quanto a esta questão, desde logo se verifica que os despachos que consideraram as faltas injustificadas não se mostram impugnados, donde não parecer curial que venha o recorrente agora suscitar a ilegalidade dessas injustificações quando o devia ter feito autonomamente.
    Em todo o caso, entendendo-se que a sua substancialidade, enquanto fundamento do acto punitivo pode agora ser apreciado, não nos furtaremos à análise dessa questão.
    Releva-se quanto se consignou na deliberação punitiva, ao dizer-se que não podem deixar de ser autonomizadas, como muito bem propôs a Exma. Instrutora, as declarações prestadas pelo arguido acerca de ausências não devidamente justificadas, em que, recorrendo aos habituais meios justificativos como a sua doença, a indisposição, a tensão, as tonturas, etc., omite o essencial que era o de, em contradição absoluta com as suas próprias queixas, ter estado indevidamente a jogar em salas de jogo Mocha, sem sequer ter a permissão do médico para não permanecer em casa e que, pois, serão consideradas infracção autónoma e será levada em conta na medida disciplinar aplicada.
    A entidade recorrida, seguindo a proposta da Relatora, autonomizou como infracções disciplinares as falsas declarações do arguido prestadas para justificar ausências do trabalho, num total de 13 faltas, que nada tiveram a ver - pelo menos comprovadamente - com o acesso indevido do arguido às «salas ou zonas de jogo» Mocha.
    Foram as razões invocadas pelo ora recorrente para as justificar que não foram aceites pelo respectivo órgão de disciplina, a entidade ora recorrida, por não as considerar justificadas (fls. 2 dos autos), nos termos consentidos pelo art. 90º, nº 1, alínea b) do ETAPM.


    Foi essa segunda infracção que deu azo a que fosse considerada a circunstância agravante da acumulação de ilícitos disciplinares, como se disse na deliberação recorrida, e nenhuma outra, como o recorrente parece pretender.
  
  
7. Da ilegalidade decorrente do descaso de o arguido morar em Zuhai
  
  
Ainda aqui o recorrente escamoteia a realidade das coisas.
Em primeiro lugar o arguido não foi punido por morar em Zuhai.
E se ali passou a morar, tal corresponde a uma opção da sua parte, não podendo esse facto traduzir-se em qualquer justificação para o cometimento das faltas que cometeu.
Nem sequer comprova que as idas para Zuhai durante as horas de serviço o foram em termos de uma ausência justificada ao serviço, isso na parte em que se relevaram tais faltas, como acima se viu.
Por outro lado, dizer que se pretendeu insinuar que as idas para Zuhai correspondem a uma maquinação ou artifício do recorrente para incumprir os deveres a que estava adstrito parece não resultar minimamente, nem sequer do espírito, da deliberação proferida.
    O próprio recorrente reconhece que só em 27/6/2008 comunicou a mudança de residência e, argumentando com o facto de ter de repor quantias relativos ao subsídio de residência, por se ter apurado que ali morava desde data anterior, pretende com essa argumentação fazer crer que estaria autorizado a morar em Zuhai desde Outubro de 2007. Há aqui um vício que se traduz em misturar realidades diferentes: uma é o facto de residir sem autorização; tal facto pode até ser susceptível de procedimento disciplinar autónomo; outro, o facto de só mais tarde se pedir autorização de residência e só aí o funcionário passa a estar autorizado; outro o facto de ter de repor os subsídios, o que nada tem a ver com a ratificação dessa situação ilegal, sob pens de , em linguagem vulgar, se beneficiar o infractor.
    Não há qualquer violação do princípio dos princípios da justiça, imparcialidade e da boa-fé, nem erro nos pressupostos de facto, sendo evidente que se o arguido ia para Zuhai, para sua residência, mas não estava autorizado a residir aí, tal deslocação, estada ou permanência sempre teria de se ter por injustificada.
    Matéria , contudo, que não deve vir ao caso, pela razão simples de que não foi fonte autónoma de punição.
  
    8. A propósito de outros pretensos erros e incongruências na valoração da prova produzida e nas circunstâncias agravativas da responsabilidade disciplinar
  
  
   Contesta o recorrente a atribuição da culpa e grave desinteresse pelo incumprimento dos deveres funcionais.
   Porque algumas das faltas foram muito curtas;
   Chegou a entrar nas salas de jogo apenas para ver;
    O aproveitamento dos fins de semana e seu alargamento reforça a necessidade que tinha de descanso;
    São os próprios médicos que reafirmam a patologia do recorrente;
    
    No fundo, tudo argumentos que não deixam de ser repisados e se encontram rebatidos à saciedade pelos factos que vêm comprovados e são bem demonstrativos de uma entrega reiterada ao jogo, continuada no tempo, - nem sequer a rapidez com que se joga ou o escasso tempo de permanência numa sala de jogo, quando tal aconteceu - é justificativa do que quer que seja, pois que num minuto se podem jogar (e perder) milhares, tudo sendo incompatível com as declarações do arguido junto dos seus superiores, tudo sendo incompatível com os diagnósticos e prescrições médicas, tudo sendo incompatível com um descanso e necessidade de recolhimento na habitação.
    
    É de tal forma a sem razão do recorrente que nem sequer esta argumentação justifica um maior desenvolvimento contra argumentativo.
    
    Pensemos de outra forma, para sermos mais claros: qual o Serviço que poderia funcionar em termos de resposta aos utentes, ao desempenho das funções comeitidas, se cada um dos funcionários adoptasse a conduta do funcionário em causa, ainda que eventualmente se ponderasse a incursão em responsabilidade menor e punições mais leves?
    
    Dizer que a conduta praticada não integra culpa e grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres e que não atenta contra a dignidade e prestígio do trabalhador e da própria função, afigura-se, com todo o respeito, um mero exercício, gratuito, de retórica, sem a mínima sustentabilidade nas regras da razoabilidade e da prudência, acreditando que o bom senso de qualquer homem mediano não toleraria tais condutas a um seu tabalhador.
    
    Compreende-se que a defesa realce a situação patológica do arguido, mas o certo é que em lado algum se comprova um estado durável de doença incapacitante e de alguma permanência de uma incapacidade para o trabalho, a requerer uma baixa duradoura, deparando-nos antes com sucessivos atestados justificativos de algumas faltas que vão sendo dadas, mas a cada passo postos em causa pela própria conduta do arguido que a cada passo infringia as próprias prescrições médicas, não se comprovando nos autos que esse comportamento resultasse ele próprio de doença incapacitante do foro psiquiátrico.
  
9. Da ilegalidade do acto recorrido por os estabelecimentos Mocha não serem casinos

Por essa razão pretende não ter havido conduta ilícita

Como vimo acima, com a Lei n.º 16/2001 o acesso às salas ou zonas de jogos, não já somente às casas de jogo de fortuna e azar passou a ser vedado nesses termos aos funcionários públicos.

Falece ainda aqui razão ao recorrente enquanto esgrime com uma pretensa diferenciação para os efeitos de preenchimento da previsão típica do ilícito disciplinar cometido entre casas de slot machines e casinos.

Resulta claro que naquelas «salas ou zonas de jogos» se incluem quaisquer salas ou zonas destinadas a jogos, mormente os expressamente referenciados na própria Lei nº 16/2001, como são os «jogos de máquina eléctricos ou mecânicos» referidos no art. 3º, nº 2 dessa Lei, cujas «salas» e «zonas» foram profusamente frequentadas pelo arguido.

Como qualquer «jogo de fortuna ou azar», a exploração desses jogos de máquina eléctricos ou mecânicos» «é sempre condicionada a prévia concessão» (art. 3º, nº 1 da Lei nº 16/2001) e «só podem ser explorados em casinos» (art. 3º, nº 2, idem).

Os casinos passaram, portanto, a partir da entrada em vigor da Lei n° 16/2001, a abranger quaisquer «jogos de fortuna ou azar», quer sejam explorados em mesas de jogo, quer através das máquinas de jogo (vulgarmente, slot machines).

Com efeito, de acordo com art. 2º, nº 1, alínea 1 da citada Lei n° 16/2001, «jogos de fortuna ou azar» (art. 2º, nº 1, alínea 1) são aqueles cujo «resultado é contingente por depender exclusiva ou principalmente da sorte do jogador». Ora, nos jogos de máquinas eléctricos ou mecânicos explorados nos “casinos” ou nas ‘‘salas Mocha’’ o resultado é necessariamente contingente.

Acresce que nas “salas Mocha” estão instaladas máquinas de jogo (slot machines) que oferecem aos seus frequentadores jogos de fortuna ou azar explorados por umas das seis concessionárias/subconcessionárias da exploração do jogo na RAEM - a Melco Crown Jogos (Macau) S.A., tal como é actualmente denominada.

Ou seja, é incontroverso que as “salas Mocha” são, na essência, salas de jogo em tudo iguais às dos ‘’casinos’’, na medida em que, desde o seu aparecimento, apenas exploram jogos de fortuna ou azar e sempre sob a cobertura de uma das concessões/subconcessões de jogo: inicialmente a concessão atribuída à Sociedade de Jogos de Macau (SJM) SJM e, depois, à citada Melco Crown Jogos (Macau) S.A..

Não é por essas salas não terem o nome de casino que deixam de se incluir naquele núcleo de salas de jogo vedadas aos funcionários públicos, sendo certo que as ‘‘salas Mocha’’ sempre estiveram sob a alçada inspectiva da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (DICJ) e sempre pagaram o imposto especial de jogo e restantes contribuições como qualquer casino da RAEM.

Acresce que tais salas, ainda que exploradas fora do perímetro dos casinos, não deixam de estar funcional e materialmente geridas como integrando um casino. Há uma descontinuidade «geográfica», mas nem sequer constituem um caso isolado: as salas de jogo VIP, por vezes, estão igualmente separadas dos “casinos”, em andares superiores do mesmo edifício ou até de diferentes edifícios e ninguém tem dúvidas em inclui-las dentro daquele conceito.

Pelo que, tendo em conta os termos concretos das disposições citadas e as características e natureza dessas salas de jogo, estando em causa jogos de fortuna ou azar sujeitos exactamente a um mesmo regime legal e explorados por uma subconcessionária do jogo, como impõe a Lei n° 16/2001, não se vislumbra que tenha havido qualquer interpretação extensiva e indevida da lei.


10. Da pretensa ilegalidade por não se ter ponderado a carreira do funcionário e os problemas da sua vida pessoal e profissional

Socorre-se do seu registo biográfico e do seu passado como funcionário que serviu por mais de 21 anos a Administração em geral e 18 anos os Tribunais, em particular, com classificações de BOM, BOM COM DISTINÇÃO ou MUITO BOM, ao longo de 13 anos, para dizer que tal curriculum não foi ponderado, como não foram os problemas evidenciados relativamente aos problemas ocorridos na sua vida pessoal e profissional.

Mas não tem razão, porquanto tais circunstâncias foram expressamente referidas na deliberação do Conselho (cfr. fls 89 e v. do respectivo PDI), dizendo este, não obstante tais atenuantes, não poder retirar dessa prestação do arguido o efeito por ele pretendido, já que incurso na previsão do art. 315º, n.º 1 e 2 , línea o) do ETAPM, punível com a pena de aposentação compulsiva ou demissão.

É que a pena expulsiva, como está bem de ver, não admite uma graduação nos termos da qual se espelhe uma adequação ao circunstancialimo atenuante que se pretende evidenciar, a não ser na própria escolha da medida aplicável.

Acresce não se mostrar razoável alegar que a deliberação do Conselho sobrevalorizou, em prejuízo do arguido, a assunção de dependência do jogo por ele feita, porque, na verdade, essa dependência não só já estava intuída desde a dedução da acusação (art. 3º) - ao salientar, desde logo, uma relação de causa-efeito entre o impulso de jogar e a vontade de tirar partido do fim de semana para prolongar esse vício, recorrendo à obtenção lícita de atestados médicos válidos - como é mesmo irrelevante dada a gravidade e a quantidade de infracções praticadas, considerando ainda que os problemas referenciados pelos médicos, se informam de pressão e problemas do foro psicológico, não diagnosticam uma doença de dependência pelo jogo.

Assim se entra na análise da justeza da sanção que foi aplicada ao arguido.

11. Quanto à pena aplicada de demissão
    
    A nota de culpa e o relatório final imputaram ao arguido a violação do dever de assiduidade e pontualidade previsto no artigo 279º, n.º 2, al. g) e h) e n.º 9 e 10 do ETAPM e a violação da proibição de frequência de casas de fortuna e azar, previsto no art. 279º, n.º 13, identificando uma situação reveladora de dolo e má compreensão dos deveres funcionais e de actos que revelam indignidade ou falta de idoneidade moral para o exercício de funções (art.º 315º, n.º 1 e n.º 2, alíneas b) e c) e n.º 2, al. o) parte final, e n.º 3 do ETAPM).
    
    Insurge-se o arguido pela conclusão a que a entidade recorrida chegou da inviabilização da manutenção da situação jurídico-funcional em causa, da configuração de uma culpa grave e de desinteresse pelo cumprimento dos deveres funcionais, do cometimento de actos consubstanciadores de indignidade para o exercício da função pública, invocando desproporcionalidade na sanção aplicada, face ao circunstancialismo atenuante, pugnando antes por uma aposentação compulsiva, para já não falar sequer da suficiência e adequação de uma suspensão graduada entre 10 e 60 dias.
    
    
A pena de demissão é uma das duas medidas expulsivas previstas no art. 315º do ETAPM, cabendo ao órgão decisor optar por uma ou por outra, no âmbito discricionário da Administração, segundo critérios de justiça e proporcionalidade», que deve fundamentar, aplicável às infracções que inviabilizem a manutenção da situação jurídico-funcional. 5

12. Previsão típica projectada no caso concreto
Vem assacada ao recorrente a violação de um conjunto de deveres, traduzida numa conduta de efeitos altamente gravosos e de repercussão enorme na imagem e aprumo dos funcionários públicos em geral e da Justiça, em particular.

Perante os factos cometidos não parece que haja qualquer erro manifesto e grosseiro na pena aplicada, sendo perfeitamente compreensível que a factualidade descrita - donde se evidencia a frequência reiterada de casas de jogo, “abandono” do posto de trabalho com faltas injustificadas, descredibilização da autenticidade e garantia que os atestados devem merecer, justificações apresentadas contrariando o sentido dos atestados apresentados, tudo evidenciando manifesto desinteresse e desrespeito pelo trabalho e função - aponte, pelo número, reiteração, circunstâncias e acumulação de infracções para o preenchimento da previsão típica contida no artigo 315º, n.º 1 e n.º 2, al. o) do ETAPM, gerando uma situação reveladora de incapacidade, implicando a perda da confiança geral necessária ao exercício da função.

Mas importa analisar a integração típica a que se procedeu e se houve erro de integração e nos pressupostos determinantes da apontada demissão.
    Resulta da deliberação que os deveres violados foram:
    - dever de não frequentar e aceder a “sala ou zona de jogo”, face à previsão do artigo 24º da Lei n.º 16/2001, de 24/9, haja em vista a revogação do n.º 13 do art. 279º do ETAPM;
    - dever de assiduidade, vistas as faltas injustificadas, autonomizando-se aquelas em que não foram aceites as declarações do arguido – independentemente das documentadas com atestado médico - por em contradição absoluta com as sua próprias queixas, nem ter permissão do médico para não permanecer em casa, ter estado a jogar em salas de jogo “Mocha”.
    Ainda que não expressamente nominadas não se deixam de descrever e considerar condutas censuráveis e objectivamente violadoras dos deveres do funcionário, que não deixaram de rodear as apontadas violações de deveres, seja em vista dos artifícios engendrados, seja em vista de uma atitude de desinteresse, chegando a não se incomodar em dar qualquer justificação das faltas.
    Temos, assim, que a violação de não frequentar salas ou zonas de jogo não se esgota na previsão da al. f) do art. 314º, sendo muito mais grave, porquanto ali apenas se prevê que o arguido seja encontrado, sendo que, neste caso, nos encontramos perante uma compulsão traduzida comprovadamente na prática e frequência das casas de jogo.
    Por outro lado, ainda que por via de uma injustificada redução que não deixou de beneficiar o arguido - pois que a violação do dever de se abster de frequentar estabelecimentos de jogo em nada se confunde com a ausência injustificada ao serviço - registam-se 13 faltas injustificadas, o que cai na previsão da alínea e) do art. 314º do ETAPM.
    Mas mesmo que por mera hipótese se entendesse que a frequência reiterada das casas de jogo não entrasse directamente na previsão típica do art. 315º e nem sequer do art. 314º, f), - entendimento que não se deixa de afastar -, por não ter havido condenação anterior, ainda aí depararíamos com uma infracção do art. 314º ( a das faltas injustificadas) acumulada com a prática de outra infracção ( a da frequência das casas de jogo).
    Tanto basta para que se possa ponderar a aplicação da previsão do art. 315º do ETAPM, ex vi art. 316º, n.º 2 do ETAPM, em face da acumulação de infracções .
  
    13 Da inviabilização da manutenção da relação jurídico-funcional.
    
A pena de demissão não é de aplicação automática, só podendo ser cominada se os factos revelarem um carácter censurável susceptível de inviabilizar a manutenção da relação funcional - artigo 315º, n.º 1 do ETAPM.

Trata-se de um conceito indeterminado que a Administração deverá preencher e concretizar através de juízos de prognose assentes na factualidade apurada e em cuja fixação goza de grande liberdade de apreciação, sendo que só os erros manifestos de apreciação na determinação de tais juízos importam violação de lei que ao tribunal cabe sindicar. A qualificação dos factos como infracção disciplinar e a sua integração ou subsunção na cláusula geral punitiva é contenciosamente sindicável. Só não é contenciosamente sindicável a fixação da pena disciplinar dentro do escalão respectivo, não podendo o juiz sobrepor o seu poder de apreciação ao da autoridade investida do poder disciplinar, já que, neste domínio, a intervenção do juiz fica apenas reservada aos casos de erro grosseiro, ou seja, àquelas circunstâncias em que se verifica uma notória injustiça ou desproporção manifesta entre a sanção aplicada e a falta cometida.

O preenchimento da cláusula geral de «inviabilidade da manutenção da relação funcional», constante do nº 1 do art. 315º do EMFSM, constitui tarefa da Administração, a concretizar por juízos de prognose efectuados com grande margem de liberdade administrativa, a qual não é sindicável pelo tribunal, salvo caso de erro grosseiro ou palmar, ou seja, em que a pena fixada se revele, em concreto, manifestamente injusta ou desproporcionada.6

O poder disciplinar é discricionário, muito embora tenha aspectos vinculados, sendo um deles o que se relaciona com a qualificação jurídica dos factos reais.7 E no preenchimento da cláusula geral de inviabilidade de manutenção da relação funcional há uma vinculação da Administração, embora compatível com juízos de prognose que andam de mão dada com uma certa liberdade administrativa.

Os factos que implicam a inviabilidade de manutenção da relação funcional para efeito de aplicação de pena disciplinar expulsiva, “são todos aqueles cuja gravidade implique para o desempenho da função prejuízo tal que irremediavelmente comprometa o interesse público prosseguido com esse desempenho e a finalidade concreta que ele se propõe e por isso exige a ablação do elemento que lhe deu causa”8, sendo meramente exemplificativa a enunciação que deles se faz no nº 2 do art. 315º do EMFSM.

Assim, não se deve manter a relação funcional sempre que os factos cometidos pelo arguido, avaliados e considerados no seu contexto, comprometam, designadamente, a eficiência, a confiança, o prestígio e a idoneidade que deva merecer a acção da Administração.9 Se o comportamento imputado ao arguido atingir um grau de desvalor que quebre, definitiva e irreversivelmente, a confiança que deve existir entre o serviço e o agente, deve considerar-se inviabilizada a manutenção da relação funcional.

A pena de demissão é de aplicar quando a gravidade da conduta do arguido inviabiliza a manutenção da relação funcional. E para integração do conceito inviabilização de manutenção da relação funcional a Administração goza de grande liberdade de apreciação, não se devendo aquela relação manter sempre que os actos praticados pelo arguido, avaliados e considerados no seu contexto, impliquem para o desempenho da função prejuízo tal ordem que irremediavelmente comprometa o interesse público, interesse que o próprio recorrente deveria prosseguir, designadamente a confiança, o prestígio e o decoro que deve merecer a actuação da Administração. 10
    14. Posto isto, há que indagar se se concretizam os requisitos da inviabilização da manutenção da situação jurídico-funcional (n.º 1 do art. 315º e indignidade ou falta de idoneidade moral para o exercício de funções (parte final da al. o) do art. 315º citado.
     As infracções não podem deixar de ser contextualizadas.
    De facto, não se trata de demitir um funcionário que foi encontrado num casino, numa casa de jogos, uma, duas três vezes. Basta atentar na matéria de facto acima comprovada para se aquilatar da dimensão e intensidade da conduta praticada; depois, os tempos curtos e demorados das diferentes permanências; a busca justificativa das ausências ao serviço anulada pela prática compulsiva do jogo; isto para além do jogo, fora das horas de serviço, já de si proibido; em 98 dias de falta por doença, 72 injustificadas, em 32 desses dias, em vez de permanecer em casa conforme recomendação clínica, frequentou salas de jogo; a apresentação de justificações verbais inverdadeiras, comprovando-se que tinha estado a jogar; por fim, a atitude relapsa de alheamento e desinteresse, não se incomodando sequer em justificar faltas.
    Ora, desta panóplia de circunstâncias que rodearam as apontadas infracções, há todo um acervo que leva a legitimar a conclusão de uma inviabilização da manutenção da situação jurídico-funcional e de uma indignidade e inidoneidade moral para o exercício das funções. Não se trata do jogo em si, mas sim do jogo com manifesto desrespeito pelo serviço e pelas funções.
    Como tolerar a continuação em funções de um funcionário que, a cada passo, se ausenta do serviço e seja suposto que esteja a trabalhar está na jogatina?
    Como é que um cidadão comum, tomando conhecimento dessa conduta pública, apreciará o funcionário e o Serviço, quando ele, em vez de trabalhar está a dar à alavanca ou a carregar no botão?
    Não temos grandes dúvidas em considerar que aqueles pressupostos se mostram verificados.
    
    15. Da desrazoabilidade e violação de princípios de justiça, imparcialidade e proporcionalidade
    Com isto, somos a concluir que não houve qualquer violação da lei por parte da entidade recorrida, antes se procedeu à correcta e equilibrada interpretação das normas, pelo que falece toda a invocação de pretensa violação de direitos ou princípios ao recorrente que, como se viu, ele não tinha ou que não foram postergados.
    Na margem de discricionariedade que poderá residir na apreciação do comportamento anterior não se mostra que tenha havido erro ou desrazoabilidade no exercício desse poder de apreciação e nessa margem de actuação só essa seria sindicável.11
    
    Como já se decidiu neste Tribunal, se, no que respeita à apreciação da integração e subsunção dos factos na cláusula geral punitiva, a actividade da Administração está sujeita à sindicabilidade do Tribunal, o mesmo não se pode dizer quanto à aplicação das penas, sua graduação e escolha da medida concreta, existindo, neste âmbito, discricionariedade por parte da Administração, a qual passa pela opção entre emitir ou não o acto sancionatório e ainda pela escolha entre vários tipos e medidas possíveis. 12
    
    Posição sufragada pelo TUI, enquanto estabeleceu que a aplicação pela Administração de penas disciplinares, dentro das espécies e molduras legais, é, em princípio, insindicável contenciosamente, salvo nos casos de erro manifesto, total desrazoabilidade ou violação dos princípios gerais do Direito Administrativo.13
    
    Não só está no âmbito da entidade recorrida a opção por uma das medidas disciplinares prevista no art. 315º do ETAPM, como não se mostra desproporcionada a medida de demissão aplicada pelo Conselho, aplicada a um funcionário que dá faltas injustificadas ao serviço enquanto frequenta «salas e zonas de jogo» que lhe estão legalmente interditas, para algumas das quais chega a apresentar atestados médicos que lhe cubra os dias úteis adjacentes aos fins-de-semana, se ausenta para ir jogar, recorre a expedientes para encobrir essa compulsão.
    
    Embora a acusação se tenha adiantado e tenha proposto, dentro do quadro legal do art. 315º citado, de «aposentação compulsiva», o facto é que se sabe que o órgão decisor não está vinculado à classificação jurídica que a instrutora dê às condutas enunciadas e provadas, antes, e isso sim, apenas à enunciação dos factos provados e respectivo enquadramento jurídico-disciplinar - designadamente a verificação de os factos revelarem um carácter censurável susceptível de inviabilizar a manutenção da relação funcional - cabendo-lhe, por inteiro, a liberdade da escolha da pena disciplinar a aplicar ao caso, sem peias que não as apontadas, sendo sua e só sua a decisão de direito, até porque o Conselho, enquanto órgão disciplinar máximo do recorrente, só ele e mais ninguém estava habilitado a ajuizar se a conduta imputada ao arguido atingia um «grau de desvalor que quebre, definitiva e irrversivelmente, a confiança que deve existir entre o serviço e o agente, por forma a inviabilizar a manutenção da relação funcional.14
    
    O poder disciplinar conferido pelo art. 315º do ETAPM comporta um momento discricionário e outro vinculado. A vinculação legal não reside na obrigatoriedade da aplicação da pena de aposentação compulsiva se o funcionário tiver mais de 15 anos de serviço, mas na obrigatoriedade da aplicação da pena de demissão se os não tiver ainda completado
    Como ficou demonstrado, nenhum destes «momentos» foi violado pela deliberação recorrida.
    Tudo visto e ponderado, resta decidir.
    V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao presente recurso contencioso.
    Custas pela recorrente, com 6 UC de taxa de justiça.
               Macau, 9 de Fevereiro de 2012
               João A. G. Gil de Oliveira
               José Cândido de Pinho
               Lai Kin Hong
               Presente
               Victor Manuel Carvalho Coelho
1 46 e não 48 como, por lapso, vem listado no quadro que se transcreve. De facto, como se pode verificar, os números 2 e 40 estão repetidos, respectivamente, nos números 41 e 42.
2 o que não se compreende: ou se aplicaria uma ou outra, pois não dizem exatamente a mesma coisa, não tendo sido por acaso que a norma antiga foi expressamente revogada.

3 http://www.priberam.pt/dlpo/definir resultados.aspx
4 http://www.infopedia.pt/pesquisa?qsFiltro=14

5 - Leal-Henriques, Manual de Direito Disciplinar, CFJJ, 2005, p. 122

6 - Acs STA de 11/6/86, in BMJ 362, 434; de 5/6/90, in BMJ 398,355; de 2/10/90, in BMJ 400, 712; de 23/3/95, proc. 32586, entre outros
7 - Ac. do TCA, proc. 2118/98, http//www.dgsi.pt
8 -Ac do STA de 6/2/92, proc. 28309, http//www.dgsi.pt
9 -Ac do STA de 30/1194, proc. 32500, http//www.dgsi.pt
10 - Ac. do TSI, proc. n.º 137/2004, de 10/03/05

11 - Acs. do TUI, proc.s 36/2006, de 13/Dez./07; 1/2006, de 1/6/06; 14/2002, de 67Dez./02; 9/2000, de 3/5/2000
12 - Ac. do TSI, proc. n.º 137/2004, de 10/03/05,
13 - Ac. do TUI, de 16/12/2007 , Pº 31/2006, in http://www.court.gov.mo

14 - Ac. do TSI, proc. n.º 233/2001, de 26/06/2003
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522/2010 79/79