Processo nº 627/2010
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 15 de Dezembro de 2011
ASSUNTO:
- Prestação da conta das sociedades comerciais
- Artº 883º, nº 5 do CPCM
- Artº 259º do C. Comercial
SUMÁRIO:
- Nos termos do nº 5 do artº 883º do CPCM, compete ao juíz, uma vez apresentadas as contas e após todas as diligências necessárias, decidir as mesmas, “segundo a sua prudente convicção, podendo considerar justificadas sem documentos as verbas de receita ou de despesa em que não seja costume exigi-los”.
- Contudo, o processo da prestação de contas previstas no CPCM não é aplicável para as sociedades comerciais, às quais seguem a regulamentação própria do artº 259º do C. Comercial.
- No âmbito das sociedades comerciais, a aprovação ou não das contas apresentadas cabe à assembleia geral da sociedade comercial, só em caso da não aprovação é que justifica a intervenção do poder judicial para a sua apreciação.
O Relator,
Ho Wai Neng
Processo nº 627/2010
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 15 de Dezembro de 2011
Recorrente: A
Recorrida: B
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
Por sentença de 24/03/2010, julgaram-se como prestadas as contas referentes aos exercícios de 2006 e 2007 e consequentemente ordenou-se o arquivamento dos autos.
Dessa decisão vem recorrer a Recorrente, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. O tribunal a quo dando por satisfeita a pretensão da Requerente e declarando findos os autos, julgando apresentadas as contas requeridas, fez uma errada interpretação tanto dos pressupostos de facto como de direito em que as mesmas deviam ser (e não foram) prestadas, cometendo um erro de julgamento que torna a decisão ora posta em crise recorrível nos termos gerais.
2. O tribunal a quo ao demitir-se do dever de apreciar as questões suscitadas, nomeadamente, as questões relativas às irregularidades que viciam a prestação de contas apresentada pela requerida, viola o princípio da proibição de denegação de justiça por omissão de pronúncia, o que inquina a decisão de nulidade por violação dos art.°s 7.°, n.º 2, do CC, art. 563.º, n.º 2 do CPC e convoca o quadro legal previsto no art.º 571.º, n.º 1 , d), do CP'C.
3. O tribunal a quo cometeu um erro de julgamento na apreciação da matéria de facto e de direito ao equiparar o cumprimento defeituoso da prestação realizada, por falta de qualidades ou requisitos dela, ao cumprimento pontual da obrigação a que a requerida estava adstrita, violando deste modo o disposto nos art.ºs 752.°, n.º 1 e 753.°, n.º 1 do CC.
4. O tribunal a quo ao não considerar incumprida, (ou, o que no caso redunda no mesmo, apenas cumprida defeituosamente), a obrigação de prestar contas e, consequentemente, não ordenando a realização de exame à sociedade (conforme oportunamente requerido) por haver fundadas suspeitas da existência de graves irregularidades na vida social que permitem ao credor da prestação de contas requerer ao tribunal e exame, comete um erro de julgamento da matéria de facto e de direit violando deste modo o disposto no art.° 259.°, n.º 2, do Código Comercial.
5. O tribunal a quo ao decidir que o requerimento de prestação de informação quanto às contas compreendidas entre 2 de Setembro de 2002 e 17 de Março de 2006, deve improceder por estar para além do objecto deste processo, comete um erro de julgamento pois, além de ofender o princípio da economia processual, tal faculdade está consagrada no art.° 209.º, n.º 4, do Código Comercial.
6. O tribunal a quo ao omitir qualquer pronúncia sobre o requerimento da aqui recorrente no sentido que fosse prestada informação quanto aos movimentos de três contas bancárias abertas no BANCO XX, em nome da sociedade em referência, o que a mesma fez requerendo ao tribunal a quo que a mesma entidade fosse oficiada para o efeito, porque das mesmas contas nada constava na prestação de contas apresentada pela recorrida, novamente comete uma omissão cominada com nulidade nos termos do art.° 571.º, n.º 1, d), do CPC.
7. O tribunal a quo ordenando oficiosamente, ao abrigo do art.° 145.°, do CPC, a baixa do processo na espécie em que se encontrava para que nos termos do art.º 166.°, do mesmo diploma, o mesmo fosse carregado na espécie competente, espécie que o mesmo tribunal convolou para a forma de processo prevista no art.º 259.°, do Código Comercial, sem que houvesse qualquer oposição das partes e, portanto, decidindo que era este o processo próprio para conhecer e decidir das pretensões formuladas pela recorrente e, posteriormente, decidindo pela improcedência parcial do referido pedido, adiantando para tanto que o mesmo não pode ser conhecido nesta sede, novamente, comete um erro de julgamento na apreciação dos pressupostos de facto e de direito que no caso se imponham, pois dúvidas não se suscitam que o sócio pode requerer ao tribunal que ordene que a referida informação lhe seja prestada ao abrigo do art.° 209.º, n.º 4, do Código Comercial.
8. O tribunal a quo não se pronunciando sobre o requerimento da requerente no sentido de que fosse prestada informação quanto aos movimentos de três contas bancárias abertas no BANCO XX, em nome da sociedade em referência, para tanto requerendo que a mesma entidade fosse oficiada para o efeito, (porque das mesmas contas nada constava na prestação de contas apresentada pela recorrida) mais uma vez, comete uma uma nulidade nos termos do art.° 571.º, n.º 1 , d), do CPC.
Pedindo no final que seja revogada a sentença recorrida, substituída por outra que determine o exame judicial à B.
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A Aministração da B respondeu à motivação do recurso da ora recorrente, nos termos constantes a fls. 146 a 150 dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso ora interposto.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Com base nos elementos existentes nos autos, são considerados provados os seguintes factos relevantes:
- Por despacho de 16/09/2009, foi determinada a prestação de contas por parte da Recorrida no prazo de 60 dias (fls. 71 a 72).
- Em 23/11/2009, C, Administradora da Recorrida, apresentou as contas, em língua inglesa, relativas ao período compreendido entre 1/03/2006 a 28/02/2007, acompanhadas do Relatório da Administração, em língua chinesa, conforme consta dos documentos de fls. 81 a 83, cujos teores aqui se dão integralmente reproduzidos.
- Por despacho de 07/01/2010, foi ordenada a nova apresentação de contas numa das línguas oficiais no prazo de 10 dias (fls. 100).
- Em 20/01/2010, foram apresentadas as contas em língua portuguesa, conforme constam dos documentos de fls. 105 e 106, cujos teores aqui se dão integralmente reproduzidos.
- Em 12/01/2010, a Recorrente requereu que seja oficiado ao Banco XX, para informar ao processo de todos movimentos das três contas bancárias em que a Recorrida é titular (fls. 102 e 103).
- Em 11/02/2010, a Recorrente pediu que seja ordenado o exame judicial à Recorrida, nomeando para o efeito um administrador judicial, já que no seu entender, as contas não foram apresentadas conforme as exigências legais, pelo que devem ser consideradas como não prestadas.
- Por sentença de 24/03/2010, julgaram-se como prestadas as contas referentes aos exercícios de 2006 e 2007 e consequentemente ordenou-se o arquivamento dos autos.
III – Fundamentos
Entende a recorrente que a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia, na medida em que se ordenou o arquivamento dos autos sem ter procedido à aprovação ou não aprovação das contas prestadas, bem como não pronunciou o seu pedido da informação sobre a movimentação das contas bancárias da Requerida no Banco XX.
Resulta da decisão recorrida que foi ordenado o arquivamento dos autos por entender que uma vez apresentadas as contas, “mostra-se alcançado o objecto” dos autos, pois “está fora do âmbito destes autos proceder ou não à sua aprovação, cabendo aos sócios, se necessário, recorrer aos demais meios processuais para obter aquela” (fls. 117 e verso).
Em relação ao pedido da informação da movimentação das contas bancárias, o tribunal a quo julgou-o, de forma expressa, improcedente, por estar “para além do objecto” do processo (fls. 117v).
Não há, portanto, a alegada nulidade por omissão da pronúncia.
Uma coisa é a falta de pronúncia, outra é a pronúncia estar correcta ou não, que é a questão a apreciar a seguir.
Andou bem o tribunal a quo em julgar as contas como prestadas e ordenar consequentemente o arquivamento dos autos?
Nos termos do nº 5 do artº 883º do CPCM, compete ao juíz, uma vez apresentadas as contas e após todas as diligências necessárias, decidir as mesmas, “segundo a sua prudente convicção, podendo considerar justificadas sem documentos as verbas de receita ou de despesa em que não seja costume exigi-los”.
Contudo, o processo da prestação de contas previstas no CPCM não é aplicável para as sociedades comerciais1, às quais seguem a regulamentação própria do artº 259º do C. Comercial.
Dispõe o artº 259º do C. Comercial que:
1. Se as contas anuais e o relatório da administração não forem apresentados aos sócios até três meses após o termo do exercício a que respeitem, pode qualquer sócio requerer ao tribunal a fixação de um prazo, não superior a 60 dias, para a sua apresentação.
2. Se, decorrido o prazo fixado nos termos da parte final do número anterior, a apresentação não tiver tido lugar, o tribunal pode determinar a cessação de funções de um ou mais administradores e ordenar exame judicial nos termos do artigo 211.º, nomeando um administrador judicial encarregado de elaborar as contas anuais e o relatório da administração referentes a todo o prazo decorrido desde a última aprovação de contas.
3. Elaborados o balanço, as contas e o relatório, são sujeitos à aprovação dos sócios, em assembleia geral para o efeito convocada pelo administrador judicial.
4. Se os sócios não aprovarem as contas, o administrador judicial requer ao tribunal, no âmbito do exame, que elas sejam aprovadas judicialmente, fazendo-as acompanhar de parecer de auditor de contas sem relação com a sociedade.
Como se vê, a aprovação ou não das contas, ainda que sejam elaboradas por administrador judicial nomeado pelo tribunal, cabe à assembleia geral da sociedade comercial, só em caso da não aprovação é que justifica a intervenção do poder judicial para a sua apreciação.
Assim e por maioria da razão, as mesma regras devem aplicar-se às contas apresentadas pelo administrador à ordem do tribunal.
Nesta conformidade e tendo em conta as disposições do artº 259º, nºs 3 e 4 do C. Comercial e do artº 883º, nº 5, do CPCM, não nos afigura a decisão recorrida merecer de qualquer censura ou reparação.
Não ignoramos que:
- a aprovação das contas exige maioria absoluta - artº 382º, al. b) do C. Comercial;
- a sociedade comercial em causa é constituída apenas por dois sócios, sendo um a Requerente, que possui uma quota de 50% e outro a Administradora da sociedade, C, que também detém 50% da quota; e
- a Recorrente já manifestou a sua discordância das contas apresentadas.
Contudo, tudo isto não implica necessariamente a não aprovação das contas apresentadas e justifica desde logo a intervenção judicial na determinação do exame judicial à sociedade.
Pois, nada impede que a Recorrente e outro sócio C possam chegar posteriormente ao acordo e aprovarem as contas na assembleia geral.
Caso as contas não forem aprovadas, as partes podem ainda recorrer aos demais meios processuais para o efeito.
Tudo ponderado, resta decidir.
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso interposto, mantendo a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique e registe.
RAEM, aos 15 de Dezembro de 2011.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
1 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Abílio Neto, 21ª edição, pág. 1382, anotação nº 3 do artº 1014º.
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