Processo nº 539/2010
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 12 de Janeiro de 2012
ASSUNTO:
- Direito de prioridade do registo da marca
SUMÁRIO:
- Só faz sentido falar do direito de prioridade do registo quando as marcas da Recorrente são susceptíveis de obter o registo.
O Relator,
Ho Wai Neng
Processo nº 539/2010
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 12 de Janeiro de 2012
Recorrente: A Gestão e Investimentos, Limitada
Recorrida: B Hotels, Inc.
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
Por sentença de 24/02/2010, decidiu-se julgar improcedente o recurso judicial da ora recorrente, mantendo a decisão da Exmª. Senhora Chefe do Departamento de Propriedade Industrial da Direcção dos Serviços de Economia que autorizou a concessão do registo da marca nº N/XXXXXX, a favor da ora Recorrida.
Dessa decisão vem recorrer a Recorrente, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. Não tendo sido a prioridade da XXX Limited com base no registo das marcas "XXX" nºs N/YYY e N/ZZZ o fundamento da concessão do registo da marca nº N/XXXXXX, não cumpria à recorrente alegar nos presentes autos o quer que fosse quanto a esta matéria.
2. A prioridade que está em causa nestes autos é a dos pedidos de registo das marcas da recorrente N/QQQQQ (XXX CHINA HOTEL), N/RRRRR (XXX中國大酒店) e N/TTTTT (HOTEL CHINA XXX) face ao pedido de registo da marca da recorrida nº N/XXXXXX.
3. Enquanto não forem recusados definitivamente todos aqueles registos, naturalmente que não se pode dizer que a recorrente não goza de prioridade de registo quanto à expressão "XXX" .
4. Não tendo o confronto entre as marcas N/QQQQQ (XXX CHINA HOTEL), N/RRRRR (XXX中國大酒店) e N/TTTTT (HOTEL CHINA XXX) e a marca nº N/ZZZ (XXX) sido realizado nas decisões que recusaram o registo das primeiras, e não havendo nada que impedisse o mesmo de ter sido feito, não cabia à recorrente, ao contrário do que defende a sentença recorrida, concluir que a existência da marca nº N/ZZZ (XXX) obstava ao uso da designação "XXX".
5. Não resultava da matéria assente naqueles autos que as marcas N/QQQQQ (XXX CHINA HOTEL); N/RRRRR (XXX中國大酒店) e N/TTTTT (HOTEL CHINA XXX) se confundiam e eram passíveis de ser associadas com a marca nº N/ZZZ (XXX) pelo que não pode a sentença recorrida julgar improcedente o presente recurso judicial com fundamento de que a recorrente não goza de prioridade de registo quanto à expressão "XXX" por a XXX Limited ser titular da marca nº N/ZZZ (XXX) desde 16 de Julho de 1996.
6. Não é pelo facto de a recorrente saber que a acção de caducidade da marca nº N/ZZZ (XXX) foi julgada definitivamente improcedente que a mesma estava necessariamente ciente que a sua pretensão carecia de qualquer fundamento.
7. Não tendo o confronto entre as marcas N/QQQQQ (XXX CHINA HOTEL), N/RRRRR (XXX中國大酒店) e N/TTTTT (HOTEL CHINA XXX) e a marca nº N/ZZZ (XXX) sido realizado nas decisões que recusaram o registo das primeiras, e não havendo nada que impedisse o mesmo de ter sido feito, não cabia à recorrente concluir que existia a possibilidade de confusão entre aquelas.
8. Não resultando da matéria assente nos autos que a recorrente agiu com dolo ou negligência grave, nunca poderia a mesma, nos termos dos artigos 385° e seguintes do Código de Processo Civil, ter sido condenada, por litigância de má fé, no pagamento de uma multa.
9. O disposto no nº 2 do 101° do RCT não impõe que a multa seja fixada em mais de metade do limite legal abstractamente previsto sempre que a actuação seja dolosa pelo que, ainda que a actuação da recorrente fosse dolosa, o que não se aceita, nada justifica, perante as circunstâncias supra descritas, que o montante da multa aplicada seja tão elevado, devendo, por isso, ser reduzido para um valor mais próximo do mínimo legal.
Pedindo no final que seja revogada a sentença recorrida, bem como a decisão da DSE que autorizou a concessão do registo da marca em causa.
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A Direcção dos Serviços de Economia respondeu à motivação do recurso da ora recorrente, nos termos constantes a fls. 108 a 112 dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso ora interposto.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Assentes pelo tribunal a quo:
- Em 07.01.2004 a Recorrente foi autorizada a utilizar a designação Hotel China XXX em Português, XXX中國大酒店 em Chinês e XXX China Hotel em Inglês para o seu Hotel sito na Estrada da ......, ……, através da licença nº UUUU/2004 – cf. fls. 22.
- Em 21.10.2005 a Recorrente requereu o registo das marcas N/QQQQQ, N/RRRRR e N/TTTTT para os serviços da classe nº 42 as quais consistem no seguinte: XXX China Hotel, XXX中國大酒店 e Hotel China XXX – cf. fls. 9.
- Os pedidos de registo foram publicados no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau (BORAEM), II Série, de 07.12.2005 – cf. fls. 9.
- B Hotels, Inc. em 21.03.2006 requereu o registo da Marca N/XXXXXX a qual consiste em XXX Hotels & Resorts para a classe 42 cujo pedido foi publicado no Boletim Oficial de Macau nº …, II Série de 03.05.2006 – cf. fls. 14 do proc. adm. apenso.
- Por despacho de 25.02.2008 a fls. 39 a 44 do processo administrativo apenso da Exma. Senhora Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual dos Serviços de Economia da RAEM, foi concedido o registo da marca N/XXXXXX com os fundamentos constantes daquele e que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
- Por despacho da Exma. Senhora Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual dos Serviços de Economia da RAEM de 02.04.2008 cuja cópia consta de fls. 39 a 46, foi recusado o pedido de registo da marca N/QQQQQ com base nos fundamentos constantes da informação da Sra. Técnica Superior da Direcção dos Serviços de Economia, cujo teor consta daquele e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
- O Despacho acima referido foi publicado no Boletim Oficial da RAEM, nº …, II Série, de 07.05.2008, conforme consta de fls. 57.
- Em 09.06.2008 foi apresentado neste tribunal o presente recurso.
- No processo nº 797/2007 em que era Recorrente a ora Recorrente, relativamente à marca N/ZZZ, em 17.01.2008 foi proferido pelo Tribunal de Segunda Instância o acórdão no qual foi julgado improcedente o recurso do indeferimento do pedido de caducidade da marca N/ZZZ – facto de que o tribunal tem conhecimento pelo exercício das suas funções.
Provados em sede da presente instância com conhecimento oficioso ao abrigo do disposto do artº 434º, nº 2 do CPCM:
- Os pedidos do registo das marcas da Recorrente foram todos indeferidos pela DSE, tendo duas dessas decisões sido confirmadas pelo TSI com acórdãos já transitados em julgado (Proc. nº 883/2009, para o registo da marca N/RRRRR e Proc. nº 892/2009, para o registo da marca N/TTTTT).
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III – Fundamentos
O presente recurso consiste em saber se a Recorrente goza do direito da prioridade do registo das marcas N/QQQQQ, N/RRRRR e N/TTTTT em relação ao pedido do registo da marca N/XXXXXX da Recorrida.
Pelos factos assentes, verifica-se que o pedido do registo da Recorrente é anterior ao da ora Recorrida, daí que goza, em princípio e sem necessidade de recorrer ao nº 1 do artº 202º do RJPI, do direito da prioridade do registo em relação ao pedido do registo desta.
Contudo, só faz sentido falar do direito de prioridade do registo quando as marcas da Recorrente são susceptíveis de obter o registo.
Resultam dos factos provados que os pedidos do registo das marcas da Recorrente foram todos indeferidos pela DSE, tendo duas dessas decisões sido confirmadas por este tribunal com acórdãos já transitados em julgado.
Não obstante o pedido do registo da marca N/QQQQQ da Recorrente ainda não estar definitivamente decidido, não nos afigura que a mesma possa ser registada.
Vejamos.
As marcas que a Recorrente pretende registar são todas compostas por um elemento comum e essencial, que é justamente a palavra “XXX”, cuja utilização não é livre para os serviços da classe nº 42, por ser um elemento essencial da marca N/ZZZ, registada a favor da sociedade comercial XXX Limited, para a mesma classe de serviços, notoriamente conhecida pela existência da cadeia de hotéis.
Nesta conformidade, se conclui facilmente que não assiste à Recorrente o direito de prioridade do registo, independentemente haver ou não confusão entre as suas alegadas marcas e a da Recorrida, uma vez que as mesmas não podem ser objecto de registo.
Da má-fé da recorrente:
A Recorrente defendeu pela forma seguinte:
* Não é pelo facto de a recorrente saber que a acção de caducidade da marca nº N/ZZZ (XXX) foi julgada definitivamente improcedente que a mesma estava necessariamente ciente que a sua pretensão carecia de qualquer fundamento.
* Não tendo o confronto entre as marcas N/QQQQQ (XXX CHINA HOTEL), N/RRRRR (XXX中國大酒店) e N/TTTTT (HOTEL CHINA XXX) e a marca nº N/ZZZ (XXX) sido realizado nas decisões que recusaram o registo das primeiras, e não havendo nada que impedisse o mesmo de ter sido feito, não cabia à recorrente concluir que existia a possibilidade de confusão entre aquelas.
* Não resultando da matéria assente nos autos que a recorrente agiu com dolo ou negligência grave, nunca poderia a mesma, nos termos dos artigos 385° e seguintes do Código de Processo Civil, ter sido condenada, por litigância de má fé, no pagamento de uma multa.
* O disposto no nº 2 do 101° do RCT não impõe que a multa seja fixada em mais de metade do limite legal abstractamente previsto sempre que a actuação seja dolosa pelo que, ainda que a actuação da recorrente fosse dolosa, o que não se aceita, nada justifica, perante as circunstâncias supra descritas, que o montante da multa aplicada seja tão elevado, devendo, por isso, ser reduzido para um valor mais próximo do mínimo legal.
Cremos que a recorrente tenha razão, em virtude de que o pedido do registo da Recorrente é anterior ao da ora Recorrida, daí que o simples facto de ela “saber que a acção de caducidade da marca nº N/ZZZ (XXX) foi julgada definitivamente improcedente” não é suficiente para afirmar que a Recorrente está ciente que a sua pretensão carece de qualquer fundamento.
Não se verifica portanto a litigância de má-fé nos termos do artº 385º, nº 2, al. a) do CPCM.
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Tudo ponderado, resta decidir.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conceder provimento parcial ao recurso interposto, absolvendo a Recorrente do pedido da condenação de litigância de má-fé e confirmando a sentença recorrida nas restantes partes.
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Custas do recurso pela Recorrente.
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Notifique e registe.
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RAEM, aos 12 de Janeiro de 2012.
(Relator) Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto) José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto) Lai Kin Hong
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539/2010