Processo n.º 589/2011 Data do acórdão: 2011-11-24
(Autos de recurso penal)
Assuntos:
– objecto probando do processo
– facto não provado
– matéria conclusiva
– Lei das Relações de Trabalho
– indemnização rescisória do contrato de trabalho
– contravenção
– art.o 70.o, n.o 1, da Lei n.o 7/2008
– art.o 77.o da Lei n.o 7/2008
– art.o 85.o, n.o 3, alínea 5), da Lei n.o 7/2008
S U M Á R I O
1. Como o tribunal a quo deu por não provada uma matéria exclusivamente de natureza conclusiva, o tribunal ad quem tem que considerar o correspondente “facto não provado” como não escrito, por tal “facto” não constituir nenhuma versão fáctica controvertida integradora do objecto probando do processo.
2. O art.o 70.o, n.o 1, da actual Lei das Relações de Trabalho (Lei n.o 7/2008, de 18 de Agosto), reza que “O empregador pode resolver o contrato a todo o tempo, independentemente de alegação de justa causa, tendo o trabalhador direito a uma indemnização [...]”.
3. Perante os elementos fácticos provados em primeira instância, segundo os quais a sociedade comercial ora arguida, não pagou, de modo livre, voluntário e consciente, a indemnização rescisória ao seu trabalhador ora ofendido nos autos, apesar de saber que essa conduta era proibida por lei, é de condenar efectivamente a arguida como autora de uma contravenção p. e p. pelos art.os 70.o, n.o 1, 77.o e 85.o, n.o 3, alínea 5), da Lei n.o 7/2008, inclusivamente na obrigação de pagar ao mesmo trabalhador a devida indemnização rescisória.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 589/2011
(Autos de recurso penal)
Recorrente: Ministério Público
Recorrida: A – Importações Limitada
(A –進口有限公司)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformada com a sentença proferida a fls. 139 a 146 dos autos de Processo de Contravenção Laboral n.o CR3-11-0019-LCT do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base apenas na parte absolutória da arguida infractora “A – Importações Limitada”, da inicialmente também acusada prática, por falta de pagamento de indemnização por resolução do contrato de trabalho respeitante a um trabalhador seu chamado B (B), de uma contravenção p. e p. pelos art.os 70.o, n.os 1, 2 e 4, 77.o e 85.o, n.o 3, alínea 5), da Lei n.o 7/2008, de 18 de Agosto (i.e., da vigente Lei das Relações de Trabalho), veio a Digna Delegada do Procurador junto desse Tribunal recorrer para este Tribunal de Segunda Instância, para rogar a invalidação do referido segmento da decisão final da Primeira Instância e a consequente condenação da arguida sociedade comercial pela prática daquela contravenção, por entender, nuclearmente na sua motivação apresentada a fls. 149 a 151 dos presentes autos correspondentes, que se o Tribunal autor da sentença já deu por provado que essa arguida não pagou indemnização rescisória ao dito trabalhador, então o mesmo Tribunal já não pôde afirmar nomeadamente que não havia prova suficiente para se dar por provado que a relação de trabalho entre a arguida e tal trabalhador fosse dada por cessada por iniciativa da arguida.
Ao recurso, respondeu a arguida a fls. 154 a 156 no sentido de improcedência da argumentação da entidade recorrente.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 164 a 165, pugnando pela condenação da arguida na dita contravenção.
Feito o exame preliminar, corridos os vistos, e com audiência feita nesta Segunda Instância, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
A respeito da inicialmente também acusada contravenção por imputada falta de pagamento da indemnização rescisória pela arguida sociedade comercial “A – Importações Limitada” ao seu trabalhador B:
– o Tribunal a quo, na fundamentação fáctica da sua decisão absolutória dessa contravenção, deu nomeadamente por provado que:
– B trabalhou no período de 21 de Maio de 2005 a 28 de Fevereiro de 2010 no estabelecimento “C” (C) explorado pela arguida, tendo desempenhado as funções de gerente (cfr. o primeiro facto provado);
– o estabelecimento “C” foi encerrado em 28 de Fevereiro de 2010, não tendo a arguida pago até agora a indemnização rescisória ao dito trabalhador (cfr. o terceiro facto provado);
– o trabalhador acima referido, no início, auferia MOP30.000,00 de salário mensal, montante esse que, com concordância verbal dele próprio, começou a ser reduzido, a partir do dia 1 de Abril de 2007 até à data da sua desvinculação, a MOP20.000,00, redução essa que não foi comunicada pela arguida à Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, nem autorizada por essa Entidade (cfr. o quarto facto provado);
– a arguida agiu de modo livre, voluntário e consciente, sabendo claramente que a sua conduta era proibida por lei (cfr. o penúltimo facto provado);
– por volta de Dezembro de 2009, o sócio da arguida disse ao trabalhador acima referido que ia sair de Macau por alguns dias, mas depois não voltou mais a Macau. E nessa altura, o dito trabalhador ajudou a continuar a explorar o estabelecimento “C”, pagando, com os lucros a obter, as despesas, inclusivamente relativas aos salários de outros trabalhadores e dele próprio. Mais tarde, como os lucros obtidos pelo estabelecimento já não deram para pagar a renda do local, foi encerrado o próprio estabelecimento em 28 de Fevereiro de 2010 (cfr. o último facto provado);
– enquanto já deu por não provado que:
– a arguida tinha que pagar a indemnização rescisória ao referido trabalhador (cfr. o único facto dado por não provado).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre observar que a matéria constante do único facto não provado acima referido não deveria ter sido qualificada pelo Tribunal a quo como uma matéria integradora do objecto probando do processo contravencional subjacente à presente lide recursória, visto que tal matéria é exclusivamente de natureza conclusiva, e, pois, insusceptível de prova, por não constituir nenhuma versão fáctica controvertida, pelo que é de considerar esse único “facto não provado” como não escrito na sentença.
E agora entrando no mérito do recurso sub judice:
O art.o 70.o, n.o 1, da actual Lei das Relações de Trabalho (Lei n.o 7/2008, de 18 de Agosto), reza que “O empregador pode resolver o contrato a todo o tempo, independentemente de alegação de justa causa, tendo o trabalhador direito a uma indemnização [...]”.
Tendo em mente esta norma jurídica, e perante os elementos fácticos provados acima extraídos da fundamentação fáctica da decisão absolutória ora recorrida, é de dar razão ao Ministério Público recorrente, porquanto já se encontrou suficientemente provado em primeira instância que a arguida, de modo livre, voluntário e consciente, não pagou a indemnização rescisória ao trabalhador B, apesar de saber que essa conduta era proibida por lei, sendo certo que a matéria fáctica descrita no último facto dado por provado no texto da sentença recorrida, não afasta a força “incriminatória” da factualidade conjugadamente vertida nos terceiro e penúltimo factos provados em causa.
Daí que há que proceder o recurso, com condenação directa da arguida como autora material de uma contravenção (por falta de pagamento de indemnização rescisória ao dito trabalhador) p. e p. conjugadamente pelos art.os 70.o, n.o 1, 77.o e 85.o, n.o 3, alínea 5), da Lei n.o 7/2008, de 18 de Agosto, na multa de MOP7.500,00 (graduada dentro da respectiva moldura de MOP5.000,00 a MOP10.000,00, depois de vistos todos os ingredientes fácticos dos autos, que espelham que são médios o grau de ilicitude dos factos e o grau de culpa da arguida agente), com obrigação de pagar também ao mesmo trabalhador ofendido a quantia de MOP28.816,70 a título de indemnização rescisória, aqui arbitrada oficiosamente nos termos permitidos pelo art.o 100.o do vigente Código de Processo do Trabalho, e calculada concretamente pela seguinte fórmula, em obediência ao disposto no art.o 71.o, n.o 1, alínea 3), n.o 2, n.o 6 e n.o 4, da mesma Lei, com juros legais desde a data do presente acórdão até integral e efectivo pagamento: 4,75 (4 anos e 9 meses completos de duração de trabalho) vezes 13 (dias) vezes o valor diário da remuneração-base mensal (apurado através da divisão do montante legalmente imposto de MOP14.000,00 por 30 dias).
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar provido o recurso, revogando a decisão absolutória então tomada na sentença recorrida, e passando a condenar a arguida “A – Importações Limitada” também como autora material de uma contravenção p. e p. pelos art.os 70.o, n.o 1, 77.o e 85.o, n.o 3, alínea 5), da Lei n.o 7/2008, de 18 de Agosto, na multa de MOP7.500,00 (sete mil e quinhentas patacas), e no pagamento também ao trabalhador ofendido B, de MOP28.816,70 (vinte e oito mil, oitocentas e dezasseis patacas e setenta avos) a título de indemnização rescisória, com juros legais desde a data do acórdão até integral e efectivo pagamento.
Custas do recurso pela arguida recorrida, com quatro UC de taxa de justiça, e MOP$1.200,00 (mil e duzentas patacas) de honorários a favor do seu Exm.o Defensor Oficioso, honorários esses a serem adiantados pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Comunique o presente acórdão ao trabalhador B.
Macau, 24 de Novembro de 2011.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)
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