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Processo nº 719/2011 Data: 19.01.2012
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de extorsão.
Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
Erro notório na apreciação da prova.
Contradição insanável.



SUMÁRIO

1. A insuficiência da matéria de facto dada como provada para a decisão apenas se verifica quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo.

2. O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.

É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.

3. Ocorre contradição insanável da fundamentação se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo



Processo nº 719/2011
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Sob acusação pública e em audiência colectiva responderam (1ª) A (A), (2°) B (B) e (3°) C (C), com os sinais dos autos, vindo a ser condenados pela prática, em co-autoria de 1 crime de “extorsão”, na forma tentada, p. e p. pelo art. 215°, n.° 2, al. a), 198°, n.° 2, al. c) e 196°, al. b) do C.P.M..
Como tal, foi a (1ª) arguida A condenada na pena de 2 anos e 9 meses de prisão e os (2° e 3°) arguidos B e C, na de 2 anos e 6 meses de prisão.
Decidiu também o Colectivo efectuar o cúmulo jurídico das penas aplicadas aos (1ª e 3°) arguidos A e C com as que lhes tinham sido aplicadas nos processos CR1-08-0043-PCC e CR2-07-0147-PCC, e, nesta conformidade, fixou-lhes a pena única de 3 anos e 5 anos de prisão, respectivamente; (cfr., fls. 492 a 492-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformados, os arguidos recorreram; (cfr., fls. 513 e segs., 556 e segs. e 594 e segs.).

*

Em resposta pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público pela rejeição dos recursos; (cfr., fls. 640 a 647).

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Admitidos os recursos, e remetidos os autos a este T.S.I., emitiu o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer opinando também pela confirmação do Acórdão recorrido; (cfr., fls. 758 a 761).

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Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados os factos seguintes:

“1º
No dia 6 de Dezembro de 2008, a arguida A, a fim de pagar as dívidas de jogo contraídas anteriormente com outra pessoa, combinou com o arguido B, que cabia a ela levar a sair de casa o filho D (D) nascido da relação entre ela e seu ex-marido E (E) e posteriormente mentir a E que ela e D foram raptados pelo credor de dívida, no sentido de exigir a E a pagar as dívida.

Pelo que, a arguida, no dia 7 de Dezembro, pelas 19H00, tomou de arrendamento um quarto localizado na Rua de ......, Centro “......”, bloco …, …º andar “…”, a fim de levar D para ali.

Para realizar o supracitado plano, o arguido B procurou o arguido C para prestar auxílio, no sentido de fingir como pessoa do credor e de telefonar a E para lhe exigir dinheiro.

No dia 7 de Dezembro, pelas 22H14, a arguida A levou D para o quarto por ela arrendado, sito no Centro “......”, bloco …, …º andar “…”.

No mesmo dia, pelas 22H26, a pedido da arguida A, os arguidos B e C deslocaram-se ao quarto arrendado pela arguida A, sito no Centro “......”, bloco …, …º andar “…”.

No quarto, a arguida A inseriu o cartão de telemóvel com número 66XXXXXX no seu telemóvel, ligando para o telemóvel de E.

Ligado ao telemóvel de E, o arguido B deixou o arguido C falar directamente com E.

O arguido C, de acordo com o teor combinado anteriormente com os arguidos Ai e B, disse a E: “Tua esposa e filho estão comigo, estando muito seguros eles, mas tua ex-esposa deve à nossa companhia RMB180.000 que é equivalente a HK$200.000, vais devolvê-lo por ela.”
10º
No dia 8 de Dezembro, pelas 4H16, a arguida A, com o seu telemóvel de número 62XXXXXX, emitiu a E a mensagem seguinte: “Mandaram-te para transferir RMB180.000 para a minha conta do Banco da Construção da China n.º43XXXXXXXXXXXXXXXXX, pois a culpa é toda minha, peço desculpas. Vou te devolver esse dinheiro e vou abandonar a casa para viver fora”.
11º
No dia 8 de Dezembro, pelas 20H00, a arguida A disse ao seu filho D para ligar ao telefone da loja de E, criada no centro comercial do Edifício “......” sito na Rua de ...... (n.º28XXXXXX), exigindo-lhe que chorasse falando com F, pai de E que atendeu o telefonema: “há dois “tios” que me vigiam, vai avô depositar dinheiro rapidamente, caso contrário, a mãe vai ser agredida”.
12º
No dia 9 de Dezembro, pelas 00H10, a arguida A emitiu novamente a E a seguinte mensagem: “Peço-te que leves em consideração XX, prestando a ultima ajuda, a criança é inocente e foi a minha culpa que causou prejuízo a ele. Por favor.”
13º
No dia 9 de Dezembro, por volta das 9H00, a arguida, com o telemóvel de número 62XXXXXX, mais uma vez ligou para E, dizendo-lhe que o credor não queria cobrar antecipadamente parte dos juros, mas sim que fosse depositado integralmente o montante de RMB180.000 na conta bancária da arguida A.”
14º
No mesmo dia, pelas 9H23, a arguida A emitiu a E a mensagem seguinte: “A bateria do meu telemóvel vai esgotar, tu não tens que agarrar no dinheiro e deixar-nos morrer, e se ocorrer alguma coisa má a XX, não te vou deixar em paz mesmo que eu seja morta”.
15º
No dia 9 de Dezembro, por volta das 17H00, a arguida A pediu aos arguidos C e B que se deslocassem à fracção “…” do …º andar, do bloco … do Centro “......”; Posteriormente, às 17H25, só o arguido C chegou ao local, e a arguida A, com o telemóvel de número 66XXXXXX, ligou para o telemóvel de E e após ligado, deixou o arguido C falar com E, conforme o teor anteriormente combinado entre eles: “Devolva dinheiro rapidamente, tens que depositar de uma só vez RMB180.000 na conta da tua esposa do Banco de Construção da China e não em prestações, caso não o faça até à 5ª feira desta semana, tens que pagar cinco mil por dia a título de juros”.
16º
No mesmo dia, pelas 20H01, a arguida A emitiu uma mensagem a E: “Amanhã às 1H00 do meio dia, o patrão vai verificar a conta do banco, espero que deposite o montante pontualmente”.
17º
No dia 10 de Dezembro, pelas 13H45, agentes da Polícia Judiciária interceptaram a arguida no lado exterior da porta da fracção “…”, do …º andar, bloco … do Centro “......”.
18º
Depois, agentes da Polícia Judiciária encontraram, num quarto daquela fracção, D.
19º
Posteriormente, agentes da Polícia Judiciária encontraram na posse da arguida A, um telemóvel com número 66XXXXXX, um cartão de telemóvel pré-pago de “Smartone” com número 62XXXXXX (por lapso na Acusação indicou-se como 62XXXXXX), dois cartões da conta de poupança do Banco de Construção da China n.ºs 62XX XXXX XXXX XXXX XXX e 43XX XXXX XXXX XXXX XXX, três chaves pertencentes à fracção “…”, do …º andar, bloco … do Centro “......” sito na Rua de ...... e chave do quarto onde foi escondido D, bem como uma lista telefónica e um papel com indicação do código “2348#” para entrada da porta principal do bloco … do Centro “......”(vd. Auto de Apreensão, fls. 58)
20º
Os supracitados telemóveis e cartões de telemóvel pré-pagos eram utensílios de contacto que utilizavam os arguidos A, C e B, ao extorquirem dinheiro junto de E.
21º
Devido à intervenção da autoridade policial, E não pagou o supracitado montante exigido pelos arguidos A, B e C.
22º
Os arguidos A, B e C, em conluio, teceram a cena de terem sido raptados a arguida A e D, no intuito de fazer E acreditar que sua esposa ora arguida A e filho D foram raptados, de tal modo a obrigá-lo a entregar dinheiro para trocar a liberdade e segurança dos mesmos.
23º
A supracitada conduta dos arguidos A, B e C fez com que E acreditasse que sua esposa ora arguida A e filho foram raptados e que era necessário de pagar dinheiro para trocar a liberdade e segurança da sua esposa e do seu filho.
24º
Os arguidos A, B e C sabiam bem que não tinham direito a exigir o supracitado montante junto de E.
25º
Os arguidos A, B e C, agiram de forma livre, voluntária e consciente, em conjugação e divisão de tarefas, ao praticarem as condutas acima referidas.
26º
Os arguidos A, B e C tinham perfeito conhecimento de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
*
Além disso, da audiência de julgamento também ficaram provados os seguintes factos
1. De acordo com as declarações feitas pela 1ª arguida A, exercia a profissão de vendedora, auferindo um salário mensal de entre MOP13.000 a 14.000. Tem como habilitações literárias o 8º ano de escolaridade do ensino secundário e não tem ninguém a seu cargo.
2. De acordo com as declarações feitas pelo 2º arguido B, exercia a profissão de bate-fichas e auferia um salário mensal de 12.000, tendo a seu cargo sua mãe e esposa.
3. De acordo com as declarações feitas pelo 3º arguido C, exercia a profissão de delivery man, tem habilitações literárias de ensino secundário completo, tendo a seu cargo os pais e filha.
De acordo com o certificado de registo criminal, os arguidos A, B e C não eram primários, tendo os mesmos os seus antecedentes criminais seguintes:
A 1ª arguida A:
- Em 26/2/2010, foi condenada nos autos CR1-08-0043-PCC do Tribunal Judicial de Base, na pena de 9 meses de prisão, com suspensão de execução da pena pelo período de 2 anos, pela prática de um crime de furto qualificado.
O 2º arguido B:
- Em 1/2/2007, foi condenada nos autos CR1-06-0152-PCC do Tribunal Judicial de Base, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão efectiva, pela prática de um crime de extorsão, pena essa foi libertada definitivamente em 4/4/2007.
O 3º arguido C:
- Foi condenado nos autos CR2-95-0001-PQR, na pena de multa, pela prática de um crime de uso de documento alheio, p. p e pelo art.º 13º da Lei n.º2/90/M, tendo a referida pena sido declarada extinta em 3/5/2006 pela prescrição.
- Foi condenado nos autos CR2-07-0147-PCC pela prática de crime de burla, p. p e pelo art.º 211º, n.3 do Código Penal, em cúmulo jurídico, na pena de prisão de 3 anos e 10 meses, após o recurso interposto pelo Ministério Público.
- Foi acusado nos autos CR4-10-0051-PCC da prática de um crime de receptação, p. p e pelo art.º 227, n.º1 do Código Penal (sic), aguardando o julgamento”.

Seguidamente, e como “factos não provados”, consignou-se no Acórdão recorrido que não se provou que “na fracção “…”, do …° andar do bloco … do centro “......”, os arguidos B e C entregaram à arguida A, um cartão de telemóvel que os mesmos tinham comprovado previamente (n.° 66XXXXXX)”.

E, justificando esta sua decisão, expôs-se também no veredicto em questão o que segue:

“Na audiência de julgamento, os três arguidos igualmente declararam que, a fim de exigir dinheiro junto do ex-marido da 1ª arguida para pagar as dívidas de jogo, os mesmos, em conluio, através de telefonemas e mensagens, mentiram ao ex-marido da 1ª arguida que esta e seu filho foram raptados por outra pessoa, exigindo-lhe que pagasse dinheiro para remir as pessoas raptadas.
De acordo com as declarações feitas na audiência de julgamento pelo 3º arguido C, no dia 7 de Dezembro de 2008, pelas 22H26, o 2º arguido B, a pretexto de que não falava cantonês fluente, deixou o 3º arguido falar ao telefone com o ex-marido da 1ª arguida para lhe exigir dinheiro; e mais esclareceu na audiência de julgamento que quando ele fez a primeira chamada telefónica e quando a parte oposta quem atendeu o telefonema manifestou intenção de apresentar queixa à polícia, o 2º arguido disse-lhe para não ter medo, podendo continuar o telefonema do mesmo tipo.
Por outro lado, os três arguidos declararam igualmente que, no dia 9 de Dezembro de 2008, pelas 17H00, quando foi feita de novo a chamada telefónica para o ex-marido da 1ª arguida para lhe exigir dinheiro, altura em que o 2º arguido B não estava presente no local, tendo os 1ª e 2º arguido também confirmado que aquela chamada telefónica foi feita por eles.
Na audiência de julgamento, o 2º arguido B confessou que, a pedido da 1ª arguida, organizou o 2º arguido (sic) para realizar a acção de extorsão por via telefónica.
Pelo que, são suficientes as provas relativas aos factos e capazes de dar-se por provados os factos, sendo os quais tais como as declarações prestadas na audiência de julgamento pelos 1ª arguida A, 2º arguido B e 3º arguido C, os depoimentos prestados pelas testemunhas, bem como os documentais constantes dos autos, nomeadamente os registos telefónicos feitos pelos arguidos na ocorrência dos factos, e as mensagens emitidas ao ofendido pelos arguidos que podem servir de prova”.

Do direito

3. Vem os arguidos recorrer da decisão que os condenou como co-autores da prática de 1 crime de “extorsão” na forma tentada.

Ponderando nas questões pelos mesmos 3 arguidos suscitadas, afigura-se-nos que são os recursos manifestamente improcedentes, sendo de se rejeitar os recursos como se passa a (tentar) expor.

–– Do recurso da arguida A.

Diz a ora recorrente que a decisão recorrida padece do vício de “erro notório na apreciação da prova” e que excessiva é a pena que lhe foi imposta pelo dito crime.

Pois bem, em relação ao vício em questão, repetidamente tem este T.S.I. afirmado que: “O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”

De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 07.12.2011, Proc. n.° 656/2011 do ora relator).

Na situação dos autos, e em síntese, afirma a arguida que “independentemente da convicção do Tribunal “a quo”, a qual, o Recorrente bem conhece como sendo insindicável, o que está em causa é a notoriedade do erro na apreciação da prova que foi produzida em juízo relativamente ao constrangimento que a Arguida terá causado ao ofendido, e bem assim, da prova que foi produzida em juízo relativamente ao meio de violência ou ameaça usado pela Arguida”, e que “compulsados os presentes autos e toda a documentação da audiência, pode constatar-se que inexistem elementos de prova bastantes para sustentar o suporte factivo à decisão ora recorrida, relativamente ligação da Arguida com o plano diabólico na extorsão por parte dos 2° e 3° arguidos, de forma a poder-se concluir que a Arguida é coautora e não “coagida” ”.

Ora, sem prejuízo do muito respeito por entendimento em sentido diverso, cremos ser manifesta a improcedência do assim afirmado.

De facto, a factualidade dada como provada é clara tanto na forma de cometimento do crime, (em comparticipação, e mais concretamente, em co-autoria), o mesmo sucedendo quanto à dita “ameaça”, assim sendo de se concluir após uma mera leitura à mencionada factualidade.

Constata-se assim que limita-se a recorrente a tentar impor a sua versão dos factos, afrontando o princípio de livre convicção do Tribunal, (cfr., art. 114° do C.P.P.M.), o que, como é óbvio, não colhe.

Quanto à pena.

Pelo crime em questão, fixou o Colectivo a quo a pena de 2 anos e 9 meses de prisão.

Diz a ora recorrente é excessiva a tal pena, e que adequada seria uma pena não superior a 2 anos de prisão.

Também aqui não tem a recorrente razão.

Ao crime de extorsão em causa cabe a pena de 3 a 15 anos de prisão.

Dada a sua forma de cometimento, (tentativa), ao mesmo cabe a pena de 7 meses e 6 dias a 10 anos de prisão; (cfr., art. 67° do C.P.M.).

E perante esta moldura penal, a factualidade provada, de onde se denota um dolo directo e intenso e uma acentuada ilicitude, e as necessidades de prevenção, evidente se nos mostra que nenhuma censura merece a pena de 2 anos e 9 meses de prisão que à recorrente foi imposta.

–– Do recurso do arguido B.

Afirma este arguido que o Acórdão recorrido padece do mesmo vício de “erro notório”, de “contradição insanável da fundamentação” e, em síntese, que verificados não estão os elementos típicos do crime pelo qual foi condenado.

Como se deixou adiantado, é patente a falta de razão do ora recorrente.

No que toca ao “erro”, dá-se aqui como reproduzido o que se expôs sobre a mesma questão aquando do conhecimento do recurso da arguida A, pois que, também aqui limita-se o ora recorrente a afrontar o princípio de livre convicção do Tribunal, tentando tão só impor a sua versão dos factos, o que, como sabido é, não procede.

O mesmo sucede com a assacada “contradição”.

Com efeito, tal vício tem sido entendido como aquele ocorre quando “se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão”; (cfr., v.g., o Ac. deste T.S.I. de 29.09.2005, Proc. n° 108/2005, e, mais recentemente, de 07.12.2011, Proc. n° 656/2011).

E, pelo menos em nossa opinião, não vislumbramos em todo o Acórdão recorrido qualquer contradição, apresentando-se-nos o mesmo lógico e claro, ociosas nos parecendo outras considerações sobre a questão.

Vejamos agora da qualificação jurídica.

Também aqui, reparo não merece a decisão recorrida.

Nos termos do art. 215° do C.P.M.:

“1. Quem, com intenção de conseguir para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, constranger outra pessoa, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, a uma disposição patrimonial que acarrete, para ela ou para outrem, prejuízo, é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.

2. Se se verificarem os requisitos referidos:

a) Nas alíneas a), f) ou g) do n.º 2 do artigo 198.º, ou na alínea a) do n.º 2 do artigo 204.º, o agente é punido com pena de prisão de 3 a 15 anos;

b) No n.º 3 do artigo 204.º, o agente é punido com pena de prisão de 10 a 20 anos”.

E, nesta conformidade, perfeitamente adequada nos parece a consideração do Tribunal a quo no sentido de que: “de acordo com os factos apurados, os 1ª arguida A, 2° arguido B e 3° arguido C, em divisão de tarefas entre si e em conluio, falsificaram os factos de terem sido raptados a arguida A e D, filho menor nascido da relação entre a 1ª arguida e seu ex-marido, no intuito de fazer o ex-marido da 1ª arguida E acreditar que seu filho e ex-esposa foram raptados, de tal modo a obrigá-lo a entregar HK$200.000 para trocar a liberdade e segurança da 1ª arguida e o seu filho menor. Embora o acto dos três arguidos não tenha sido bem sucedido devido à intervenção oportuna da autoridade policial, os três arguidos constrangiam outra pessoa, por meio de rapto com mal importante, a entregar montante de valor relativamente elevado, com as suas condutas, evidentemente os três arguidos cometeram, em co-autoria material e na forma tentada, um crime de extorsão, previsto e punido pelos art.° 215°, n.° 2, al. a), 198°, n.° 2, al. a) e 196°, al. b) do Código Penal”.

Visto fica assim que razão não tem o ora recorrente quando alega “falta de dolo”, “erro sobre a ilicitude” e a sua “mera cumplicidade”.

Por fim, e quanto à pena aplicada para o crime em causa, dão-se também aqui como reproduzidos as considerações atrás expostas na apreciação do recurso da arguida A.

–– Quanto ao recurso do arguido C.

Entende este arguido que padece o Acórdão recorrido do vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, “contradição insanável”, “errada qualificação jurídica” e “excesso de pena”.

Como é bom de ver, evidente é a falta de razão do ora recorrente.

No que diz respeito à “insuficiência”, patente é que a mesma não ocorre, pois que tal vício apenas se verifica quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo, o que, no caso, não aconteceu.

Em relação à “contradição insanável”, remete-se para o que se deixou consignado aquando da decisão do recurso do arguido B , pois que, de leitura por nós efectuada ao Acórdão recorrido não se divisa tal vício, afigurando-se-nos que o mesmo apenas pode ser o resultado de uma interpretação pessoal do recorrente que não se mostra de subscrever.

Por fim, e quanto às restantes questões, cabe dizer que também já foram as mesmas apreciadas, motivos não havendo para aqui proceder a qualquer alteração.

De facto, a qualificação jurídica mostra-se-nos correcta e a pena justa e adequada à intensidade do dolo e grau de ilicitude assim como às necessidades de prevenção criminal.

Decisão

4. Em face do exposto, e apresentando-se-nos os recursos manifestamente improcedentes, acorda-se pela sua rejeição; (cfr., art. 410°, n.° 1 do C.P.P.M.).

Pagarão os recorrentes 6 UCs de taxa (individual) de justiça, e como sanção pela rejeição do seu recurso, o equivalente a 4 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 4 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exmo. Defensor do arguido C no montante de MOP$900,00.

Macau, aos 19 de Janeiro de 2012

(Relator)
José Maria Dias Azedo

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng

(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa
Proc. 719/2011 Pág. 26

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