Processo nº 819/2011 Data: 19.01.2012
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “desobediência”.
Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
Contradição insanável.
Medida da pena.
SUMÁRIO
1. O vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão apenas ocorre “quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo.
2. A contradição insanável de fundamentação ocorre quando “se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão.
3. Devem-se evitar penas de prisão de curta duração.
4. Porém, se da matéria de facto provada, nomeadamente, dos antecedentes criminais do arguido, se constatar que este insiste em levar uma vida delinquente, não obstante os “avisos” que lhe foram feitos, assim como as oportunidades que lhe foram dadas, (várias condenações anteriores em pena de prisão suspensa na sua execução), impõe-se a aplicação de uma pena privativa da liberdade, ainda que de curta duração.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 819/2011
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por sentença do Mmo Juiz do T.J.B., datada de 28.10.2011, decidiu-se condenar o arguido A (A), com os sinais dos autos, como autor de 1 crime de “desobediência”, p. e p. pelo art. 121°, n.° 7 da Lei n.° 3/2007, (“Lei do Trânsito Rodoviário”), e art. 312°, n.° 1, al. a) do C.P.M., na pena de 2 meses de prisão; (cfr., fls. 81 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado o arguido recorreu.
Motivou, para, a final, e em síntese, imputar à sentença recorrida os vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e “contradição insanável da fundamentação”, pedindo também a suspensão da execução da pena; (cfr., fls. 101 a 115-v).
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Respondendo, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público pela rejeição do recurso; (cfr., fls. 126 a 128-v).
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Admitido o recurso e remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista emitiu o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Na sua Motivação (fls, 102 a 116 dos autos), O recorrente pretendeu, em primeiro lugar, a remessa para novo julgamento por vícios previstos nas alíneas a) e b) do n.°2 do art.400.° do CPP e, a título subsidiário, a concessão da suspensão da execução da pena aplicada.
Antes de mais, subscrevemos as criteriosas explanações da nossa Exma. Colega na Resposta (fls.126 a 128 verso dos autos), e nada temos, de relevante, a acrescentar-lhes.
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Nos arts. 10° a 22° da Motivação, o recorrente assacou insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, prevista na alínea a) do n.°2 do art.400.° do CPP, argumentando que nos autos, nenhuma prova podia demonstrar que ele tivesse sido notificado do despacho de «indeferir» o seu pedido de adiar a execução da pena de «inibição de condução» pelo período de um ano e três meses (中止其駕駛執照效力1年3個月), pena que fora aplicada no Acórdão decretado no Processo n.°CR4-06-0075-PCC (vide. fls.26 a 31 verso dos autos).
Concernente à «insuficiência para a decisão da matéria de facto provada», a doutrina frisa que “Deve notar-se que a al. a) do n.°2 se refere à insuficiência da matéria de facto provada indispensável à decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova art.°400.°), que é insindicável em reexame da matéria de direito”. (Manuel Leal-Henriques e Manuel Simas-Santos: Código de Processo Penal de Macau - Notas, 1997, p.820).
No Acórdão decretado no Processo n.°17/2000, o Venerando TUI inculca: Para se verificar a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada é necessário que a matéria de facto provada se apresenta insuficiente, incompleta para a decisão proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito adequada. Aparece o vício quando os factos dados como provados pelo tribunal sejam incompletos para chegar correctamente à solução de direito constante da decisão recorrida.
No caso sub judice, é verdade que não se verifica, nos autos, prova demonstrativa da notificação do despacho que, recaindo no requerimento cujo teor se encontra na fls.33 dos autos, determinou «第348頁至第 349 頁: 因判決已確定,故閱» (cfr. fls.34 dos autos).
Apesar disso, analisando essa falta de notificação em sintonia com os ensinamentos supra citados, entendemos que não se vislumbra a invocada «insuficiência para a decisão da matéria de facto provada», decisão que traduz em condená-lo na autoria material e na forma consumada do crime de desobediência e na pena de2 meses de prisão efectiva.
Pois, o recorrente deu entrada do seu requerimento em 28/06/2010 (cfr. fls.33 dos autos) - altura em que transitara já em julgado aquele Acórdão decretado no Processo n.°CR4-06-0075-PCC. E, o recorrente tinha sido notificado de que «通知嫌犯於10日內向治安警察局交通廳繳交允許其在澳門駕駛的文件» (cfr. esse Acórdão), e ainda «若嫌犯在上述期間內不提起上訴,本案合議庭裁判將於2010年6月28日轉為確定» (cfr. fls.32 dos autos).
A sentença recorrida revela que conforme o respectivo registo criminal, o recorrente não é primário - havendo 4 condenações transitadas e um processo pendente, pelo que a sua “experiência” lhe permitia saber que o dever de cumprimento da decisão judicial nasce logo do trânsito em julgado.
Sendo assim, não parece exagerado ou arriscado considerar-se que era uma manobra intencionalmente dilatória o mencionado requerimento de 28/06/2010, no qual o recorrente solicitou o adiamento de executar a pena de inibição da condução pelo período de 1 ano e 3 meses.
Nesta medida, a falta da notificação do despacho de indeferimento não justifica que o recorrente aguardaria a notificação, nem o dispensou do dever de cumprimento atempado daquela pena. Daí que tal falta não exclui nem a ilicitude nem a culpa do incumprimento da dita pena.
O que significa que no caso vertente, a matéria de facto provada é adequada e suficiente para a decisão de condená-lo na autoria material e na forma consumada do crime de desobediência e na pena de 2 meses de prisão efectiva.
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Ora bem, inculca reiterada e constantemente o Venerando TUI que como vício intrínseco da decisão, a “contradição insanável da fundamentação” consiste na contradição entre a fundamentação probatória da matéria de facto, bem como entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada. (vide. Acórdãos nos Processos n.°17/2000 e n.°52/2010)
Importa ainda reter que só se verifica tal vício quando se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre este e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão (Acórdãos do TSI no Processos n.°634/2010 e n.°656/2011).
Quer dizer, a contradição tem de se apresentar insanável ou irredutível que não possa ser ultrapassada com o recurso à decisão recorrida no seu todo e às regras da experiência comum. (vide. Acórdãos do TUI nos Processos n.°17/2000 e n.°18/2002)
No caso em apreço, o recorrente entende: «在此情況下,原審(法院) 既認定 “嫌犯A仍向該案主案法官請求延遲執行停牌決定,” 同時又指出 “嫌犯明知須於判決指定的期限內將駕駛執照送交治安警察局以便辦理停牌手續, 但仍在自由, 自願及有意識的情況下故意違犯該命令”之說明理由存在矛盾。» (art.25° da Motivação)
A nosso ver, não tem razão o recorrente.
Com efeito, o referido requerimento do recorrente de 28/06/2010 não é incompatível com o facto (dado como provado) de sabendo perfeitamente da obrigação de entregar à PSP a carta de condução no período fixado na sentença, e o recorrente não cumprir tal dever livre, consciente e voluntariamente.
Pois, apresenta-se ser mais razoável que o recorrente entregasse o requerimento em 28/06/2010, com o propósito fraudulento de atrasar o cumprimento daquele dever. Ou seja, tal requerimento era uma manobra intencionalmente dilatória.
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Face à Participação n.° 3945/2010/CTM (doe. de fls.7 dos autos), não há margem para dúvida de que não foi voluntária mas interpelada a apresentação do recorrente na PSP para o cumprimento do Acórdão decretado no Processo n.° CR4-06-0075-PCC (doe. de fls.5 dos autos).
Tal circunstância, conjugada com as demais, designadamente com os antecedentes criminais, mostra que a suspensão da execução da pena de 2 prisão não é adequada nem suficiente tanto para a prevenção geral como para a especial. O que implica não se verificar in casu a violação do arts.48° do CP.
E, os antecedentes criminais tomam-se previsível que de igual sorte acontecerá a pena não privativa da liberdade, dado que as penas de multa anteriormente condenadas nunca revelam operativos. Deste modo, a sentença recorrida não infringe o disposto nos arts.40°, 64° e 65° do CP”; (cfr., fls. 137 a 139).
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Passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados os factos elencados na sentença recorrida a fls. 78-v a 79 e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Vem o arguido recorrer da sentença que o condenou como autor de 1 crime de “desobediência”, p. e p. pelo art. 121°, n.° 7 da Lei n.° 3/2007 e art. 312°, n.° 1, al. a) do C.P.M., na pena de 2 meses de prisão.
Imputa à sentença recorrida os vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e “contradição insanável da fundamentação”, pedindo também a suspensão da execução da pena.
Afigura-se-nos porém de subscrever o douto entendimento exposto no Parecer do Ilustre Procurador Adjunto, e, assim, de concluir que nenhuma razão tem o recorrente, sendo o recurso de rejeitar dada a sua manifesta improcedência; (cfr., 410°, n.° 1 do C.P.P.M.).
Passa-se a tentar explicitar este nosso ponto de vista.
–– No que toca à “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, repetidamente tem este T.S.I. afirmado que o vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão apenas ocorre “quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo”; (cfr., v.g., o Acórdão de 09.06.2011, Proc. n.°275/2011 e de 15.12.2011, Proc. 796/2011).
No caso, e independentemente do demais, não tendo o Tribunal a quo omitido pronúncia sobre a matéria objecto do processo, evidente é que inexiste o assacado vício, ociosas sendo outras considerações.
–– Quanto à “contradição”.
O vício em questão ocorre quando “se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão; (cfr., v.g., o Ac. deste T.S.I. de 29.09.2005, Proc. n° 108/2005)”; (cfr., v.g. no Acórdão deste T.S.I. de 07.12.2011, Proc. n° 656/2011).
E, também aqui, não se vislumbra nenhuma contradição, como bem se nota no referido Parecer cujo teor se dá como reproduzido para todos os efeitos legais.
De facto, a sentença recorrida apresenta-se-nos lógica e clara, afigurando-se-nos que a imputada contradição se deve à sua má compreensão por parte do recorrente.
–– Por fim, no que tange à suspensão da execução da pena.
Teve já este T.S.I. oportunidade de afirmar que:
“O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.”; (cfr., v.g., Ac. de 27.10.2011, Proc. n° 535/2011, do ora relator).
Nesta conformidade, e atentos os antecedentes criminais do ora recorrente, evidente se nos mostra que verificados não estão os pressupostos materiais para a pretendida suspensão, ou seja, e nomeadamente, “que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Bem se sabe que se devem evitar penas de prisão de curta duração.
Porém, atentos os antecedentes criminais do ora recorrente, e a personalidade pelo mesmo demonstrada, outra solução cremos não haver.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art. 409°, n.° 2, al. a) e 410, n.° 1 do C.P.P.M.).
Pagará o recorrente 5 UCs de taxa de justiça, e como sanção pela rejeição do seu recurso, o equivalente a 4 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 4 do C.P.P.M.).
Macau, aos 19 de Janeiro de 2012
(Relator) José Maria Dias Azedo
(Primeiro Juiz-Adjunto) Chan Kuong Seng
(Segunda Juiz-Adjunta) Tam Hio Wa
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Proc. 819/2011 Pág. 1