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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau



Recurso civil (reclamação)
N.° 17 / 2006

Recorrente: A
Recorrido: B






1. Relatório
   O autor do presente processo instaurou a acção laboral perante o Tribunal Judicial de Base, pedindo que a ré A seja condenada nomeadamente a pagar as compensações laborais, que totalizam em MOP$1.282.486,00, acrescidas de juros. Na primeira instância foi a acção julgada parcialmente procedente, condenando a ré a pagar ao autor o montante total de MOP$570.877,00, como indemnização de descanso semanal, férias anuais remuneradas e feriados obrigatórios.
   Ambas as partes recorreram para o Tribunal de Segunda Instância. Afinal, foi negado provimento ao recurso do autor e o recurso da ré julgado parcialmente procedente, ficando o montante de indemnizações a pagar, na parte respeitante a férias anuais, reduzido a MOP$76.258,00, com a manutenção do restante julgado de primeira instância.
   Do acórdão do Tribunal de Segunda Instância recorreu a ré para o Tribunal de Última Instância.
   
   Juntado o recurso aos autos, o relator do Tribunal de Última Instância, após a audição da recorrente, proferiu o seguinte despacho no sentido de não admitir o recurso:
“A recorrente, ré da acção, interpôs recurso para este tribunal do acórdão do Tribunal de Segunda Instância. Apesar de o recurso ter sido admitido pelo relator do Tribunal de Segunda Instância, foi posta em causa a sua recorribilidade e a recorrente convidada a pronunciar sobre a questão.
Nos termos do art.° 638.°, n.° 2 do CPC, mesmo que o valor da causa exceda a alçada do Tribunal de Segunda Instância, não é admitido recurso do acórdão deste tribunal que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diverso fundamento, a decisão proferida na primeira instância, salvo se o acórdão for contrário a jurisprudência obrigatória.
Com excepção da parte sobre o valor da indemnização por descanso anual, a decisão da primeira instância foi confirmada, sem voto de vencido, pelo Tribunal de Segunda Instância, pelo que a parte do acórdão que foi confirmada não é recorrível.
Por outro lado, em relação à decisão da segunda instância quanto ao valor da indemnização por descanso anual, embora seja admissível o recurso da parte de acórdão que não confirmou a sentença da primeira instância, tal decisão é igualmente irrecorrível por ser desfavorável à recorrente apenas no valor de MOP$76.258,00, fixado pela segunda instância, logo inferior à metade da alçada do Tribunal de Segunda Instância, ao abrigo do n.° 1 do art.° 583.° do CPC.
Face ao exposto, não admito o recurso interposto pela recorrente.
   Custas pela recorrente.”
   
   Vem agora a recorrente reclamar deste despacho à conferência do Tribunal de Última Instância.
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   Para a reclamante, não sendo confirmada toda a sentença de primeira instância pelo Tribunal de Segunda Instância, é recorrível o acórdão deste, para além de ser idênticos os valores do presente recurso e do precedente para o Tribunal de Segunda Instância. Para o recurso ao Tribunal de Última Instância não há delimitações como as previstas no art.º 589.º do Código de Processo Civil (CPC).
   
   As condições de recurso para o Tribunal de Última Instância estão reguladas, a título de princípios, no art.º 638.º do CPC:
   “1. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, das decisões referidas no artigo 583.º, quando proferidas pelo Tribunal de Segunda Instância, cabe recurso para o Tribunal de Última Instância.
   2. Mesmo que o valor da causa exceda a alçada do Tribunal de Segunda Instância, não é admitido recurso do acórdão deste tribunal que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diverso fundamento, a decisão proferida na primeira instância, salvo se o acórdão for contrário a jurisprudência obrigatória.”
   
   Fora dos casos de desconformidade com a jurisprudência obrigatória, o acórdão do Tribunal de Segunda Instância é irrecorrível quando a sentença de primeira instância for confirmada por aquele tribunal por unanimidade. A intenção do legislador é claramente evitar novo recurso das decisões das duas instâncias de mesmo sentido.
   Nos termos da referida regra, quando integram no acórdão do Tribunal de Segunda Instância várias decisões, deve estar reunidos os tais requisitos para interpor recurso de cada uma daquelas. Isto é, não é recorrível para o Tribunal de Última Instância se as duas instâncias decidirem no mesmo sentido. Só se pode recorrer a parte da decisão do Tribunal de Segunda Instância que não confirmou unanimemente a sentença de primeira instância. Caso contrário, seria permitir apreciar no Tribunal de Última Instância, como terceira instância, questões que já foram decididas da mesma forma nas primeira e segunda instâncias.
   A base do argumento da reclamante reside em considerar o acórdão do Tribunal de Segunda Instância como um todo incindível. Desde que o Tribunal de Segunda Instância não confirmou toda a sentença de primeira instância, mesmo em relação a uma das decisões da sentença, é recorrível todo o acórdão daquele tribunal. Este entendimento é contrário à intenção do legislador relativa a norma constante do n.º 2 do art.º 638.º do CPC.
   
   Como condições gerais do recurso, dispõe ainda o n.º 1 do art.º 583.º do CPC: “Salvo disposição em contrário, o recurso ordinário só é admissível nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre, desde que a decisão impugnada seja desfavorável à pretensão do recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal; em caso, porém, de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, atende-se somente ao valor da causa.”
   Numa sentença em que integram várias decisões, se forem recorríveis apenas algumas destas, para aferir a conformidade com os requisitos previstos neste número sobre os valores da causa e da sucumbência, deve-se atender somente os valores destas decisões e não o valor total dos interesses ligados à toda a acção.
   Segundo o acórdão do Tribunal de Segunda Instância proferido nos presentes autos, só a parte da sentença de primeira instância sobre a indemnização das férias anuais não foi confirmada pelo Tribunal de Segunda Instância, reduzindo o montante indemnizatório nesta parte para MOP$76.258,00. Este valor é manifestamente inferior ao prescrito em termos do valor de sucumbência no art.º 583.º, n.º 1 do CPC. Assim, a reclamante não pode recorrer do acórdão do Tribunal de Segunda Instância, devendo ser mantido o despacho do relator.
   
   
   
   3. Decisão
   Face aos expostos, acordam em indeferir o requerido.
   Custas da reclamação e as fixadas no despacho em causa a cargo da reclamante.


   Aos 19 de Julho de 2006.



           Juízes:Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai





Processo n.° 17 / 2006 6