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Processo n.º 174/2011 Data do acórdão: 2012-1-19
(Autos de recurso penal)
  Assuntos:
  – julgamento de factos
  – falta de prova
– art.o 114.o do Código de Processo Penal
– art.o 400.o, n.o 2, alínea a), do Código de Processo Penal
– ofensa à integridade física
– medida da pena
S U M Á R I O
1. Não sendo o resultado concreto do julgamento da matéria de facto a que chegou o tribunal recorrido desrazoável à luz das regras da experiência da vida humana em normalidade de situações ou violadora de quaisquer legis artis ou normas de prova legal, não pode vir o arguido recorrente pretender, através da invocada “falta de prova”, fazer sindicar, ao arrepio do art.o 114.o do Código de Processo Penal vigente (CPP), a livre convicção do tribunal.
2. Não tendo o arguido oferecido qualquer contestação escrita à acusação, todo o objecto probando do processo já ficou delimitado pela factualidade descrita no libelo acusatório, e tendo o tribunal recorrido acabado por dar por provada toda essa factualidade imputada, não pode haver qualquer lacuna no apuramento da matéria objecto do processo, o que preclude necessariamente a viabilidade do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, aludido no art.o 400.o, n.o 2, alínea a), do CPP.
3. Atendendo a que o arguido bateu com murro no olho esquerdo do ofendido (sendo consabidamente o olho um dos principais órgãos do corpo humano), acto de agressão física esse que por isso exibe um elevado grau de ilicitude, com a agravante de que ele nem confessou os factos, é patentemente justa e equilibrada a pena de um ano de prisão achada na sentença recorrida, dentro da respectiva moldura de um mês a três anos, para o crime de ofensa à integridade física.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 174/2011
(Autos de recurso penal)
Recorrente: A




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com a sentença proferida a fls. 96 a 98v dos autos de Processo Comum Singular n.° CR3-09-0146-PCS do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que o condenou como autor material de um crime consumado de ofensa (simples) à integridade física, p. e p. pelo art.o 137.o, n.o 1, do Código Penal vigente (CP), na pena de um ano de prisão, suspensa na sua execução por dois anos, sob condição de ter que pagar, no prazo de três meses, MOP7.461,00 (sete mil, quatrocentas e sessenta e uma patacas) de indemnização de despesas médicas e de danos morais, arbitrada oficiosamente, a favor do ofendido B, veio o arguido A, aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para imputar, a título principal, a essa decisão condenatória o vício de falta de prova a fim de rogar a sua absolvição, para além de pedir, subsidiariamente, a redução da pena, tendo alegado, na sua motivação apresentada a fls. 104 a 109 dos presentes autos correspondentes, e na sua essência, o seguinte:
– é senso comum das pessoas que ninguém bate no outro sem nenhum motivo, pelo que tendo o Tribunal a quo dado por provado que “o arguido, por motivo não apurado, travou discussão com o ofendido”, e tendo o próprio arguido negado a prática dos factos, e não podendo o relatório de perícia médico-legal dos autos comprovar qualquer motivo da agressão física, não há, de facto, prova nos autos a sustentar o juízo condenatório do crime acusado, pelo que o próprio arguido deve ser absolvido por força do princípio de in dubio pro reo, e também devido ao vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
– e no caso de assim não se entender, sempre dirá que a pena graduada pelo Tribunal recorrido é demasiado pesada, com ofensa ao disposto nos art.os 40.o e 65.o do CP.
Ao recurso respondeu o Ministério Público a fls. 111 a 112v, no sentido de improcedência da argumentação do recorrente.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 120 a 121v, pugnando pela manutenção do julgado.
Feito subsequentemente o exame preliminar (em sede do qual se entendeu dever o recurso ser decidido em conferência) e corridos os vistos legais, cumpre agora decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Com pertinência à solução do recurso, fluem do exame dos autos os seguintes elementos:
O Tribunal recorrido deu por provada, na sua essência, a seguinte factualidade, que inclui já toda a factualidade então descrita na acusação deduzida a fls. 42 a 42v contra o arguido:
– o arguido A e a sua mulher moram na fracção BE de um andar de um edifício sito em Macau;
– B e a sua mulher moram ao lado do arguido, ou seja, na fracção BD do mesmo andar do mesmo edifício;
– em 16 de Outubro de 2005, cerca das seis horas e meia da tarde, o arguido, por motivo não apurado, travou discussão com B no dito andar;
– nessa ocasião, o arguido bateu com murro no olho esquerdo de B, e, seguidamente, pisou no pé direito de B, com o objectivo de ofender o corpo e a saúde de B;
– a conduta acima referida do arguido causou directa e necessariamente ferimentos a B, que demandaram sete dias para convalescença;
– o arguido agiu voluntária e conscientemente, com o propósito de cometer os actos acima referidos, bem sabendo que a sua conduta era ilegal e punível pela lei;
– o arguido, em 22 de Março de 2007, por cometimento de dois crimes de ofensa (simples) à integridade física do art.o 137.o, n.o 1, do CP, e de um crime de ameaça do art.o 147.o, n.o 1, do mesmo Código, foi condenado na pena de um ano de prisão por cada um dos primeiros dois delitos, e na pena de sete meses de prisão pelo último crime, e, em cúmulo, na pena única de dois anos e três meses de prisão, suspensa na sua execução por três anos, sob condição de ter que pagar, em três meses, indemnização aos respectivos ofendidos, pena essa que já foi declarada como extinta;
– o arguido tem por habilitações literárias o ensino secundário complementar, é operário de decorações, com doze mil patacas de rendimento mensal, e precisa de sustentar o pai e dois filhos.
O arguido não chegou a apresentar a contestação escrita à acusação, conforme o que se retira do processado de fls. 64 e seguintes.
Segundo a fundamentação da decisão recorrida, aliás em sintonia com o teor da acta de audiência em primeira instância lavrada a fls. 94 a 95, o arguido não confessou os factos.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, e por uma questão de sequência lógica das ilegalidades apontadas pelo recorrente à decisão condenatória impugnada, cabe, desde já, afirmar que depois de analisados os elementos probatórios referidos na fundamentação da sentença recorrida, se mostra evidente ao presente Tribunal ad quem que o resultado concreto do julgamento da matéria de facto a que chegou o Tribunal recorrido não seja desrazoável à luz das regras da experiência da vida humana em normalidade de situações ou violadora de quaisquer legis artis ou normas de prova legal, pelo que não pode vir o arguido pretender, através do invocado vício de “falta de prova”, fazer sindicar materialmente, ao arrepio do art.o 114.o do Código de Processo Penal vigente (CPP), a livre convicção daquele Ente Julgador, sendo também de observar que como o Tribunal recorrido já deu por assente que o arguido travou discussão com o ofendido, embora não tenha apurado o motivo por que se travou essa discussão, é sem dúvida nenhuma que a agressão cometida contra o ofendido teve precisamente por motivo tal discussão.
Outrossim, também não ocorre nenhum vício aludido no art.o 400.o, n.o 2, alínea a), do CPP, uma vez que não tendo o arguido oferecido qualquer contestação escrita à acusação, todo o objecto probando do processo já ficou delimitado pela factualidade descrita no libelo acusatório, e tendo o Tribunal recorrido acabado por dar por provada toda essa factualidade imputada, não pode haver qualquer lacuna no apuramento da matéria objecto do processo, o que preclude necessariamente a viabilidade do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Por fim, quanto à almejada redução do quantum da pena de prisão, é manifesta também a sem razão do recorrente, dado que atendendo a que ele chegou a bater com murro no olho esquerdo do ofendido (sendo consabidamente o olho um dos principais órgãos do corpo humano), acto de agressão física esse que por isso exibe um elevado grau de ilicitude, com a agravante de que ele nem confessou os factos, é patentemente justa e equilibrada, sob a égide dos padrões da medida da pena veiculados nos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do CP, a dosemetria penal de prisão achada na sentença recorrida, dentro da moldura de um mês a três anos de prisão, para o crime em questão.
Há, pois, que rejeitar o recurso em conferência, por ser manifestamente infundado (art.os 409.o, n.o 2, e 410.o, n.o 1, in fine, do CPP).
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em rejeitar o recurso.
Custas pelo arguido recorrente, com três UC de taxa de justiça e três UC de sanção pecuniária, e mil e trezentas patacas de honorários a favor do seu Exm.o Defensor Oficioso, a adiantar, por ora, pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Comunique a presente decisão ao ofendido.
Macau, 19 de Janeiro de 2012.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)



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